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Processo nº 347/08
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
1. Notificado do Acórdão nº 307/2008, pelo qual o Tribunal indeferiu reclamação
de despacho que não admitiu o recurso interposto para o Tribunal Constitucional,
vem agora o reclamante A. arguir nulidades processuais, através do seguinte
requerimento:
«I-NULIDADE PROCESSUAL DO ARTIGO 201º, N°1, DO CPC, ANTERIOR À SUBIDA DA
RECLAMAÇÃO
1. Violação, pelo Vice-Presidente do STJ, do direito à instrução da reclamação
para o Tribunal Constitucional
Por oficio de 4.4.2008, o Reclamante foi notificado de um despacho do
Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, de 2 de Abril de 2008, segundo o
qual
• “A reclamação seguirá oportunamente em processo separado, no qual se lançará
cópia deste despacho”.
O Reclamante nunca foi notificado de nenhum despacho para indicar as peças com
que a Reclamação deveria ser instruída.
Verifica-se, agora, pelo teor do acórdão 307/2008, que a matéria de facto
relevante para apreciação da Reclamação, não foi considerada, e que a
“factualidade” nele dita percepcionada enferma de falsidade nos termos previstos
no artigo 372°, n°2, do Código Civil.
A lei confere ao Reclamante o direito de indicar as peças com que a Reclamação
deve ser instruída.
Em processo civil, vigora o princípio do dispositivo decorrente da garantia
constitucional do respeito pela dignidade da pessoa humana. O princípio do
inquisitório, em processo civil, tem natureza excepcional.
A audição do Reclamante sobre a instrução da Reclamação para o Tribunal
Constitucional, é um acto imposto por lei.
A sua omissão consubstancia a nulidade processual prevista no artigo 201º, n° 1,
do CPC, de que resulta a anulação de todo o processado subsequente.
2. Violação, pelo Vice-Presidente do STJ, do direito à instrução da reclamação
para o Presidente do STJ
Na Reclamação apresentada na Relação de Lisboa, em 22.5.2007, para o Presidente
do STJ, o reclamante, requereu:
“19. A adequada apreciação da presente impugnação a ser apreciada como recurso
de agravo em consequência da procedência da arguição de inconstitucionalidade
das normas dos art°s 688° e 689° do CPC, acima deduzida, ou mesmo como
reclamação, só será possível se subir nos próprios autos, como se pede.”
O Reclamante nunca foi notificado de qualquer despacho indeferindo o seu pedido
de que a Reclamação subisse nos próprios autos, e desconhece como e quem decidiu
a instrução da Reclamação para o Presidente do STJ.
Tal actividade instrutória, realizada à revelia do Reclamante, constitui
violação do seu direito fundamental de 1zer prova dos factos justificativos da
Reclamação, sendo, por isso, facto proibido por lei geradora da NULIDADE
PROCESSUAL cominada no artigo 201°, n° 1, do CPC, e da anulação de todo o
processado subsequente nos termos do n°2 do mesmo artigo.
3. Violação, pelo Relator na Relação, do direito à instrução da Reclamação para
o Presidente do STJ
O requerimento apresentado na Relação de Lisboa, em 22.5.2007, tinha de ser
objecto de despacho do Relator em cumprimento do disposto no artigo 688°, n°3,
do CPC.
O pedido constante do respectivo n° 19 acima reproduzido, tinha de ser objecto
de despacho do Relator.
Tal despacho tinha de ser notificado ao Reclamante. Mas, não o foi.
A sua omissão constitui acto proibido por lei, geradora da NULIDADE PROCESSUAL
do artigo 201°, n° 1, do CPC, a qual implica a anulação do processado
subsequente nos termos do disposto no n°2 do mesmo artigo.
II – NULIDADE PROCESSUAL COMETIDA NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
4. Prevê o artigo 77°, n° 3, da Lei n° 28/82, de 15 de Novembro (LTC), que o
Ministério Público tenha vista da Reclamação.
De acordo com o teor do acórdão 307/2008, o representante do Ministério Público
nesse Tribunal, teve vista mas não se limitou a apor o seu visto: deduziu
oposição à procedência da Reclamação. E, pelo texto que é transcrito no dito
acórdão, vê-se que incorreu em falsidade do art° 372°, n° 2, do Código Civil,
dizendo que “a inadmissibilidade do pretendido acesso ao Supremo radicava
decisivamente no facto de as questões suscitadas se enxertarem na tramitação e
decisão de recurso interposto do previamente decidido na lª instância”. O que é
absolutamente falso.
4.1 No requerimento dirigido a esse Tribunal, apresentado em 27.2.2008, diz-se:
«4. Inicia-se, então, a conspurcação do processo.
A parte contrária – a cmvm – respondeu e juntou documentos a fls 259-346.
Em 9.2.2006, a fls 349, um terceiro – o banco B., s.a. – apresenta requerimento
na Relação.
Este terceiro não é parte no recurso nem na acção principal.
No processo principal, um dos réus é o Banco B., S.A.
A acção contra ele intentada tem como causa de pedir factos que lhe são
imputados geradores de responsabilidade criminal para representantes seus.
Alguns dos pedidos contra ele formulados são de prestação de facto infungíveis.
A partir dessa primeira intervenção de fls 349, os autos tornaram-se em “caixote
do lixo” do banco B., s.a..
O recorrente/recorrido por requerimento de 15.3.2006, a fls 370-380, impugnou as
decisões que permitiram o atrevimento do banco B., s.a.. Voltou a fazê-lo por
requerimento de 16.3.2006, a fls 381/2.
A Relatora, na Relação, não só permitiu que um recurso que interessa apenas à
recorrida/recorrente cmvm, se transformasse num “pântano” com intervenções do
terceiro banco B., s.a., e com documentos relativos a “notificações interpartes”
estranhas ao mesmo.
Dessa ilícita actividade processual desenvolvida exclusivamente na Relação,
sobre requerimentos do recorrente/recorrido para reparação da legalidade
processual violada pelo banco B., s.a., com a colaboração da Relação, emerge o
recurso interposto por requerimento de 13.3.2007, a fls 449».
4.2. O representante do Ministério Público nesse Tribunal, ao ter vista do
processo, ficou, pois, ciente da realidade processual. O que ele diz ter
percepcionado não é o que se verificou.
O que se verificou, efectivamente, envolve responsabilidade criminal dos
representantes do banco B., s.a. e dos que, na Relação de Lisboa, e,
posteriormente no STJ, os favoreceram permitindo que eles continuem no processo
a praticar actos proibidos por lei, prejudiciais para o ora Reclamante.
4.3. A falsidade espelhada naquele texto do representante do Ministério Público
nesse Tribunal, mostra-se consciente e deliberada. Assim, não se tendo ele
limitado a apor o seu “visto”, mas, antes, produzido atestações de “factos”
inexistentes, o Reclamante tinha de ser ouvido sobre elas. Não o tendo sido, foi
cometida nulidade processual pré-decisório sancionada nos termos do disposto no
artigo 201º, nºs 1 e 2, do CPC.
III -. SUPRIMENTO DAS NULIDADES PROCESSUAIS ORA ARGUIDAS
5. Sem que as nulidades processuais ora arguidas sejam supridas não é possível
proferir decisão sobre a Reclamação apresentada ao abrigo do disposto no artigo
76°, n°4, da LTC.
A que foi proferida inclui-se nos termos do processado anulando, pelo que não se
justifica a arguição dos vícios específicos de que enferma.
6. O presente pedido de suprimento é, aliás, imposto pelo artigo 4° da Lei n°
67/2007, de 31 de Dezembro, relativamente a todos os actos de favorecimento do
terceiro banco B., s.a., que surgiu na Relação, em 9.2.2006, a fls 349, dando
causa a decisões conscientemente contra direito, de que foi interposto recurso
para o STJ, não admitido por despacho de 3.5.2007, a fls 460 dos autos
principais, mediante invocação do disposto no artigo 754°, n°2, do CPC, cuja
inconstitucionalidade se encontra arguida na Reclamação para o Presidente do
STJ, de 22.5.2007, n° 18».
2. Notificados deste requerimento, o Ministério Público e a reclamada CMVM –
Comissão de Valores Mobiliários não apresentaram qualquer resposta.
3. O pedido sob os pontos 1., 2. e 3. do ponto I. do requerimento agora
apresentado pelo reclamante extravasa a competência deste Tribunal, pelo que,
nesta parte, não se toma conhecimento do requerido.
4. O reclamante vem arguir nulidade processual cometida no Tribunal
Constitucional por não lhe ter sido notificado, em momento anterior à prolação
do Acórdão nº 307/2008, o parecer dado pelo Ministério Público ao abrigo do nº 2
do artigo 77º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional. Para o efeito, invoca o disposto no nº 1 do artigo 201º do
Código de Processo Civil, segundo o qual a omissão de um acto ou de uma
formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou
quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
Face ao que se dispõe nesta disposição legal, a produção da nulidade depende,
desde logo, da omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva.
Condição que não se pode dar como verificada nos presentes autos, uma vez que o
Ministério Público “deduziu oposição à procedência da Reclamação”, aderindo
inteiramente à decisão reclamada de não admissão de recurso para o Tribunal
Constitucional (cf. fl. 34). A observância do princípio do contraditório,
legalmente prescrita (artigo 3º do Código de Processo Civil), imporá a
notificação do parecer do Ministério Público apenas quando for de acautelar a
prolação de uma “decisão-surpresa”, o que não se verificou, de todo, no caso em
apreço.
Com efeito, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da manifesta
improcedência da reclamação, por ter entendido, em total consonância com a
fundamentação do despacho de não admissão do recurso de constitucionalidade, que
“a decisão recorrida não fez aplicação da interpretação normativa especificada
pelo reclamante, relativamente ao art. 754º, nº 2, do CPC”. E o Ministério
Público concluiu deste modo pelas mesmas razões do despacho reclamado: a decisão
que o reclamante pretendeu impugnar junto do Supremo Tribunal de Justiça não
tinha sido proferida em primeira instância pela Relação, para efeitos do
disposto no nº 1 do artigo 754º do Código de Processo Civil. Ou seja, a
inadmissibilidade do pretendido acesso ao Supremo radicou decisivamente no facto
de as questões suscitadas se enxertarem na tramitação e decisão de recurso
interposto do previamente decidido na lª instância.
Impõe-se, pois, o indeferimento do requerido.
5. Pelo exposto, decide-se:
a) Não tomar conhecimento do requerido no ponto I;
b) Indeferir a arguição de nulidade processual requerida no ponto II.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) unidades de
conta.
Lisboa, 8 de Outubro de 2008
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Rui Manuel Moura Ramos