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Processo n.º 132/09
Plenário
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
I- Relatório
1. O Presidente da Assembleia Municipal de Mirandela submeteu ao Tribunal
Constitucional, para efeitos de fiscalização preventiva da constitucionalidade e
da legalidade, ao abrigo do disposto no artigo 25.º da Lei Orgânica n.º 4/2000,
de 24 de Agosto (LORL), a deliberação de realização de um referendo local,
tomada na sessão ordinária dessa Assembleia Municipal de 16 de Fevereiro de
2009.
O requerimento vem instruído, na parte relevante, com os seguintes documentos:
- ordem de trabalhos da reunião ordinária da Câmara Municipal de Mirandela de 14
de Janeiro de 2009;
- acta da reunião camarária de 14 de Janeiro de 2009;
- convocatória para a sessão ordinária da Assembleia Municipal de Mirandela de
16 de Fevereiro de 2009,
- certidão da acta da sessão ordinária da Assembleia Municipal de Mirandela de
16 de Fevereiro de 2009;
- acta da sessão extraordinária da Assembleia Municipal de Mirandela de
constituição da Sociedade para Exploração do Metropolitano de Mirandela;
- contrato de constituição da sociedade MLM - Metropolitano Ligeiro de
Mirandela;
- pacto social da sociedade MLM – Metropolitano Ligeiro de Mirandela, S. A.;
- protocolo de cedência de uso do troço da linha do Tua entre Carvalhais-Cachão
à sociedade MLM – Metropolitano Ligeiro de Mirandela, S. A.;
- contrato de prestação de serviços de transporte ferroviário;
- 2º aditamento ao contrato de prestação de serviços de transporte ferroviário;
- parecer da Comissão de Coordenação de Desenvolvimento do Norte;
- parecer da Comissão Nacional de Eleições.
Tendo sido apresentado no dia 19 de Fevereiro de 2009, o pedido foi liminarmente
admitido por despacho do Presidente do Tribunal Constitucional, que ordenou a
distribuição do processo, em conformidade com o que dispõem os artigos 28.º, n.º
3, e 29.º, n.º 1, da LORL.
II – Fundamentação
2. Resulta dos documentos juntos aos autos o seguinte:
a) na sua reunião de 14 de Janeiro de 2009, a Câmara Municipal de Mirandela
adoptou a seguinte deliberação:
A Câmara Municipal deliberou, por unanimidade, aprovar:
1 - A iniciativa de realização de um referendo local, quanto à manutenção da
Linha do Tua, com a seguinte questão: Concorda com a manutenção da linha
ferroviária do Tua?;
2 – Submeter esta deliberação à aprovação da Assembleia Municipal.
b) Por edital publicitado em 2 de Fevereiro de 2009, foi convocada uma sessão
ordinária da Assembleia Municipal de Mirandela para o dia 16 de Fevereiro de
2009, de cuja ordem de trabalhos constava a discussão de uma proposta de
referendo relativa à linha do Tua;
c) Nessa mesma sessão, a Assembleia Municipal de Mirandela deliberou, por
maioria, o seguinte:
a) Aprovar a realização de um referendo local, sob proposta da Câmara Municipal
de Mirandela, deliberada na reunião de 14 de Janeiro de 2009, sobre a Linha do
Tua, com a seguinte pergunta: «Concorda com a manutenção da Linha Ferroviária do
Tua?»
b) Submeter a presente deliberação de realização de referendo, nos termos do
artigo 25º da Lei Orgânica n.º 4/2000, de 24 de Agosto, ao Tribunal
Constitucional, para efeitos de fiscalização preventiva da constitucionalidade e
da legalidade.
d) Na sequência do estabelecido no Decreto-Lei n.º 24/95, de 8 de Fevereiro, a
CP – Caminhos de Ferro Portugueses, EP e a MLM – Metropolitano Ligeiro de
Mirandela, S. A., celebraram em 7 de Julho de 1995 um protocolo de cedência
temporária do uso do troço da linha do Tua entre Carvalhais e Cachão, nos termos
do qual passou a caber a esta empresa a exploração em exclusivo do serviço de
transporte metropolitano no referido troço;
e) Entre as mesmas entidades foi ainda celebrado, em 18 de Outubro de 2001, um
contrato de prestação de serviços de transporte na linha do Tua, pelo qual a MLM
– Metropolitano Ligeiro de Mirandela, S. A. se obriga a prestar o serviço de
transporte ferroviário de passageiros na linha do Tua no percurso
Mirandela-Tua-Mirandela, pelo período de 21 de Outubro de 2001 a 21 de Fevereiro
de 2002;
f) O mesmo contrato de prestação de serviços foi prorrogado através de um
aditamento acordado em 27 de Fevereiro de 2004, pelo período de 27 de Outubro de
2003 a 29 de Fevereiro de 2004;
g) A MLM – Metropolitano Ligeiro de Mirandela, S. A. é uma sociedade anónima de
capitais exclusivamente públicos criada nos termos do Decreto-Lei n.º 24/95, de
8 de Fevereiro, mediante contrato celebrado em 7 de Julho de 1995, em que foram
outorgantes a Câmara Municipal de Mirandela e a CP – Caminhos de Ferro
Portugueses, EP, e cuja maioria do capital social é detida pelo município de
Mirandela;
h) a referida sociedade tem por objecto principal a exploração em regime de
exclusivo do transporte metropolitano de superfície no Município de Mirandela no
troço Carvalhais – Cachão;
i) O teor da deliberação da Assembleia Municipal de Mirandela, de 16 de
Fevereiro de 2009, a que se refere a antecedente alínea c), consta de certidão
emitida pelo secretário da Assembleia Municipal, onde se consignou que a parte
da acta respeitante a essa deliberação foi aprovada em minuta, nos termos e para
os efeitos consignados no n.º 3 do artigo 92.º da Lei n.º 169/99, de 18 de
Setembro.
3. A solicitação do relator, a Assembleia Municipal de Mirandela enviou alguns
outros documentos dos quais se constata o seguinte:
- o contrato de prestação de serviços de transporte ferroviário a que se refere
a alínea e) da rubrica anterior foi renovado em 21 de Fevereiro de 2002, para
vigorar entre esta data e 21 de Junho de 2002;
- através de um primeiro aditamento, acordado em Julho de 2002, o prazo de
vigência do contrato foi prorrogado por períodos iguais e sucessivos de 30 dias
com início em 21 de Junho de 2002;
Entretanto, foram realizadas diligências complementares junto do Instituto da
Mobilidade e dos Transportes Terrestres, I.P. (IMTT) em vista a determinar a
actual situação de funcionamento da linha do Tua e identificar a entidade que
detém a exploração do percurso Mirandela-Tua- Mirandela, vindo a ser prestada a
seguinte informação:
- desde 22 de Agosto de 2008 encontra-se interdita a circulação de comboios na
linha do Tua no troço compreendido entre as estações do Tua e do Cachão
(exclusive), ficando a reabertura da circulação ferroviária, nesse percurso,
condicionada à certificação pelo IMTT de que estão reunidos os necessários
requisitos de segurança;
- à data em que foi suspensa a circulação de comboios no referido troço,
detinham responsabilidades na exploração desse percurso as seguintes entidades:
(a) a REFER, que assegurava o comando e controlo da circulação dos comboios e a
conservação da infra-estrutura ferroviária; (b) a CP, que efectuava a exploração
comercial do transporte ferroviário de passageiros, utilizando pessoal próprio
na revisão e venda dos bilhetes e contratando o material circulante e
maquinistas à empresa Metro Ligeiro de Mirandela, S. A..
4. A possibilidade de realização de consultas referendárias a nível local está
prevista no n.º 1 do artigo 240.º da Constituição da República, que dispõe que
«[a]s autarquias locais podem submeter a referendo dos respectivos cidadãos
eleitores matérias incluídas nas competências dos seus órgãos, nos casos, nos
termos e com a eficácia que a lei estabelecer».
Compete ao Tribunal Constitucional, em fiscalização preventiva obrigatória,
verificar a constitucionalidade e a legalidade do referendo, incluindo a
apreciação dos requisitos relativos ao respectivo universo eleitoral, bem como
ao âmbito material e limites temporais do referendo, e à validade das perguntas
que nele se pretenda formular (cfr. artigos 223.º, n.º 1, alínea f), da
Constituição, artigos 11.º e 105.º da Lei do Tribunal Constitucional, e artigos
25.º e seguintes da LORL).
O requerente tem legitimidade para o pedido de fiscalização preventiva do
referendo local, na qualidade de presidente do órgão da autarquia que deliberou
a sua realização (artigo 25.º da LORL).
A deliberação foi tomada em 16 de Fevereiro de 2009 e o requerimento deu entrada
no Tribunal Constitucional no dia 19 seguinte, e, por isso, dentro do prazo
legalmente previsto para a sujeição a fiscalização preventiva (artigo 25.º da
LORL).
O pedido não vem instruído com cópia da acta da sessão em que foi adoptada a
deliberação, como prevê o artigo 28º, n.º 1, da LORL, mas apenas com um extracto
referente ao decidido quanto à realização do referendo, que foi nessa parte
aprovado por minuta, alegando o requerente não ter sido possível, até ao momento
da apresentação do pedido, a transcrição em acta de todos os assuntos apreciados
e deliberações adoptadas durante a reunião.
A prova documental que assim é efectuada, relativamente à deliberação de
realização do referendo, não corresponde, em rigor, à exigência constante do
citado artigo 28º, n.º 1, da LORL, que impõe que o pedido seja «acompanhado do
texto da deliberação e de cópia da acta da sessão em que tiver sido tomada»; mas
faz prova plena dos factos que se refere terem sido praticados, assumindo um
valor certificativo equivalente ao que poderia resultar do registo lavrado em
acta.
Acresce que o artigo 92º, n.º 2, da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, admite
expressamente que as deliberações mais importantes dos órgãos autárquicos
possam, desde logo, ser aprovadas em minuta, no final das reuniões, o que
permite conferir a essas deliberações (por conjugação desse preceito com o
subsequente n.º 3) uma imediata eficácia externa, independentemente de se
encontrarem exaradas em acta todas as demais ocorrências que tiverem tido lugar
no decurso da reunião.
Assim, a referida disposição legal autoriza a efectuar uma interpretação
extensiva do citado artigo 28º, n.º 1, da LORL, em termos de considerar que a
«acta da sessão» pode ser a acta parcial que contenha apenas a referência ao
texto da deliberação do referendo.
Nada obsta, por conseguinte, a que se considere o requerimento regularmente
instruído.
Por outro lado, estando em causa, no presente caso, a sujeição a consulta
popular da questão da manutenção da linha ferroviária do Tua, não são
imediatamente evidentes hipóteses de possível desconformidade material entre
qualquer dos sentidos possíveis do resultado da consulta popular e a
Constituição, isto é, não se antevê que qualquer das duas eventuais respostas
que venham a ser dadas à pergunta formulada determine a prática de actos ou a
adopção de normas legais desconformes com a Constituição (no sentido de no
âmbito do controlo da constitucionalidade do referendo se inscrever a apreciação
da constitucionalidade material da questão colocada, pronunciou-se o Tribunal no
acórdão n.º 288/98, Diário da República, I Série-A, de 18 de Abril de 1998).
5. O referendo local pode resultar de iniciativa representativa ou de iniciativa
popular, sendo que, no caso presente, a proposta de convocação de referendo
partiu do órgão executivo camarário, que a aprovou, por unanimidade, no
exercício de uma sua competência legal (cfr. artigo 10º da LORL).
A Assembleia Municipal, a quem cabe deliberar sobre a realização do referendo,
por se tratar de um referendo de âmbito municipal, pronunciou-se dentro do prazo
cominado no artigo 24º, n.º 1, da LORL, após a recepção da iniciativa
referendária, e por maioria de votos, em conformidade com o que prevê o n.º 5
desse artigo (cfr., ainda, os artigos 23º da LORL e 53º, n.º 1, alínea g), da
Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, na redacção da Lei n.º 5-A/2002, de 11 de
Janeiro).
Deste modo, pode concluir-se pela inexistência de irregularidades formais ou de
procedimento de que cumpra conhecer, pelo que nada impede que se passe à
apreciação dos demais aspectos que possam contender com a constitucionalidade e
legalidade da consulta popular.
6. Em sede de apreciação dos requisitos materiais do referendo, uma questão que
cabe preliminarmente apreciar é a dos limites temporais dentro dos quais podem
ser praticados os actos relativos à convocação e à realização do referendo.
Segundo o disposto no artigo 8º da LORL, «[n]ão pode ser praticado nenhum acto
relativo à convocação ou à realização de referendo entre a data de convocação e
a de realização de eleições gerais para os órgãos de soberania, eleições do
governo próprio das Regiões Autónomas e do poder local, dos deputados ao
Parlamento Europeu, bem como de referendo regional autonómico ou nacional»
A Lei n.º 14/87, de 29 de Abril, que define o regime aplicável à eleição dos
deputados ao Parlamento Europeu, estabelece, no seu artigo 7º, na redacção dada
pela Lei Orgânica n.º 1/99, de 22 de Junho, sob a epígrafe Marcação de eleições,
que «[o] Presidente da República, ouvido o Governo e tendo em conta as
disposições aplicáveis, marca a data das eleições com a antecedência de 60
dias».
Por outro lado, segundo a decisão adoptada na reunião do Conselho da União
Europeia, que teve lugar no Luxemburgo em 6 de Junho de 2008, as eleições para o
Parlamento Europeu a realizar no decurso do ano de 2009, deverão ocorrer entre
os dias 4 e 7 de Junho (in
http://www.consilium.europa.eu/uedocs/cms_data/docs/pressdata/pt/trans/101420.pdf).
Assim sendo, na hipótese mais provável de as eleições terem lugar em 7 de Junho
de 2009, a convocação do acto eleitoral pelo Presidente da República, para dar
cumprimento ao estipulado no referido artigo 7º, terá de verificar-se até ao
próximo dia 8 de Abril.
O processo relativo à convocação e à realização do referendo local está, ele
próprio, também sujeito a diversos trâmites e prazos procedimentais.
O Tribunal Constitucional procede à verificação da constitucionalidade e da
legalidade do referendo no prazo de 25 dias a contar da data da apresentação do
pedido (artigo 26º da LORL).
Proferida a decisão, o Presidente do Tribunal Constitucional manda notificar
imediatamente o presidente do órgão autor da deliberação de referendo (artigo
31º). E se não houver obstáculo à sua realização, o presidente da assembleia
municipal que o tiver deliberado notificará, no prazo de dois dias, o presidente
do órgão executivo da respectiva autarquia para, nos cinco dias subsequentes,
marcar a data do referendo (artigo 32.º).
Entretanto, o referendo deve realizar-se no prazo mínimo de 40 dias e no prazo
máximo de 60 dias a contar da decisão da fixação (artigo 33º, n.º 1).
Considerando o cômputo de todos os prazos aplicáveis, correspondentes a cada uma
das fases do procedimento, no caso em apreço, o referendo apenas poderia
realizar-se no intervalo entre 2 e 22 de Maio de 2009, num momento em que teria
já sido efectuada a convocação das eleições para o Parlamento Europeu.
Mas mesmo que as entidades administrativas envolvidas viessem a prescindir da
totalidade dos prazos que estão fixados e cumprissem as formalidades legalmente
exigidas logo que lhes fosse notificada a decisão do Tribunal Constitucional,
tendo em consideração o momento em que é emitida esta pronúncia (em antecipação
também ao termo do prazo legalmente cominado), o referendo apenas poderia
realizar-se, na hipótese mais favorável, no dia 12 de Abril, e nunca depois de
2 de Maio (limites mínimo e máximo do intervalo definido no artigo 33º, n.º 1,
da LORL).
Deste modo, o referendo sempre ficaria juridicamente inviabilizado por virtude
de a sua realização recair forçosamente, atento o estipulado naqueles artigos
32º e 33º, ou entre a data de convocação e a de realização da eleição dos
deputados ao Parlamento Europeu eleitos em Portugal ou fora do prazo máximo de
60 dias a contar da decisão da fixação (no mesmo sentido, em situação similar,
num caso em que tinha entretanto sido já designada a data para a eleição para o
Parlamento Europeu, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 259/2004).
Verifica-se, assim, que o referendo local nunca poderá realizar-se sem violação
dos limites temporais estabelecidos no referido art.º 8º da Lei Orgânica n.º
4/2000, pelo que a sua realização se mostra ser ilegal.
III – Decisão
Termos em que, julgando prejudicadas todas as demais questões, decide o Tribunal
Constitucional pronunciar-se pela ilegalidade do referendo local que a
Assembleia Municipal de Mirandela deliberou realizar na sessão ordinária de 16
de Fevereiro de 2009.
Lisboa, 3 de Março de 2009
Carlos Fernandes Cadilha
Ana Maria Guerra Martins
Carlos Pamplona de Oliveira
Mário José de Araújo Torres
Gil Galvão
Joaquim de Sousa Ribeiro
Maria Lúcia Amaral
José Borges Soeiro
João Cura Mariano
Vítor Gomes
Maria João Antunes
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos