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Processo n.º 636/08
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A. reclama, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da Lei n.º 28/82,
de 15 de Novembro, do despacho de 20 de Junho de 2008 que não admitiu o recurso
que interpôs, para o Tribunal Constitucional, dos acórdãos do Supremo Tribunal
Administrativo (formação de apreciação preliminar a que se refere o n.º 5 do
artigo 105.º da CPTA) de 3 de Maio de 2008 e 21 de Maio de 2008.
Entendeu o despacho reclamado que as questões que o recorrente elege
como objecto do recurso de constitucionalidade não foram decididas pelos
acórdãos recorridos, não tendo, por isso, sido aplicadas as normas que a esse
propósito refere.
O recorrente sustenta que houve aplicação efectiva das seguintes
normas pelos acórdãos recorridos:
“– art. 150.º, n.ºs 1 e 5, do CPTA na interpretação normativa segundo a qual a
decisão de admissão, pela formação de apreciação preliminar, do recurso
excepcional de revista previsto no art. 150.º do CPTA respeita à causa no seu
conjunto e não apenas às questões decididas nas concretas decisões judiciais
recorridas, nem aos concretos fundamentos do recurso ou recursos de revista
interpostos.
– art. 150.º, n.ºs 1 e 5, do CPTA na interpretação normativa segundo a qual o
juízo de relevância jurídica ou social, formulado ao abrigo destas duas
disposições legais, como critério de admissibilidade do recurso excepcional de
revista pode ter por objecto a relevância jurídica ou social de questões que não
foram suscitadas, arguidas ou invocadas pelo recorrente como fundamento ou
pedido do seu recurso jurisdicional, designadamente por não terem sido por ele
incluídas nas suas alegações de recurso ou nas respectivas conclusões.
– art. 150.º, n.ºs 1 e 5, do CPTA na interpretação segundo a qual o recurso
excepcional de revista previsto no mesmo artigo não se restringe exclusivamente
à apreciação das questões que, nos termos dos mencionados n.os 1 e 5 desta
disposição legal, serviram de fundamento à formulação do juízo de admissão do
mesmo recurso (e das demais questões que sejam do conhecimento oficioso).
– art. 144.º, n.º 2, in fine, do CPTA na interpretação segundo a qual o
pressuposto processual de que o recorrente enuncie os vícios imputados à
sentença recorrida no requerimento de interposição do recurso se preenche se
esses fundamentos constarem da alegação junta com o mesmo requerimento e não do
texto do próprio requerimento de interposição do recurso.”
O Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido
de que o acórdão de 21 de Maio de 2008, indeferindo um pedido de aclaração, não
é susceptível de recurso e que a formação de apreciação preliminar se limitou a
valorar prudencialmente a relevância jurídica e social do litígio que originou a
interposição do recurso excepcional de revista, nos termos e para os efeitos do
n.º 5 do artigo 150.º do CPTA, não tendo procedido a qualquer delimitação do
objecto da revista, pelo que não aplicou efectivamente as normas indicadas pelo
reclamante.
Ouvido sobre esta posição do Ministério Público, o recorrente
insiste na recorribilidade de ambos os acórdãos e defende que houve efectiva
aplicação das normas questionadas.
2. Para decisão da reclamação interessam as ocorrências processuais
seguintes:
a) O Ministério dos Negócios Estrangeiros (recorrido) interpôs
recurso para o Supremo Tribunal Administrativo dos seguintes acórdãos do
Tribunal Central Administrativo Sul, favoráveis ao ora reclamante:
- acórdão de 14 de Junho de 2007, que decretou a suspensão de
eficácia do acto de exclusão do recorrente de um concurso para provimento de 30
lugares de adido de embaixada e declarou ineficazes os despachos de provimento
dos adidos de embaixada recrutados no âmbito do referido concurso;
- acórdão de 17 de Janeiro de 2008, que julgou improcedentes as
razões de interesse público concretamente invocadas pelo MNE para não cumprir o
acórdão de 14 de Junho de 2007.
b) Por acórdão de 3 de Abril de 2008, o Supremo Tribunal
Administrativo (formação de apreciação preliminar) decidiu “admitir o recurso”,
com a seguinte fundamentação:
“(…)
B) As questões que são objecto da revista.
A primeira questão jurídica que decorre do recurso do Acórdão TCA de 14.6.2007
consiste em determinar se é susceptível de suspensão de eficácia o despacho que
exclui um determinado concorrente do concurso para ingresso na carreira
diplomática, após a realização de uma prova.
Esta questão foi tratada pelo STA nos Acs. citados pelo Acórdão recorrido (a
fls. 1013 vol. V), embora o actual quadro normativo possa vir a ser considerado
diferente do que antecedeu a vigência do CPTA, atento que este diploma se refere
à possibilidade de providências cautelares antecipatórias, designadamente a
admissão provisória em concursos e exames — art.º 112.º n.ºs 1 e 2 al. b).
A segunda questão refere-se a saber se, tendo sido pedida a suspensão de
eficácia daquele acto de exclusão de uma candidatura, foi bem decidido o ponto
relativo a saber se a pretendida suspensão podia ter como efeito a injunção à
autoridade administrativa para incluir o requerente nos actos posteriores do
procedimento concursal, ou directamente, como foi entendido, ou por via de se
tratar da medida mais apropriada (n.º 3 do art.º 120.º).
Esta questão ainda se prologa quanto a saber se a providência concedida podia
ser concedida como alternativa à suspensão de eficácia, por convolação para a
providência antecipatória, bem como se é de entender que, na hipótese de ter
cabimento, se pode aproveitar o processado e a medida decretada como equivalente
adequado do pedido; ou, noutra alternativa, se deveria revogar-se a decisão e,
eventualmente, o processado e regressar à fase própria para a providência seguir
como antecipatória.
Terceira questão relevante, apenas para o caso de ser confirmado o decidido,
como suspensão de eficácia, ou como convolação para a providência antecipatória
adequada, refere-se a apreciar se existia efeito suspensivo automático de um
acto da natureza daquele que estava em causa, por aplicação do art.º 128.º do
CPTA. Esta questão desenvolve-se ainda nas vertentes posteriores de saber se
houve execução indevida por ofensa do efeito automático. Também haverá,
eventualmente, que enfrentar a questão de determinar se houve actos de execução
indevida por incumprimento da suspensão decretada pelo TCA, quando a entidade
recorrida nomeou candidatos para os lugares a concurso sob invocação de
importantíssimo e inadiável interesse público. E haverá que decidir se esta
última questão está ou não dependente da prévia reapreciação quanto a conceder
ou não a providência
A quarta questão, caso se venha a concluir que há lugar a conhecer dela,
respeita à revisão de fundo do decidido com base nos factos provados, à luz dos
critérios jurídicos apontados pelo art.º 120.º do CPTA, tal como o Tribunal de
revista os venha a entender: maxime a definição concretizada e a valoração do
interesse público nesta situação.
Relativamente ao segundo recurso, este respeitante ao Acórdão de 17.01.2008,
importa começar por referir que este Acórdão foi proferido, tal como o primeiro,
estando a causa em 2ª instância, pelo que cai na previsão da frase inicial do
art.º 150.º, com a consequência de apenas poder ser admitido como revista
excepcional. Perspectiva que esteve subjacente ao despacho que relegou a
admissão da revista para depois de decidida a questão, naquele momento pendente
de pronúncia pelo TCA, da execução indevida por nomeação dos candidatos
aprovados em posição superior da lista para os lugares a que se destinava o
concurso.
Este recurso, caso seja revogada a decisão de suspensão de eficácia do acto,
perderá importância prática. Mas já assim não será caso a formação competente
venha a decidir manter a providência decretada pelo TCA, pois nestas
circunstâncias haverá efectivo interesse para o recorrente em determinar da
licitude daquele acto. Colocando-se nesta eventualidade ainda novas questões
jurídicas sobre o dever de execução imediata pela Administração das providências
cautelares decidas jurisdicionalmente, bem como saber se existe a possibilidade
de obstar à execução do decidido através de uma declaração como a que foi
produzida pela entidade recorrida, a posição valorativa que deve ser conferida
aos diversos interesses públicos em presença, designadamente qual a relevância
do critério legal da prevalência da decisão jurisdicional, sobre que se
pronunciou o TCA.
C) Os pressupostos do recurso e o seu preenchimento no caso concreto.
A esta formação incumbe, em decisão sumária, admitir o recurso se o caso
demonstrar preencher os pressupostos do artigo 150.º n.° 1 do CPTA.
Da antecedente exposição sobre a causa podemos constatar que o assunto central
respeita ao pedido de medidas cautelares que permitam ao requerente, em tempo
útil, efectuar as provas e ser graduado no concurso externo de ingresso na
categoria de adido de embaixada da carreira diplomática, do qual foi excluído na
sequência de prova escrita de conhecimentos.
Em si, esta matéria não apresenta relevância social acima do comum de um
concurso de admissão na função pública.
Mas, as questões jurídicas que são suscitadas, essas assumem características de
novidade, atento o tipo de pretensão, a forma como foi tratada pelas instâncias
e o enquadramento legal pela nova lei processual: o CPTA.
Além disso apresentam complexidade acima do comum, como decorre de quanto se
deixou enunciado.
Além da novidade, trata-se de questões susceptíveis de interessar a uma
multiplicidade de casos, porque respeitam ou estão em imediata conexão, com
aspectos processuais regulados pelo CPTA, de forma que a controvérsia sobre elas
é susceptível de uma expansão relevante para a melhor e mais segura aplicação do
direito a partir da posição que for firmada pelo tribunal de cúpula do sistema.
As questões jurídicas como as aludidas, cuja resolução permite vislumbrar um
interesse ampliado muito para além do caso concreto, têm sido entendidas como de
especial relevância social, atenta a regulação que o direito pretende imprimir
sobre as relações da vida em sociedade. Sendo que a boa aplicação do direito
pode ter aqui um papel em sentido concordante, uma vez que os percursos
apontados confluem.
Ou, na expressão sintética e feliz do Ac. de 18.9.2007, P. 723/07 a questão de
direito preenche o critério da relevância fundamental “quando no plano teórico
implique operações exegéticas de assinalável dificuldade e, no plano prático
seja previsível que essa mesma questão venha a surgir noutros casos futuros”.
Sem esquecer que este enunciado não é uma panaceia que tudo permita resolver sem
analisar cada caso de um modo particular, sendo certo desde logo que o critério
funciona apenas quando uma questão de direito assim caracterizada tenha,
previsivelmente, aplicação em casos futuros e tenha desde logo aplicação e
influência na decisão do caso concreto, o que muitas vezes não sucede e
inviabiliza o recebimento do recurso. Na situação presente, as questões
enunciadas ou algumas delas, dependendo, das implicações processuais decorrentes
da decisão de questões logicamente antecedentes, podem influir claramente na
decisão concreta do processo e apresentam também a aludida vertente de interesse
mais geral, pelo que o recurso se mostra em condições de ser admitido.”
c) O ora reclamante (recorrido perante o STA) pediu aclaração e reclamou
desse acórdão do Supremo Tribunal Administrativo;
d) Por acórdão de 21 de Maio de 2008, o Supremo Tribunal Administrativo
indeferiu tais pedidos com os seguintes fundamentos:
“(…)
2. Cumpre decidir:
2.1. Quanto ao pedido de aclaração do âmbito do recurso:
Foi o Ac. do TCA de 14/6/2007 que decidiu a pretensão de suspensão de eficácia
da lista de classificação em concurso da função pública e suspensão do
procedimento concursal.
O posterior Ac. de 17.01.2008 decidiu aspectos incidentais daquela pretensão.
A admissão do recurso de revista pela formação a que se refere o art.º 150.º n.º
4 respeita à causa no seu conjunto e fica ao critério da formação que vai
apreciar de fundo o recorte exacto do âmbito de cognição que deve efectuar.
Isto mesmo refere o Acórdão cuja aclaração se pede, no qual se escreveu:
‘… o assunto central respeita ao pedido de medidas cautelares ...’ E, já na
parte conclusiva:
‘… as questões enunciadas ou algumas delas, dependendo das implicações
processuais decorrentes de questões logicamente antecedentes, podem influir
claramente na decisão concreta do processo . . .’
É assim desnecessário esclarecer o que é claro e na medida em que algum vector
necessite de maior detalhe será objecto de análise pela formação de julgamento.
Em relação ao que aqui importa, a admissão do recurso, não há obscuridade ou
ambiguidade a carecer de esclarecimento.
2.2. Quanto às nulidades:
À formação de apreciação preliminar incumbe apreciar se o recurso de revista
preenche os critérios do artigo 150.º do CPTA. Foi o que fez.
Reclama o recorrido que tinha alegado diversas questões prévias que obstavam à
utilidade do recurso.
Mas, num primeiro capítulo não concretiza uma única dessas questões que devesse
ter o efeito de não admissão, pelo que nada há aqui que analisar em concreto e
improcede esta alegação.
2.3. Poderia mesmo colocar-se a questão da legitimidade do recorrido para
reclamar contra a admissão da revista na providência cautelar, buscando
fundamento em que não devem reapreciar-se as questões de direito que sustentaram
a decisão das instâncias. Na verdade, o reclamante pretende fazer valer a
posição de ganho de causa que obteve depois de a formação competente ter
decidido apenas e exclusivamente que a apreciação do litígio pode prosseguir,
embora sem definir (nem ter os poderes para o fazer) quanto aos exactos termos
de delimitação do objecto da revista.
A posição que o reclamante sustenta, a proceder, beneficiaria a sua situação,
pelo que não estamos perante falta de legitimidade processual. A sua pretensão
respeita ao fundo da causa.
Efectivamente, é sabido que admitir o recurso de revista não tem nenhum
significado quanto à confirmação ou alteração do decidido pelas instâncias
quanto a cada uma das questões que vierem a ser considerados como fazendo parte
do objecto do recurso, tanto podendo suceder que a revista acabe por ser julgada
no sentido da manutenção do decidido como no sentido da revogação.
Ora, neste contexto a pretensão de que não seja admitido o recurso de revista
não é uma pretensão protegida pela lei, que ao criar a revista excepcional
pretende melhorar a aplicação do direito material e adjectivo e criar uma forma
de orientação uniformizadora, abrindo a possibilidade de reapreciação sobre o
direito aplicável à causa, dentro da matéria de facto fixada pelas instâncias,
embora sem excluir o uso do poder de ordenar o alargamento da matéria de facto.
Para restringir esta possibilidade de modo que seja usada apenas nos processos
referentes aos casos mais importantes (de acordo com os critérios do n.º 1 do
art.º 150.º) e assim permitir o trabalho de orientação a que se aludiu, a lei de
processo faz intervir uma formação que se destina a apreciar a verificação dos
referidos critérios restritivos e assim abrir a porta à apreciação da revista
nos casos em que tal se justificar, mas não lhes atribui o julgamento dos
aspectos relativos à substancia da própria revista a qual é apreciada por uma
outra formação que pode ser de três juízes, mas pode ser também uma formação
ampliada nos termos do art.º 148.º do CPTA.
De qualquer modo entendemos dever entrar no conhecimento substancial de cada um
dos aspectos da reclamação de nulidades na medida em que o reclamante,
independentemente da sua posição processual em cada situação concreta, em termos
hipotéticos poderia suscitar nulidades que atingissem o próprio objecto restrito
de apreciação do Acórdão liminar de admissão do recurso e, se fosse o caso, uma
vez que esta decisão não admite recurso, seria a reclamação a forma processual
adequada de remediar e corrigir essas eventuais nulidades.
2.4. Prosseguindo, portanto, temos que o reclamante alega não ter o recorrente
apresentado fundamentos do recurso.
Mas, não é assim.
O requerimento de interposição do recurso de fls. 1021 a 1040 indica os
respectivos fundamentos.
2.5. Reclama também que o recurso se tomou inútil e, por este facto não deveria
ter sido admitido. Assenta em que existe caso julgado a declarar a ineficácia de
actos de execução indevida nesta providência cautelar.
A questão dos efeitos da decisão quanto a saber se há actos de execução
indevida, numa das perspectivas possíveis, está ainda em discussão no processo,
pelo que se trata de questão que só a formação de julgamento pode enfrentar.
2.6. Alega também que se formou caso julgado no processo sobre a possibilidade
(ou não) de suspender actos como aqueles que foram suspensos e que se trata de
questão nova sobre a qual o recurso não pode incidir. Trata-se igualmente de
aspectos que não cabe dilucidar pela formação de apreciação preliminar, pelas
razões já enunciadas.
2.7. Alega ainda que o Acórdão reclamado se refere a questões não expressamente
suscitadas pela recorrente. Trata-se, porém de questões que se considerou
poderem vir, ou não, a ser tratadas pela formação de julgamento, atentos dois
aspectos:
Primeiro, a maleabilidade do conteúdo das providências cautelares que decorre
expressamente do disposto no art.º 120.º n.º 2 do CPTA e
Segundo, a inexistência de vinculação da formação de julgamento quanto ao
objecto e profundidade do conhecimento que vai efectuar, como decorrência do
enunciado de questões efectuado pela formação de apreciação preliminar, para
preencher os pressupostos do n.º 1 do art.º 150.º.”
e) O reclamante interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo,
mediante requerimento do seguinte teor:
“[…] notificado do muito douto Acórdão de 21 de Maio de 2008 que se pronunciou
acerca da aclaração e reclamação arguidas contra o Acórdão de 3 de Abril tirado
nos presentes autos, vem quanto a ambos os arestos, e ao abrigo do art. 70.º,
n.º 1, al. b), da LTC, interpor RECURSO DE CONSTITUCIONALIDADE para o Tribunal
Constitucional, a processar como os de apelação, com subida imediata e nos
próprios autos e com efeito suspensivo (art. 78.º, n.º 4, da LTC), com o
seguinte objecto:
1. Quanto ao Acórdão de 21 de Maio de 2008;
- Norma Impugnada: art. 150.º, n.ºs 1 e 5, do CPTA na interpretação normativa
segundo a qual a decisão de admissão, pela formação de apreciação preliminar, do
recurso excepcional de revista previsto no art. 150.º do CPTA respeita à causa
no seu conjunto e não apenas às questões (que nos termos do n.º 1 daquela
disposição legal, tem de se revestir de importância fundamental, pela sua
relevância jurídica ou social) decididas nas concretas decisões judiciais
recorridas, nem aos concretos fundamentos do recurso ou recursos de revista
interpostos.
- Normas e princípios constitucionais violados:
- Princípio da confiança, ínsito no art. 1.º da CRP;
- Princípio da proporcionalidade, idem;
- Direito fundamental a um processo equitativo (art. 20.º, nº 4, da CRP);
- Princípio constitucional de que os Supremos Tribunais não são tribunais de
instância (arts. 209º, n.º 1, als. a) e b), 210.º, nº 5, e 212.º da CRP);
- Princípio constitucional da não oficiosidade dos recursos jurisdicionais,
decorrente da arquitectura constitucional da organização dos tribunais, em
especial da jurisdição administrativa e fiscal.
- Peça processual em que a inconstitucionalidade foi arguida: esta interpretação
normativa tem a natureza de uma decisão-surpresa com a qual o recorrente não
poderia razoavelmente esperar ou ter contado. Efectivamente:
a) O ora recorrido MNE interpôs um recurso jurisdicional quanto ao Acórdão do
TCAS de 14 de Junho de 2007;
b) Posteriormente, interpôs outro recurso jurisdicional quanto ao Acórdão do
TCAS de 17 de Janeiro de 2008, igualmente tirado nos presentes autos;
c) O STA, por Acórdão de 3 de Abril de 2008, declarou “admitir o recurso”;
d) O agora recorrente requereu a aclaração do Acórdão de 3 de Abril de 2008 no
sentido de ser esclarecido qual “o recurso” admitido o interposto do Acórdão de
14 de Junho ou o interposto do Acórdão de 17 de Janeiro;
e) Na decisão da aclaração veio o STA pronunciar-se que a decisão de admissão do
recurso excepcional de revista respeita à causa no seu conjunto, e não aos
concretos recursos interpostos.
Em face desta tramitação não era exigível ao agora recorrente que antecipasse ou
esperasse uma decisão sufragando uma tal interpretação normativa, cuja
inconstitucional não teve, por conseguinte, a oportunidade processual de arguir.
Em todo o caso, a propósito de uma questão análoga, o aqui recorrente deixou bem
vincado, no seu requerimento de aclaração e reclamação do Acórdão do STA de 3 de
Abril de 2008, a arguição de inconstitucionalidade de uma interpretação
normativa do art. 150.º do CPTA que consistisse em “fixar ao objecto do recurso
de revista um âmbito diverso daquele que lhe fora fixado pelo recorrente, ou,
por qualquer outro modo, admitir um recurso de revista com fundamento na
relevância jurídica ou social de questões que não foram suscitadas, arguidas ou
invocadas pelo recorrente como fundamento ou pedido do seu recurso
jurisdicional’ (cf. arts. n.ºs 286 a 288 do referido requerimento).
Quanto ao Acórdão de 3 de Abril de 2008 complementado pelo Acórdão 21 de Maio de
2008;
A) - Norma impugnada: Art. 150.º, n.ºs 1 e 5, do CPTA, nas duas seguintes
interpretações normativas:
a) O juízo de relevância jurídica ou social, formulado ao abrigo do art. 150.º,
n.ºs 1 e 5, do CPTA, como critério de admissibilidade do recurso excepcional de
revista pode ter objecto a relevância jurídica ou social de questões que não
foram suscitadas, arguidas ou invocadas pelo recorrente como fundamento ou
pedido do seu recurso jurisdicional, designadamente por não terem sido por ele
incluídas nas suas alegações de recurso ou nas respectivas conclusões;
b) O objecto do recurso excepcional de revista, previsto no art. 150.º do CPTA,
não se restringe exclusivamente à apreciação das questões que, nos termos dos
n.ºs 1 e 5 daquela disposição legal, serviram de fundamento à formulação do
juízo de admissão do mesmo recurso (e das demais questões que sejam do
conhecimento oficioso).
- Normas e princípios constitucionais violados:
- Princípio da confiança, ínsito no art. 1.º da CRP:
- Princípio da proporcionalidade Idem;
- Direito fundamental a um processo equitativo (art. 20º, nº 4, da CRP);
- Princípio constitucional de que os Supremos Tribunais não são tribunais de
instância (arts. 209.º, n.º 1, als. a) e b), 210º, n.º 5, e 212.º da CRP);
- princípio constitucional da não oficiosidade dos recursos jurisdicionais,
decorrente da arquitectura constitucional da organização dos tribunais, em
especial da jurisdição administrativa e fiscal.
- Peça processual em que a Inconstitucionalidade foi arguida:
Requerimento de aclaração e reclamação do Acórdão de 3 de Abril de 2008 (cf
arts, n.ºs 286 a 288),
B) Norma Impugnada: Art. 144.º, n.º 2, in fine, do CPTA na interpretação segundo
a qual o pressuposto processual de que o recorrente enuncie os vícios imputados
à sentença recorrida no requerimento de interposição do recurso se preenche se
esses fundamentos constarem da alegação junta com o mesmo requerimento de
interposição do recurso e não do texto do próprio requerimento de interposição
do recurso.
- Normas e princípios constitucionais violados
- Princípio da confiança, insíto no art. 1.º da CRP;
- Princípio da segurança jurídica, Idem;
- Direito fundamental a um processo equitativo (art. 20.º, nº 4, da CRP);
- Direito fundamental à tutela jurisdicional efectiva arts. 20.º, n.º 4, e
268.º, nº 4, da CRP.
- Peça processual em que a Inconstitucionalidade foi arguida: Contra-alegações
do recurso de revista (cf. alegação n.º 6) e, novamente, no requerimento de
aclaração e reclamação do Acórdão de 3 de Abril de 2008 (cf. artigos n.ºs 130 a
132).”
f) Sobre este requerimento recaiu o seguinte despacho:
“Requerimento de fls. 1585
O Acórdão de fls. 1575 – 1580 pretendeu deixar claro que a decisão de admissão
do recurso de revista não define o âmbito das questões que nele vão, ou não, ser
tratadas.
Portanto, as questões que o recorrente elege como objecto do seu recurso para o
Tribunal Constitucional não foram ainda decididas nos autos, o que é suficiente
para se haver de concluir que o recurso de constitucionalidade não é de admitir
ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da LTC: ainda não foram aplicadas as
normas atinentes à delimitação do objecto do recurso.
Nos termos expostos o recurso não é admitido.”
3. É este o despacho reclamado, sustentando o reclamante que se verificam todos
os pressupostos do recurso de constitucionalidade interposto, designadamente a
efectiva aplicação dos sentidos normativos indicados no requerimento de
interposição.
Vejamos.
3.1. Quanto ao acórdão de 21 de Maio de 2008
O recorrente interpôs recurso autónomo do acórdão do Supremo Tribunal
Administrativo (formação de apreciação preliminar do recurso excepcional de
revista a que se refere o n.º 5 do artigo 150.º do CPTA) de 21 de Maio de 2008.
Imputa a esse acórdão a aplicação da norma dos nºs 1 e 5 do artigo 150.º do CPTA
com o sentido de que a decisão de admissão do recurso excepcional de revista
respeita à causa no seu conjunto e não, apenas, às questões decididas nas
concretas decisões judiciais recorridas, nem aos concretos fundamentos do
recurso ou recursos interpostos, sentido que tem por inconstitucional.
Verifica-se, porém, que essa é uma decisão incidental e complementar: o acórdão
recaiu sobre um incidente de pedido de aclaração e de arguição de nulidades do
acórdão de 3 de Abril de 2008, da mesma formação. Segundo o regime geral, as
decisões desta espécie não são susceptíveis de recurso autónomo. Se indeferem o
pedido são irrecorríveis (n.º 2 do artigo 770.º ex vi do artigo 716.º do CPC).
Será que também são insusceptíveis de recurso de constitucionalidade, como
defende o Ministério Público?
Não necessariamente.
A admissibilidade do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade
depende da verificação dos requisitos gerais do recurso de constitucionalidade e
dos pressupostos específicos do recurso interposto. A insusceptibilidade de
recurso ordinário quanto a certos actos jurisdicionais não poderia constituir,
por si só, obstáculo ao recurso de fiscalização concreta porque isso vedaria o
exercício da competência do controlo pelo Tribunal Constitucional das decisões
dos demais tribunais de recusa de aplicação ou de aplicação de norma
alegadamente inconstitucional (cfr. artigo 280.º, n.º 1, da CRP). O que se
verifica é até o inverso. A definitividade vertical da decisão pela via
ordinária (o esgotamento ou a renúncia aos recursos ordinários que coubessem) é
condição positiva ou pressuposto de admissibilidade do recurso interposto ao
abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC. Neste ponto tem razão o
recorrente.
Porém, o recurso que tenha por objecto (tomado aqui o termo no sentido de acto
processual impugnado) uma decisão deste tipo só pode ser admitido relativamente
às normas de que nessas decisões se faça aplicação autónoma, isto é, o recurso
só pode reportar-se exclusiva ou isoladamente à decisão complementar quando
verse sobre a constitucionalidade de normas que constituam uma ratio decidendi
inovadora ou diversa da que foi aplicada na decisão primária. Será o caso das
normas que regulem a tramitação ou a finalidade do incidente, obviamente objecto
de aplicação autónoma na decisão complementar. Mas será também daquelas que
sustentem o sentido da decisão anterior (objecto do pedido de aclaração ou
reforma ou de arguição e nulidade), desde que o façam com substituição ou adição
determinante de fundamentos.
Assim, não é errado afirmar que as decisões que indefiram pedidos de aclaração,
reforma ou arguição de nulidade de outros acórdãos podem constituir objecto
autónomo de recurso para o Tribunal Constitucional quando decidam questões não
decididas pela decisão primária (e, desde logo, as respeitantes à estruturação
do próprio incidente de aclaração, reforma ou arguição de nulidade) ou
substituam (ainda que com adição de motivos) a fundamentação desta, na medida em
que nessa decisão apliquem ex novo normas cuja inconstitucionalidade haja sido
suscitada no incidente ou não pudesse razoavelmente tê-lo sido.
Sucede que o acórdão de 21 de Maio não fez aplicação, no sentido admitido, da
norma que o reclamante autonomamente lhe refere. Não se trata de norma relativa
ao processamento do incidente de aclaração ou de arguição de nulidade, mas de
norma relativa à questão (processual) de fundo. Tendo o acórdão indeferido o
pedido sem substituição de fundamentos, ou seja, tendo mantido a decisão e a
fundamentação anterior, nunca será logicamente possível imputar-lhe a aplicação
ex novo do sentido normativo extraído do n.ºs 1 e 5 do artigo 150.º do CPTA que
o requerimento de interposição de recurso lhe atribui. A negação do carácter
inovatório é explicada pelo próprio acórdão de 21 de Maio de 2008, no mesmo
ponto em que faz a afirmação que o recorrente aproveitou para a enunciação do
sentido normativo questionado, ao demonstrar precisamente com transcrições deste
a inexistência de obscuridade e ambiguidade do acórdão aclarando.
Deste modo, não havia razão para o recorrente eleger o acórdão de 21 de Maio de
2008 como objecto processual autónomo do recurso de constitucionalidade
relativamente à primeira norma que identifica e cuja aplicação inconstitucional
lhe atribuiu. Decisivamente, esta norma não foi aplicada por esse acórdão, que
nesse aspecto, se limitou a demonstrar que não havia obscuridade ou ambiguidade,
não fazendo aplicação inovatória do sentido normativo questionado.
3.2. Quanto ao acórdão de 3 de Abril de 2008, complementado pelo
acórdão de 21 de Maio de 2008
A) Não pode considerar-se aplicada pelos acórdãos em epígrafe a
norma dos n.ºs 1 e 5 do artigo 150.º do CPTA em qualquer das dimensões
identificadas pelo recorrente no requerimento de interposição. Pelo menos, não
pode dizer-se que a aplicação dessas normas, na fase processual em causa, se
revista de carácter definitivo no processo.
Em primeiro lugar, nada disse a formação de apreciação preliminar que permita
concluir que aplicou os referidos preceitos legais no sentido de que o recurso
excepcional de revista não se restringe (i.e., pode ir além na decisão final) às
questões que serviram de fundamento à formulação do juízo de admissão do mesmo
[sub-alínea b) da alínea A) do requerimento de interposição]. Pelo contrário,
tendo ressalvado que é a formação de julgamento que definirá o âmbito do
recurso, tornou explícito que nada estava a decidir nesse domínio pelo que não
fez aplicação desse sentido normativo indicado pelo reclamante.
E também nada é possível afirmar que fez aplicação dos mesmos
preceitos com o sentido de que o juízo de relevância jurídica ou social do
litígio, que justifica a admissão do recurso excepcional de revista, abrange
questões que não tenham sido suscitadas pela parte como fundamento ou pedido do
seu recurso excepcional [sub-alínea a) da alínea A) do requerimento de
interposição]. Em nenhum ponto os acórdãos recorridos afirmam tal sentido
normativo, limitando-se a rebater a argumentação do ora reclamante com a
afirmação de que as questões que refere poderão vir ou não a ser tratadas pela
formação de julgamento. Mas nunca aí se diz que elas não estão, ao menos
implicitamente, compreendidas na fundamentação do recurso por parte do
recorrente. E saber o que, nesse domínio, corresponde à realidade processual é
matéria da exclusiva competência do tribunal a quo, cujos juízos não compete ao
Tribunal Constitucional censurar ou suprir.
Mas, mesmo que assim se não entendesse – a dúvida só relativamente a
esta última questão poderia aparentar algum vislumbre de justificação -, sempre
haveria que ter em conta que, nos acórdãos recorridos, a formação de apreciação
preliminar sumária a que se refere o n.º 4 do artigo 150.º do CPTA limitou o seu
juízo à relevância jurídica ou social do litígio, identificando questões que
permitem o prosseguimento do recurso mas – segundo o entendimento expresso no
acórdão de 21 de Maio de 2008 quanto à estruturação do recurso excepcional de
revista, designadamente quanto à relação entre a decisão sumária preliminar e os
poderes de cognição em fase de julgamento, que não cumpre ao Tribunal
Constitucional censurar no plano do direito ordinário – não vinculando a
formação de julgamento “quanto ao objecto e profundidade do conhecimento que vai
efectuar”.
Assim, qualquer entendimento acerca do objecto do recurso
excepcional de revista que se considere extraído das normas em causa pelos
acórdãos recorridos assume natureza precária. As normas impugnadas foram
aplicadas em decisão sem carácter imperativo, ficando sujeitas a posterior
ponderação que lhes confira uma efectiva aplicação. De acordo com o
entendimento adoptado nos acórdãos recorridos, não cabe na decisão sumária de
apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista senão
uma decisão indirecta e “provisória” relativamente à questão do objecto do
recurso excepcional de revista, que há-de ser definitivamente regulada pelo
acórdão que aprecie o recurso. Visando essa decisão uma solução provisória
restrita à admissão do recurso, é na decisão final que hão-de ser dirimidas as
questões controvertidas quanto à definição do objecto e âmbito da revista, aí se
decidindo em definitivo a matéria da (in)constitucionalidade das normas que lhe
respeitam, pelo que não haveria que conhecer do recurso nesta fase.
Nestas circunstâncias, à semelhança do que o Tribunal decidiu a propósito do
recurso do despacho e pronúncia (acórdão n.º 378/2008, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt) ou das decisões proferidas em procedimentos
cautelares (cfr., por exemplo, acórdão n.º 450/2007, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt), havendo a mesma questão de ser posteriormente
examinada, não há definitiva aplicação das normas em causa, razão que também
obstaria à admissão do recurso de constitucionalidade nesta parte.
B) Também não foi aplicada a norma do n.º 2 do artigo 144.º com o
sentido que o recorrente enuncia.
Na verdade – e mais uma vez convém lembrar que a conformação da
lide, designadamente no que respeita à exactidão das apreciações de facto
contidas na decisão recorrida é matéria estranha à competência deste Tribunal –
o acórdão de 21 de Maio de 2008 afirma exactamente o contrário: “O requerimento
de interposição do recurso de fls. 1021 a 1040 indica os respectivos
fundamentos”.
De todo o modo, sempre seria destituída de fundamento sério a
pretensão de que pelo facto de os fundamentos do recurso não serem indicados no
requerimento de interposição do recurso, mas nas alegações que acompanham esse
requerimento poderiam ser violados o princípio da confiança, o princípio da
segurança jurídica, o direito a um processo equitativo ou o direito à tutela
jurisdicional efectiva.
A exigência de que os fundamentos do recurso sejam indicados no
requerimento de interposição, em vez de estarem contidos nas alegações, pode
justificar-se por razões de celeridade e facilitação do trabalho do tribunal
face ao tipo de recurso. Essencialmente – suposto que seja isso que decorre do
n.º 2 do artigo 144.º da CPTA – servirá interesses de racionalização do esforço
de tramitação e análise por parte do tribunal. Se alguma dúvida de
constitucionalidade este regime poderia gerar seria de sentido oposto, na
perspectiva do recorrente, designadamente quando se interprete como conduzindo
ao não conhecimento do recurso apesar de a indicação ser efectuada de modo claro
na peça alegatória simultaneamente apresentada. Mas o que de modo algum se
vislumbra é de que modo pode a inclusão dos fundamentos do recurso numa peça ou
noutra atingir direitos ou posições jurídicas estabilizadas da contra-parte ou
afectar o carácter justo e leal do processo relativamente a esta. Dever fazer-se
a indicação dos fundamentos do recurso excepcional numa peça ou noutra, mais a
mais sendo de apresentação simultânea pelo recorrente (artigo 142.º, n.º 2 do
CPTA: “ … que incluiu ou junta a respectiva alegação”), é indiferente para os
interesses e para o exercício dos poderes processuais do recorrido.
Também por esse fundamento o recurso teria de ser rejeitado, ao abrigo da parte
final do n.º 2 do artigo 76.º da LTC.
5. Decisão
Pelo exposto, decide-se
a) Indeferir a reclamação, confirmando o despacho que não admitiu o recurso
para o Tribunal Constitucional;
b) Condenar o reclamante nas custas, com 20 (vinte) UCs de taxa de justiça.
Lisboa, 13 de Outubro de 2008
Vítor Gomes
Ana Maria Guerra Martins
Gil Galvão