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Processo n.º 831/06
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A. propôs uma acção administrativa especial, no Tribunal
Administrativo e Fiscal de Braga, contra o Instituto Politécnico do Cávado e
Vale do Ave, pedindo a condenação deste a reconhecer a renovação tácita, por um
biénio e com efeitos reportados a 1 de Março de 2005, do contrato administrativo
de provimento consigo celebrado em 1 de Março de 2002 (como docente convidado
equiparado a assistente) e, a título subsidiário, à prática de acto expresso de
renovação do mesmo contrato e pelo mesmo período.
Por sentença de 24 de Maio de 2006, a acção foi julgada
improcedente.
Renunciando aos recursos ordinários, o autor interpôs recurso para o
Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei
n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), visando a apreciação da constitucionalidade
das seguintes normas do Estatuto da Carreira Docente do Ensino Superior
Politécnico (ECDSP – Decreto-Lei n.º 185/81, de 1 de Julho):
“- art. 12º, n.º 2 do ECDESP, no segmento em que aí se faz depender a renovação
dos contratos administrativos de provimento do pessoal docente do ensino
superior politécnico especialmente contratado de um acto expresso de renovação
por parte da Administração, por:
• inconstitucionalidade orgânica, decorrente de violação da reserva relativa da
competência legislativa da Assembleia da República em matéria de função pública,
consagrada no art. 167.º, al. m), da redacção originária da CRP;
• inconstitucionalidade formal, decorrente de violação do direito fundamental de
participação das organizações sindicais na elaboração da legislação do trabalho,
consagrado no art. 58.º, n.º 1, al. a), da redacção originária da CRP.
- art. 12.º, n.º 2, conjugado com o art. 14.º. al. a), do ECDESP, na
interpretação normativa segundo a qual a falta acto expresso de renovação dos
contratos administrativos de provimento do pessoal docente do ensino superior
politécnico especialmente contratado implica a caducidade destes contratos, não
se impondo à Administração (leia-se: aos institutos politécnicos) o dever de
proferimento de acto expresso e vinculado de renovação dos mesmos contratos
quando estes não tenham sido objecto de denuncia nos termos e prazos previstos
no art. 14.º, al. a), do ECDESP - por inconstitucionalidade material, decorrente
de violação dos princípios constitucionais da segurança no emprego e de
proibição dos despedimentos sem justa causa, consagrados no art. 53.º da CRP;”
2. Prosseguindo o recurso, o recorrente apresentou alegações em que
sustentou as seguintes conclusões:
“1ª Vem o presente recurso interposto do acórdão proferido nos autos de acção
administrativa especial n.º433/05.6BEBRG do Tribunal Administrativo e Fiscal de
Braga e tem por objecto a fiscalização sucessiva concreta da constitucionalidade
do art. 12.º n.º2, do Estatuto da Carreira Docente do Ensino Superior
Politécnico, aprovado pelo Dec.-Lei nº 185/81, de 1 de Julho.
2. Sucede, porém, que o art. 12.º, n.º 2, do ECDESP, tal como foi aplicado
sentença recorrida, é inconstitucional: por um lado, aquela norma padece de
inconstitucionalidade orgânica e de inconstitucionalidade formal, por outro
lado, a interpretação com que a douta sentença recorrida aplicou o complexo
normativo formado pelo art. 12.º, n.º 2, e pelo art. 14.º, al. a), do ECDESP
padece de inconstitucionalidade material.
Vejamos então,
Quanto à inconstitucionalidade orgânica,
3ª O ECDESP foi adoptado ainda na vigência da redacção originária da
Constituição de 1976, cujo art. 167.º, al. m), dispunha que as matérias
relativas a “regime e âmbito da função pública” se incluíam na reserva relativa
da competência legislativa da Assembleia da República.
4ª Incidindo o art. 12.º n.º 2, do ECDESP sobre matéria relativa ao regime da
função pública, e tendo o ECDESP sido aprovado por um decreto-lei emitido ao
abrigo da competência legislativa concorrencial do Governo (sem autorização
legislativa parlamentar), padece aquela norma de inconstitucionalidade orgânica.
5ª. Ainda que seja de prevalecer uma interpretação do art. 167.º, al. m), da
redacção originária da CRP no sentido de restringir o âmbito da reserva
parlamentar apenas às “bases gerais” ou aos “princípios fundamentais” relativos
ao regime jurídico do emprego público, em nada se altera porém o desvalor
constitucional da norma do art. 12.º, n.º 2, do ECDESP, na parte em que exige a
prática de acto expresso de renovação dos contratos de provimento do pessoal
docente especialmente contratado.
6.ª No Ac. TC n.º 142/85, esse Tribunal Constitucional teve já a ocasião de se
pronunciar no sentido de que uma tal reserva legislativa abrange (realce
adicionado) “[..] apenas, e compreensivamente, o estabelecimento do quadro de
princípios básicos fundamentas daquela regulamentação, dos seus princípios
reitores ou orientadores – princípios esses que caberá depois ao Governo
desenvolver, concretizar e mesmo particularizar, em diplomas de espectro mais ou
menos amplo (consoante o exigir a especificidade das situações a contemplar), e
princípios que constituirão justamente o parâmetro e o limite desse
desenvolvimento, concretização e particularização.”
7.ª Indo mais longe, no Ac. TC n.º 285/92, esse Colendo Tribunal veio concluir
que a inexistência de uma lei-quadro ou lei de bases da função pública “não
implica que não existam consagrados em legislação avulsa princípios básicos
fundamentais da regulamentação do regime da função pública e, existindo, pode
deles extrair-se a existência de verdadeiras bases no sentido constitucional”,
reafirmando assim a jurisprudência já consagrada no Ac. TC n.º 154/86, segundo o
qual, na falta de uma verdadeira e própria lei de bases, devem considerar-se
como bases da função pública “todas as normas que, pela natureza e relevância
das soluções que contenham, afectem aspectos que hajam de ser considerados como
integrantes das bases do regime da função publica”.
8.ª De novo, agora no Ac. TC n.º 233/97, o Tribunal Constitucional veio
reafirmar esta sua conclusão, repetindo ipsis verbis nesse aresto que
“[F]altando uma lei de bases da função pública, podia o Governo legislar sobre a
matéria. Questão é que, ao fazê-lo, não contrariasse os princípios básicos
fundamentais, que pudessem extrair-se do ordenamento jurídico então vigente,
atinentes a tal matéria. [§] É que – como se sublinhou no citado acórdão nº
142/85 –, a pretexto da inexistência de uma tal lei de bases, não podia ele
editar normas que viessem substituir, modificar ou derrogar as bases
efectivamente existentes”, conclusão a que o Tribunal já havia chegado no Ac. TC
n.º 285/92.
9.ª Em síntese: apesar de à época da emanação do ECDESP não existir uma lei de
bases da função pública, a verdade é que do conjunto dos diplomas então vigentes
era possível extrair um núcleo de princípios básicos fundamentais que
constituíam, então, as bases do regime jurídico do emprego público; essas bases
formavam, pois, uma condição e limite do exercício, pelo Governo, da sua
competência legislativa concorrencial, correspondendo a violação daquelas à
invalidade constitucional da formação governamental.
10.ª Ora, o regime geral vigente à data da aprovação do ECDESP era o da
renovação tácita e sucessiva dos contratos de provimento na Administração
Pública quando não denunciados tempestivamente, tal como resulta expressamente
dos arts. 3.º e 4.º do Dec.-Lei n.º 49.397, de 24 de Novembro de 1969 – cf., no
mesmo sentido, o Ac. TC n.º 233/97.
11.ª Trata-se, aliás, de um princípio que se mantém ainda nos dias de hoje como
um princípio basilar do direito contratual dos trabalhadores da Administração
Pública (cf. a esse propósito o art. 16.º, n.º 2, do Dec.-Lei n.º 427/89, de 7
de Dezembro): a exigência de acto expresso de renovação, mesmo no caso do
contrato não ter sido denunciado tempestivamente, não tem paralelo em nenhum
outro sector, corpo ou carreira da Administração Pública.
12.ª O ECDESP adoptou para os contratos de provimento do pessoal docente
especialmente contratado o princípio da renovação expressa – mesmo na falta de
denúncia tempestiva do contrato – através da exigência de acto expresso de
renovação constante do art. 12.º, n.º 2, do ECDESP.
13.ª Ou seja: um regime que é não só claramente diverso, como também
flagrantemente oposto ao regime geral – ao quadro básico fundamental – então
vigente, que era, como se acima demonstrou, o da renovação tácita previsto nos
arts. 3.º e 4.º do Dec.-Lei n.º 49.397.
14.ª Não se trata, por conseguinte, de uma particularização ou adaptação do
regime geral a um sector específico da Administração Pública – trata-se, isso
sim, de uma norma excepcional que vem derrogar a aplicação do regime geral.
15.ª Tendo o Governo legislado acerca do regime dos contratos de provimento dos
docentes especialmente contratados do ensino superior politécnico em moldes
diversos do (e incompatíveis com o) regime básico e geral então vigente (e que
se mantém ainda em vigor, embora a coberto de outro diploma legal), sem que para
tal se encontrasse munido de adequada credencial parlamentar, a conclusão é
simples: o art. 12.º, n.º 2, do ECDESP, na parte em que exige a prática de acto
expresso de renovação dos contratos administrativos de provimento do pessoal
docente especialmente contratado e assim exclui quanto a estes contratos o
regime da renovação tácita e sucessiva quando não tenha havido denúncia nos
termos e prazo legalmente previstos, é organicamente inconstitucional.
16.ª Trata-se de matéria que bole com os princípios fundamentais do regime
jurídico do emprego público, para cuja normação era competente apenas a
Assembleia da República, ou o Governo com prévia autorização parlamentar desta.
17.ª Nunca poderia caber ao Governo, destituído de uma autorização legislativa
parlamentar, desviar-se do regime geral de forma tão significativa, por maiores
que fossem as especificidades do concreto sector da Administração Pública a ser
alvo da regulamentação.
18.ª A jurisprudência constante e uniforme do Tribunal Constitucional a respeito
desta matéria não deixa margem para dúvidas: o poder normativo do Governo para a
adopção de um regime especial aplicável a um particular sector da Administração
Pública tem como limite os princípios resultantes das bases do regime jurídico
do emprego público; só com adequada autorização parlamentar pode o Governo
legislar afastando-se do regime resultante dessas mesmas bases.
19.ª Na falta de adequada autorização parlamentar, as normas emanadas do Governo
que estejam em contradição com os princípios básicos do regime jurídico de
emprego público são organicamente inconstitucionais.
20.ª Donde: o art. 12.º, n.º 2, do ECDESP, porque se trata de uma norma inserida
num diploma legislativo governamental que estabelece um regime particular,
contraditório e incompatível com o regime geral que, à época, se aplicava à
renovação dos contratos administrativos de provimento dos agentes
administrativos ao serviço da Administração Pública (e que resultava dos arts.
3.º e 4.º do Dec.-Lei n.º 49.397), é organicamente inconstitucional, em violação
do art. 167º, al. m), da redacção originária da Constituição.
Quanto à inconstitucionalidade formal,
21.ª Há muito que é jurisprudência assente do Tribunal Constitucional que a
legislação do trabalho há-de ser a que visa regular as relações individuais e
colectivas de trabalho, bem como os direitos dos trabalhadores, enquanto tais, e
das suas organizações – cf. Ac. TC n.º 451/87; Ac. TC n.º 262/90; Ac. TC n.º
61/91; Ac. TC n.º 355/91; Ac. TC n.º 93/92; Ac. TC n.º 124/93; e Ac. TC n.º
430/93.
22.ª Trata-se de um direito ancorado directamente no próprio texto
constitucional e independente, quanto à sua eficácia, da mediação do legislador
ordinário – mesmo quando falte de todo qualquer tipo de mediação legislativa; e
já assim o era na vigência da redacção originária da Constituição – cf. Ac. TC
n.º 31/84.
23.ª O art. 12.º, n.º 2, do ECDESP seja porque se insere num diploma legal que
define o estatuto de uma carreira de trabalhadores da Administração Pública,
seja porque regula o modo de renovação dos contratos de provimento do pessoal
docente politécnico especialmente contratado é uma norma subsumível no conceito
constitucional de legislação do trabalho – cf. em sentido análogo o Ac. TC n.º
93/92.
24.ª Não pode, pois, albergar-se qualquer dúvida de que na elaboração do art.
12.º, n.º 2, do ECDESP – a norma cuja aplicação está em causa nos presentes
autos – deveriam ter participado as organizações sindicais representativas dos
trabalhadores, nos termos do art. 58.º, n.º 2, al. a), da redacção originária da
CRP.
25.ª Do preâmbulo do diploma que aprovou o ECDESP (o Dec.-Lei n.º 185/81, de 1
de Julho) não consta qualquer referência à audição de organizações
representativas dos trabalhadores – seja daquelas representativas
especificamente dos trabalhadores afectados pelo diploma, seja das organizações
sindicais em geral.
26.ª “Uma vez que não consta do preâmbulo do diploma que na sua elaboração foram
ouvidas as organizações representativas dos trabalhadores, tem de se presumir
que não ocorreu tal audição” (Ac. TC n.º 451/87); “não se fazendo qualquer
referência nos textos preambulares dos diplomas a uma eventual audição das
organizações representativas dos trabalhadores se há-de presumir que tal audição
se não concretizou competindo ao órgão autor da norma operar a sua ilisão” (Ac.
TC n.º 93/92).
27.ª É certo que essa falta de menção constitui uma mera presunção do não
exercício da participação, podendo tal presunção ser ilidida, mas precisamente
porque de uma presunção se trata seria imprescindível que tivesse ficado provado
nos autos que a participação das organizações de trabalhadores teve
efectivamente lugar para que se pudesse concluir, como se fez na sentença
recorrida, por um juízo negativo de inconstitucionalidade daquela norma.
28.ª É, de igual modo, errado o pressuposto, presente na decisão ora recorrida,
de que nenhuma disposição legal impõe, ou impusesse à época da adopção da norma
sindicada, este tipo de menção preambular à época impunham, precisamente, uma
tal referência no preâmbulo dos decretos-lei governamentais (i) o art. 7.º, n.º
4, da Lei n.º 3/76, de 10 de Setembro, relativa à publicação, identificação e
formulário dos diplomas; e (ii) o art. 7.º 11.0 2, al. a), da Lei n.° 16/79, de
26 de Maio (relativa à participação das organizações de trabalhadores na
elaboração da legislação do trabalho).
29.ª Mais: o art. 4.º da cit. Lei n.º 16/79 impunha igualmente a publicação em
separata do Boletim do Trabalho e do Emprego dos projectos de diplomas
governamentais que incidissem sobre legislação do trabalho, não resultando
provado nos autos que uma tal publicação tenha tido lugar.
30.ª. Daí que a falta de qualquer menção, no preâmbulo do Dec.-Lei n.º 185/81, à
participação das organizações sindicais aliada à circunstância de não ter ficado
provado nos autos que essa participação tenha efectivamente tido lugar não pode
deixar de conduzir à presunção de que as organizações sindicais não foram
chamadas a participar, nem participaram, na elaboração do ECDESP.
31.ª Consequentemente, terá de concluir-se pela formulação de um juízo de
inconstitucionalidade do art. 12.º, n.º 2, do ECDESP, no segmento em que aí se
faz depender a renovação dos contratos de provimento do pessoal docente do
ensino superior politécnico especialmente contratado de um acto expresso de
renovação – segmento normativo cuja aplicação está em causa nos presentes autos
– por violação do art. 58.º, n.º 2, al. a), da redacção originária da CRP.
Quanto à inconstitucionalidade material,
32.ª Na acção a quo formulou-se ainda, a título subsidiário, o pedido de
condenação da Entidade Demandada, ora Recorrida, à prática do acto
administrativo de renovação do contrato de provimento celebrado com o ora
Recorrente, fundamentando-se esse pedido subsidiário no facto de, a ser
aplicável o al. 12.º, n.º 2, do ECDESP, a Entidade Recorrida estar em qualquer
caso obrigada à prolação do acto administrativo de renovação do contrato, por
este se tratar de um acto vinculado quer quanto ao seu conteúdo, quer quanto à
sua oportunidade.
33.ª O acto de renovação dos contratos administrativos de provimento do pessoal
docente do ensino superior politécnico especialmente contratado é um verdadeiro
acto administrativo – trata-se de uma decisão unilateral de um órgão da
Administração ao abrigo de uma norma de direito público e no uso do jus imperii
que produz efeitos numa situação individual e concreta constituindo ou
modificando uma relação jurídica de emprego público.
34.ª No fundo, a questão que aqui se coloca resume-se muito simplesmente a uma
questão de interpretação jurídica – a de saber se o art. 12.º, n.º 2, do ECDESP
estabelece uma causa de caducidade dos contratos administrativos de provimento
ou se, pelo contrário, impõe à Administração uma injunção de prolação de um acto
expresso de renovação dos contratos de provimento sempre que não se verifique
qualquer uma das situações previstas no art. 14.º do mesmo diploma legal.
35.ª Com efeito, prevê-se na alínea a) do art. 14.º a denúncia como uma das
causas de extinção da relação jurídica de emprego público dos docentes do ensino
superior politécnico providos por contrato de provimento: os contratos podem ser
rescindidos por denúncia, de qualquer das partes contratantes, até trinta dias
antes do termo do contrato.
36.ª Ora, a interpretação do art. 12.º, n.º 2, do ECDESP tem necessariamente de
ser articulada com o disposto no art. 14.º, al. a), do mesmo diploma
estatutário.
37.ª Se por um lado o legislador previu a denúncia como causa de extinção da
relação jurídica contratual e se, por outro lado, a renovação do contrato
depende da prática pela
Administração de um acto expresso de renovação, da conjugação de ambas as
disposições se conclui que a prática do acto expresso de renovação constitui,
para a Administração, uma conduta vinculada, sempre que o contrato não tenha
sido tempestivamente denunciado e não se verifique qualquer uma das outras
causas de rescisão contratual previstas no art. 14.º do ECDESP.
38.ª É esta a única interpretação que concilia o art. 12.º, n.º 2, e o art.
14.º, al. a), do ECDESP, permitindo que cada uma delas produza plenamente os
efeitos para que tende.
39.ª Sustenta a sentença recorrida que o art. 12.º, n.º 2, do ECDESP prescreve
uma causa de extinção dos contratos administrativos de provimento do pessoal
docente politécnico especialmente contratado, que é autónoma e adicional às
causas de rescisão elencadas no art. 14.º do mesmo diploma: uma tal
interpretação, salvo o devido respeito, no sentido da não vinculação para a
Entidade Recorrida da prolação do acto de renovação do contrato, quando este não
foi tempestivamente denunciado esvazia de qualquer conteúdo útil a previsão da
denúncia contratual como causa extintiva da relação jurídica contratual, no art.
14.º, al. a), do ECDESP.
40.ª. E é, além do mais, inconstitucional.
41.ª Entender-se, por conseguinte, que a falta de denúncia tempestiva dos
contratos administrativos de provimento do pessoal docente do ensino superior
politécnico especialmente contratado, nos termos do art. 14.º, al a), do ECDESP,
não impõe à Administração (leia-se: aos institutos politécnicos) o dever de
proferir acto expresso e vinculado de renovação dos mesmos contratos, e que o
art. 12.º n.º 2, do ECDESP importa, nesses casos, a caducidade do contrato,
ainda que não tempestivamente denunciado nem se verificando qualquer das
restantes causas extintivas estabelecidas no art. 14.º do referido diploma,
corresponde a uma interpretação normativa das normas em causa ferida de
inconstitucionalidade material.
42.ª Está em causa, na referida interpretação, o direito fundamental à segurança
no emprego (art. 53.º da CRP), em especial na sua dimensão de garantia
constitucional de proibição de despedimentos sem justa causa.
43.ª Na interpretação sufragada pela sentença recorrida, o silêncio e a inércia
da Administração implicariam a cessação da relação jurídica de emprego (rectius,
o despedimento do trabalhador): esta interpretação fere, no seu núcleo mais
essencial e de forma desproporcionada, o direito fundamental à segurança no
emprego e a garantia de proibição de despedimentos sem justa causa.
44.ª Os agentes administrativos – como é o caso do Recorrente – apesar de não
gozarem do princípio da vocação à carreira, não deixam de gozar do direito à
segurança no emprego (Ac. TC n.º 154/86 e Ac. TC n.º 258/92), sendo certo que,
quanto a estes agentes, o direito à segurança no emprego sofre restrições
significativas, mas sempre orientadas pelo princípio da proporcionalidade e pelo
respeito pelo conteúdo essencial desse direito fundamental.
45.ª Recordemos que, além do mais, o ECDESP prevê a renovabilidade sucessiva
destes contratos de provimento e impõe, no art. 14.º al. a), um certo prazo
dentro do qual é lícito a qualquer uma das partes denunciar o contrato, com
vista a impedir a sua renovação.
46.ª Quer isto dizer então, que quando o contrato não é tempestivamente
denunciado (e não se verificando qualquer uma das restantes causas extintivas
elencadas no art. 14.ª do ECDESP) cria-se, nas partes e em especial no
trabalhador, uma expectativa relativamente à sua renovação – e esta é uma
expectativa digna de tutela constitucional.
47.ª Dito de outro modo: o direito à segurança no emprego, neste particular tipo
de situações de contratos precários, protege o direito dos trabalhadores ao
emprego durante o exacto período da sua duração, tal como protege as legítimas
expectativas quanto à renovação do contrato, naqueles casos em que o contrato
não foi denunciado por qualquer das partes nos termos e prazos legalmente
previstos.
48.ª Admitir-se, pois, que o silencio e a inércia da Administração empregadora –
o simples non far niente – é apto a repercutir-se, com consequências tão
drásticas, na esfera jurídica do trabalhador, conduzindo à caducidade da relação
de emprego é uma interpretação violadora do art. 53.º da CRP.
49.ª Repare-se: o art. 53.º da CRP proíbe os despedimentos sem justa causa: é de
todo inadmissível aceitar que o silêncio e a inércia da Administração possam
constituir uma causa constitucionalmente justa de despedimento.
50.ª. No mínimo, para assegurar a salvaguarda do conteúdo essencial do direito à
segurança no emprego seria de exigir à Administração empregadora uma conduta
positiva (i. é: um acto de denúncia ou rescisão contratual) que viesse a por
termo à relação jurídica de emprego.
51.ª De outro modo, o trabalhador, que já contava legitimamente com a
expectativa de renovação do contrato em face da falta de denúncia, ver-se-á
surpreendido inesperadamente e inexpectavelmente pela caducidade do seu contrato
de provimento.
52.ª O Tribunal Constitucional, no seu Ac. TC n.º 233/97 veio implicitamente
reconhecer o que se acabou de afirmar, ao afirmar neste aresto que “a
estabilidade no emprego, vai implicada na garantia da segurança no emprego,
compreendendo, embora, o direito a manter o lugar [...] também não obsta a que –
ao menos quando o serviço revista certas especificidades – a Administração possa
denunciar ou rescindir o contrato”.
53.ª Em síntese: no caso dos trabalhadores da Administração Pública providos por
contratos administrativos de provimento, o direito fundamental à segurança no
emprego protege também a expectativa do trabalhador na renovação do termo
contratual, quando o contrato não tenha sido denunciado ou rescindido nos termos
e nos prazos legais.
54.ª Conclusão que é particularmente reforçada, repita-se, pelo facto de o
próprio clausulado do contrato em causa nos presentes autos prever a
renovabilidade sucessiva por períodos bienais, sem estabelecer quaisquer limites
quanto a essa renovabilidade – isto é, não foram convencionados pelas partes nem
um número máximo de renovações, nem um período máximo de vigência contratual
para além dos quais o contrato não poderia ser renovado: o contrato, por
conseguinte, era renovável ad infinitum por sucessivos períodos de dois anos.
55.ª Acresce que na sequência da jurisprudência firmada pelos Ac. TC n.º 183/92,
Ac. TC n.º 353/94, Ac. TC n.º 162/95 e Ac. 233/97, o direito fundamental à
segurança no emprego e a garantia de proibição de despedimentos sem justa causa,
no que aos trabalhadores providos por contratos precários diz respeito, protegem
também o direito a uma compensação de natureza indemnizatória pela cessação da
relação jurídica de emprego.
56.ª Ora, a interpretação sufragada na sentença recorrida (no sentido que o art.
12.º, n.º 2, do ECDESP corresponde a uma causa autónoma de caducidade dos
contratos de provimento do pessoal docente politécnico especialmente contratado,
mesmo nos caso em que não tenha havido denúncia contratual) suprime totalmente
este direito à indemnização protegido pelo art. 53.º da CRP: admitir-se que um
contrato de provimento, renovável por sucessivos períodos bienais, possa caducar
por falta de acto expresso de renovação, sem que simultaneamente se assegure ao
trabalhador uma indemnização compensatória pela cessação da relação de emprego,
viola o direito fundamental à segurança no emprego e a garantia constitucional
de proibição de despedimentos sem justa causa, consagradas no art. 53.º da CRP,
agora entendido nesta dimensão de garantia de um direito a uma indemnização pela
cessação da relação jurídica de emprego.
57.ª É pacífico na doutrina que, na presença de várias interpretações possíveis,
umas constitucionais outras inconstitucionais, o intérprete deve optar por
aquela ou de entre aquelas que sejam constitucionalmente conformes.
58.ª Ora, o complexo normativo formado pelos arts. 12.º, n.º 2, e 14.º, al. a),
do ECDESP admite duas interpretações possíveis:
- por um lado, a hipótese sufragada pela sentença recorrida, segundo a qual o
art. 12.º, n.º 2, do ECDESP estatui uma causa autónoma de extinção da relação
contratual (: caducidade), cuja verificação se dá sempre que não for proferido,
pela Administração, um acto expresso de renovação do contrato, independentemente
de ter ou não havido lugar a denúncia contratual com a antecedência e nos termos
legalmente previstos;
- por outro lado, a interpretação segundo a qual aquelas duas disposições do
ECDESP tem de ser interpretadas conjugadamente, no sentido em que não obstante
se exigir a prolação, pela Administração, de um acto expresso de renovação para
que a renovação contratual se opere, esse acto tem natureza vinculada, quanto ao
objecto e quanto à oportunidade, sempre que o contrato não tenha sido
tempestivamente denunciado nem se verifique qualquer outra das causas extintivas
elencadas no art. 14.º do ECDESP.
59.ª Assim sendo, é manifesto que a primeira daquelas interpretações
(precisamente a que foi sufragada na sentença recorrida) viola o direito
fundamental à segurança no emprego e a garantia constitucional de proibição de
despedimentos sem justa causa consagrados no art. 53.º da CRP, seja porque
constitui um restrição desproporcionada desse direito e garantia, seja porque
diminui o alcance e extensão do seu conteúdo essencial.
60.ª Daí que, a interpretação dada na sentença recorrida ao complexo normativo
formado pelos arts. 12.º, n.º 2, e al. a), do ECDESP padeça de
inconstitucionalidade material por violação do art. 53.º da CRP
Termos em que, e nos demais de direito, deve o presente recurso de
constitucionalidade proceder, julgando-se inconstitucional a norma ou o complexo
normativo impugnados.”
O recorrido contra-alegou, concluindo nos termos seguintes:
“1 – No presente recurso do Acórdão emitido nos autos da acção administrativa
especial, que correu termos no Proc. n.°433/05.6BEBRG, vem o recorrente defender
a inconstitucionalidade orgânica e a inconstitucionalidade formal do artigo
12.º, n.º 2, do Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior
Politécnico (ECDESP), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 185/81, de 1 de Julho; e,
por outro lado, que a interpretação com que o douto Acórdão recorrido aplicou o
complexo normativo formado pelo artigo 12º, n.º 2 e pelo artigo 14º, alínea a),
do ECDESP padece de inconstitucionalidade material.
No entanto, considera-se que não assiste razão ao Recorrente pelas seguintes
razões,
Inconstitucionalidade Orgânica
2 – Importa, antes de mais precisar o seguinte:
- Em 1 de Março de 2002 foi celebrado um contrato administrativo de provimento
entre o Recorrente e o Recorrido pelo prazo de um ano;
- Esse contrato foi renovado com efeitos a 1 de Março de 2003 pelo Conselho
Científico da Escola Superior de Gestão do Instituto Politécnico do Cávado e do
Ave (artigo 12.º, n°1, do ECDESP);
- Não fora a renovação precedida de deliberação favorável do Conselho Científico
e já teria caducado o ajuizado contrato (artigo 12°, n°2, do ECDESP);
– Como o contrato administrativo de provimento não foi objecto de nova
deliberação favorável por parte do referido Conselho Científico, em 28 de
Fevereiro de 2005, o contrato caducou, extinguindo-se todos os direitos dele
emergentes, nomeadamente, o direito aos vencimentos e subsídios legais e o
direito à prestação efectiva de trabalho através da distribuição de serviço
docente.
3 – Ao contrário do que entende o Recorrente, o artigo 12.º, n.º 2, do ECDESP,
não sofre de inconstitucionalidade orgânica, porque o facto do mesmo ter sido
aprovado pelo Governo, sem estar munido de prévia autorização da Assembleia, não
significa que desrespeitou o disposto na alínea m) do artigo 167.º da redacção
originária da Constituição da Réplica Portuguesa (CRP) - que corresponde à
alínea t) do nº1 do artigo 165.º, da actual redacção – e que incluía no âmbito
da reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República as
matérias atinentes ao “regime e âmbito da função pública”.
4 – Pois, a Jurisprudência é unânime ao defender que: na reserva de competência
da Assembleia da República caberia apenas a definição do ‘estatuto geral da
função pública’, aquilo que é comum e geral a todos os funcionários e agentes,
aí se compreendendo, designadamente, ‘a definição do sistema de categorias, de
organização de carreiras, de condições de acesso e recrutamento, do complexo de
direitos e deveres funcionais que valem, em princípio, para todo e qualquer
funcionário público e que, por isso mesmo, favorecem o enquadramento da função
pública como um todo, dentro das funções do Estado ao Governo competiria, para
esta jurisprudência, a ‘concretização’ desse estatuto geral, ou seja, ‘quer o
desenvolvimento de tais princípios, quer a sua aplicação e adaptação aos
sectores que exijam um regime particular específico ou até excepcional’ “(Cfr.
Ac. do n.º129/99, in http://www.tribunalconstitucíonal Ac. n.º Convencional
ACTC6O19, in http://www.dgsi.pt ; Ac. n°76/86, publicado no DR, 2.ª série, de
12/06/1986; Parecer do Conselho Consultivo da PGR, nº 27/88, in
http://www.dgsi.pt).
5 – Acompanha-se, assim, com a devida vénia o douto Acórdão recorrido que
sufraga este entendimento e que está de acordo com a mais avisada opinião da
Comissão Constitucional sobre este tema, explanada, nomeadamente, nos seus
Pareceres nºs 22/79 e 12/82.
Pois a redacção da referida norma da Lei Fundamental, à data da emissão do
ECDESP, não impedia que o Governo actuasse de forma a regular a aplicação e o
desenvolvimento dos referidos princípios da função pública e a sua adaptação a
sectores mais específicos, cuja singularidade das funções que lhe estavam
acometidas obrigava a soluções e formas de actuação diferenciadas.
6 – O artigo 12.º, n.º 2, do ECDESP, na parte em que exige que a renovação dos
contratos administrativos de provimento do pessoal docente especialmente
contratado seja precedida de parecer favorável do Conselho Científico, não viola
qualquer princípio básico fundamental da função pública, integrante do
ordenamento jurídico vigente, ou seja, o alegado princípio fundamental da
renovação tácita e sucessiva dos contratos administrativos de provimento que não
sejam tempestivamente denunciados.
Na verdade, não obstante ser correcto dizer-se que, apesar de não existir uma
Lei Quadro da Função Pública, existem determinados princípios fundamentais que
norteiam a constituição, desenvolvimento e extinção da relação de emprego
público, não pode considerar-se “a renovação tácita e sucessiva dos contratos
administrativos de provimento” como um desses princípios.
7 – O Recorrente, com as suas alegações, pretende subverter, a bem da sua
pretensão, os fundamentos do regime da função pública, erigindo princípios
básicos fundamentais a seu belo prazer e conveniência para, de seguida, quando
lhe convém, fazer tábua rasa da própria lei e de tudo o quanto o próprio disse.
Pois, se por um lado fundamenta a sua contratação no artigo 8.º e a renovação do
seu contrato, por um biénio, no artigo 12.º, n.º 1, do ECDESP, por outro lado,
pretende que o n.º 2 do artigo 12.º do mesmo Estatuto seja considerado
inconstitucional.
8 – Na página 13 do Acórdão recorrido está bem patente esta realidade quando se
diz que:
“No que concerne, por último, a alegação de a norma em apreço consagrar
princípio aposto ao regime geral vigente à data de entrada em vigor do ECDESP,
sempre se dirá que tal não constitui violação da reserva legislativa em apreço,
dado o corpo legislativo em apreço ter como escopo regular um regime particular
aplicável a um sector especial da função pública – os docentes do ensino
superior politécnico – de que constitui aliás, um exemplar flagrante o art.º 8.º
do aludido estatuto que permite a contratação de pessoal especialmente
contratado sem prévia submissão a concurso, norma que possibilitou a
contratação, pelo R., do A. e que também constitui excepção à regra de
contratação, mediante concurso prévio, de servidores do Estado em geral”
9 – Ora, o Governo, ao aprovar o ECDESP, limitou-se a definir um regime
particular e específico que se pretendia aplica a um sector, um corpo especial
da função pública, que pelas características, exigências e especialidade das
funções que desempenha, não se coaduna com o regime geral da função pública.
10 – Pelo exposto, o artigo 12.º, n.º 2, do ECDESP, na parte em que exclui a
renovação tácita e sucessiva dos contratos administrativos - ainda, que não
tenha havido denúncia tempestiva - não padece de inconstitucionalidade orgânica.
Inconstitucionalidade Formal
11 – Também, não se aceita a posição do Recorrente quando defende que o artigo
12.º, nº 2, do ECDESP, sofre de inconstitucionalidade formal, porque, segundo o
mesmo, aquando da aprovação do referido diploma – tratando-se de uma norma
referente à “legislação do trabalho” – como as associações sindicais não
participaram na sua elaboração foi violado o disposto na aliena a) do n.º 2 do
artigo 58º, da versão originária da CRP (que corresponde ao artigo 56.º, nº 2,
al. a), da actual CRP).
12 – Impõe-se dizer, por um lado, que não se acompanha a classificação do
referido vício que o Recorrente faz – pois, aquela falta de participação, a
existir, determinaria, mais precisamente, um vício de procedimento, inserindo-se
no tipo de vícios “...que dizem respeito ao procedimento de formação,
juridicamente regulado, dos actos normativos.” (Prof. Doutor Gomes Canotilho, in
Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 5 ed., Almedina, pág. 949); por
outro lado, desconhece-se se a referida participação foi ou não promovida, pois
foi o Governo que aprovou o ECDESP e não foi possível ter acesso aos documentos
que serviram de base à sua discussão e aprovação.
13 – Porém, a existir a referida falta de participação, entende-se que à data de
aprovação do ECDESP o direito de participação na elaboração da legislação do
trabalho não estava integrado no capítulo dos direitos, liberdades e garantias
dos trabalhadores do texto originário da Constituição, mas, sim, no capítulo dos
direitos e deveres económicos, sociais e culturais.
Afigura-se, assim, que o mesmo direito não podia beneficiar do regime próprio
previsto no artigo 18.º, nº 1, da versão originária da CRP, que dispunha sobre a
aplicação directa dos preceitos constitucionais respeitantes aos direitos,
liberdades e garantias e a vinculação de todas as entidades públicas e privadas
ao seu cumprimento. De forma que, para que o referido direito de participação
fosse aplicável directamente era necessário que o legislador ordinário o
concretizasse num diploma legal.
14 – Sendo que, aquando da data de aprovação do ECDESP, não existia um diploma
que regulasse a participação das associações sindicais na elaboração da
legislação de trabalho da função pública, pois a Lei n.º 16/79, de 26 de Maio,
não se aplicava às relações de emprego público, mas às relações individuais e
colectivas de trabalho no sector privado.
O direito de participação das associações sindicais na elaboração da legislação
do trabalho só foi expressamente integrado no capítulo referente aos direitos,
liberdades e garantias dos trabalhadores após a revisão constitucional de 1982,
o que significa que o referido direito, só após esta data, passou a ser
directamente aplicável, ainda, que não estivesse regulamentado pelo legislador
ordinário (Cfr. Jorge Miranda, Rui Medeiros, in Constituição Portuguesa Anotada,
Tomo 1, 2005, Coimbra Editora, pág.555).
15- Esta abertura e incompletude das normas constitucionais que consagravam o
direito de participação, no texto originário, e a inexistência de um diploma
regulador da matéria da audição das associações sindicais no âmbito da função
pública, determinavam que a alínea a) do n.º 2 do artigo 58.º, do texto
originário da CRP, não fosse aplicável à elaboração da legislação de trabalho
referente à função pública aquando da data de aprovação do ECDESP.
16 – Com efeito, só com a aprovação do Decreto-Lei n.º 45-A/84, de 3 de
Fevereiro, foi regulamentado o direito de negociação dos trabalhadores da
Administração Pública, constando do próprio preâmbulo a explicação de que a Lei
nº 16/79, de 26 de Maio, não se lhes aplicava.
17 – Por outro lado, mesmo que assim não se entenda – o que não se concede a não
ser, à cautela, a título de hipótese – acompanha-se o expendido na pág. 15 do
douto Acórdão recorrido, sobre a ausência de referência à referida participação
no preâmbulo do Decreto-Lei que aprovou o ECDESP, pois:
“Não é menos certo, porém, que desse silêncio não é legítimo retirar qualquer
ilação, nem a título de mera presunção, assente em dados da experiência, uma vez
que nenhuma disposição legal impõe menções desse tipo nem, no caso de leis da
Assembleia da República, como o presente, constitui prática incluí-las
preambularmente (mesmo quando figurem nos projectos ou propostas de lei não têm
acolhimento no texto final, no correspondente Decreto, observa, a propósito dos
preâmbulos, António Vitorino, “Preâmbulo e Nota Justificativa ‘ in A Feitura das
Leis, volume II, pág. 129)”
Ora, não se aplicando o disposto na Lei n.º 16/79, de 26 de Maio, aos
trabalhadores da função pública – conforme resulta do próprio preâmbulo do
Decreto-Lei n.º 45-A/84, de 3 de Fevereiro – é forçoso concluir que não existia
nenhuma norma, à data da aprovação do ECDESP, que impusesse a menção à discussão
pública no preâmbulo do Decreto-Lei que aprovou o referido Estatuto, pelo que da
sua falta não se pode presumir que tal direito não foi exercido se se considerar
que o mesmo era directamente aplicável na elaboração da legislação de trabalho
no âmbito da função pública.
18 – Pelo exposto, o artigo 12.º, n.º 2, do ECDESP, não padece de
inconstitucionalidade formal pelo facto de não terem participado na sua
elaboração as organizações sindicais representativas dos trabalhadores, ao
abrigo da alínea a) do n.º 2 do artigo 58.º, do texto originário da CRP, nem da
falta de menção à referida participação no preâmbulo do diploma que aprovou o
ECDESP, donde consta a referida norma, se pode presumir que a mesma não teve
lugar.
Inconstitucionalidade Material
19 – Dispõe o artigo 12.º, n.º 1, do ECDESP, que:
“O pessoal docente equiparado nos termos dos n.º 1, 2, 3 e 4 do artigo 8.º do
presente diploma, bem como os encarregados de trabalhos a que se refere o n.º 5
do mesmo preceito, serão providos mediante contrato inicial de um ano renovável
por períodos bienais” (sublinhado nosso).
Por outro lado, dispõe o n.º 2 do referido artigo 12.º que:
“…As renovações a que se refere o número anterior deverão ser expressas e
fundamentadas em deliberação favorável do conselho científico.” (sublinhado
nosso).
Se, por um lado, por estes dois motivos e em cumprimento dos mesmos, ficou
afastada a validade legal de toda e qualquer renovação tácita ou não
fundamentada em deliberação favorável do Conselho Científico, dos contratos
celebrados no seu âmbito, por outro lado o nº 1 e o n.º 2 do artigo 12.º só
podem existir e ter sentido se forem lidos conjugadamente.
Porque se o n.º 1 regula a duração dos contratos e determina a possibilidade da
sua renovação é no n.º 2 que está prevista a forma a que obedecerá a referida
renovação.
20 – Não tendo existido uma deliberação favorável expressa do Conselho
Científico, em 28 de Fevereiro de 2005, o contrato celebrado com o Recorrente
não se renovou, pois decorrido que seja o prazo de vigência da renovação do
contrato e na falta de deliberação favorável do mesmo órgão, verifica-se a
caducidade, a qual opera ope legis e o contrato caducado não pode ser denunciado
ou rescindido – Ac do STA de 25‑01‑2001 (ín Ant. do STA e TCA, Ano lV-N°2, 2001,
pág.97).
Atendendo às palavras, do ilustre Prof. Doutor Marcello Caetano (in Manual de
Direito Administrativo, vol. 1, 10.º ed. Almedina, Coimbra, págs. 634, 635 e
636):
“A caducidade do contrato dá-se quando ocorra alguma circunstância que, por
força das cláusulas neles estipuladas ou por lei determine a cessação da sua
vigência. Assim, o contrato administrativo caduca, quando chegue ao seu termo
(...) O termo é uma causa comum de extinção dos contratos. Todos estes contratos
são, por via de regra temporários (...) A data em que expira o contrato é, umas
vezes, fixada expressamente no contrato; outras, resulta do prazo estipulado
para a sua duração”.
21 – Em síntese, o Recorrido limitou-se a seguir o entendimento que tem sido
sufragado na Jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo de que, no caso
dos assistentes convidados no ensino superior politécnico, “o contrato caduca,
decorrido o prazo da sua vigência e independentemente de manifestação de vontade
nesse sentido.” (cfr. os Ac. de 19/05/87, 16/10/90, 07/03/91, 29/10/98 processos
n.°s 016024, 027771, 024489, 042292 in http://www.dqsi.pt, respectivamente).
O que significa que se extinguiram todos os direitos emergentes do contrato,
nomeadamente, o direito a auferir os vencimentos e subsídios legais e o direito
à prestação efectiva de trabalho através da distribuição de serviço docente.
22 – Da leitura conjugada do artigo 12.º, nº 2, e do artigo 14º, alínea a), do
ECDESP – conforme entendem o Recorrido, a Jurisprudência já citada e o Acórdão
recorrido – não se pode inferir que o acto de renovação seja um acto vinculado
quer quanto ao seu conteúdo quer quanto à sua oportunidade.
Pois o artigo 12.º, n.º 2, do ECDESP, em nada contende ou viola o regime
jurídico de rescisão dos contratos administrativos de provimento, limitando-se a
determinar a necessidade da prática de um acto expresso de deliberação favorável
do Conselho Científico para que o contrato se possa renovar. Este acto, se for
praticado, tanto pode consubstanciar um parecer favorável como consubstanciar um
parecer desfavorável, sendo uma área que cabe dentro da actuação discricionária
da Administração Pública.
É, por isso, destituído de fundamento o argumento de que da conjugação do artigo
12.º, n.º 2, e do artigo 14.º, do ECDESP, resulta que a prática do acto expresso
de deliberação favorável de renovação do contrato constitui uma conduta
vinculada da Administração, caso não tenha ocorrido qualquer uma das causas de
extinção contratual previstas no mesmo artigo 14.º.
23 – Com efeitos, estas figuras legais não são uma e a mesma coisa, não obstante
o Recorrente assim fazer crer, pois:
“A caducidade do contrato dá-se quando ocorre alguma circunstância que, por
força das cláusulas nele estipuladas ou por lei, determine a cessação da sua
vigência”, enquanto “A rescisão é a extinção do contrato, no decurso da sua
vigência, por manifestação de vontade de um dos contraentes e pode exercer-se
nos termos genericamente fixados na lei ou previstos no contrato” (Prof. Doutor
Marcello Caetano, in Princípios Fundamentais do Direito Administrativo,
Almedina, Coimbra págs. 207 a 209).
24 – Destarte, as possibilidades de denúncia ou rescisão do contrato, previstas
no artigo 14.º, do ECDESP, “...aplicam-se no pressuposto que não tenha terminado
pelo decurso do tempo” (in Ac. do TCA processo n.° 11402/02 e Acórdãos de STA de
19/05/87, 16/10/90 e 07/03/91). Consequentemente, na situação em discussão – não
obstante não se ter verificado nenhuma das causas de rescisão ou denúncia do
contrato, previstas no artigo 14º, do ECDESP - o contrato caducou por ter
atingido o seu término, defendendo o Acórdão recorrido, que se acompanha com a
devida vénia, que:
“Não encontra assim ao abrigo da lei a tese sustentada pelo A. segundo a qual
não tendo sido denunciado o contrato celebrado entre as partes o acto de
renovação seria um acto vinculado (quer quanto à oportunidade quer quanto ao
conteúdo), dado que, na falta de deliberação expressa no sentido da renovação da
mesmo, tal vínculo contratual caduca, não constituindo este entendimento
violação do direito de acesso à função pública nem violação do direito de acesso
à função pública nem violação da garantia constitucional de proibição de
despedimento sem justa causa, que o A. alegou existir, sem contudo concretizar
tal alegação.”
25 – Também, não colhe, deste modo, o argumento do Recorrente segundo o qual a
interpretação sufragada pelo Acórdão recorrido, dos referidos artigos 12º, n.º 2
e 14º, alínea a), do ECDESP, está ferida de inconstitucionalidade material,
porque supostamente põe em causa o direito fundamental à segurança no emprego
(artigo 53.º, da CRP) em especial na sua dimensão de garantia constitucional de
proibição de despedimento sem justa causa.
26 – Esta questão já foi objecto de pronúncia pelo STA no Ac. de 11-05-2005
(Processo n.º 0160/04, in http://www.dgsi.pt), que versa sobre a renovação de
contratos do pessoal docente do ensino superior politécnico, que desta feita se
passa a transcrever:
“Relativamente à alegada violação da segurança no emprego, e tendo em conta a
situação especial da recorrente, ela somente lhe estava garantida durante o
tempo de vigência do seu contrato, incluindo as respectivas prorrogações.
Efectivamente, é aqui de aplicar a doutrina do C. de 12.5.93 do Tribunal
Constitucional (nº 93-345-1), desenvolvida no trecho que seguidamente se
transcreve: ‘O princípio constitucional da segurança do emprego é aplicável aos
Trabalhadores da Administração Pública pese embora o particular estatuto
funcional de que desfrutam, no qual se compreende um conjunto próprio de
direitos, regalias, deveres e responsabilidades e lhes empresta um figurino
especial face a relação de emprego típica das relações laborais comuns de raiz
privatista. Simplesmente, nem todos os Trabalhadores da Administração Pública
beneficiam do estatuto específico dos funcionários públicos (stricto sensu)
entendidos estes como ‘agentes administrativos providos por nomeação vitalícia
voluntariamente aceite ou por contrato indefinidamente renovável, para servir
por tempo completo em determinado lugar criado por lei com carácter permanente,
segundo o regime legal próprio da função pública’. Haverá assim que distinguir
entre aqueles agentes que exerçam a sua actividade como uma profissão certa e
permanente e aqueles outros que apenas executam uma relação contratual a título
precário e acidental justificando-se plenamente que a lei estabeleça, consoante
os casos, diferentes condições de segurança e estabilidade na respectiva relação
de trabalho.”
27 – No seguimento deste entendimento, consta no Ac. do TC n.º 683/99 (in
http://www.tribunalconstitucional. pt), relativamente a outra situação
específica de contratação, mas que têm relevância para o presente recurso, que:
“Não constitui violação do princípio da igualdade, nem atenta contra o direito à
segurança no emprego, a circunstância de estarem legalmente instituídos regimes
específicos para os contratos de pessoal no âmbito da relação de emprego na
Administração Pública, substancialmente diferenciados do regime geral vigente no
direito laboral comum e adequados ao cumprimento das exigências formuladas pelo
n.º 2 do artigo 47º da Lei Fundamental.”
28 – Ora, se é certo que o trabalhador sabe que o contrato pode ser denunciado
até trinta dias antes do seu termo, por maioria de razão, o trabalhador que
exerce funções de docente equiparado no ensino superior politécnico (com
formação superior em Direito) tem de saber que, para que o seu contrato seja
renovado, é necessário que o respectivo Conselho Científico da Escola onde
lecciona delibere favoravelmente sobre a referida renovação, pois ambas as
situações estão regidas no mesmo Estatuto, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 185/81,
de 1 de Julho.
De forma que, o Recorrente não pode ter legitimamente formado a expectativa de
que o contrato se renovaria em face da falta de denúncia contratual.
29 - Pelo exposto, a interpretação sufragada pelo Acórdão recorrido, dos
referidos artigos 12º, n.º 2 e 14º, alínea a), do ECDESP, não está ferida de
inconstitucionalidade material, porque não põe em causa o direito fundamental à
segurança no emprego (artigo 53º, da CRP) em especial na sua dimensão de
garantia constitucional de proibição de despedimento sem justa causa.
30 – Finalmente, não obstante poder dizer-se que não caberá a este Venerando
Tribunal conhecer desta questão, se, porventura, o artigo 12º, n.º 2, do ECDESP
for julgado inconstitucional – por padecer de inconstitucionalidade formal ou
inconstitucionalidade orgânica ou inconstitucionalidade material – o Tribunal “a
quo” será obrigado a reformar a sua decisão em conformidade com o juízo de
inconstitucionalidade com todas as suas implicações. O que significa que terá de
considerar o invocado pelo Recorrido sobre a inconstitucionalidade de que outras
normas do referido Estatuto padeceriam, caso fosse considerada procedente o
pedido de inconstitucionalidade, nomeadamente: o artigo 3.º, na parte em que
determina o conteúdo das funções das categorias da carreira do pessoal docente
do ensino superior politécnico; bem como o artigo 8.º (que o próprio Recorrente
invoca nas alegações do presente recurso), na parte em que determina que a
equiparação do pessoal especialmente contratado se faz em relação a uma das
categorias da carreira do pessoal docente do ensino politécnico e na parte em
que determina que a celebração de contrato administrativo de provimento com os
docentes especialmente contratados é precedida de mero convite, com base num
relatório subscrito por dois professores da especialidade.
Pois nenhum Tribunal, aquando da decisão de uma determinada questão, pode
aplicar uma norma que seja inconstitucional, conforme dispõe o artigo 204.º, da
CRP.
Termos em que
Deverá ser o presente recurso de constitucionalidade ser julgado improcedente,
de acordo com as conclusões alinhadas, com os ulteriores efeitos legais.
II. Fundamentos
3. No ensino superior politécnico, além do pessoal da correspondente
carreira especial, as funções docentes são também cometidas a pessoal docente
especialmente contratado ao abrigo do artigo 8.º do Estatuto da Carreira Docente
do Ensino Superior Politécnico, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 185/81, de 1 de
Julho (ECDESP), que dispõe como segue:
“Artigo 8.º
Pessoal especialmente contratado
1 – Poderão ser contratadas para a prestação de serviço docente nos
estabelecimentos de ensino superior politécnico individualidades nacionais ou
estrangeiras de reconhecida competência científica, técnica, pedagógica ou
profissional, cuja colaboração se revista de necessidade e interesse
comprovados.
2 – Para efeitos do disposto no número anterior, as individualidades a contratar
serão equiparadas às categorias da carreira do pessoal docente do ensino
superior politécnico cujo conteúdo funcional se adeque às funções que terão de
prestar.
3 – Os contratos dos equiparados a categorias da carreira do pessoal docente do
ensino superior politécnico serão precedidos de convite, fundamentado em
relatório subscrito por dois professores da especialidade do candidato e
aprovado pela maioria dos membros em efectividade de funções do conselho
científico do estabelecimento de ensino interessado.
[…].”
Os docentes especialmente contratados são providos por contrato
administrativo de provimento, com a duração inicial de um ano, renovável por
períodos de dois anos, nos termos do artigo 12.º desse Estatuto, que dispõe:
“Artigo 12.º
(Provimento do pessoal especialmente contratado)
1 - O pessoal docente equiparado nos termos dos nºs. 1, 2, 3 e 4 do artigo 8.º
do presente diploma, bem como os encarregados de trabalhos a que se refere o n.º
5 do mesmo preceito, serão providos mediante contrato com duração inicial de um
ano, renovável por períodos bienais.
2 - As renovações a que se refere o número anterior deverão ser expressas e
fundamentadas em deliberação favorável do conselho científico.
3 - Quando tal se justifique, os contratos do pessoal a que se refere o artigo
8.º poderão ser celebrados por período de duração inferior a um ano.
A sentença recorrida interpretou o n.º 2 do artigo 12.º do ECDESP
como estabelecendo um regime de caducidade dos contratos de provimento dos
docentes do ensino superior politécnico especialmente contratados,
extinguindo-se o contrato no termo do período contratual (ou das sucessivas
renovações), se não for objecto de renovação expressa. Nesta interpretação, o
contrato não se renova tacitamente, por falta de denúncia oportuna; se não
houver acto expresso de renovação, caduca no termo do período clausulado ou da
renovação em curso. A tanto não obsta o artigo 14.º do mesmo ECDESP que, segundo
a sentença, regula outras causas de extinção do contrato.
É este entendimento que o recorrente põe em causa, atribuindo-lhe
uma tripla inconstitucionalidade:
i) Orgânica, por violação da reserva legislativa da Assembleia da
República, constante da alínea m) do artigo 167.º da Constituição, na redacção
originária;
ii) Formal, por preterição da audição das associações sindicais na
sua elaboração que entende imposta pela alínea a) do n.º 2 do artigo 58.º da
Constituição, na versão originária;
iii) Material, por violação do direito à segurança no emprego e da
proibição de despedimentos sem justa causa, consagrados no artigo 53.º da
Constituição.
4. Não restam dúvidas que foi a aplicação da norma constante do
artigo 12.º, n.º 2, do ECDESP que determinou, da parte da sentença recorrida, o
juízo de caducidade do contrato administrativo de provimento de serviço docente
ao abrigo do qual o recorrente exercia funções e que esse foi o fundamento
determinante da improcedência tanto do pedido principal como do pedido
subsidiário.
Relativamente ao pedido principal, entendeu a sentença recorrida que a norma do
artigo 12.º, n.º 2, do ECDESP se mantêm em vigor e era aplicável aos autos,
designadamente por não sofrer de qualquer das inconstitucionalidades arguidas
pelo recorrente.
E, quanto ao pedido subsidiário, entendeu que não resulta da conjugação daquela
disposição com o artigo 14.º, alínea a), do mesmo diploma que a Administração
tenha o dever de prolação de acto expresso de renovação contratual quando
nenhuma das partes tenha procedido à denúncia do contrato, porque a caducidade
pelo decurso do prazo contratual é uma causa de extinção do vínculo autónoma e
distinta da denúncia. A lógica da sentença é a de que, se a renovação depende de
acto expresso, não podem as normas que regulam a denúncia ser interpretadas como
fazendo que o silêncio da Administração opere como causa de renovação.
Sucede que, como a transcrição efectuada do requerimento de interposição e das
alegações torna patente, o recurso de constitucionalidade versa, aparentemente,
sobre duas normas: uma que tem por suporte o n.º 2 do artigo 12.º e outra que
resulta da conjugação deste mesmo preceito com a alínea a) do artigo 14.º, ambos
do ECDESP.
Trata-se, porém, de uma duplicação artificiosa da mesma questão de
constitucionalidade. O que verdadeiramente pode estar em causa é a norma do n.º
2 do artigo 12.º na interpretação de que os contratos de provimento do pessoal
docente especialmente contrato do ensino superior politécnico caducam quando não
haja acto expresso de renovação. A inexistência de dever de proferir acto
expresso e vinculado de renovação do contrato com o docente convidado é
consequência desse mesmo entendimento do direito ordinário – que não cumpre ao
Tribunal Constitucional censurar, nomeadamente quanto ao modo de
compatibilização entre a previsão da alínea a) do artigo 14.º e a regra de
caducidade (automática) que se considera decorrer do n.º 2 do artigo 12.º – de
que o decurso do prazo (ou da renovação) implica a extinção do contrato por
caducidade se não tiver havido acto expresso de renovação que o tribunal a quo
extraiu do n.º 2 do artigo 12.º. É nesta norma – e só nela – que reside a ratio
decidendi do acórdão recorrido quanto aos dois pedidos.
5. Começa o recorrente por sustentar que a norma do n.º 2 do artigo
12.º do ECDESP, inserindo-se num diploma emanado do Governo sem que este
estivesse munido de autorização parlamentar, viola o disposto na alínea m) do
artigo 167.º da Constituição, na redacção inicial.
É conclusão a que pretende que se chegue argumentando por duas vias:
- Na redacção inicial da Constituição constituía matéria de reserva
relativa de competência legislativa da Assembleia da República legislar sobre o
“regime e âmbito da função pública”, o que é mais extenso do que legislar sobre
as “ bases do regime e âmbito da função publica” que actualmente consta da
alínea t) do artigo 165.º da Constituição;
- Mas, ainda que deva proceder-se a uma interpretação restritiva da
alínea m) do artigo 167.º da Constituição, na sua redacção inicial, mantém-se o
vício de inconstitucionalidade orgânica, pois que a norma em causa estabelece um
regime contrário à regra de renovação dos contratos administrativos de
provimento, regra esta que ao tempo constituía uma das bases do regime da função
pública.
Vejamos.
5.1. Na vigência do primitivo texto constitucional, já a
jurisprudência da Comissão Constitucional sustentava (cfr. pareceres nºs 22/79 e
12/82, Pareceres da Comissão Constitucional, vols. 9º, p. 48, e 19º, p. 119,
respectivamente) que na reserva de competência legislativa da Assembleia da
República, estatuída na alínea m) do artigo 167.º, para legislar sobre o “regime
e âmbito da função pública” entrava apenas o “estatuto geral” da função
pública, aquilo que “é comum e geral a todos os funcionários e agentes”, aí se
compreendendo, designadamente, “a definição do sistema de categorias, de
organização de carreiras, de condições de acesso e de recrutamento, de complexo
de direitos e deveres funcionais que valem, em princípio, para todo e qualquer
funcionário público e que, por isso mesmo, favorecem o enquadramento da função
pública como um todo, dentro das funções do Estado”. Cabia na competência
legislativa do Governo a “concretização” desse estatuto geral, a sua
“complementação, execução e particularização”, ou seja, “quer o
desenvolvimento de tais princípios, quer a sua aplicação e adaptação aos
sectores que exijam um regime particular específico ou até excepcional”.
O Tribunal Constitucional deu continuidade, nos seus aspectos
essenciais, a este entendimento, que não há razões para rever (cfr. Acórdão n.º
78/84, publicado no Diário da República, II Série, de 11 de Janeiro de 1985).
Com efeito, como se reconheceu no acórdão n.º 142/85 ao cotejar as normas
constitucionais em referência, (ATC- 6.º Vol., p. 103), este entendimento
restritivo da reserva de competência legislativa parlamentar estabelecida na
versão originária da Constituição fundava-se na consideração, plenamente
justificada, de que, face à natureza, extensão, complexidade e variabilidade da
matéria, não seria praticamente viável, nem harmónico com a posição
constitucional do Governo como “órgão superior da Administração Pública”,
retirar a este toda e qualquer competência autónoma no domínio da função pública
e cometer à Assembleia da República a sua “regulamentação esgotante” (a
definição da “totalidade” do seu regime jurídico). Vale por dizer que a reserva
legislativa para que a redacção inicial da Constituição apontava na matéria era
já, em direitas contas, o que contendesse com os princípios estruturais básicos
do regime da função pública.
Nesta perspectiva, que não há razões para reequacionar, a norma em
causa, disciplinando um aspecto particular do regime de cessação do contrato
administrativo de provimento de uma categoria de pessoal de um sector específico
da Administração Pública (o pessoal especialmente contratado do ensino superior
politécnico), não cai no âmbito da reserva legislativa da Assembleia da
República que constava, à data da emissão do diploma, da alínea m) do artigo
167.º da Constituição.
5.2. Mas não basta concluir que não estamos num domínio onde fosse
sempre vedado ao Governo legislar sem prévia credencial parlamentar para dar a
questão da inconstitucionalidade orgânica por resolvida. Questão era, como se
disse no acórdão n.º 233/97 (ATC, 36º Vol., p. 503), – e aqui entramos na
apreciação do segundo argumento do recorrente – que, ao fazê-lo nos termos em
que o fez, o legislador não contrariasse os princípios básicos fundamentais que
devessem extrair-se do ordenamento jurídico vigente no tocante à matéria sobre
que versa a norma em causa.
Como se sublinhou no acórdão n.º 142/85, embora já a propósito da enunciação da
reserva de competência legislativa como respeitando às “bases do regime … da
função pública” (ao tempo, alínea u) do n.º 1 do artigo 168.º; actualmente,
alínea t) do n.º 1 do artigo 165.º), mas valendo, por maioria de razão, no
domínio de vigência da alínea m) do artigo 167.º da Constituição na versão
inicial, o que a reserva implica, na falta de uma lei quadro da função publica,
“é a necessidade de, a partir dos numerosos e dispersos textos legais
regulamentadores da função pública, e sem, naturalmente perder de vista o
respectivo contexto, maxime institucional e histórico, averiguar e estabelecer
as linhas de força estruturais dessa regulamentação, os princípios básicos que a
informam e caracterizam, pois aí se situará a linha de fronteira entre o que
pertence e o que não pertence à competência legislativa exclusiva da Assembleia
da República. Nessa competência entrará só – como é óbvio – o que contenda com
aqueles princípios, por importar a sua substituição, modificação ou derrogação;
sobre tudo o mais poderá o Governo legislar sem necessidade de qualquer
autorização prévia”.
Mantendo-se esta linha de orientação, importa determinar qual o
regime geral em matéria de renovação dos contratos de provimento dos
trabalhadores da Administração Pública vigente no momento da emanação do ECDESP
para, mediante o confronto do regime particular deste diploma com esse regime
geral, verificar se a norma em causa afronta algum princípio fundamental em tal
domínio.
É, aliás, esta a metodologia que o recorrente propõe, invocando como
consagradores do regime geral nesta matéria os artigos 3.º e 4.º do Decreto-Lei
n.º 49.397, de 24 de Novembro de 1969.
Dispunham, na parte que interessa, estes preceitos:
“Artigo 3º
1. Os contratos de provimento consideram-se celebrados com sujeição às seguintes
normas gerais, salvo as especiais constantes do respectivo diploma de
provimento:
[…]
b) O contrato é valido pelo prazo de um ano, a contar da data da posse,
considerando-se tácita e sucessivamente prorrogado, por iguais períodos, se não
for oportunamente denunciado;
c) A denúncia do contrato pode ser feita por qualquer das partes, com a
antecedência mínima de sessenta dias em relação ao termo do prazo;
[…].”
“Artigo 4.º
1. O disposto no artigo anterior é aplicável, com as devidas adaptações, aos
contratos de pessoal além dos quadros, desde que sejam feitos por tempo
indeterminado, ou pelo prazo de um ano ou superior, prorrogável.
2.[...] “
Concede-se, acompanhando neste passo o recorrente, que nestas
disposições se continham as bases ou princípios efectivamente existentes quanto
à celebração, duração e extinção dos contratos de pessoal admitidos na
Administração Pública ao tempo da publicação do ECDESP (cfr., implicitamente
acolhendo esta ideia, acórdão n.º 233/97). Mas já não é exacto que a norma em
causa tenha adoptado uma solução que colida com o que dessa regulamentação
pré-existente pode ser erigido em princípios básicos fundamentais na matéria de
renovação de tais contratos e que, por isso, para respeitar a reserva prevista
na alínea m) do artigo 167.º da Constituição na versão ao tempo vigente, o
Governo só pudesse editá-la com autorização parlamentar.
Com efeito, se é certo que a regra era a de que os contratos
administrativos de provimento (ou os contratos de pessoal além dos quadros
celebrados pelo período de um ano ou superior) se renovavam, tácita e
sucessivamente, na falta de denúncia tempestiva por qualquer das partes (alínea
b) do n.º 1 do artigo 3.º), não é menos certo que estava expressamente
ressalvada a existência de disposições especiais que estabelecessem regime
diverso (n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 49.397). Esta previsão de regime
especial modulava aquela regra e integrava, também ela, o regime básico.
Deste modo, o n.º 2 do artigo 12.º do ECDESP, ao exigir, como
condição necessária à renovação do contrato de serviço docente do pessoal
especialmente contratado, um acto expresso e fundamentado de renovação
contratual, consagra uma particularização do regime geral então vigente, o qual
já consentia o afastamento da regra de renovação tácita do contrato. Limita-se a
adaptar esse regime geral a um sector e categoria de pessoal específicos e a
fazê-lo de um modo compatível com as disposições que o próprio recorrente elege
como reveladoras do quadro básico do regime de contratação de pessoal para a
Administração Pública.
Com efeito, em ordem à satisfação de necessidades específicas de tais
estabelecimentos de ensino superior, consentia-se que pudessem ser contratadas,
sem observância do regime geral da carreira docente e das regras gerais em
matéria de recrutamento e selecção de pessoal mormente da regra do concurso,
personalidades a quem se reconheça capacidade para satisfazê-las. É
perfeitamente coerente com esse regime de recrutamento que esses docentes do
ensino superior politécnico especialmente contratados só vejam o seu vínculo
mantido se o órgão competente proceder à verificação actual, expressa e
fundamentada da necessidade da contratação e da adequação do interessado à
satisfação de tais necessidades. A sua contratação obedece ao pressuposto de que
a sua colaboração se reveste de necessidade e interesse comprovados (n.º 1 do
artigo 8.º do ECDESP). E é feita por convite, fundamentado em relatório
subscrito por dois professores da especialidade do candidato e aprovado pela
maioria dos membros em efectividade de funções do conselho científico do
estabelecimento de ensino interessado, e não pelo modo normal de recrutamento do
pessoal docente do ensino superior politécnico que é o concurso (n.º 3 do artigo
8.º do ECDESP). É perfeitamente razoável e congruente com este regime
excepcional de recrutamento que a renovação do contrato seja precedido da
verificação pelo órgão competente da existência de necessidade e interesse
comprovados em manter a colaboração do docente especialmente contratado.
Deste modo, ao emitir, sem prévia autorização parlamentar, a norma
do n.º 2 do artigo 12.º do ECDESP, interpretada no sentido de que a renovação do
contrato de provimento do pessoal docente do ensino superior politécnico
especialmente contratado depende de acto expresso da Administração, o Governo
não invadiu a reserva de competência legislativa da Assembleia da República que
constava da alínea m) do artigo 167.º da Constituição, na versão inicial, ao
tempo vigente.
Tanto basta para que deva julgar-se improcedente o vício de
inconstitucionalidade orgânica.
6. Cumpre passar à apreciação da inconstitucionalidade formal ou de
procedimento que o recorrente imputa à mesma norma e que consiste na violação do
direito das associações sindicais consagrado na alínea a) do n.º 2 do artigo
58.º da Constituição, na sua redacção originária, que estabelecia ser direito
das associações sindicais “participar na elaboração da legislação do trabalho”.
Corresponde, ipsis verbis, à alínea a) do n.º 2 do artigo 56.º actual.
6.1. Na análise desta questão há, desde logo, dois aspectos que
podem dar-se por assentes sem exame detalhado, por não serem objecto de
controvérsia.
O primeiro consiste em que este direito de participação se estendia, como se
estende, às associações sindicais representativas dos trabalhadores da
Administração Pública. O Tribunal tem reconhecido este âmbito de protecção da
norma constitucional, sem divergências (cfr., entre vários, acórdão n.º 451/87
ATC, Vol. 10.º, págs. 165 -166).
O segundo é que a norma em causa se insere, de pleno, na noção material de
legislação do trabalho constitucionalmente operante. Efectivamente, no que à
função pública se refere, o Tribunal tem considerado que se integra na
legislação do trabalho para este efeito “o que se estatui em matéria de regime
geral e especial dessa espécie de vínculo de trabalho subordinado, condições de
trabalho, vencimentos e mais prestações de carácter remuneratório, regime de
aposentação ou de reforma e regalias sociais e de acção social complementar”
(cfr., entre muitos, acórdão n.º 360/03). Ora, a norma sob apreciação disciplina
um aspecto nuclear da relação de emprego público que é, directamente, a
prorrogação do prazo e, reflexa ou indirectamente, a caducidade do vínculo
contratual.
6.2. Onde se registaram divergências e a dúvida pode ainda
justificar-se é quanto a saber se, ao tempo, o direito de participação na
legislação do trabalho dependia de intermediação legislativa ou era directamente
aplicável. Isto é, para encurtar razões, sobre um outro aspecto ou outro ângulo
de análise da questão que é o da qualificação do direito fundamental em causa na
categoria dos direitos liberdades e garantias, no âmbito temporal de vigência do
texto inicial da Constituição (cfr. Jorge Bacelar Gouveia, “Os direitos de
participação dos representantes dos trabalhadores na elaboração da legislação
laboral”, in Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, Vol I, págs. 109 e
segs., maxime págs. 145/149 e José Manuel Meirim, “A participação das
organizações dos trabalhadores na elaboração da legislação do trabalho
(aproximação à jurisprudência constitucional”, in Revista do Ministério Público,
ano 13.º, n.º 52, págs. 9 e segs.).
A interrogação não era dispicienda ou de relevância meramente
teórica – pelo menos até à revisão constitucional de 1982 (note-se que o diploma
legal em que se insere a norma em causa foi publicado em 1981) que deslocou o
direito de participação na legislação do trabalho do âmbito dos “Direitos e
deveres económicos, sociais e culturais” para o capítulo dos “Direitos,
liberdades e garantias” –, porque a Lei n.º 16/79, de 26 de Maio de 1979, não
era aplicável à função pública, só vindo a matéria a ser regulamentada pelo
Decreto-Lei n.º 45-A/84, de 3 de Fevereiro.
E, de facto, a Comissão Constitucional (cfr. Parecer n.º 18/78, publicado in
Pareceres da Comissão Constitucional, 6.º Vol. págs. 4 e segs.), considerou,
embora com vozes divergentes, que esta norma constitucional não era exequível
por si mesma. Continha um conceito aberto (participação), desprovido de qualquer
desenvolvimento a nível constitucional, que só através de uma lei, já não
constitucional, era possível integrar e definir. Assim, o direito de
participação só se tornaria operativo depois de uma pré‑definição jurídica dos
meios formais para alcançar o objectivo a que visa, mediante medidas
legislativas complementares a cargo do legislador ordinário. Enquanto isso não
sucedesse o que poderia eventualmente ocorrer seria uma inconstitucionalidade
por omissão (cuja verificação foi, aliás, pedida; cfr. Parecer n.º 4/77, in
Pareceres da Comissão Constitucional, I Vol. págs. 77 e segs.).
Para quem assim entenda, não estando ainda, ao tempo da edição do diploma em
causa, regulado o direito de participação dos trabalhadores da função pública,
fica excluída a possibilidade de verificação da inconstitucionalidade formal por
violação da alínea a) do n.º 1 do artigo 58.º da Constituição (na versão
originária).
Sucede que o Tribunal Constitucional adoptou jurisprudência no sentido de que,
mesmo na redacção inicial da Constituição, o direito de participação na
elaboração da legislação do trabalho beneficiava do regime dos direitos,
liberdades e garantias, sendo, em consequência, directamente aplicável com
vinculação das entidades públicas e privadas, nos termos dos artigos 17.º e 18.º
da mesmo texto constitucional (cfr. acórdãos n.º 31/84 e n.º 451/87, publicados
no Diário da República, I Série, de 17 de Abril de 1984 e de 14 de Dezembro de
1987, respectivamente).
Ora, admitindo-se que fosse imperativo constitucional que, no
procedimento legislativo que conduziu à adopção da norma em causa, o Governo
tivesse procedido à audição das associações sindicais, por se tratar, já na
redacção inicial da Constituição, de um direito fundamental de natureza análoga
a direitos liberdades e garantias, susceptível de ser exercido sem necessidade
estrita de intermediação legislativa, cabe, então, indagar se no respectivo
processo de produção legislativa (lato sensu) foi efectivamente assegurado o
direito de participação das associações sindicais.
6.3. Na sentença recorrida considerou-se que não podia dar-se como
verificada a falta de audição, designadamente por presunção a partir do silêncio
do diploma legal a este propósito, porque não existia norma que obrigasse a tal
menção.
Tem de reconhecer-se que não há elementos no processo que permitam
uma resposta categórica, num ou noutro sentido. Com efeito, o Decreto-Lei n.º
185/81 não contém, designadamente no texto preambular, qualquer referência à
audição das organizações sindicais representativas dos trabalhadores
potencialmente interessados. E das diligências oficiosamente empreendidas,
apenas resultou a informação de que não foi localizado o processo referente à
elaboração do Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior
Politécnico (fls. 450).
Todavia, seria precipitado retirar deste facto qualquer conclusão.
Não existindo, ao tempo, regulamentação do direito de participação das
associações sindicais neste domínio e não estando, consequentemente, cometida a
um serviço determinado a organização e coordenação do respectivo procedimento,
como veio mais tarde a suceder com o artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 45-A/84, é
compreensível que não sejam agora encontrados, passadas mais de duas décadas, os
registos correspondentes.
De modo que, na falta de elementos materiais extrínsecos que suportem um juízo
positivo em qualquer dos sentidos, só pode concluir-se pela verificação do vício
de procedimento legislativo em análise se for de presumir, face ao silêncio do
diploma, que tal audição não teve lugar.
O recorrente invoca neste sentido a jurisprudência do Tribunal, que considera
aplicável à situação em análise, de acordo com a qual “não se fazendo qualquer
referência nos textos preambulares dos diplomas a uma eventual audição das
organizações representativas dos trabalhadores se há-de presumir que tal audição
se não concretizou, competindo ao órgão autor da norma operar a sua ilisão”
(cfr., entre vários, acórdãos n.º 451/87, 15/88, 93/92, o primeiro já citado, e
os seguintes publicados no Diário da República, I Série e I Série-A, de 3 de
Fevereiro de 1988 e 28 de Maio de 1992, respectivamente).
Porém, este entendimento de que o silêncio dos actos normativos respeitante às
legislação do trabalho quanto à ocorrência da audição das associações sindicais
na sua elaboração faz presumir juris tantum que essa audição não teve
efectivamente lugar só se justifica no pressuposto de que a ordem jurídica
comporta a imposição de que o acto normativo respeitante à legislação dessa
natureza contenha tal menção. O incumprimento desse dever de relatar tal
ocorrência quando exista é que pode fornecer a base jurídica objectiva para
interpretar o silêncio como sinal de omissão do requisito do procedimento
legislativo.
Sucede que à data da publicação do Decreto-Lei n.º 185/81 nenhum preceito legal
previa, ainda que de modo indirecto, que a legislação da função pública
contivesse tal menção.
Não pode invocar-se nesse sentido o artigo 7.º da Lei n.º 16/79, de 26 de Maio,
uma vez que o regime estabelecido por este diploma não era aplicável aos
trabalhadores da função pública e a sua legislação do trabalho. As suas fontes
originárias – Projectos de Lei n.ºs 92/1 (PCP), 95/1 (PS) e 102/1 (UDP), Diário
da Assembleia da República, II Série, respectivamente, n.ºs 25, de 11 de Janeiro
de 1978, 29, de 19 de Janeiro de 1978, e 41, de 24 de Fevereiro de 1978 – e o
respectivo debate parlamentar (Diário da Assembleia da República, I Série, n.ºs
4 e 5, de 27 e 31 de Outubro de 1978), apontavam claramente nesse sentido. E
isso mesmo veio a ser expressamente assumido no preâmbulo do Decreto-Lei n.º
45‑A/84, de 3 de Fevereiro, que regulamentou, pela primeira vez, o direito de
negociação dos trabalhadores da Administração Pública (“... a qual, porque o
direito da função pública é um ramo do direito administrativo, não é aplicável
nem é, por natureza, susceptível de aplicar em sede de regime da função
pública”).
E também não constitui base para tal exigência o disposto no n.º 4 do artigo 7.º
da Lei n.º 3/76, de 10 de Setembro, que ao tempo regulava a publicação,
identificação e formulário dos diplomas. O que este preceito previa era que,
quando no processo legislativo tivesse participado, a título consultivo ou
deliberativo, por força da Constituição ou da lei, outro ou outros Órgãos além
do órgão de aprovação final, far-se-ia referência expressa a esse facto. Era
exigência restrita à participação de órgãos do Estado (lato sensu) com
intervenção no processo legislativo (v. gr., os órgãos das regiões autónomas),
não aos representantes dos trabalhadores e às associações sindicais que são
entidades com direito de participação na elaboração da legislação do trabalho,
mas não são órgãos do Estado com participação consultiva ou deliberativa na
feitura de tal legislação.
Assim, essa presunção só têm fundamento a partir do momento em que a ordem
jurídica infra-constitucional passou a disciplinar o direito de participação na
elaboração da legislação do trabalho por parte dos trabalhadores da
Administração Pública, o que somente veio a acontecer em momento posterior ao
diploma em que se insere a norma em apreciação, com o Decreto-Lei n.º 45‑A/84,
de 3 de Fevereiro.
Não se considera, pois, verificado o vício de inconstitucionalidade da norma em
causa por violação do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 58.º da
Constituição (versão de 1976).
7. Por último, cumpre apreciar a inconstitucionalidade da norma do n.º 2 do
artigo 12.º do ECDESP, acima transcrito, na interpretação de que nela se estatui
uma causa autónoma de extinção da relação contratual (: caducidade), cuja
verificação se dá sempre que não tiver sido proferido, pela Administração, um
acto expresso de renovação do contrato. Dito de outro modo, a interpretação de
que o vínculo do docente especialmente contratado se extingue, sem necessidade
de prévia denúncia, pelo mero decurso do prazo (inicial ou da renovação em
curso), se não for objecto de renovação expressa e fundamentada em deliberação
favorável do conselho científico do estabelecimento de ensino superior
politécnico.
Alega o recorrente que esta interpretação, sufragada pela sentença recorrida,
esvazia de conteúdo útil a norma da alínea a) do artigo 14.º do mesmo Estatuto
e, fazendo com que a inércia da Administração implique a cessação da relação
jurídica de emprego, fere, no seu núcleo mais essencial e de forma
desproporcionada, o direito fundamental à segurança no emprego e a garantia de
proibição de despedimentos sem justa causa, violando o artigo 53.º da
Constituição.
Em primeiro lugar, convém lembrar que não cabe ao Tribunal Constitucional
apreciar o acerto da interpretação do direito ordinário adoptada pelo tribunal a
quo, designadamente, saber se a conjugação do disposto nos artigos 12.º e 14.º
do ECDSP impunha um diferente entendimento das causas de extinção do contrato
ou, visto o problema pelo ângulo inverso, dos termos da renovação do contrato de
serviço docente dos professores especialmente convidados. Ao Tribunal cabe,
apenas, apreciar a conformidade da regra aplicada pela decisão recorrida –
essencialmente, a de que o contrato se extingue no termo do período contratual
se não houver acto expresso de renovação, sem necessidade de denúncia – com
normas ou princípios constitucionais, designadamente, com a garantia de
segurança no emprego consagrada no artigo 53.º da Constituição.
Importa notar que não vem questionada a constitucionalidade da norma de que
resulta o carácter temporário do vínculo contratual dos docentes especialmente
convidados. Discute-se, apenas, a circunstância de o contrato se extinguir pelo
decurso do prazo (isto é, caducar) na falta de um acto expresso de renovação,
fundado no reconhecimento da necessidade actual do serviço e da adequação da
prestação do docente para satisfazê-lo por parte do Conselho Científico do
estabelecimento de ensino, em vez de a extinção depender de um acto de denúncia
que obste à renovação automática. É este efeito diferencial de caducidade por
falta de acto expresso de renovação por contraposição à solução de renovação
automática na falta de acto expresso de denúncia que o recorrente toma como
lesivo da garantia constitucional de segurança no emprego.
Neste aspecto, a falta de razão do recorrente é manifesta.
Não se nega, por um lado, que o direito à segurança no emprego se não esgota na
proibição do despedimento sem justa causa ou por motivos políticos e
ideológicos, abrangendo o seu âmbito de protecção todas as situações que se
traduzam em injustificada precariedade da relação de trabalho. Nem, por outro
lado, a aplicabilidade do princípio à relação de trabalho na relação jurídica de
emprego público (cfr. por exemplo, acórdão n.º 155/04, publicado no Diário da
República, I Série-A, de 22 de Abril), embora com os limites ou condicionamentos
decorrentes do leque de princípios constitucionais a que a Administração Pública
está sujeita (cfr., por exemplo, acórdão n.º 368/00, publicado no Diário da
República, I Série-A, de 30 de Novembro).
Mas não se vislumbra como pode ser atribuído à norma em causa, na medida em que
exige um acto expresso e fundamentado do conselho científico da escola para que
o contrato de serviço docente se renove, um efeito lesivo desse direito
constitucionalmente protegido.
Efectivamente, essa exigência não introduz maior precariedade na relação de
trabalho do que aquela que é inerente à natureza temporária do vínculo, que não
está em discussão. E a sujeição da renovação a acto expresso e fundamentado do
conselho científico está justificada pelo carácter excepcional desse modo de
recrutamento, sendo medida adequada às particularidades deste modo de
recrutamento. Esse acto consiste na verificação de que se mantém actual a
necessidade e interesse da colaboração do docente, enquanto individualidade a
que se reconhece competência científica, técnica, pedagógica ou profissional
(artigo 8.º do ECDESP), em termos tais que justifiquem o afastamento da regra do
concurso, que seria o modo normal de recrutamento para prestação de serviço
docente, até por exigência constitucional (artigo 47.º, n.º 2, da CRP).
Em conclusão, se algum efeito precarizante da relação de emprego público em
causa pode ser imputado à norma em apreciação, esse efeito está
constitucionalmente justificado, pelo que improcede a alegação de violação do
direito à segurança no emprego consagrado no artigo 53.º da Constituição.
8. Decisão
Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso e condenar o recorrente nas
custas com 25 (vinte e cinco) UCs de taxa de justiça.
Lisboa, 11/2/2009
Vítor Gomes
Ana Maria Guerra Martins
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
Gil Galvão