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Processo 543/07
Plenário
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, foi proferido acórdão nº 354/08 (fls. 6054 a 6079) que
decidiu não conhecer do objecto do recurso interposto pelo recorrente A. (e
também pelo recorrente B.), “quanto à inconstitucionalidade material da norma
extraída do artigo 175º do Código Penal [na versão anterior à Lei n.º 59/2007,
de 04 de Setembro]” e, simultaneamente, não conceder provimento ao recurso
quanto às demais questões levantadas pelos dois recorrentes.
2. Porém, o recorrente A. vem recorrer para o Plenário do Tribunal
Constitucional (fls. 6092 e 6093), invocando uma alegada contradição daquele
acórdão com os Acórdãos n.º 247/2005 e n.º 351/2005, por considerar que o
referido acórdão decidiu no sentido da não inconstitucionalidade material da
norma constante do artigo 175º do Código Penal, na versão anterior à Lei n.º
59/2007.
Em 28 de Agosto, a Relatora proferiu o seguinte despacho que, no que diz
respeito à presente reclamação, rejeitou a admissão do referido recurso, nos
seguintes termos:
“(…)
2. Quanto ao recurso para o plenário deste Tribunal interposto pelo recorrente
A., nos termos do n.º 1 do artigo 79º-D, da LTC, importa, desde já, afirmar que
este recurso pressupõe que tenha havido decisão sobre “a questão da
inconstitucionalidade ou ilegalidade em sentido divergente do anteriormente
adoptado quanto à mesma norma, por qualquer uma das suas secções”.
No Acórdão n.º 354/2008, alvo do presente recurso, não foi decidida
qualquer questão de inconstitucionalidade material da norma extraída do artigo
175º do Código Penal, tendo apenas sido decidido não conhecer do objecto dos
recursos interpostos pelo ora recorrente (A.) e por outro recorrente (B.). O
extracto decisório do acórdão recorrido é o seguinte:
“a) Não conhecer do objecto do recurso quanto à inconstitucionalidade material
da norma extraída do artigo 175º do Código Penal [na versão anterior à Lei n.º
59/2007, de 04 de Setembro];
b) Não conceder provimento ao recurso, na parte em que dele se conhece” (fls.
6079);
O ora recorrente vem agora invocar uma alegada contradição entre
aquelas decisões e as resultantes dos Acórdãos n.º 247/2005 e n.º 351/2005,
anteriormente proferidos por este Tribunal. Sucede, porém, que aqueles acórdãos
apenas julgaram materialmente inconstitucional a norma extraída do artigo 175º
do Código Penal, na versão anterior à Lei n.º 59/2007, não se tendo sequer
pronunciado sobre a questão da alegada inconstitucionalidade orgânica da
referida norma, que, aliás, só foi invocada pelo recorrente B. e não pelo ora
recorrente. As únicas questões de inconstitucionalidade que foram alvo de
decisão pelo Acórdão n.º 354/08 traduziram-se na apreciação da alegada
inconstitucionalidade orgânica de uma interpretação normativa do artigo 175º do
Código Penal, na versão anterior à Lei n.º 59/2007, a qual não coincide com a
que foi julgada inconstitucional por este Tribunal nos Acórdãos supra
mencionados, e da alegada inconstitucionalidade do artigo 400º, n.º 1, alínea e)
do Código de Processo Penal.
Ora, não se tendo pronunciado sobre a questão da
inconstitucionalidade material do artigo 175º do Código Penal, na versão
anterior à Lei n.º 59/2007, por ter entendido não ser possível tomar
conhecimento do objecto do recurso, nos termos configurados pelo ora recorrente,
torna-se evidente que o Acórdão n.º 354/2008 não podia ter sequer contrariado o
sentido da jurisprudência plasmada nos Acórdão n.º 247/2005 e n.º 351/2005.
Neste sentido, o Tribunal Constitucional tem sempre entendido tratar-se de uma
flagrante e ostensiva situação de inadmissibilidade de recurso para o plenário
(cfr., a mero título de exemplo, o Acórdão n.º 408/06, publicado in «Diário da
República», de 31 de Agosto de 2006) sempre que o acórdão alvo de recurso não
tenha apreciado o mérito da questão anteriormente decidida por outro(s)
acórdão(s).
A referência do recorrente à expressão “a norma assim interpretada
não é inconstitucional” (fls. 21 do acórdão) encontra-se expressa e
especificamente inserida num capítulo relativo à alegada inconstitucionalidade
orgânica de uma determinada interpretação normativa do artigo 175º do Código
Penal, na versão anterior à Lei n.º 59/2007, pelo que não contraria, em nada, os
juízos quanto à inconstitucionalidade material daquela norma, formulados pela
jurisprudência alegadamente fundadora do presente recurso para o Plenário.
Nestes termos, por não se verificarem preenchidos os requisitos
constantes do n.º 1 do artigo 79º-D da LTC, recusa-se a admissão do recurso para
o Plenário, interposto a fls. 6092 e 6093.”
3. Inconformado com o despacho de rejeição, veio o reclamante
deduzir a presente reclamação para conferência prevista no n.º 3 do artigo 78º-A
da LTC, nos termos seguintes, que se resumem:
“(…)
4. Entendeu o ora reclamante que a Mma. Juiz Conselheira Relatora ao ter
proferido no acórdão n.º 354/2008 da 3ª secção deste Tribunal - “Ora, a norma
assim interpretada não é inconstitucional.” — estaria a pronunciar-se no sentido
da conformidade constitucional da norma invocada.
5. O que seria contraditório com as anteriores decisões tomadas por este
Tribunal Constitucional, nomeadamente pelos Acórdãos n.º 247/2005 de 10 de Maio
de 2005, proferido pela 1° Secção em que foi Relatora a Exma. Senhora Juíza
Maria João Antunes e n.º 351/2005 de 5 de Julho de 2005 da 3° Secção no qual foi
Relator o Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Vítor Gomes, as quais apreciaram esta
mesma norma constante no artigo 175° do CP (na sua anterior redacção),
declarando-a inconstitucional face ao art°. 174° do mesmo diploma.
(…)
8. Ora, se assim foi, isto é, se no acórdão n.º 354/2008 o Tribunal
Constitucional apenas se pronunciou pela inconstitucionalidade orgânica e não
material da norma em apreço, cumpre questionar V. Exas. porque é que assim foi?
9. Afinal que instância decide da interpretação da inconstitucionalidade
de normas?
10. Repare-se que o recorrente, aqui reclamante deu cumprimento de forma
cabal ao exigido pela norma constante do artigo 70°, n.º 1, alínea f) da L.T.C.,
aquando da interposição de recurso para este Tribunal, cumprindo o disposto nos
nºs 2 e 4, do mesmo artigo, isto é, esgotando definitivamente todas as
instâncias existentes.
11. Recorde-se que a última instância a aplicar a norma do art. 175º do
C.P. (anterior redacção), interpretando-a em sentido inconstitucional, foi o
Tribunal da Relação de Lisboa, pois o Supremo Tribunal de Justiça renunciou à
apreciação deste crime por o mesmo não cumprir, na sua opinião, o requisito
disposto no art°. 400° n° 1 al. f) do C.P.P.
12. Sendo certo que, mesmo havendo renúncia por parte do STJ na apreciação
das questões suscitadas, mantém-se o prazo nos termos do citado art°. 70° nº 2
da L.C.T. para se suscitar a inconstitucionalidade da interpretação de normas
para este Tribunal, obviamente da última instancia que as interpretou
inconstitucionalmente e que neste caso foi o Tribunal da Relação de Lisboa.
13. Pelo que, não pode de resto o ora reclamante conceber porque motivos,
aliás nem foram sequer explicitados, o Tribunal Constitucional não se pronunciou
em concreto pela questão de inconstitucionalidade que lhe foi apresentada.
14. Repete-se, se foram cumpridos todos os pressupostos exigidos para a
submissão da apreciação da inconstitucionalidade junto deste Tribunal, tendo o
recurso sido admitido, é incompreensível a não apreciação da questão material.
15. Acresce ainda que esta questão já havia sido apreciada anteriormente
por duas vezes pelo Tribunal Constitucional, pelo que ainda se torna menos
compreensível tal decisão de não apreciação.
16. Assim e se V. Exas. considerarem que foi emitido juízo sobre a
inconstitucionalidade da norma prevista no art°. 175° do C.P., impõe-se ao
reclamante reiterar o já antes aduzido, ou seja, nos termos do artigo 79°-D da
L.T.C. deverá o plenário deste Tribunal analisar a questão, face à divergência
de decisões.
17. Caso assim não se entenda, perfilhando-se a decisão reclamada,
deverão V. Exas. pugnar por uma decisão que se pronuncie pela apreciação da
inconstitucionalidade do art°. 175° do C.P. conforme anteriormente suscitada uma
vez que se encontram preenchidos e cumpridos todos os requisitos legais.”
4. Notificado para tal, veio o recorrido oferecer o seguinte entendimento aos
autos:
“O representante do Ministério Público, neste Tribunal, notificado para o
efeito, nos autos à margem referenciados, vem dizer que o requerimento
apresentado pelo recorrente não põe em causa o essencial da fundamentação do
despacho de fls. 6101 a 6103, pelo que deverá ser indeferido” (fls. 6115)
Posto isto, cumpre então apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
5. Antes de mais, importa notar que o recorrente deduziu reclamação para a
conferência prevista no n.º 3 do artigo 78º-A da LTC. Tal meio processual não se
afigura apropriado para colocar em crise o despacho que rejeitou a admissão do
recurso interposto para o Plenário, devendo o n.º 2 do artigo 78º-B da LTC ser
interpretado de modo sistemático, ou seja, tendo em conta a configuração do
plenário enquanto formação competente para conhecer desta espécie de recurso.
Neste sentido, já se pronunciou este Tribunal, através do Acórdão n.º 342/07:
“Assim sendo, o meio processual ajustado para conhecer da reclamação da decisão
do relator que não admita o recurso interposto para o Plenário só poderá ser a
reclamação para a conferência desse mesmo plenário do Tribunal, havendo que
fazer-se uma interpretação funcionalmente adequada da norma constante do n.º 2
do art.º 78.º-B da LTC.
Ora, não prevendo a LTC que o plenário possa funcionar com uma formação
reduzida, ou seja, correspondendo a conferência do plenário à formação do
plenário, evidente se torna que caberá ao próprio Plenário conhecer da
reclamação deduzida pelo reclamante do despacho do relator que não admitiu o
recurso.”
Deste modo, de acordo com o princípio do aproveitamento dos actos
processuais e garantindo a tutela jurisdicional efectiva da posição processual
do reclamante, será o Plenário deste Tribunal que conhecerá da presente
reclamação.
6. Quanto ao fundo da reclamação, deve sublinhar-se que o reclamante
persiste em afirmar que o Acórdão n.º 354/2008, proferido nos presentes autos,
contraria o sentido decisório constante dos Acórdãos n.º 247/2005 e n.º
351/2005, por – no seu entender – ter julgado por não verificada a
inconstitucionalidade material do artigo 175º do Código Penal, na redacção
anterior à Lei n.º 59/2007.
Adiante-se, desde já, que ao reclamante não assiste qualquer razão.
Conforme já evidenciado no despacho alvo de reclamação, o Acórdão n.º 354/2008,
proferido nos presentes autos, nem sequer apreciou a questão da
inconstitucionalidade material da norma resultante da redacção anterior do
artigo 175º do Código Penal, por ter considerado ser legalmente inadmissível
conhecer do objecto do recurso quanto a essa parte, em virtude de a
interpretação normativa reputada de inconstitucional pelo recorrente não ter
sido efectivamente aplicada.
O que resulta da reclamação ora apresentada é que o recorrente discorda da
referida decisão, plasmada no Acórdão n.º 354/2008, pugnando pela
admissibilidade da interposição de recurso. Porém, esta não é a sede adequada
para o fazer.
Em boa verdade, o Acórdão n.º 354/2008 limitou-se a apreciar a
alegada inconstitucionalidade orgânica de uma outra interpretação normativa do
artigo 175º do Código Penal, na versão anterior à Lei n.º 59/2007, e a alegada
inconstitucionalidade do artigo 400º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo
Penal. Significa isto que só seria admissível o recurso para o plenário do
Tribunal Constitucional caso os acórdãos-fundamento do recurso se tivessem
pronunciado quer sobre uma quer sobre outra questão de inconstitucionalidade
normativa, o que, flagrantemente, não sucedeu.
Mantém-se, pois, o entendimento deste Tribunal no sentido de que,
sempre que o acórdão alvo de recurso para o plenário não tenha apreciado o
mérito da questão anteriormente decidida pelo(s) acórdão(s)-fundamento, deve
ter-se por verificada uma flagrante e ostensiva situação de inadmissibilidade de
recurso para o plenário, justificadora da prolação de despacho de rejeição pelo
Relator (cfr., a mero título de exemplo, o Acórdão n.º 408/06, publicado in
«Diário da República», de 31 de Agosto de 2006).
III – DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC´s, nos termos do
artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 14 de Outubro de 2008
Ana Maria Guerra Martins
Joaquim de Sousa Ribeiro
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Rodrigues
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão
João Cura Mariano
Vítor Gomes
José Borges Soeiro
Rui Manuel Moura Ramos