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Processo n.º 874/08
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
No âmbito da acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, proposta por
A. contra B., que iniciou os seus termos, sob o n.º 308/2002, na 2.ª Secção da
Vara de Competência Mista de Coimbra, foi proferida decisão, em primeira
instância, que julgou totalmente improcedente o pedido, a saber, a anulação de
testamento outorgado pelo pai do Autor, com fundamento na incapacidade acidental
do testador.
Na sequência de recurso de apelação interposto pelo Autor, tal decisão viria a
ser integralmente confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra,
proferido em 2 de Outubro de 2007.
O Autor reagiu também contra esta decisão através da interposição de recurso de
revista para o Supremo Tribunal de Justiça que, mediante acórdão proferido em 28
de Fevereiro de 2008, negou a revista, confirmando a decisão recorrida.
No referido recurso de revista o Autor suscitara perante o Supremo Tribunal de
Justiça a seguinte “questão de inconstitucionalidade”:
“…174 - Preceitua o artº 22º da CRP “O estado e as demais entidades públicas,
são civilmente responsáveis, por omissões praticadas no exercício das suas
funções e por causa desse exercício, resulte prejuízo para outrem”.
175- Ora, os tribunais, no exercício das suas funções, têm o direito à
coadjuvação de outras autoridades (artº 202º da CRP).
176- Ora, não se tendo aplicado ou não se aplicando na sua plenitude o
disposto no nº 3 do artº 265º do CPC, in casu, de forma a que o CML do INML,
possa, tomar posição sobre “as reclamações, dúvidas e reparos” feitos ao seu
parecer, tal posição é, eventualmente, causadora de prejuízos graves ao
recorrente, porquanto, não foi obtido um parecer médico legal emitido por uma
entidade pública com competência oficial para tal, que, não deixe dúvidas ou
reparos a quenquer.
177- Tal não aplicação, origina a violação do ínsito nos artº 22º e
202º da CRP, pelo que é inconstitucional, inconstitucionalidade que desde já se
argui para todos os devidos e legais efeitos…”.
O Supremo Tribunal de Justiça decidiu a revista, nesta parte, nos seguintes
termos:
“…No acórdão da RC de 27.9.2005, junto aos autos, foi anulado o
julgamento para se ampliar a matéria de facto, tendo-se determinado que, antes
do julgamento, fosse requisitado um “parecer técnico v.g. ao Instituto de
Medicina Legal de Coimbra, ou outra entidade que se entenda especialmente
habilitada e estranha ao processo, que após analisar toda a documentação
clínica constante dos autos emita o seu relatório, devendo nomeadamente
responder aos quesitos ora aditados”.
O exame foi ordenado e o CML de Coimbra elaborou relatório que
finaliza do seguinte modo: “... considerando todas as razões assinaladas...
reafirmamos que o Senhor A. poderia (sensorialmente) aperceber-se de que o
teriam levado a um notário, que teve de assinar um papel que foi denominado “o
seu testamento”, mas há razões para admitir, por tudo quanto anteriormente foi
descrito, que não compreendeu o significado completo do acto cometido”.
A R. insurgiu-se contra o mencionado relatório e o Sr. Juiz, no uso de
poder discricionário, decidiu mandar comparecer na audiência de julgamento o
relator do mencionado Parecer para prestar esclarecimentos, designadamente os
que a R. suscitou.
O A. opôs-se à audição, em audiência, do relator do Parecer, alegando
que a R. apenas poderia reclamar do Parecer ou pedir novo exame.
O juiz indeferiu a oposição do A. e este interpôs recurso de agravo
que aquele não admitiu.
O A. reclamou da não admissão do recurso para o Presidente da Relação
de Coimbra que indeferiu a reclamação, por a decisão do juiz ter sido emitida no
uso de um poder discricionário.
E, explicitou-se nessa decisão que a opção feita pelo juiz se
justificava pela forma directa e quase pessoal que a R. havia imprimido à sua
discordância com as razões expressas no parecer pelo respectivo relator.
Portanto, nem o juiz nem qualquer das partes viram necessidade da
realização de um segundo exame pericial.
E o poder-dever do juiz, consignado no art. 265.º, n.º 3, do CPC,
apenas tem de ser exercido quando ao juiz se afigure necessária determinada
diligência para o apuramento dos factos, quer no decurso da produção da prova
quer mesmo em sede de julgamento, quando e se o seu decurso assim o impuser.
E só a inobservância ostensiva e injustificada da omissão da
diligência constitui nulidade.
E, sendo tal nulidade secundária, deve ser suscitada pela parte
interessada, no decurso da produção de prova ou no decurso do julgamento, até
terminar ou, então, posteriormente, mas sempre dentro do prazo legal.
Não se vê dos autos que tenha havido qualquer omissão ostensiva ou
injustificada do juiz em pedir esclarecimentos ou pedir novo exame, nem, por
outro lado, se verifica que qualquer das partes tenha suscitado ou reclamado de
qualquer nulidade nessa eventual omissão.
O que o juiz entendeu necessário foi mandar comparecer o relator do
Parecer para prestar esclarecimentos, designadamente sobre as dúvidas
levantadas pela R..
Além disso, não se vê também que, no decurso do julgamento,
especialmente quando foi ouvido o relator do Parecer, se tenham suscitado
dúvidas ao julgador que determinassem ouvir mais alguém que tenha intervindo
nesse Parecer.
O poder-dever do juiz a que alude o art. 265.º, 3, citado, não pode
ser despoletado em função da resposta que vier a ser dada aos números da BI.
Aliás, como se vê da fundamentação da decisão da matéria de facto,
proferida em 8.9.2006, nenhuma dúvida do juiz se divisa nas respostas que deu a
cada número da BI e da fundamentação que aí exarou.
E, o facto de as respostas não coincidirem com a conclusão do
Parecer, nada acrescenta porque “a força probatória das respostas dos peritos é
fixada livremente pelo tribunal”.
É certo que em exames que requerem determinados conhecimentos, em
princípio, o juiz deve seguir as conclusões dos especialistas que os levem a
cabo, mas pode divergir e discordar se o fizer fundamentadamente.
E, no caso dos autos, a fundamentação da discordância é tão
pormenorizada e credível que não vemos como pode pôr-se em causa.
O exame não incidiu sobre a pessoa do testador, porque o mesmo já
havia falecido.
E o exame pericial, segundo o determinado pelo referido Acórdão da
Relação de Coimbra, apenas deveria analisar “toda a documentação clínica
constante dos autos”.
Mas o Parecer mete-se noutras matérias que, como diz o juiz, na
referida fundamentação, começa com uma informação prévia “que, em inúmeros
pontos, parte de premissas, senão falsas, pelo menos não comprovadas”.
Analisando, pois, quer a produção de prova quer a fase de julgamento
não vemos que o juiz tenha infringido o disposto no art. 265.º, 3, do CPC ou
qualquer outra disposição legal que permita concluir que tenha havido o “uso
indevido ou o não uso desse poder-dever”, dessa forma sendo sindicável por este
Supremo Tribunal de Justiça.
Esta conclusão, a de que “o uso indevido ou o não uso desse
poder-dever é matéria sindicável em via de recurso pelo Supremo Tribunal de
Justiça”, vertida no Ac. deste STJ de 12.6.2003, citado pelo recorrente tem a
nossa concordância, pelo que, ao não determinarmos que se proceda a novo exame,
como peticionado, em nada se opõe a essa doutrina.
Aliás, o decidido nesse acórdão não tem o mesmo ou semelhante
substrato de facto porque aí discutia-se a realização de um exame pericial
destinado a averiguar a capacidade de uma pessoa viva, a quem podia ser feito
novo exame para o efeito.
Além disso, havia, no exame efectuado, dúvidas, reticências, reparos a
colmatar.
No caso dos autos, o exame a realizar incidiria necessariamente
apenas sobre “toda a documentação clínica constante dos autos” e nem ao juiz
nem a qualquer das partes se suscitaram dúvidas para mandar esclarecer.
Não podem é confundir-se dúvidas com o facto de se não concordar com a
conclusão do referido relatório, porque isso já pertence ao foro da convicção
do juiz e não às dúvidas sobre o versado no relatório.
Por isso, nem se verifica a necessidade de novo exame nem o agora
decidido conflitua com jurisprudência firmada no STJ nem a reunião das secções
se torna necessária para “assegurar a uniformidade da jurisprudência”. Único
caso em que há lugar à uniformização de jurisprudência.
Finalmente, diga-se que, não havendo qualquer omissão praticada no
exercício do Poder Soberano dos Tribunais, nenhuma violação ocorre dos arts.
22.º e 202.º da CRP, como defende o recorrente.
Resta concluir que, não tendo sido demonstrado que o testador, quando
outorgou o testamento, estava incapacitado de entender o sentido da sua
declaração, ainda que transitória, como o impõe o art. 2199.º do CC,
demonstração, cujo ónus cabia ao A., nos termos do art. 342.º, 1 do mesmo Cód.
Civil, como se refere nas decisões das instâncias, evidente se torna a
improcedência do recurso…”.
O Autor viria a arguir a nulidade deste último acórdão, tendo o Supremo Tribunal
de Justiça indeferido a mesma, mediante acórdão datado de 8 de Maio de 2008.
No referido requerimento de arguição de nulidade, o A. suscitara perante o
Supremo Tribunal de Justiça outra “questão de inconstitucionalidade”,
nomeadamente:
“…y) Ora, o recorrente requereu “por prévia prudência, que o
julgamento do recurso fosse feito com a intervenção do plenário das secções
cíveis, ex vi do disposto no nº 2 do artº 732º-A do CPC”.
(...)
bb) Ora, a petição do recorrente em qualquer dos casos retro
mencionados em vez de ser decidida pelo Senhor Presidente do Supremo Tribunal
de Justiça, conforme preceitua o nº 1 do artº 732º- A do CPC, foi-o pela secção
cfr. fls. 10 do acórdão ora arguido de nulo.
cc) Pelo que, tal acórdão com toda a humildade “ao conhecer de questões das
quais não podia ter tomado conhecimento” porque da competência doutra entidade,
cometeu nulidade de julgamento – excesso de pronuncia, violando assim o ínsito
no nº 1 do artº 732º-A do CPC e 265º nº 3 do mesmo diploma legal e ainda a al.
d) do nº 1 do artº 668º, 716º, 731º, 732º do CPC e nos artºs 20º, 22º e 202 da
CRP…”
O Supremo Tribunal Justiça decidiu o incidente de nulidade, nesta parte, nos
seguintes termos:
«…Não cumprir o determinado pelo art. 732.º-A, 1, do CPC nunca
constitui uma nulidade da sentença (acórdão) mas, antes, uma nulidade do
processo, por traduzir “um desvio do formalismo processual seguido, em relação
ao formalismo processual prescrito na lei...”.
E, de facto, foi cometida tal nulidade.
(...)
Como decorreu o prazo para arguir a nulidade e porque a mencionada
nulidade não é nulidade da sentença, é tardia a reclamação…”.
O Autor interpôs então recurso dos referidos acórdãos do Supremo Tribunal de
Justiça para o Tribunal Constitucional, apresentando requerimento para esse
efeito com o seguinte teor, na parte que ora releva:
“…O presente recurso é instaurado nos termos das alíneas b), f), g) e i) do nº 1
do artº 70º da Lei de OFPTC ex vi do nº 1 do seu artº 75º.
Passa a indicar os motivos do recurso e os princípios e normas constitucionais e
legais, que considera violados, bem como as peças processuais em que o
recorrente suscitou as questões da inconstitucionalidade e da ilegalidade (ex vi
do disposto no nº 2 do artº 75º da Lei retro citada):
(...)
34- NORMAS VIOLADAS E APLICADAS COM FERIMENTO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
(Princípios do Inquisitório e da Verdade Material).
a) Artº 587º do CPC:
Nº 3- “Se as reclamações forem atendidas, o Juiz ordena que os peritos
completem, esclareçam ou fundamentem, por escrito, o relatório apresentado”.
Artº 265º do CPC “nº 3 – Incumbe ao Juiz realizar ou ordenar mesmo oficiosamente
todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição
do litigio quanto aos factos que lhe é licito conhecer”.
Artº 732º do CPC:
“nº 1- O Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, determina até à prolação do
Acórdão que o julgamento do recurso se faça com a intervenção do plenário das
secção cíveis, quando tal se revele necessário ou conveniente para assegurar a
uniformidade da jurisprudência”.
Nº 2 - O julgamento alargado previsto no nº anterior pode ser requerido por
qualquer das partes, ou pelo Ministério Publico (seria bom que o Ministério
Publico averiguasse) e deve ser sugerido pelo Relator por qualquer das partes e
pelos Presidentes das Secções Cíveis ...” (cfr. Ac. do STJ de 12/06/2003 in Col.
Jur. 2003- pag. 100 e deste Venerando Tribunal nº 261/02 de 18/06/2002 – DR 2ª
de 24/7/2002 – pág. 12892).
Artº 20º da Constituição da Republica Portuguesa:
“1- A todos é assegurado... o acesso ao direito... mediante processo equitativo.
Artº 22º:
2- Na Administração da Justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos
direitos e interesses legalmente protegidos.
(...)
36- Ora, o recorrente entende que:
a) Os Senhores Juízes da 1ª, 2ª e 3ª Instância para cumprirem o estatuído
legalmente deviam ter ordenado o envio dos autos com reclamação da recorrida ao
CML do INML para o mesmo em sede colegial “completar, esclarecer, ou
fundamentar, por escrito, o relatório apresentado (nº 3 do artº 587º do CPC)”
b) Os mesmos Senhores Juízes, estavam obrigados a nos termos do nº 3 do artº
265º do CPC “a não só enviar tal relatório com a reclamação da recorrida ao CML
do INML, mas outrossim, a, mantidas as duvidas, ordenar nova peritagem (exame) à
capacidade do Sr. A..
“Se alguma dúvida ou reparo merecer o exame pericial destinado a avaliar a
capacidade do requerido para reger a sua pessoa e bens, deverá o tribunal
oficiosamente, mandar realizar novo exame”. O nº 3 do artº 265º do CPC não
integra uma simples faculdade de uso discricionário mas consagra um indeclinável
compromisso do Juiz com a verdade material. O uso indevido ou o não uso desse
poder-dever é matéria sindicável em via de recurso pelo STJ (Ac. do STJ de
12/06/2003- Col. Jur. STJ 2003- 100).
c) Os Senhores Juízes Conselheiros que prolataram o acórdão que negou a revista:
1- Estavam obrigados a dar cumprimento ao requerido pelo recorrente até à
prolação do acórdão.
2- A não decidir sobre a posição dos acórdãos face ao pedido do recorrente da
revista alargada “... nem o agora decidido conflitua com jurisprudência firmada
no STJ nem a reunião das secções se torna necessário para assegurar a
uniformidade da jurisprudência” como referiram a fls. 10 do referido acórdão.
d) O acórdão prolatado da revista devia ter sido anulado pelo plenário das
secções cíveis.
e) O prazo para requerer a intervenção do plenário via o Exmº Senhor Presidente
do Supremo Tribunal de Justiça é até à prolação do acórdão que decidiu a
revista.
Donde, para além das ilegalidades descritas foram violados os ínsitos dos artºs
20º, 22º e 202º da CRP (Principio do Inquisitório e da Verdade Material)…”.
Em 9 de Dezembro de 2008 foi proferida decisão sumária de não conhecimento do
recurso, com a seguinte fundamentação:
“Resulta à saciedade da análise das peças processuais acabadas de transcrever
que os recursos interpostos pelo recorrente – alegadamente ao abrigo das alíneas
b), f), g) e i), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei do Tribunal Constitucional
(LTC) – não podem ser conhecidos em virtude de não estarem preenchidos os
respectivos requisitos específicos.
O recorrente não se conformou com o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça
em duas questões distintas: 1) inobservância da tramitação processual
respeitante às reclamações apresentadas contra o relatório pericial (artigos
265.º, n.º 3, e 587.º, n.º 3, do Código de Processo Civil); 2) e a inobservância
da regras de competência respeitantes ao conhecimento da pretensão de
julgamento ampliado de revista (artigo 732.º-A, n.º 1, do CPC).
Relativamente à primeira questão, o recorrente pretende que a reclamação
apresentada pela Ré contra o relatório pericial elaborado pelo Conselho Médico
Legal de Coimbra seja sujeita à prestação de esclarecimentos por todos os
peritos intervenientes e, caso não sejam removidas as dúvidas suscitadas pela
Ré, que seja realizado um segundo exame pericial.
No que respeita à outra questão, o recorrente pretende que o respectivo
requerimento de julgamento ampliado de revista seja apreciado pelo Presidente
do Supremo Tribunal de Justiça até à prolação do acórdão.
Em qualquer das referidas matérias, o recorrente apenas pretende a observância
das aludidas regras adjectivas pelo Supremo Tribunal de Justiça, não pugnando,
portanto, pelo afastamento de qualquer norma jurídica ou de uma determinada
interpretação de norma jurídica aplicadas pelo tribunal recorrido.
Na verdade, conforme consta das acima transcritas alegações de recurso de
revista, o recorrente entende que a “não aplicação plena do disposto no n.º 3 do
art. 265.º do CPC” origina a violação do disposto nos artigos 22.º e 202.º da
CRP.”
Mais entende o recorrente que a circunstância do requerimento de julgamento
ampliado de revista ter sido apreciada e decidida apenas pelo colectivo de
juízes conselheiros da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça viola o
disposto no artigo 20.º da CRP.
Assim configuradas as questões de inconstitucionalidade e de ilegalidade,
mostra-se manifesto que o recorrente imputa pretensas inconstitucionalidades e
ilegalidades às próprias decisões recorridas.
A imputação de inconstitucionalidades e de ilegalidades às próprias decisões
recorridas enfrenta um obstáculo sério e inultrapassável na jurisdição
constitucional na medida em que as decisões jurisdicionais em si mesmas não
podem ser objecto de controlo da constitucionalidade e da legalidade pelo
Tribunal Constitucional.
A fiscalização sucessiva concreta da constitucionalidade ou da legalidade no
nosso sistema visa apenas as normas jurídicas ou as interpretações normativas
em que se fundam as decisões. O denominado “recurso de amparo” não é admitido
pela nossa ordem jurídica constitucional.
Ora, o recorrente não visa directamente quaisquer normas ou interpretações
normativas aplicadas pelo tribunal a quo, mas sim o sentido das suas decisões.
Por isso, não está em causa o recurso de constitucionalidade previsto na al. b),
do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, porque o Supremo Tribunal de Justiça não
aplicou norma ou interpretação normativa cuja inconstitucionalidade tivesse sido
suscitada durante o processo.
Também não está em causa o recurso de legalidade previsto na alínea f), do n.º
1, do artigo 70.º, da LTC, porque o Supremo Tribunal de Justiça não aplicou
norma cuja ilegalidade tivesse sido suscitada durante o processo com fundamento
em violação de lei com valor reforçado ou em violação do estatuto de uma região
autónoma.
Muito menos estão em causa normas já anteriormente julgadas inconstitucionais
ou ilegais pelo próprio Tribunal Constitucional (al. g)) ou normas aplicadas em
desconformidade com o anteriormente decidido sobre a questão pelo Tribunal
Constitucional (al. i)).
Assim sendo, não se mostrando satisfeitos os aludidos requisitos específicos
dos recursos para o Tribunal Constitucional, não pode este recurso ser
conhecido, devendo ser proferida decisão sumária nesse sentido, nos termos do
artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.
O recorrente reclamou desta decisão, com a seguinte argumentação:
“1- Dá, desde já, aqui por integralmente reproduzido para todos os devidos e
legais efeitos, tudo alegado e requerido, nos presentes autos que, seja,
doutamente, considerado, necessário e vital, para a Justa decisão do caso em
apreço.
SEM PRESCINDIR
2- Na sua decisão o Mº Conselheiro Relator elencou as seguintes razões para não
admitir o recurso interposto pelo recorrente:
a) Que o recurso invoca a inobservância da tramitação processual respeitante à
reclamação apresentada contra o relatório pericial (artº 265º nº 3 e 587º nº 3
do CPC).
b) Mais invoca a inobservância das regras de competência respeitantes ao
conhecimento da pretensão de julgamento ampliado de revista.
3- Afirma-se em tal decisão prévia, o que, com data vénia, nos permitimos
transcrever:
“a- Relativamente à primeira questão (cfr. alínea a) do item 2 retro) o
recorrente pretende que a reclamação apresentada pela Ré contra o relatório
pericial elaborado pelo Conselho Médico Legal (de Coimbra) – anote-se que não é
o Conselho Médico Legal de Coimbra porquanto há apenas um Conselho Medico Legal
– seja sujeito à prestação de esclarecimentos por todos os peritos
intervenientes, e, caso não sejam removidas as duvidas, suscitadas pela Ré, que
seja realizado um segundo exame pericial”
- Anote-se que, pese embora, a eventual, falta de clareza na transmissão do
pensamento do recorrente o que este suplicou foi contra “o facto das reclamações
apresentadas pela Ré não terem sido decididas pelo mesmo Conselho Medico Legal
(Órgão Colegial) que elaborou o relatório em, completa infracção ao estatuído
legalmente (basta ler o texto do artº 587º nº 3 do CPC),
b) No que respeita à outra questão, o recorrente pretende que o respectivo
requerimento de julgamento ampliado de revista seja apreciado pelo Presidente
do Supremo Tribunal de Justiça até à prolação.
4- E, prossegue que, “Em qualquer das referidas matérias o recorrente apenas
pretende a observância das aludidas regras adjectivas pelo Supremo Tribunal de
Justiça, não pugnando e portanto pelo afrontamento de qualquer norma jurídica ou
de uma determinada interpretação – de norma jurídica aplicada pelo tribunal
recorrido.
5- Na verdade, conforme consta das acima transcritas alegações de recurso de
revista, o recorrente entende que “a não aplicação plena do disposto no nº 3 do
artº 265º do CPC origina a violação do disposto nos artºs 22º e 202º do CPC.
6- Mais entende o recorrente que a circunstância do requerimento de julgamento
ampliado de revista ter sido apreciada e decidida apenas pelo colectivo de
Juízes Conselheiros da Secção “CRIMINAL” do Supremo Tribunal de Justiça viola o
disposto no artº 20º da CRP”.
E termina “Assim configuradas as questões de inconstitucionalidade e de
ilegalidade, mostra-se manifesta que o recorrente imputa pretensas
inconstitucionalidades e ilegalidades às próprias decisões recorridas”
7- A imputação de inconstitucionalidades e de ilegalidades às próprias decisões
recorridas enfrenta um obstáculo sério e inultrapassáveis na jurisdição
constitucional na medida em que as decisões jurisdicionais em si mesmas não
podem ser objecto de controlo da constitucionalidade e da ilegalidade pelo
Tribunal Constitucional.
Ora, o recorrente não visa, directamente, quaisquer normas ou interpretações
normativas aplicadas pelo tribunal a quo, mas sim o contido das suas decisões.
8- Permita-se-nos discordar.
9- Na verdade, embora o recorrente, na sua longa experiência de contactos com a
Justiça, seja, de humilde opinião, que, em muitos casos as decisões
jurisdicionais, em si mesmas, deviam, elas mesmas, ser objecto de controlo de
constitucionalidade e de legalidades pelo tribunal constitucional, certo é que,
nos seus parcos conhecimentos, sabe que isso não está, até hoje, pelo menos,
instituído, entre nós.
10- Ora, in casu, não se trata de visar as decisões do(s) tribunal(ais) a quo,
em si mesmas, mas averiguar da legalidade e da conformação constitucional, da
interpretação e aplicação das normas adjectivas, que deram origem a tais
decisões.
11- Vejamos, o que está, verdadeiramente, em causa, in casu, nos presentes autos
é que há neles – por requisição oficiosa do Superior Tribunal da Relação de
Coimbra um exame medico legal pericial elaborado e aprovado pelo Conselho médico
Legal, por sete votos a favor e apenas uma abstenção.
12- E tal parecer do Conselho Medico Legal, não foi arguido, nem declarado
falso, até hoje, por quenquer!... Nem sequer posto em causa com contra
argumentação cientifica!
13- Porém, até hoje, “Parece que, quase todo o Mundo foge dele, como o diabo
foge da cruz”, como se se possa fugir da ciência, ou da consciência!... ou até
da sombra!... vá-se lá saber porquê?!
14- Ora, todos tem direito a que uma acção:
a) Em que intervenham seja objecto... de processo equitativo (nº 4 do artº 20º
do CPC
b) Nos pleitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas
que... infrinjam... os princípios consignados na Constituição.
15- Ora, o Acórdão deste TC nº 261/02 de 18/02/2002 in DR IIª Série de
24/07/2002 pags. 12892 decidiu: “o requerimento das partes a que se refere o nº
2 do artigo 732-A do Código do Processo Civil pode ser apresentado até à
prolação do Acórdão que conhece da revista” (cfr. Isabel Alexandre – Problemas
Recorrentes da Uniformização da Jurisprudência em Processo Civil, na ROA, ano
60º, pág. 203).
b) E, no mesmo sentido decidiu o Ac. Do STJ de 18-09-2003 – Proc.
03B1855/itij/NET ao prolatar “Mesmo se verificados os pressupostos dos artºs
732-A e 732-B do CPC – o requerimento que julgue a ampliação da revista só pode
ser apresentada até à prolação do Acórdão e não depois, tal como postula o nº 1
do artigo 732-A”.
16- Ora, desde logo, salvo o erro, o devido respeito e douta e melhor sabedoria:
a) Este TC já julgou, anteriormente, que a conformação do ínsito no nº 2 do artº
732-A com a Constituição da Republica Portuguesa, exige que a parte (qualquer
parte - igualdade de direitos), tenha o direito de requerer até à prolação do
Acórdão que julgue a revista, o julgamento ampliado da mesma.
b) Logo, salvo o erro e devido respeito, ao não aplicar o ínsito no artº 732-A,
em conformidade com os princípios constitucionais lesando o direito do
recorrente, o tribunal a quo, aplicou-o em dissonância com tais princípios e com
o que este Altíssimo Tribunal, já julgou.
c) É que a Lei, adjectiva, in casu, dá ao recorrente – e à parte contrária, como
é óbvio – o direito de requerer o julgamento alargado da revista até à prolação
do Acórdão e o Mº Juiz, salvo o erro e douta e melhor opinião, não lho pode
tirar, sob pena de infringir o constitucionalmente atribuído ao próprio
recorrente”.
d) Logo, interpretar o artº 732-A, e aplicá-lo, como o fez o tribunal a quo, não
dando ao recorrente o direito de poder requerer até à prolação do Acórdão, o
julgamento alargado de revista, é interpretá-lo e aplicá-lo contra a CRP.
17- E, diga-se, por amor á verdade, não vislumbra o recorrente, qual a razão
pelo qual se não deixa julgar a revista ... em julgamento plenário quanto mais
não fosse para fixar jurisprudência no sentido de se ficar a saber quem tem
razão se, o Superior Tribunal da Relação de Coimbra, no seu 1º Acórdão, se a
mesma Relação no seu segundo Acórdão se o Supremo Tribunal de Justiça no
julgamento da secção. Parece ao recorrente, que a Justiça o exige ... para bem
da própria justiça e da Constituição da Republica Portuguesa! E já agora da
própria ciência! E porque não da Justiça!...
18- E, o mesmo se diga em relação à aplicação do disposto nos artºs 265º nº 3 e
587º nº 3 do CPC, cuja aplicação ou não aplicação, pelo tribunal a quo, violou
os princípios do inquisitório (da verdade material e da igualdade entre as
partes).
19- Na verdade, interpretar o artº 587º nº 3 do CPC, no sentido de que não é ao
Conselho medico Legal (Colegial) que compete responder as reclamações,
esclarecimentos, incompletudes, fundamentação, etc., que lhe foram feitas pela
recorrida e não realizar ou ordenar, oficiosamente, todas as diligencias
necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litigio, é violar,
os princípios ínsitos na Constituição da Republica Portuguesa – nomeadamente, da
equidade (igualdade).
20- Ora, antes da violação da norma substantiva pode haver violação, da norma
adjectiva.
21- E, como para que o julgador aplique – em consonância com as leis, a norma
substantiva, necessário se torna que o haja feito previamente no que às normas
instrumentais diz respeito.
22– Caso contrário cairemos todos, naquele silogismo irregular que todos
aprendemos em filosofia “Quem tem pernas anda ... a cadeira tem pernas.., a
cadeira anda”.
23- E é para evitar isso, que o aplicador da lei, o tem de fazer em consonância
com os princípios, a mens legis a mens legislatores de forma a que o processo,
tenha em si mesmo, mediante a aplicação dos princípios, a possibilidade de
permitir, proferir uma decisão de acordo com a verdade material e não com
qualquer verdade formal, que só pode conduzir a subjectivismo.
EM CONCLUSÃO:
a) São princípios constitucionais:
1- A igualdade dos cidadãos perante a Lei (artº 13º da CRP)
2- O processo equitativo (artº 20º nº 4 da CRP)
3- A defesa dos direitos e interesses dos cidadãos por parte dos tribunais (artº
202º nº 2) que estão sujeitos a leis (artº 203º)
4- A sujeição dos tribunais à não aplicação de normas que infrinjam o disposto
na constituição ou, os princípios constitucionais (artº 204º).
b) O Tribunal Constitucional deve julgar inconstitucional ou ilegal a norma, que
a decisão recorrida conforme os casos tenha, interpretado in cuja aplicação ou
na recusa da mesma, em violação dos princípios constitucionais ou legais (artº
79º-C da LTC).
c) O Ac. do TC nº 261/02 de 18/06/2002 in DR IIª Série de 24-7- 2002 pags.
12892, não julgou inconstitucional o artº 732º-A quando interpretado nos termos
de o requerimento das partes a que se refere o nº 2 apenas poder ser apresentado
até à prolação do Acórdão que julgou a revista (cfr. Acórdão nº 574/98).
d) Logo, se não é inconstitucional a interpretação de que o referido
requerimento só pode ser apresentado até à prolação do Acórdão, é evidente que é
inconstitucional tal preceito quando é interpretado no sentido de que tal
requerimento não pode ser apresentado até à prolação do mesmo Acórdão. Ou não
será assim?!... dado que só era e é exigível ao recorrente que apresentasse o
seu requerimento até à prolação do Acórdão tal como o fez.
e) E o mesmo se diga no respeitante à interpretação e aplicação do ínsito nos
artºs 587º nº 3 e 265º nº 3 do CPC.
f) Na verdade, se as reclamações forem atendidas o Juiz ordena que os peritos
(perícia colegial), completem, esclareçam ou fundamentem tais reclamações.
g) Logo, interpretado o artº 587º nº 3 do CPC, no sentido de que não cabe ao
Conselho Médico Legal (Nacional) que elaborou o Parecer Médico Legal, completar,
esclarecer e fundamentar as reclamações que forem deduzidas contra tal Parecer,
é, inconstitucional, dado que, as partes só podem reclamar, por deficiência ou
obscuridade dos relatórios a exames efectuados por estabelecimentos oficiais
para a entidade que os elaborou (Ac. RP de 29-4-1993 - Col. Jur. 226). Basta ler
o preceito! E, o tribunal a quo ainda que tal assim não fosse o que só por mera
necessidade de argumentação se concede, estava obrigado a fazê-lo por força do
nº 3 do artº 265º do CPC, que lhe impõe (poder dever) de oficiosamente, ordenar
ou levar a cabo todas as diligencias necessárias, para a justa composição do
litigio (igualdade das partes) ou então o principio de igualdade é coisa vã!...
h) Donde, a interpretação e a aplicação dos ínsitos dos artºs 265º nº 3, 587º nº
3 e 732-A do CPC, tal como o fez o tribunal a quo, ferem, entre outros, os
princípios constitucionais da verdade material, da igualdade entre as partes
(artº 13º) da equidade (artº 20º nº 4) da CRP.”
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Fundamentação
A decisão reclamada não admitiu o recurso interposto pelo recorrente, ao abrigo
do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, porque as questões
colocadas pelo recorrente no requerimento de interposição de recurso não visavam
directamente quaisquer normas ou interpretações normativas aplicadas pelo
tribunal a quo, mas sim o sentido das suas decisões, que este considerava
contrárias à lei infra-constitucional, retirando dessa contrariedade a violação
de princípios constitucionais.
É deste segmento da decisão sumária que o recorrente discorda.
Da leitura do requerimento de interposição de recurso, e é este que fixa o
objecto do recurso, é inequívoco que o recorrente invocou a
inconstitucionalidade de duas decisões que considerou não terem respeitado a lei
processual ordinária e não de qualquer norma ou interpretação normativa, pelo
que o objecto do recurso não respeitou a natureza normativa do recurso de
constitucionalidade.
É certo que na presente reclamação o recorrente procura enunciar as
interpretações normativas que estariam subjacentes às decisões impugnadas no
requerimento de interposição de recurso, mas este aditamento é extemporâneo,
não podendo ser considerado.
Deste modo, porque o objecto do recurso definido pelo reclamante é inidóneo para
poder ser apreciado por este Tribunal, deve a reclamação apresentada ser
indeferida.
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Decisão
Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada por A. da decisão sumária
proferida nestes autos em 9 de Dezembro de 2008.
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Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta,
ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-lei 303/98,
de 7 de Outubro.
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Lisboa, 28 de Janeiro de 2009
João Cura Mariano
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos