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Processo n.º 952/08
3ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que é
recorrente A. e recorrido o Ministério Público, a Relatora proferiu a seguinte
decisão sumária:
«DECISÃO SUMÁRIA
I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público,
foi interposto recurso, ao abrigo do artigo 280º, n.º 1, alínea b) da CRP e do
artigo 70º, n.º 1, alínea b) da LTC, do “douto Acórdão”, sem maior especificação
(cfr. fls. 1010), que se conclui ser o acórdão do Tribunal da Relação do Porto,
proferido em 24 de Outubro de 2007 (fls. 911 a 952), que foi objecto de recurso
julgado inadmissível por despacho proferido pelo Relator, em 11 de Junho de 2008
(fls. 991), que, por sua vez, seria objecto de reclamação para o Presidente do
Supremo Tribunal de Justiça, que viria a proferir despacho de indeferimento, em
14 de Julho de 2008 (fls. 994 e 995).
O recurso foi interposto para que seja apreciada a alegada inconstitucionalidade
das seguintes normas:
a) artigos 97º, n.º 4, e 333º, n.ºs 1 e 2 do CPP;
b) artigos 119º, alínea c) e 122º, n.º 1 do CPP;
c) artigo 332º, n.º 1 do CPP;
d) artigos 129 e 356º, n.º 7 do CPP;
e) artigos 343º, n.º 4 e 410º, n.º 3 do CPP;
f) artigos 379º, n.º 1, alínea c), 410º, n.º 2, 412º, n.ºs 3 e 4, 417º,
n.º 2, 427º, 428º e 431º, todos do CPP e artigo 9º do Decreto-Lei n.º 39/95.
2. Verificada a ausência de referência às peças processuais nas quais as
referidas inconstitucionalidades teriam sido invocadas, bem como a ausência de
indicação de quais as interpretações normativas concretamente reputadas de
inconstitucionais, a Relatora convidou o recorrente a aperfeiçoar o requerimento
de interposição de recurso, ao abrigo do n.º 6 do artigo 75º-A da LTC (fls.
1021).
Mediante extenso requerimento (fls. 1023 a 1046), o recorrente indicou,
resumidamente, que suscitou as aludidas inconstitucionalidades normativas quer
no recurso interposto para o Tribunal da Relação do Porto, quer no recurso para
o Supremo Tribunal de Justiça. Contudo, o recorrente persiste em não indicar
quais as concretas interpretações normativas que entende terem sido aplicadas
pela decisão recorrida, tendo-se limitado a transcrever trechos das respectivas
motivações de recurso por si apresentadas em juízo.
Cumpre, então, apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
3. Independentemente do problema levantado pela omissão do recorrente em indicar
– de modo preciso, conciso e especificado – quais as concretas interpretações
normativas que entende terem sido adoptadas pela decisão recorrida, é manifesto
que o recorrente nunca suscitou, de modo processualmente adequado – como lhe é
imposto pelo n.º 2 do artigo 72º da LTC –, qualquer uma das
inconstitucionalidades normativas que pretende ver agora apreciadas.
Através da análise do respectivo requerimento de interposição de recurso para o
Tribunal Constitucional, apresentado em juízo, em 17 de Setembro de 2008 (fls.
1010), verifica-se igualmente que foi o próprio reclamante que elegeu como alvo
de recurso um “douto Acórdão” proferido nos autos recorridos. Significa isto que
o reclamante nem sequer cumpriu o ónus processual de identificação precisa do
“Acórdão” de que pretendia recorrer, designadamente, através da data da sua
prolação ou da data de notificação ao próprio.
Para apurar quais as interpretações normativas efectivamente aplicadas, bem como
para aferir da adequada suscitação das respectivas inconstitucionalidades,
importa, necessariamente, identificar tal “Acórdão”. Por opção processual, que
apenas pode ser imputada ao mandatário do ora reclamante, foi interposto
recurso, tão-só, de um “douto Acórdão” (!). Significa isto que o recurso não vem
interposto nem do despacho do Relator junto do Tribunal da Relação do Porto que
rejeitou o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, proferido em
11 de Junho de 2008 (fls. 991), nem tão pouco do despacho que decidiu indeferir
de reclamação apresentada, proferido em 14 de Julho de 2008, pelo
Juiz-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (fls. 994 e 995). Assim, por
opção processual do ora reclamante não foi interposto recurso de qualquer
despacho proferido nos autos recorridos, mas antes do “enigmático” “douto
Acórdão”.
Ora, o único acórdão relevante e constante dos autos é aquele proferido em 24 de
Outubro de 2007. Aliás, até pelo elenco de normas que o recorrente elegeu como
objecto do presente recurso, torna-se forçoso concluir ser essa a decisão
jurisdicional que se pretende impugnar nestes autos de recurso de
constitucionalidade. Ora, tendo isto presente, torna-se evidente que qualquer
alegação de inconstitucionalidade produzida nas alegações de recurso para o
Supremo Tribunal de Justiça é processualmente irrelevante, na medida em que o
tribunal recorrido – o da Relação do Porto – não poderia permanecer obrigado a
conhecer de questões que só foram colocadas por intermédio de recurso para o
Supremo Tribunal de Justiça, que, aliás, viria a ser julgado legalmente
inadmissível (cfr. fls. 991, 994 e 995).
Tendo lançado mão de um meio processualmente inadmissível, não pode o recorrente
socorrer-se desse mesmo meio para justificar o preenchimento do ónus de adequada
suscitação da inconstitucionalidade, para os efeitos previstos no n.º 2 do
artigo 72º da LTC.
4. Resta-nos então averiguar se o recorrente suscitou, de modo processualmente
adequado as questões de inconstitucionalidade normativa que pretende ver
apreciadas por este Tribunal, em sede de motivação de recurso para o Tribunal da
Relação do Porto.
Ora, apesar de procurar afirmar o contrário no requerimento de aperfeiçoamento
(fls. 1023 a 1046), certo é que o recorrente nunca suscitou, de modo
processualmente adequado, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa na
motivação de recurso para o Tribunal da Relação do Porto, que faça agora parte
do objecto do presente recurso. Curiosamente, a única inconstitucionalidade
normativa que o recorrente efectivamente suscitou naquela sede foi a da
interpretação conjugada dos artigos 123º, n.º 1 e 364º, n.º 3, ambos do CPP
(cfr. § 4º das conclusões daquele recurso, a fls. 912). Sucede, porém, que o
objecto do presente recurso não inclui qualquer interpretação daquelas normas.
Quanto às demais, impõe-se referir o seguinte:
i) Através do § 11º das conclusões (fls. 913), o
recorrente limita-se a alegar que a conduta do tribunal de primeira instância
teria violado os artigos 97º, n.º 4, e 333º, n.ºs 1 e 2 do CPP. A referência
genérica ao artigo 205º da Constituição não vem associada a uma imputação de
inconstitucionalidade daquelas normas, antes se reportando à própria actuação do
titular do órgão de soberania encarregue da administração da Justiça. Na medida
em que este Tribunal não sindica a constitucionalidade de actos jurisdicionais,
mas apenas de actos normativos, não se pode concluir pela adequada suscitação da
inconstitucionalidade daquelas normas;
ii) Através do § 14º das conclusões (fls. 913), o
recorrente limita-se a qualificar o acto jurisdicional praticado pelo tribunal
de primeira instância como nulo, por referência aos artigos 119º, alínea c) e
122º, n.º 1 do CPP, mas nunca os reputando de inconstitucionais;
iii) Através do § 25º das conclusões (fls. 915), o
recorrente limita-se a afirmar que “a omissão de dar conhecimento ao co-arguido
A., mesmo que resumidamente, do que se passou na sua ausência constitui uma
intolerável diminuição das garantias de defesa consagradas no artigo 32.º, n.º
1, da CRP”, passando a propor aquela que considera a interpretação mais correcta
dos artigos 343º, n.º 4 e 410º, n.º 3 do CPP. Ora, mais uma vez, o recorrente
apenas invocou um preceito constitucional para colocar em causa o acto
jurisdicional alegadamente omitido, mas nunca suscitou, de modo processualmente
adequado, qualquer incidente de inconstitucionalidade normativa;
iv) Quanto às demais normas – a saber: artigos 332º, n.º 1;
129 e 356º, n.º 7, artigos 379º, n.º 1, alínea c), 410º, n.º 2, 412º, n.ºs 3 e
4, 417º, n.º 2, 427º, 428º e 431º, todos do CPP e artigo 9º do Decreto-Lei n.º
39/95 – é evidente que o recorrente nunca alegou a sua inconstitucionalidade
perante o Tribunal da Relação do Porto.
Em suma, é flagrantemente evidente que o recorrente não suscitou a
inconstitucionalidade de qualquer das normas cuja inconstitucionalidade pretende
ver agora apreciada, em termos tais que o Tribunal da Relação do Porto pudesse
delas conhecer. Ora, o Tribunal Constitucional apenas pode conhecer de questões
de inconstitucionalidade normativa que já tenham sido conhecidas – ou, então,
que pudessem ter sido alvo de conhecimento – por parte dos tribunais comuns.
A falta de preenchimento do ónus processual que impende sobre o recorrente, por
força do n.º 2 do artigo 72º da LTC, impede o conhecimento do objecto do
presente recurso.
III – DECISÃO
Nestes termos, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82,
de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de
Fevereiro, e pelos fundamentos supra expostos, decide-se não conhecer do objecto
do presente recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC´s, nos termos do
n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro, sem prejuízo do
benefício de apoio judiciário de que goza o recorrente (fls. 572), na modalidade
de dispensa de pagamento de custas.»
2. Inconformado com esta decisão, vem o recorrente reclamar, para a conferência,
contra a não admissão do recurso, em termos que podem resumir-se no seguinte:
«A decisão da Exma. Sra. Relatora Conselheira considerou que o recorrente não
suscitou de modo processualmente adequado (como lhe é imposto pelo artigo 72º,
n.º 2 da LTC) as concretas interpretações normativas.
Compulsados os autos verifica o Recorrente que de facto no recurso interposto
para este Tribunal Constitucional apenas fez expressamente referência “ao douto
Acórdão”.
No entanto, salvo melhor opinião, o Recorrente, quando notificado para indicar
as peças em que suscitou as inconstitucionalidades invocadas no requerimento de
recurso, bem como a interpretação normativa aplicada pela decisão recorrida
relativamente a cada uma das normas invocadas como inconstitucionais, suprimiu
essa obscuridade.
Tanto mais que refere que, por exemplo, quanto às normas dos artigo 97º, nº 4 e
333°, n.º 1 e n.º 2 do CPP aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de
Fevereiro, na interpretação feita pelo Tribunal, em violação do estatuído no
artigo 205º da Constituição, o Arguido invocou a sua inconstitucionalidade, quer
no recurso do Acórdão do Tribunal Judicial de Valongo interposto para o Tribunal
da Relação do Porto, quer no recurso interposto do Acórdão do Tribunal da
Relação do Porto para o Supremo Tribunal de Justiça.
Naturalmente, e inequivocamente, se apenas estivesse em questão “o douto
Acórdão”, não se vislumbra que o Supremo Tribunal de Justiça tivesse proferido
qualquer um que versasse as inconstitucionalidades alegadas sobre a decisão do
Tribunal da Relação do Porto. Nem tão pouco que o Recorrente não tivesse
suprimido a obscuridade “do douto Acórdão”, quando depois de convidado nos
termos do disposto no artigo 75°, n.º 5 da LTC, tivesse remetido quer para o
recurso do Acórdão do Tribunal Judicial de Valongo interposto para o Tribunal da
Relação do Porto, quer para o recurso interposto do Acórdão do Tribunal da
Relação do Porto para o Supremo Tribunal de Justiça.
Do mesmo modo, relativamente aos princípios da lealdade e da boa fé e à
interpretação das normas dos artigos 129° e 356°, n.º 7 do CPP aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, na interpretação feita pelo Tribunal
e contrária ao Acórdão do Tribunal Constitucional, de 02 de Março de 1994 (in
13MJ, 435), que considerou inconstitucional a interpretação no sentido de
admitir o depoimento de um agente de polícia judiciária que contactou com um
co-arguido que entretanto não foi mais possível encontrar quanto ao teor de
conversas que dele escutou, em violação do princípio da legalidade processual
decorrente dos artigos 2°, 57°, 262°, 355°, 356° e 357° do CPP e artigo 29° da
Constituição (nulla pena sine judicio) não podendo as declarações assim
produzidas ser valoradas como meio de prova e concorrerem para a formação da
convicção do tribunal como foi o caso dos autos.
Assim, como no que concerne aos princípios da imediação e da concentração e das
normas dos artigos 343°, n.º 4 e 410º, n.º 3 do CPP aprovado pelo Decreto-Lei
n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, na interpretação feita pelo Tribunal, em violação
do estatuído nos artigo 32° n.º 1 da Constituição e às normas dos artigos 379.
°, n.º 1, alínea c), 410°, n.º 2, 412°, n.º 3 e 4, 417°, n.º 2, 427°, 428°,
431°, do CPP aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, bem como
do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 320/2002, DR-IA, 07.10.2002 e do artigo
9° do Decreto-Lei no 39/95, de 15 de Dezembro, na Interpretação feita pelo
Tribunal, em violação do estatuído nos artigo 32° n.º 1 da Constituição »
(fls.1083 a 1085).
3. Notificado da reclamação, para os efeitos previstos no n.º 2 do artigo 77º da
LTC, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto em exercício neste Tribunal veio
pronunciar-se no seguinte sentido:
«1°
A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2°
Na verdade, a argumentação do recorrente em nada abala os fundamentos da decisão
reclamada, no que toca à evidente inverificação dos pressupostos do recurso.»
(fls. 1087)
Cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
4. O reclamante limita-se a afirmar que suscitou de modo adequado a
inconstitucionalidade das normas que constituem objecto do presente recurso, mas
não acrescenta nenhum argumento que ponha em causa o sentido da decisão ora
reclamada.
Conforme já notado pela decisão reclamada, o reclamante não suscitou, de modo
adequado, em sede de alegações de recurso para o Tribunal da Relação do Porto, a
inconstitucionalidade de qualquer dos preceitos questionados no presente
recurso, tendo-se limitado a atacar a própria decisão jurisdicional que os
aplicou e não os enunciados normativos contidos nos respectivos preceitos
legais.
Deste modo, não se vislumbram fundamentos para reforma da decisão ora reclamada.
III – DECISÃO
Pelos fundamentos supra expostos, e ao abrigo do disposto no do n.º 3 do artigo
78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei
n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC’s, nos
termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 9 de Fevereiro de 2009
Ana Maria Guerra Martins
Vítor Gomes
Gil Galvão