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Processo n.º 560/08
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A., com os demais sinais dos autos, reclama para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 76.º, n.º 4, da Lei n.º 28/82,
de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), do despacho que não lhe admitiu o
recurso de constitucionalidade interposto do acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça, de 1 de Abril de 2008.
2 – Com interesse para o caso sub judicio, impõe-se relatar:
2.1 – Inconformada com o decidido no acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça de 22 de Janeiro de 2008 (fls. 1040 a 1058), a reclamante interpôs
recurso para uniformização de jurisprudência, no qual concluiu, entre o mais,
que:
“[...]
M. Nos termos do artigo 732.º-A, n.º 2, do CPC, e por imposição
constitucional, pode ser requerido o julgamento com vista à uniformização de
jurisprudência pelo Pleno das Secções Cíveis após notificação de Ac. que
contraria jurisprudência anterior, por ser inconstitucional o artigo 732.º-A,
n.º 2, se interpretado no sentido de que o requerimento ali referido não pode
ser requerido após proferido o Acórdão requerido.
N. Acresce, ainda, que nos termos do artigo 763.º, n.º 1, do CPC, na
redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, se admite,
a partir de 1 de Janeiro de 2008, o recurso para o pleno das secções cíveis em
caso de contradição de acórdãos, consagrando-se expressamente o direito
processual a que se fez referência e que decorre da Constituição.
O. Sendo inconstitucional o artigo 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º
303/2007, de 25 de Agosto, por violação do princípio da igualdade e de acesso ao
direito, se interpretado no sentido de que apenas as partes nos processos
iniciados após 1 de Janeiro de 2008 podem ver reapreciadas as decisões
contrárias a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que lhes sejam
desfavoráveis no processo”.
2.2 – Por acórdão de 1 de Abril de 2008, o Supremo Tribunal de Justiça indeferiu
o requerimento para uniformização de jurisprudência, deixando consignados os
seguintes fundamentos:
“[...]
«O art. 732° A nº 1 do C.P.Civil determina que “o Presidente do Supremo Tribunal
de Justiça determinará, até à prolação do acórdão, que o julgamento do recurso
se faça com intervenção do plenário das secções cíveis, quando tal se revele
necessário ou conveniente para assegurar a uniformidade da jurisprudência”.
Desta disposição decorre que o julgamento ampliado de revista só poderá ser
efectuado até à prolação do acórdão, o que não sucede no caso vertente, dado que
a decisão já foi proferida. Trata-se de uma espécie de recurso ordinário se bem
que revestindo uma forma mais solene, dada a intervenção do plenário das secções
cíveis. Não se pode, de forma alguma, através do argumento de uma uniformização
de jurisprudência, “inventar-se” uma quarta instância de recurso. Porque o
julgamento ampliado de revista apenas poderá ser efectuado até à pronúncia do
acórdão, o correspondente recurso não tem (nem pode ter), obviamente, por
objecto o acórdão do STJ proferido.
É pois inadmissível por intempestivo, face ao disposto naquela disposição, o
pretendido julgamento ampliado de revista para uniformização de jurisprudência.
Sustenta ainda a recorrente que o art. 732° A nº 2 será inconstitucional se
interpretado no sentido de que o requerimento ali referido, não pode ser
requerido após proferido o acórdão recorrido.
Diga-se desde já que a recorrente não justifica essa sua conclusão.
Designadamente não justifica por que razão jurídica e em que medida a
interpretação que se faz da disposição, viola um preceito constitucional.
Fica-se com a menção vaga de que tal interpretação é inconstitucional “por estar
em contradição com jurisprudência anterior ao nível do Supremo Tribunal de
Justiça”, fazendo anteriormente uma referência genérica aos arts. 20° nº 1 e 13°
da Constituição e aos princípios (gerais) que deles decorrem.
Esta omissão seria já suficiente para indeferir essa arguição de
inconstitucionalidade.
Mas diremos mais, dado que a disposição, com a interpretação que fazemos, não é
inconstitucional, como o Tribunal Constitucional já se pronunciou.
Na verdade, sobre a inconstitucionalidade da mencionada disposição e num caso
idêntico, o Tribunal Constitucional, no acórdão 261/02 de 18-6-2002 (in
http.w3.tribunalconstitucional.pt/asp/renAdv.search2.asp) referiu o seguinte:
“É o artigo 732°-A do Código de Processo Civil inconstitucional, por violação do
artigo 20°, nº 1 da Constituição, quando interpretado em termos de o
requerimento das partes a que se refere o nº 2 apenas poder ser apresentado até
à prolação do acórdão que julga a revista? Manifestamente que não. Desde logo
porque, como este Tribunal tem repetidamente afirmado, fora do Direito Penal não
resulta da Constituição, em geral, nenhuma garantia genérica de direito ao
recurso de decisões judiciais; nem tal direito faz parte integrante e necessária
do princípio constitucional do acesso ao direito e à justiça, expressamente
consagrado no citado artigo 20° da Constituição. Como se ponderou, mais
recentemente, no Acórdão nº 415/01 (Diário da República, II Série, de 30 de
Novembro de 2001), reiterando anterior jurisprudência deste Tribunal,
designadamente a constante do Acórdão nº 202/99, aprovado em plenário (Diário da
República, II Série, de 6 de Fevereiro de 2001):
“(…) O artigo 20°, nº 1, da Constituição assegura a todos ‘o acesso ao direito e
aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos,
não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”. Tal
direito consiste no direito a ver solucionados os conflitos, segundo a lei
aplicável, por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e independência,
e face ao qual as partes se encontrem em condições de plena igualdade no que diz
respeito à defesa dos respectivos pontos de vista (designadamente sem que a
insuficiência de meios económicos possa prejudicar tal possibilidade). Ao fim e
ao cabo, este direito é ele próprio uma garantia geral de todos os restantes
direitos e interesses legalmente protegidos. Mas terá de ser assegurado em mais
de um grau de jurisdição, incluindo-se nele também a garantia de recurso? Ou
bastará um grau de jurisdição? A Constituição não contém preceito expresso que
consagre o direito ao recurso para um outro tribunal, nem em processo
administrativo, nem em processo civil, e, em processo penal, só após a última
revisão constitucional (constante da Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de
Setembro), passou a incluir, no artigo 32°, a menção expressa ao recurso,
incluído nas garantias de defesa, assim consagrando, aliás, a jurisprudência
constitucional anterior a esta revisão, e segundo a qual a Constituição consagra
o duplo grau de jurisdição em matéria penal, na medida (mas só na medida) em que
o direito ao recurso integra esse núcleo essencial das garantias de defesa
previstas naquele artigo 32°. Para além disso, algumas vozes têm considerado
como constitucionalmente incluído no princípio do Estado de direito democrático
o direito ao recurso de decisões que afectem direitos, liberdades e garantias
constitucionalmente garantidos, mesmo fora do âmbito penal (ver, a este
respeito, as declarações de voto dos Conselheiros Vital Moreira e António
Vitorino, respectivamente no Acórdão nº 65/88, Acórdãos do Tribunal
Constitucional, vol. 11, pág. 653, e no Acórdão nº 202/90, id., vol. 16, pág.
505). Em relação aos restantes casos, todavia, o legislador apenas não poderá
suprimir ou inviabilizar globalmente a faculdade de recorrer”. Na verdade, este
Tribunal tem entendido, e continua a entender, com A. Ribeiro Mendes (Direito
Processual Civil, III - Recursos, AAFDL, Lisboa, 1982, p. 126), que, impondo a
Constituição uma hierarquia dos tribunais judiciais (com o Supremo Tribunal de
Justiça no topo, sem prejuízo da competência própria do Tribuna! Constitucional
- artigo 210°), terá de admitir-se que “o legislador ordinário não poderá
suprimir em bloco os tribunais de recurso e os próprios recursos” (cfr., a este
propósito, Acórdãos nº 31/87, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 9, pág.
463, e nº 340/90, id., vol. 17, pág. 349). Como a Lei Fundamental prevê
expressamente os tribunais de recurso, pode concluir-se que o legislador está
impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e
qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática. Já não está, porém, impedido de
regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a
recorribilidade das decisões (cfr. os citados Acórdãos nº 31/87, 65/88, e ainda
178/88 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 12, pág. 569); sobre o direito
à tutela jurisdicional, ainda Acórdãos nº 359/86, (Acórdãos do Tribunal
Constitucional, vol. 8, pág. 605), nº 24/88, (Acórdãos do Tribunal
Constitucional, vo!. 11, pág. 525), e nº 450/89, (Acórdãos do Tribunal
Constitucional, vol. 13, pág. 1307).
(...)“... Assim, já no Acórdão nº 574/98 (Acórdãos, 41°, 149, 162) se afirmou
“que não existe na Lei Fundamental um preceito ou princípio que imponha, dentro
do processo civil, a existência de um recurso para uniformização de
jurisprudência “ O que vai dito, que mantém inteira validade, é suficiente para
concluir pela improcedência da alegação do recorrente. Efectivamente, a
exigência de que o requerimento a que se refere o nº 2 do artigo 732°-A do CPC
seja apresentado até à prolação do acórdão final pelo Supremo Tribunal de
Justiça, como condição de admissibilidade do julgamento ampliado de revista para
efeitos de uniformização de jurisprudência, situa-se claramente dentro da margem
de liberdade de conformação dos recursos que, como vimos, a Constituição confere
ao legislador ordinário. A concluir, apenas se acrescenta que também não procede
a alegação de que na prática tal solução normativa inviabilizará a possibilidade
de as partes requererem o julgamento ampliado de revista, por só poderem ter
conhecimento da “possibilidade de vencimento da solução jurídica que esteja em
oposição com jurisprudência anteriormente firmada, no domínio da mesma
legislação e sobre a mesma questão de direito”, que é pressuposto daquele
julgamento ampliado de revista, já depois de proferida a decisão final. Como,
muito bem, se demonstra no acórdão recorrido – e tem também sido afirmado
repetidamente por este Tribunal Constitucional a propósito da exigência de
suscitação da questão de constitucionalidade antes de proferida a decisão
recorrida – é efectivamente exigível às partes que analisem as diversas
possibilidades interpretativas que previsivelmente possam vir a ser utilizadas
pelo tribunal de forma a adoptarem as necessárias precauções, de modo a poderem,
em conformidade com a orientação processual considerada mais adequada,
salvaguardar a defesa dos seus direitos. Por tudo o exposto, e sem necessidade
de mais considerações, por desnecessárias, é efectivamente de negar provimento
ao recurso”, pelo que se decidiu “a) não julgar inconstitucional, por violação
do artigo 20°, nº 1, da Constituição, o disposto no artigo 732°-A do Código de
Processo Civil, quando interpretado em termos de o requerimento das partes a que
se refere o seu nº 2 apenas poder ser apresentado até à prolação do acórdão que
julga a revista; b) em consequência, negar provimento ao recurso e confirmar a
decisão recorrida quanto ao juízo de constitucionalidade que nela se formula”.
De sublinhar, pois, que fora do Direito Penal não resulta da Constituição
nenhuma garantia genérica de direito ao recurso de decisões judiciais. Por outro
lado, o princípio constitucional do acesso ao direito e à justiça, expressamente
consagrado no citado artigo 20° da Constituição (que “assegura a todos o acesso
ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente
protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios
económicos”) não consagra o direito ao recurso para um outro tribunal, sendo
também certo que não existe disposição expressa na Constituição que imponha o
direito de recurso em processo civil, apesar de em processo e em matéria penal,
o artigo 32° estabelecer o duplo grau de jurisdição. Alguns autores têm
considerado como constitucionalmente incluído no princípio do Estado de direito
democrático o direito ao recurso de decisões que afectem direitos, liberdades e
garantias constitucionalmente garantidos, mesmo fora do âmbito penal. Em relação
aos restantes casos (como é o caso dos autos) tem-se entendido que o legislador
apenas não poderá suprimir ou inviabilizar globalmente a faculdade de recorrer.
Isto porque a Lei Fundamental prevê expressamente os tribunais de recurso. Mas
considera-se que o legislador ordinário tem ampla margem de conformação do
âmbito dos recursos.
Não ocorre, portanto, a inconstitucionalidade invocada pela recorrente.
Defende também a recorrente a aplicação ao caso, da uniformização de
jurisprudência a que alude o art. 763°, na redacção introduzida pelo Dec-Lei
303/2007 de 24/8.
Sucede que esta disposição não tem aplicação ao caso vertente, visto que o art.
11º nº 1 da disposição, expressamente refere que as disposições do decreto-lei
não se aplicam aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor, ou seja,
1-1-2008 (art. 12° nº 1 do mesmo diploma), como sucede com o presente caso.
Isto mesmo parece reconhecer a recorrente, visto que sustentou que o art. 11° nº
1 referido é inconstitucional, por violação do princípio do princípio da
igualdade e acesso ao direito, se interpretado no sentido de que apenas as
partes nos processos iniciados a 1-1-2008 podem ver reapreciadas as decisões,
contrárias a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que lhes sejam
desfavorável no processo.
Também aqui carece a recorrente de razão, uma vez que consideramos que a
disposição em causa não é inconstitucional.
Quanto ao princípio de acesso ao direito invocado pelo recorrente, remete-se
para o que acima se disse sobre o preceito constitucional que consagra o
princípio (art. 20° da Constituição).
Quanto ao princípio de igualdade, que tem consagração constitucional no art. 13°
da Lei Fundamental, referem J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição
da Republica Portuguesa Anotada - Vol. 1, 3 edição revista, 1993, págs. 126 e
127, tal princípio “tem a ver fundamentalmente com igual posição em matéria de
direitos e deveres (daí a sua colocação sistemática nesta sede nesta sede de
princípios gerais dos direitos e deveres fundamentais). Essencialmente, ele
consiste em duas coisas: proibição de privilégios ou benefícios no gozo de
qualquer direito ou na isenção de qualquer dever; proibição de prejuízo ou
detrimento na privação de qualquer direito ou na imposição de qualquer dever
(n°2). No fundo, o princípio da igualdade traduz-se na regra da generalidade na
atribuição de direitos e na imposição de deveres. Em princípio, os direitos e
vantagens devem beneficiar a todos; e os deveres e encargos devem impender sobre
todos. O conteúdo jurídico-constitucional do princípio da igualdade tem vindo
progressivamente a alargar-se, de acordo com a síntese dialéctica dos «momentos»
liberais, democráticos e sociais. O seu âmbito de protecção abrange na ordem
constitucional portuguesa as seguintes dimensões: (a) proibição do arbítrio,
sendo inadmissíveis, quer diferenciações de tratamento sem qualquer justificação
razoável, de acordo com critérios de valor objectivos, constitucionalmente
relevantes, quer a identidade de tratamento para situações manifestamente
desiguais; (b) proibição de discriminação, não sendo legítimas quaisquer
diferenciações de tratamento entre os cidadãos baseadas em categorias meramente
subjectivas ou em razão dessas categorias (cfr. nº 2, onde se faz expressa
menção de categorias subjectivas que historicamente fundamentaram
discriminações); (c) obrigação de diferenciação, como forma de compensar a
desigualdade de oportunidades, o que pressupõe a eliminação, pelos poderes
públicos, de desigualdades fácticas de natureza social, económica e cultural
(cfr., por ex., arts. 9°/d ef, 58°-3/b e 74°-1).
Como se refere no acórdão deste Supremo Tribunal de 17-2-2005 (in Col. Jur. Acs.
do STJ, 2005, Tomo 1, pág. 86) o princípio da igualdade “não exige uma paridade
absoluta de tratamento das situações, mas apenas o tratamento igual de situações
iguais entre si e um tratamento desigual de situações desiguais, de modo que a
disciplina jurídica prescrita seja igual quando uniformes as condições
objectivas das hipóteses ou previsões regulares quando falte tal uniformidade,
que também não há violação do princípio de igualdade quando a diferenciação de
tratamento de situações aparentemente iguais se baseie em razões ponderosas e
não em fundamentos meramente arbitrários ou desrazoáveis, traduzindo impulsos
momentâneos ou caprichosos, sem sentido e consequência”.
De um modo sintético, poder-se-á dizer que o princípio da igualdade impõe um
tratamento igualitário de todas as pessoas. Não proíbe que a situações diversas
seja dado um tratamento diferenciado. O que se proíbe é o arbítrio, consistente
em dar tratamento diverso a situações absolutamente análogas.
Para a questão específica levantada, convém também sublinhar que não existe
qualquer limite objectivo na Constituição sobre a aplicação da lei processual no
tempo, nem aí existe qualquer imposição quanto à necessidade de existência de
recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência.
Este princípio não foi violado, porque a todos é aplicável o mesmo acervo de
normas. O que sucede é que o legislador ordinário entendeu modificar o regime
dos recursos. Evidentemente que a regulamentação de impugnação das decisões deve
efectivar-se globalmente, aplicando-se a todos os casos que a lei indicar. Como
se disse acima, embora a Constituição preveja expressamente os tribunais de
recurso, o legislador ordinário tem ampla margem de conformação do seu âmbito.
Assim, esse legislador tem liberdade para determinar e disciplinar as regras de
recurso, estabelecendo designadamente as normas determinativas dos diversos
graus de jurisdição. Obviamente, as normas aplicar-se-ão a todos os casos
expressos, sem qualquer discriminação ou distinção.
Por conseguinte, não se vê que a norma indicada viole o princípio da igualdade,
visto que não se vê que o tratamento igualitário a todos os sujeitos processuais
que estejam em condições de dela poder usufruir, se não verifique.
O entendimento da recorrente é destituído de sentido dado que, levando às
últimas consequências a sua teoria, todas as causas seriam passíveis de recurso
até ao Supremo Tribunal, sendo que qualquer afastamento, por exemplo, em razão
do valor, violaria o dito princípio da igualdade.
Não ocorre pois a invocada inconstitucionalidade.».
2.3 – Notificada desse aresto, a reclamante interpôs, ao abrigo do
artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, recurso para o Tribunal Constitucional
pretendendo ver apreciada a constitucionalidade da norma “constante do artigo
732.º-A, do Código de Processo Civil (CPC), quando interpretado em termos de o
requerimento das partes a que se refere o n.º 2 apenas poder ser apresentado até
à prolação do Acórdão que julga a revista” e do “artigo 11.º, n.º 1, do
Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, que reserva a possibilidade de
recurso para uniformização de jurisprudência, com base na nova redacção do
artigo 763.º do Código de Processo Civil, aos processos iniciados após 1 de
Janeiro de 2008”.
2.4 – Perante o requerido, foi proferido o seguinte despacho:
“Não admito o recurso para o Tribunal Constitucional porque, a meu
ver, o mesmo não é admissível. É que a inconstitucionalidade não foi suscitada
no decurso do processo (‘maxime’ nas alegações de recurso) mas apenas após a
prolação do acórdão (art. 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82 de 15/11)”.
2.5 – Na sequência, foi deduzida a presente reclamação nos termos do
disposto no artigo 76.º, n.º 4, da LTC, na qual se alegou:
«1.º
O despacho de que se reclama não admitiu o recurso, afirmando que “a
inconstitucionalidade não foi suscitada no decurso do processo (“maxime” nas
alegações de recurso), mas apenas após a prolação da decisão (art. 70.º, n.º1
alínea b) da Lei 28/82 de 15/11)”.
2.º
Com efeito, a invocada norma da lei 28/82, de 15.11, impõe que a questão de
constitucionalidade que se quer ver apreciada seja preexistente ao recurso para
o Tribunal Constitucional, ou seja, não se pode recorrer para esse Venerando
Tribunal pedindo a apreciação de questão nova, que no processo nunca tivesse
surgido.
3.º
No entanto, não é verdade que, no caso presente, a questão da
inconstitucionalidade não tenha sido atempadamente suscitada, como se
demonstrará, relatando a sequência processual ocorrida.
4.º
Neste já longo processo, a Autora, ora reclamante, pede a devolução em dobro do
sinal que entregou ao abrigo de um contrato-promessa de compra e venda de uma
fracção autónoma, contrato esse incumprido pelos Réus, que nunca marcaram a
escritura de compra e venda que formalizaria o contrato definitivo.
º (sic)
Em primeira instância, foi decidido que não haveria lugar à devolução em dobro
do sinal, mas que poderia ser pedida a repetição do sinal pago ao abrigo do
instituto do enriquecimento sem causa.
5.º
Em segunda instância, foi decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa que não
haveria lugar à devolução do sinal em dobro mas haveria direito a reaver o sinal
pago, por não ter havido incumprimento do promitente-comprador. Desta decisão
recorreram ambas as partes.
6.º
Tendo vindo a recair sobre a questão acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que
declarou a acção totalmente improcedente, não reconhecendo sequer à A. o direito
a reaver em singelo o sinal por si pago.
7.º
Este acórdão causou, e causa, grande perplexidade à A., a qual nunca pensou ser
possível uma tal decisão.
8.º
E tal pensamento nunca lhe ocorreu pelos seguintes motivos:
- Nunca assim foi decidido pelas instâncias anteriores;
- A decisão é contrária à lei;
- A decisão é contrária a decisões jurisprudenciais anteriores proferidas por
tribunais superiores;
- A decisão é flagrantemente injusta.
9.º
Não se podendo conformar com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal, a A.
requereu que a questão fosse apreciada em julgamento ampliado de revista para
uniformização de jurisprudência, ao abrigo do disposto no artigo 732.º-A do CPC.
10.º
Nesse seu requerimento, a A., prevendo que pudesse ser interpretado o n.º 2 do
referido artigo 732.º-A do CPC no sentido de não admitir o requerimento de
julgamento ampliado de revista após a prolação do acórdão, invocou que uma tal
interpretação seria inconstitucional.
11.º
Tendo essa invocação sido feita de modo pormenorizado, com indicação dos
preceitos constitucionais violados pela interpretação em causa.
12.º
O requerimento de julgamento ampliado de revista apresentado pela A. veio,
efectivamente, a ser indeferido, com fundamento precisamente na interpretação
legal cuja inconstitucionalidade tinha sido apontada pela A.
13.º
Desse indeferimento veio a A. apresentar recurso para o Tribunal Constitucional,
alegando para o efeito que o despacho de indeferimento tinha aplicado uma norma
cuja constitucionalidade tinha sido posta em causa anteriormente.
14.º
Sobre o requerimento de interposição de recurso veio a recair a decisão de o
mesmo não ser admissível, nos termos já transcritos.
15.º
Ora, do relato que acabámos de fazer resulta à saciedade que a questão da
inconstitucionalidade foi suscitada no processo, nomeadamente, foi suscitada a
inconstitucionalidade da norma antes de essa mesma norma ser aplicada.
Não se tratando de caso em que, tendo sido proferida uma decisão com determinado
fundamento normativo, tenha uma parte decidido dela recorrer para o Tribunal
Constitucional com fundamento em inconstitucionalidade da norma aplicada, sem
que tal inconstitucionalidade tivesse até então sido questionada. Neste caso,
sim, não deveria o recurso ser admitido.
16.º
O artigo 70.º, n.º 1, al. b) da Lei 28/82 diz serem recorríveis as decisões “que
apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o
processo”, exactamente para prevenir que cheguem potencialmente à apreciação do
Tribunal Constitucional todos os processos judiciais, para tanto bastando
pretender ver apreciada uma qualquer norma jurídica aplicada in casu.
17.º
Sendo que não é esta a situação dos presentes autos, não tendo a A. discutido a
questão da constitucionalidade apenas no recurso para o Tribunal Constitucional.
18.º
Diz a decisão sob censura que a questão da inconstitucionalidade não foi
suscitada no decurso do processo, mas apenas após a prolação da decisão.
19.º
Parecendo com esta afirmação entender que o “processo” terminou com a prolação
do acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça.
20.º
Se o decurso do processo fosse entendido como terminando nesse momento,
assistiria realmente razão à decisão, pois a constitucionalidade do n.º 2 do
artigo 732.º-A do CPC nunca foi discutida antes do acórdão final.
21.º
Mas uma tal interpretação significaria também que a constitucionalidade do n.º 2
do artigo 732.º-A do CPC, na interpretação que lhe foi dada pelo Supremo
Tribunal, nunca poderá ser objecto de fiscalização concreta.
22.º
Isto porque nunca, no decurso de um processo, haverá ocasião de aplicar – e logo
de discutir – a norma em questão.
23.º
Pelo que, com respeito por opinião contrária, se afigura ilógico pretender, como
o faz o despacho censurado, que a presente questão de inconstitucionalidade
deveria ter sido suscitada “ “maxime” nas alegações de recurso”.
24.º
Isto porque a A. não poderia então saber ou suspeitar que iria ser proferido
acórdão nos termos em que o foi, do qual viesse a pretender o julgamento de
revista ampliado para uniformização de jurisprudência.
25.º
Sendo que, se tivesse antecipado tal possibilidade – antecipação essa que não
lhe seria sequer exigível - o que teria feito seria requerer logo então esse
julgamento ampliado.
26.º
A A. discutiu a constitucionalidade da norma na primeira ocasião em que tal
norma se tornou relevante, antecipando mesmo a interpretação cuja
constitucionalidade questiona e que veio a ser seguida.
27.º
Pelo que se deve considerar preenchida a previsão da alínea b) do n.º 1 do
artigo 70.º da Lei 28/82.»
2.6 – Já neste Tribunal, o representante do Ministério Público,
pugnou pelo indeferimento da reclamação, aduzindo a seguinte fundamentação:
«As questões de constitucionalidade suscitadas pela ora reclamante têm uma
dimensão exclusivamente adjectiva, não se relacionando com o mérito da causa,
mas apenas com os mecanismos processuais susceptíveis de facultarem ao
interessado a resolução de pretensos conflitos jurisprudenciais: e, nesta
perspectiva, entendemos que foram oportunamente suscitadas, na peça processual
através da qual se pretenderam precisamente accionar tais mecanismos processuais
(julgamento ampliado da revista e recurso para o Plenário do STJ, baseado em
alegado conflito jurisprudencial).
Sucede, porém, que ambas as questões se configuram, a nosso ver, como
manifestamente infundadas, face, nomeadamente, ao entendimento da jurisprudência
constitucional sobre tal tema – o que sempre conduziria à não admissão do
recurso (art. 76º, vº 2, “in fine”, da Lei nº 28/82).
Na verdade, quanto à questão reportada à norma do art. 732º-A do CPC, ela já foi
objecto de um julgamento de não inconstitucionalidade, através do acórdão nº
261/02, para cuja fundamentação – não abalada pela argumentação da reclamante –
inteiramente se remete.
Quanto à questão de constitucionalidade reportada à norma de direito transitório
especial, contida no art. 11º, nº 1, do DL nº 303/07 é igualmente ostensiva a
sua falta de fundamentação, não se vislumbrando qualquer razão que, por força da
Lei Fundamental, impusesse ao legislador uma aplicação imediata ou retrospectiva
das novas soluções adoptadas quanto ao recursos cíveis. Note-se que, em rigor, o
que a reclamante pretende questionar não é tanto aquela norma de direito
transitório, mas antes a inexistência – após a reforma de 1995/96 – da via
recursória ora represtinada para as acções novas: o recurso para uniformização
de jurisprudência, traduzido num novo e adicional grau de jurisdição. Ora, para
além de não identificar adequadamente a “base normativa” deste regime (que
naturalmente transcende o plano da citada norma de direito transitório),
importará realçar o decidido por este Tribunal Constitucional no acórdão nº
574/98, do qual se infere que não existe na Constituição um preceito ou
princípio que necessariamente imponha, dentro do processo civil, a existência de
um recurso para uniformização da jurisprudência.
Deste modo – e com este fundamento – somos de parecer que a presente reclamação
deverá ser rejeitada.»
2.7 – Notificada para responder, a reclamante contrapôs os
argumentos que se transcrevem:
«1º
A recorrente requereu a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional
com base na inconstitucionalidade de uma determinada norma de natureza
processual.
2.º
O seu requerimento de interposição de recurso veio a ser indeferido, com
fundamento – sendo esse o único fundamento invocado – na intempestividade da
invocação da questão de constitucionalidade.
3.º
Confrontada com a não admissão do recurso, a recorrente apresentou reclamação,
ao abrigo do disposto no artigo 76.º, n.º 4, da Lei 28/82, de15 de Novembro.
4.º
Para fundamentação da reclamação apresentada, a recorrente discorreu sobre o
ponto que fundou a não admissão do recurso: o momento da suscitação da questão
de constitucionalidade.
5.º
Não tendo referido qualquer outra questão, pois, como referido, apenas nesta se
baseou a decisão de não admissão do recurso.
6.º
Chamado a pronunciar-se sobre a admissibilidade do recurso, o Digníssimo
representante do Ministério Público vem dizer duas coisas:
a) A questão da constitucionalidade foi oportunamente suscitada.
b) Apesar disso, o recurso não deveria ter sido admitido por ser
manifestamente infundado, pelo que a presente reclamação deve ser rejeitada.
7.º
Com todo o respeito por opinião contrária, a recorrente entende que o parecer do
Ministério Público se pronuncia sobre aspectos que não poderia abordar.
8.º
Com efeito, em causa na presente reclamação está apenas um ponto: averiguar do
acerto da decisão do Supremo Tribunal de Justiça que não admitiu o recurso com
fundamento na falta de oportuna suscitação da questão de constitucionalidade.
9.º
E quanto a esse ponto o parecer do Ministério Público é claro: tal decisão foi
errada, pois a questão foi oportunamente suscitada.
10.º
Não está agora em causa saber se a decisão do STJ sempre deveria ter sido a de
não admissão por manifesta improcedência, pois tal decisão não foi tomada por
quem tinha competência para o fazer.
11.º
Sendo que não será lícito confrontar a recorrente com o indeferimento da
reclamação por si apresentada com base em fundamento sobre o qual não teve
oportunidade de alegar aquando da motivação dessa mesma reclamação: a tal se
opõe o princípio da proibição de decisões surpresa.
12.º
A procedência ou improcedência do recurso (manifestas ou não) têm momentos
próprios para ser analisadas, não sendo certamente adequado para o fazer o
momento presente, em que apenas se discute o acerto da decisão relativa à
intempestividade da problematização constitucional.
13.º
Pelo que, na decisão que recair sobre a presente reclamação, se deverá
desconsiderar o conteúdo do parecer o Ministério Público que se contém nos
parágrafos segundo e seguintes do mesmo.
14.º
Tendo somente em consideração o conteúdo do primeiro parágrafo desse parecer,
decidindo-se de acordo com o entendimento aí expendido de ter a questão
constitucional sido oportunamente suscitada.»
B – Fundamentação
3 – Considerando as exigências determinantes da admissibilidade dos
recursos de constitucionalidade interpostos ao abrigo da norma do artigo 70.º,
n.º 1, alínea b), da LTC, no que tange especificamente com a satisfação do ónus
de suscitação prévia, durante o processo, da inconstitucionalidade da(s)
norma(s) que constitui(em) o objecto de tal recurso, importa começar por referir
que, segundo a jurisprudência constante deste Tribunal (veja-se, por exemplo, o
Acórdão n.º 352/94, in Diário da República II Série, de 6 de Setembro de 1994),
este requisito deve ser entendido “não num sentido meramente formal (tal que a
inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância)”, mas
“num sentido funcional”, de tal modo “que essa invocação haverá de ter sido
feita em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão”,
“antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma
questão de constitucionalidade) respeita”, por ser este o sentido que é exigido
pelo facto de a intervenção do Tribunal Constitucional se efectuar em via de
recurso, para reapreciação ou reexame, portanto, de uma questão que o tribunal
recorrido pudesse e devesse ter apreciado (ver ainda, por exemplo, o Acórdão n.º
560/94, Diário da República, II, de 10 de Janeiro de 1995, e ainda o Acórdão n.º
155/95, in Diário da República, II série, de 20 de Junho de 1995).
No caso sub judicio, de acordo com o relatado, as questões de
constitucionalidade foram suscitadas pela reclamante em tempo oportuno, ou seja,
previamente à aplicação das referidas normas por parte do Supremo Tribunal de
Justiça, que delas conheceu, indeferindo-as.
Todavia, independentemente dessa realidade, cumprirá ainda apurar se os demais
requisitos de admissibilidade do recurso se encontram preenchidos, dado que, em
face do disposto no artigo 77.º, n.º 4, da LTC, a decisão que revogar o despacho
de indeferimento faz caso julgado quanto à admissibilidade do recurso.
E, cumprindo esse desiderato, há que analisar se as questões invocadas são, ou
não, manifestamente infundadas, dado que, nos termos do disposto no artigo 76.º,
n.º 2, da LTC, o requerimento de interposição de recurso deve ser indeferido
quando, tendo este sido interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo
70.º, da LTC, for manifestamente infundado.
A respeito desse fundamento de não admissibilidade do recurso escreveu-se no
Acórdão n.º 501/94 (publicado no Diário da República II Série, de 10 de Dezembro
de 1994 e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 28º vol. pp. 537), o seguinte:
Nos termos do disposto no artigo 76º, n.º 2, da Lei n.º 28/82, o requerimento de
interposição de recurso para o Tribunal Constitucional deve ser indeferido, no
caso do recurso previsto no artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82,
quando for 'manifestamente infundado' (...).
[...]
9. Neste domínio, é fundamental concretizar critérios de aferição do que seja um
'recurso manifestamente infundado' para delimitar tal conceito.
É desde logo evidente que não se pode, em sede de reclamação, antecipar a
apreciação do mérito do recurso, procedendo a uma análise circunstanciada dos
seus fundamentos. Não constitui objecto da reclamação avaliar a atendibilidade
dos fundamentos do recurso, mas apenas apreciar a verificação das condições de
admissibilidade do recurso. Em regra, tais condições possuem natureza formal,
embora uma delas, concretamente a que ora nos interessa - ou seja, a de o
recurso não ser 'manifestamente infundado' -, tenha uma irrecusável componente
substantiva, na medida em que impõe uma certa avaliação dos fundamentos do
recurso.
Porém, esta avaliação não pode ser idêntica à que teria lugar no julgamento do
próprio recurso. Não é por entender que os fundamentos do recurso improcedem que
o julgador pode, logo na apreciação da reclamação, considerar o recurso
'manifestamente infundado': por isso, a lei não se basta com que o recurso seja
'infundado', para determinar a não admissão do recurso e o subsequente
indeferimento da reclamação, mas exige que o recurso seja 'manifestamente
infundado'. Isto significa que o recurso só pode ser indeferido e a reclamação
desatendida se uma avaliação sumária dos seus fundamentos permitir concluir,
inequivocamente, pela sua inatendibilidade.
Se o julgador, no âmbito da reclamação, tiver de desenvolver uma actividade
cognitiva e argumentativa semelhante à que utilizaria em sede de recurso para
poder concluir pela inatendibilidade dos respectivos fundamentos, tal indiciará
que não estamos perante um 'recurso manifestamente infundado' - e, por
conseguinte, será de deferir a reclamação e determinar a subida do recurso,
ainda que, a final, venha a ser-lhe negado provimento.
10. No Acórdão n.º 269/94, publicado no Diário da República, 2ª Série, de
18/6/94, o Tribunal Constitucional abordou o conceito de 'recurso manifestamente
infundado' e concluiu que ele visa impedir que o recurso de constitucionalidade
sirva fins dilatórios: a questão de inconstitucionalidade só deve subir ao
Tribunal Constitucional quando apareça, prima facie, dotada de uma certa
atendibilidade.
A finalidade deste pressuposto de admissibilidade do recurso é, sem dúvida,
evitar recursos inúteis, com efeitos meramente dilatórios. Porém, tendo em
atenção as considerações anteriormente expendidas, ele não pode ser utilizado
para obstar à subida de recursos cuja atendibilidade seja duvidosa, sob pena de
subversão das finalidades e características do meio processual 'reclamação', que
não pode substituir o meio processual 'recurso' (com diferentes prazos e
garantias para as partes). Com efeito, é este último o meio próprio para a
avaliação ponderada da atendibilidade dos fundamentos do recurso.
Resulta do exposto que o conceito de 'recurso manifestamente infundado' deve ser
delimitado negativamente, como, aliás, decorre da própria formulação legal do
conceito.
Assim, é 'manifestamente infundado' o recurso cuja inatendibilidade seja
liminarmente evidente ou ostensiva.
Isto significa que não há que averiguar se o recurso procede, nem se exige um
determinado grau de probabilidade dessa procedência - caso em que se estaria a
entrar, profundamente, na apreciação do respectivo mérito. O que o legislador
exige é que se verifique, tão-só, se os fundamentos do recurso são notoriamente
inatendíveis.
Daqui decorre que o recurso será, por exemplo, 'manifestamente infundado' quando
nele falte qualquer fundamentação (ou seja, não se apresente - nem se vislumbre
- argumentação no sentido da alegada inconstitucionalidade) ou quando a
fundamentação revele contradições insanáveis de ordem lógica ou valorativa.
Nestes casos, uma simples análise sumária ou liminar do requerimento de recurso
basta para concluir pelo carácter 'manifestamente infundado' do recurso, sem
necessidade de uma apreciação circunstanciada dos fundamentos, ou seja, sem
entrar na apreciação do fundo do recurso que é reservada para um momento
processual ulterior.»
Seguindo aqui idêntico critério, impõe-se dar a mesma resposta em
relação às normas que a reclamante erigiu em objecto do recurso de
constitucionalidade.
De facto, quanto à norma do artigo 732.º-A, do Código de Processo
Civil (CPC), quando interpretado em termos de o requerimento das partes a que se
refere o n.º 2 apenas poder ser apresentado até à prolação do Acórdão que julga
a revista, não é ostensiva a inatendibilidade do recurso, uma vez que a análise
dessa questão dificilmente poderá fazer-se na ausência de um esforço reflexivo
mínimo que permite concluir pela sua improcedência não se olvidando que a
quaestio decidendi vai directamente referida ao ónus que o legislador faz recair
sobre a parte para accionar o mecanismo processual em causa.
O mesmo sucede, igualmente, com a norma do artigo 11.º, n.º 1, do
Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, que reserva a possibilidade de
recurso para uniformização de jurisprudência aos processos iniciados após 1 de
Janeiro de 2008, não sendo aqui ostensivo que a hipótese da norma seja
manifestamente compatível com o princípio da igualdade.
Por fim, e em face da conclusão alcançada, restará apenas, perante o
teor da resposta da reclamante à promoção do Ministério Público e o entendimento
de que a decisão da reclamação se deve circunscrever aos motivos que levaram ao
indeferimento do requerimento de interposição do recurso, referir, tal como no
acórdão n.º 465/99, que tal alegação decorre (…) de um errado entendimento
quanto aos objectivos e quanto aos trâmites do processo de reclamação perante o
Tribunal Constitucional. Na verdade, para decidir se um recurso deve ser
admitido – e por isso mesmo, para decidir se deve ser deferida a reclamação
deduzida de decisão de um tribunal que não tenha admitido um recurso de
constitucionalidade –, compete ao Tribunal Constitucional averiguar se estão
verificados os pressupostos processuais específicos do recurso de fiscalização
concreta que, no caso, se pretende interpor, decorrendo, como se disse, do nº 4
do artigo 77.º da LTC, a necessidade de, ao julgar tal reclamação, este Tribunal
conhecer precisamente de todos os fundamentos que podiam determinar a
inadmissibilidade do recurso de fiscalização concreta interposto.
Por outro lado, é também manifestamente improcedente o argumento de
que o indeferimento da reclamação “com base em fundamento sobre o qual não teve
oportunidade de alegar aquando da motivação dessa mesma reclamação”, atenta
contra o “princípio da proibição de decisões surpresa”, pois, como é ostensivo
in casu, a reclamante foi chamada a pronunciar-se sobre o teor do parecer do
Ministério Público, não estando assim em causa a prolação de qualquer
decisão-surpresa, sendo que, na sua resposta, a reclamante teve oportunidade
processual para alegar o que tivesse por conveniente quanto aos fundamentos
explanados pelo Ministério Público.
4 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide:
Deferir totalmente a reclamação.
Lisboa, 7 de Outubro de 2008
Benjamim Rodrigues
Joaquim de Sousa Ribeiro
Rui Manuel Moura Ramos