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Processo n.º 1010/07
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos
do Supremo Tribunal de Justiça, em que são recorrentes o Ministério Público e A.
e recorrida EP – Estradas de Portugal, E.P.E, o relator proferiu decisão sumária
com o seguinte teor, na parte que agora releva:
«[…] A) Recurso interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC
3. Questão idêntica à colocada no presente recurso foi recentemente objecto de
decisão neste Tribunal e nesta Secção, no Acórdão n.º 409/07, de 11.07.2007
(publicado no Diário da República, II Série, de 28.08.2007), no qual se decidiu
«Julgar inconstitucional, por violação do artigo 47.º, n.º 2, da Constituição da
República Portuguesa, a norma extraída da conjugação dos artigos 41.º, n.º 4, do
Decreto Lei n.º 184/89, de 2 de Junho, 44.º, n.º 1, do Decreto Lei n.º 427/89,
de 7 de Dezembro, e 13.º dos Estatutos do Instituto para a Conservação e
Exploração da Rede Rodoviária (ICERR), aprovados pelo Decreto Lei n.º 237/99, de
25 de Junho, interpretados no sentido de permitirem a contratação de pessoal
sujeito ao regime jurídico do contrato individual de trabalho, designadamente na
parte em que permite a conversão de contratos de trabalho a termo em contratos
sem termo, sem imposição de procedimento de recrutamento e selecção dos
candidatos à contratação que garanta o acesso em condições de liberdade e
igualdade».
Em aplicação deste Acórdão n.º 409/07, tirado por unanimidade nesta 2ª Secção do
Tribunal Constitucional, deve ser confirmado o juízo de inconstitucionalidade
constante da decisão recorrida.
B) Recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC
4. Um dos pressupostos do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º
da LTC é o de que a questão de inconstitucionalidade normativa seja suscitada
durante o processo. Ou seja, que «a parte haja suscitado a questão da
inconstitucionalidade ou da ilegalidade de modo processualmente adequado perante
o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a
dela conhecer.» − n.º 2 do artigo 72.ºda LTC.
Como o Tribunal Constitucional tem reiteradamente afirmado, este pressuposto não
é uma mera exigência formal, mas decorre da natureza e do sentido da
fiscalização concreta de constitucionalidade, pois o recurso para o Tribunal
Constitucional pressupõe que o tribunal a quo tenha formado um juízo de
constitucionalidade sobre a norma aplicada e que esse juízo constitua a ratio
decidendi da decisão. O que, necessariamente, implica que a questão de
constitucionalidade tenha sido colocada em termos de o tribunal recorrido saber
que tem essa questão para resolver (v., designadamente, os Acórdãos n.ºs 560/94,
155/95, 361/2006 e 126/2007, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt)
Neste caso, a recorrente pretende ver apreciada a «inconstitucionalidade do
artigo 41.°, n.° 4, do Decreto-Lei n.º 184/89, artigo 44º, n.º 1, do
Decreto-Lei n.° 427/89, e artigo 13.° dos Estatutos do ICERR, com a
interpretação que foi dada no douto acórdão recorrido, no sentido de que tais
normas impõem que a contratação da A. pelo R. estava sujeita a procedimento
administrativo de recrutamento e selecção que assegurasse a liberdade e
igualdade de acesso, bem como, que a inexistência de prova quanto à prévia
existência de tal procedimento consubstancie a invalidade da conversão do
contrato a termo celebrado em contrato sem termo, por falta de suporte normativo
para tal conversão e que tal facto reveste natureza constitutiva e cujo ónus de
prova cabe à A.». Acrescenta que a questão de inconstitucionalidade «foi
suscitada nos autos nas contra-alegações apresentadas no recurso de apelação (18
de Outubro de 2005), nas contra-alegações apresentadas no recurso de revista (28
de Dezembro de 2006) e na resposta ao douto parecer do Ministério Público junto
do Supremo Tribunal de Justiça (23 de Fevereiro de 2007)».
Independentemente de a interpretação normativa que a recorrente pretende ver
apreciada, na parte referente ao ónus da prova, não poder ser reconduzida aos
preceitos legais indicados, apoiando-se antes no regime geral do artigo 342.º,
n.º 1, do Código Civil, como expressamente refere a sentença recorrida, o certo
é que não se mostra preenchido o pressuposto do recurso de constitucionalidade
acima referido.
Da leitura das peças processuais indicadas pela recorrente (concretamente, as
contra-alegações apresentadas junto do Supremo Tribunal de Justiça, a fls. 276 e
ss. dos autos e a resposta ao parecer do Ministério Público, a fls. 315 e ss.)
resulta que a recorrente não suscitou adequadamente a questão de
inconstitucionalidade normativa junto do tribunal a quo.
Lê-se nas referidas contra-alegações (fls. 285v.) e também na resposta ao
parecer do Ministério Público (fls. 317v.):
«Acresce ainda que a interpretação do n.º 2 do artigo 47.º plasmada nas
alegações de recurso é manifestamente inconstitucional por violação do princípio
da igualdade previsto no artigo 13.º da CRP, mas também do princípio da garantia
da segurança no emprego postulada no artigo 53.º do diploma constitucional.
Na verdade, actualmente, também por força do disposto na Lei n.º 23/2004, de 22
de Junho, mas também por estarmos perante uma empresa pública empresarial,
existe uma progressiva aproximação do regime dos trabalhadores da função pública
com o regime laboral privatístico e uma interpretação defendida nos termos
expostos nas alegações do Réu representa uma desigualdade constitucionalmente
censurável e injusta e violadora dos direitos, liberdades e garantias dos
trabalhadores.
E, ponderados os valores em causa − eventual violação do n.º 2 do artigo 47.º e
a garantia prevista no artigo 53.º da Constituição − não podem subsistir dúvidas
quanto à preponderância desta última.»
A recorrente limitou-se a fazer afirmações genéricas e conclusivas, com base nas
quais imputa a violação de vários preceitos constitucionais a uma dada
interpretação que afirma estar plasmada nas alegações da contraparte e no
parecer do Ministério Público, mas sem a concretizar minimamente. O que
significa que a recorrente não colocou uma questão de constitucionalidade,
perante o tribunal a quo, de forma adequada, i.e., de modo a que este dela
pudesse e devesse conhecer (e, de facto, não conheceu).
Não pode, assim, conhecer-se do objecto do recurso por inexistência do
pressuposto de admissibilidade do recurso relativo à adequada suscitação da
questão de constitucionalidade.
6. Pelo exposto, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decide-se:
a) Julgar inconstitucional, por violação do artigo 47.º, n.º 2, da
Constituição da República Portuguesa, a norma extraída da conjugação dos artigos
41.º, n.º 4, do Decreto Lei n.º 184/89, de 2 de Junho, 44.º, n.º 1, do Decreto
Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, e 13.º dos Estatutos do Instituto para a
Conservação e Exploração da Rede Rodoviária (ICERR,), aprovados pelo Decreto Lei
n.º 237/99, de 25 de Junho, interpretados no sentido de permitirem a contratação
de pessoal sujeito ao regime jurídico do contrato individual de trabalho,
designadamente na parte em que permite a conversão de contratos de trabalho a
termo em contratos sem termo, sem imposição de procedimento de recrutamento e
selecção dos candidatos à contratação que garanta o acesso em condições de
liberdade e igualdade;
b) Em consequência, negar provimento ao recurso nesta parte;
c) Não conhecer do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do
artigo 70.º da LTC;
d) Condenar a recorrente A. em custas, que se fixam em 7 (sete) unidades
de conta.»
2. Notificada da decisão, a recorrente A. reclamou para a conferência, ao abrigo
do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, com fundamento, em síntese, no seguinte:
«[…] a) Recurso interposto ao abrigo da alínea a) do n.° 1 do artigo 70.° da LTC
A Autora, ora recorrente, foi admitida em 8 de Outubro de 2001, para exercer as
funções descritas no ponto 3. da matéria de facto dada como provada, para o
ICERR.
Conforme tudo melhor consta dos autos, o ICERR, o Instituto das Estradas de
Portugal (IEP) e o Instituto para a Construção Rodoviária (ICOR) foram criados
pelo DL n.° 237/99, de 25/6, enquanto institutos públicos dotados de autonomia
administrativa e financeira e património próprio, sujeitos, no entanto, à tutela
e superintendência do Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração
do Território.
O ICERR, tal como o ICOR e o IEP, regiam-se pelo DL n.° 237/99, de 25/6, pelos
respectivos estatutos anexos ao referido DL e, subsidiariamente, pelo regime
jurídico das empresas públicas.
Ora, nos termos do disposto no artigo 13.º dos Estatutos do ICERR (publicados em
anexo ao DL n.° 237/99, de 25/6), o pessoal do ICERR estava sujeito ao regime
jurídico do contrato individual de trabalho, com as especificidades previstas
nos estatutos e no diploma que o aprova, sem qualquer excepção.
Através do DL n.° 227/2002, de 30/10, o Instituto das Estradas de Portugal (IEP)
integrou, por fusão, o Instituto para a Conservação e Exploração da Rede
Rodoviária (ICERR).
O IEP assumiu automaticamente, com a consequente extinção do ICERR, todos os
direitos e obrigações do extinto ICERR e manteve a natureza e regime de
instituto público dotado de autonomia administrativa e financeira, património
próprio e sujeito à tutela e superintendência do Ministro das Obras Públicas,
Transportes e Habitação.
Nos termos do disposto no artigo 14.° do DL n.° 227/2002, de 30/10, os contratos
individuais de trabalho do pessoal do IEP, do ICOR e do ICERR mantém-se em
vigor, transferindo-se para o EP a posição jurídica correspondente aos
institutos extintos.
De acordo com o disposto no artigo 13.° dos Estatutos do IEP (publicados em
anexo ao DL n.° 227/2002, de 30 de Outubro), o pessoal do IEP está sujeito ao
regime jurídico do contrato individual de trabalho.
Veja-se também o disposto no n.° 2 do artigo 8.° do Decreto — Lei n.° 227/2002,
30 de Outubro, que refere que os funcionários do quadro de pessoal transitório
podiam, no prazo de um ano, optar pela celebração de um contrato individual de
trabalho, com a consequente cessação do vínculo à função pública (n.° 5 do
artigo 8.°).
Por fim, o IEP foi transformado em entidade pública empresarial como tudo melhor
consta do DL n.° 239/2004, de 21/12, passando a designar-se EP — ESTRADAS DE
PORTUGAL, ENTIDADE PÚBLICA EMPRESARIAL.
Nos termos do disposto no seu artigo 2.°, a EP — Estradas de Portugal, EPE,
assumiu automaticamente todos os direitos e obrigações do IEP, conservando a
universalidade de direitos e obrigações, legais e contratuais, que integram a
sua esfera jurídica, no momento da transformação.
Ora, de acordo com o disposto no artigo 11.° do mencionado diploma legal, o
pessoal da EP — Estradas de Portugal, EPE, está sujeito ao regime jurídico do
contrato individual de trabalho, com as especificidades previstas no diploma e
nos respectivos estatutos.
Aplicando-se, subsequente e necessariamente, o regime previsto na LCCT e,
actualmente, no Código do Trabalho, na celebração de contratos individuais de
trabalho, sem qualquer ressalva.
Face ao exposto, o pessoal do R. está sujeito ao regime jurídico do contrato
individual do trabalho, sendo possível, para o R., celebrar contratos de
trabalho por tempo indeterminado, adquirindo a trabalhadora a qualidade de
trabalhadora do quadro do Instituto e sendo também possível, necessariamente, a
conversão de contratos de trabalho a termo em contratos por tempo indeterminado.
E tanto é assim que o R., nunca colocou em causa a possibilidade de conversão de
contratos de trabalho a termo em contratos de trabalho sem termo, nem a
celebração de contratos individuais de trabalho, por saber que tudo era
legalmente permitido.
O R. apenas não concordava com a nulidade da estipulação do termo (por ausência
de motivo justificativo) e com a ilicitude do contrato de trabalho a termo.
É que, como o R. bem sabe e como já atrás se expôs, o pessoal do ICERR/IEP, na
qualidade de instituto dotado de personalidade jurídica, autonomia
administrativa e financeira e património próprio, estava — e está — sujeito ao
regime jurídico do contrato individual do trabalho, sendo aplicável o DL n.°
64-A/89, de 27/02, sem qualquer excepção e não às regras do concurso público.
Fazem parte dos quadros de pessoal do R. trabalhadores contratados por contrato
individual de trabalho, por termo indeterminado, sem precedência de processo
concursal e o R tem celebrado, actualmente, contratos de trabalho por tempo
indeterminado, na sequência de acordos de integração dos trabalhadores (na.
mesma situação da ora Autora) no IEP no âmbito de processos judiciais que
correram termos no Tribunal do Trabalho de Coimbra (Processos n.° 815/04.OTTCBR
e 934/04.3TTCBR do 1.° Juízo do Tribunal do Trabalho de Coimbra), sem a prévia
existência de concurso público ou de qualquer procedimento concursório.
Actualmente e já em 2002, integravam os quadros de pessoal do R. trabalhadores
contratados por contrato individual de trabalho.
Dúvidas não subsistem que ao Réu se aplica o regime do contrato individual de
trabalho, por força do disposto no artigo 13.° dos seus Estatutos.
O direito de acesso à função pública está consagrado no n.° 2 do artigo 47.° da
Constituição da República Portuguesa.
Determina o preceito constitucional que o acesso à função pública se deve
processar “em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso “
Porém, nos termos do n.° 1 do artigo 13.° dos estatutos do extinto ICERR, anexos
ao DL n.° 237/99, o seu pessoal encontrava-se sujeito ao regime jurídico do
contrato individual de trabalho, com as especificidades previstas nos seus
estatutos e no diploma que os aprovou e não às regras do procedimento
concursório.
Acresce ainda que a contratação da A., em 8 de Outubro de 2001, bem como a
celebração do contrato de trabalho a termo decorreram à luz do regime jurídico
do contrato individual de trabalho, e não do regime de constituição da relação
jurídica de emprego na Administração Pública.
Não estando em causa uma relação jurídica de emprego público, não tem qualquer
cabimento a alegada violação daquele ditame constitucional.
Por outro lado, o Decreto-Lei n.° 427/89 regulamenta os princípios a que deve
obedecer a jurídica de emprego na Administração Pública e foi emitido pelo
Governo em desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pelo Decreto-Lei n.°
184/89, de 2 de Junho (alterado pelas Leis n.° 30-C/92, de 28 de Dezembro,
25/98, de 26 de 10/2004, de 22 de Março, e 23/2004, de 22 de Junho), diploma que
aprovou princípios gerais sobre salários e gestão de pessoal da função pública.
Segundo o regime do DL n.° 427/89, de 7/12, a relação jurídica de emprego
Administração Pública constituía-se por nomeação e contrato de pessoal (aí
podendo esta última revestir as modalidades de contrato administrativo de
provimento e de contrato de trabalho a termo certo) e, actualmente, com a
alteração introduzida pela Lei n.° 23/2004, de 22 de Junho, por contrato de
trabalho em qualquer das suas modalidades.
A partir da entrada em vigor do citado diploma legal, ficou vedado ao Estado a
constituição de relações de emprego com carácter subordinado por forma diversa
das previstas no seu artigo 14°, com responsabilização dos funcionários e
agentes que tal possibilitassem.
Por fim, o próprio Decreto — Lei n.° 427/89 ressalva, através do seu artigo
44.°, n.° 1, com a epígrafe “salvaguarda de regimes especiais”, esta situação
particular, ou seja, o “pessoal dos institutos públicos que revistam a forma de
serviços personalizados ou de fundos públicos abrangidos pelo regime aplicável
as empresas públicas ou pelo contrato individual de trabalho (...) aplicam-se as
respectivas disposições estatutárias”.
Assim, e passando a transcrever o douto acórdão do Tribunal da Relação de
Coimbra proferido nos autos de Recurso n.° 1075/06.4YRCBR — 6.ª Secção, “tendo o
contrato em causa sido celebrado com um instituto público, na modalidade de
serviço personalizado, que através do seu estatuto sujeitava o seu pessoal “ao
regime jurídico do contrato individual de trabalho”, sem prejuízo de algumas
especificidades, cremos que a disciplina daquela relação contratual estabelecida
entre o A e o R. deve observar as disposições do regime jurídico do contrato
individual de trabalho e não o regime geral da relação jurídica de emprego na
Administração Pública.”
As próprias partes, no contrato, expressamente, invocaram os diplomas
aplicáveis: DL n.° 64- A/89, DL n.° 409/71, de 27/09 e DL 49408, de 21/11/69.
Não se tratando de um caso de constituição de um vínculo jurídico de emprego na
função pública, não se colocam quaisquer questões de constitucionalidade.
E, nessa medida, não se aplicam as regras do concurso público, ou seja, não se
aplicam os alegados procedimentos concursais que se traduzem em procedimentos
objectivos de selecção do pessoal a contratar e que consistem, em suma e para o
caso concreto dos autos, na existência de prévia publicitação de vaga.
As normas estatutárias do Réu, ao remeterem para a possibilidade de celebração
de contratos individuais de trabalho, não determinam, automaticamente, a sua
inconstitucionalidade por violação do artigo 47.° n.° 2 da CRP, uma vez que não
está em causa uma situação de emprego público.
Por outro lado, o Réu, à data da contratação da Autora, era um instituto público
dotado de personalidade jurídica, autonomia administrativa e financeira e
património próprio, que se regia pelo DL n.° 237/99, de 25 de Junho, pelos
respectivos estatutos e, subsidiariamente, pelo regime jurídico das empresas
públicas.
Actualmente, através do DL n.° 239/2004, de 21/12, publicado no Diário da
República n.° 297 — I Série A, o Instituto das Estradas de Portugal (IEP), foi
transformado em entidade pública empresarial, com a denominação de EP — Estradas
de Portugal, E.P.E., onde, igualmente, não se colocam as exigências impostas
agora pelo acórdão do Tribunal Constitucional.
E, na verdade, actualmente, também por força do disposto na Lei n.° 23/2004, de
22/6, mas também por estarmos perante uma empresa pública empresarial, existe
uma progressiva aproximação do regime dos trabalhadores da função pública com o
regime laboral privatístico e uma interpretação defendida pelo R. e no acórdão
citado representa uma desigualdade constitucionalmente censurável e injusta e
violadora dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores.
E, ponderados os valores em causa — eventual violação do n.° 2 do artigo 47.° e
a garantia prevista nos artigos 53.° e 54.° da Constituição — não podem
subsistir dúvidas quanto à preponderância destas últimas.
Acresce ainda que o comando inscrito no referido n.° 2 do artigo 47.° tem como
única destinatária a função pública, não abrangendo as funções exercidas em
regime de contrato individual de trabalho, como expressamente previsto nos
estatutos do Réu.
Por outro lado, é entendimento do Tribunal Constitucional que a regra do
concurso pode ser postergada, uma vez que o n.° 2 do artigo 47.° da CRP apenas
determina que o recurso ao concurso deve ter lugar em regra.
Assim, não sendo exigível no caso dos autos a verificação dos procedimentos
concursais, ter- se-á de concluir pela constitucionalidade das referidas normas.
Acresce ainda que a Autora foi contratada de acordo com um procedimento
administrativo prévio, conforme foi dado como provado:
“- A A. tomou conhecimento de que o extinto ICERR estava a admitir
administrativos, havendo uma vaga para telefonista/recepcionista e apresentou o
seu currículo junto do citado Instituto, tendo sido seleccionada para uma
entrevista, onde compareceu e onde lhe foi apresentada uma proposta de
remuneração. (facto 2.)
- Previamente à sua contratação como condições para a mesma, a A. esteve
presente em entrevista de selecção de candidatos. (facto 6.)
Face à matéria de facto dada como provada, não nos suscitam dúvidas que houve,
na verdade, um procedimento prévio à contratação da Autora, que se
consubstanciou na publicitação de uma vaga, da qual a Autora teve conhecimento,
para o exercício de funções administrativas, tendo a Autora apresentado o seu
currículo, tendo sido seleccionada para uma entrevista.
Sendo certo que existe — e sempre existiu — um procedimento previsto para
recrutamento, selecção e contratação de pessoal (cfr. www.estradasdeportugal.pt/
- informações gerais — oferta de emprego — procedimento de recrutamento,
selecção e contratação de pessoal).
Pelo que não se verifica qualquer inconstitucionalidade material por violação do
disposto no n.° 2 do artigo 47.° da CRP.
b) Recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.° 1 do artigo 70.° da LCT:
A recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do
disposto na alínea b) do n.° 1 do artigo 70.° da LCT, pretendendo ver apreciada
a inconstitucionalidade do artigo 41.°, n.° 4 do Decreto — Lei n.° 184/89,
artigo 44.º, n.° 1 do Decreto — Lei n.° 427/89 e artigo 13.° dos Estatutos do
ICERR aprovados pelo Decreto — Lei n.° 237/99, de 25 de Junho, com a
interpretação que foi dada no douto acórdão recorrido, no sentido de que tais
normas impõem que a contratação da A. pelo R. estava sujeita a procedimento
administrativo de recrutamento e selecção que assegurasse a liberdade e
igualdade de acesso, bem como, que a inexistência de prova quanto à prévia
existência de tal procedimento consubstancia a invalidade da conversão do
contrato a termo celebrado em contrato sem termo, por falta de suporte normativo
para tal conversão e que tal facto reveste natureza constitutiva e cujo ónus de
prova cabe à A.
Tal interpretação viola claramente, não só o princípio da igualdade previsto no
artigo 13.° da Constituição da República Portuguesa, mas também o princípio da
garantia da segurança no emprego postulada no artigo 53.° do mesmo diploma
constitucional.
Alegou ainda a recorrente que a questão da inconstitucionalidade foi suscitada
nos autos nas contra-alegações apresentadas no recurso de apelação (18 de
Outubro de 2005), nas contra-alegações apresentadas no recurso de revista (28 de
Dezembro de 2006) e na resposta ao douto parecer do Ministério Público junto do
Supremo Tribunal de Justiça (23 de Fevereiro de 2007).
Por douto despacho sumário proferido nos autos pelo Ex.mo Juiz Conselheiro
Relator foi decidido não tomar conhecimento do objecto do recurso, uma vez que
não foi suscitada a questão da inconstitucionalidade normativa relativa ao
artigo 342.° n.° 1 do Código Civil, nas contra-alegações de revista e na
resposta ao parecer do Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça
(cfr. fls. 276 e ss e 315 e ss dos autos).
Com efeito, a recorrente não suscitou a inconstitucionalidade normativa contida
no artigo 342.° n.° 1 do Código Civil, mas apenas dos artigos 44.°, n.° 1 do
Decreto — Lei n.° 407/89, de 7 de Setembro, 41.º, n.° 4 do Decreto — Lei n.°
184/89, de 2 de Junho e artigo 13.°, n.° 1 dos Estatutos do ICERR, aprovados
pelo Decreto — Lei n.° 237/99, de 25 de Junho, na interpretação referida.
Contudo, não podia a Autora suscitar qualquer inconstitucionalidade
relativamente ao referido artigo do Código Civil, pela simples razão de que, até
à douta decisão do STJ, a contratação da Autora sempre se alicerçou na aplicação
do disposto no artigo 13.° dos Estatutos do ICERR, aprovados pelo Decreto — Lei
n.° 237/99, de 25 de Junho, ao abrigo do qual aos trabalhadores do Instituto se
aplica o regime do contrato individual de trabalho, sem o prévio procedimento
administrativo de recrutamento e selecção de candidatos.
Ou seja, uma lei do seu País ao abrigo da qual foi contratada e sobre a qual
nenhuma dúvida de constitucionalidade havia sido suscitada, designadamente por
falta do já referido procedimento.
A Autora, ora recorrente, confiou na legalidade e também constitucionalidade do
artigo 13.° dos Estatutos do ICERR e nele não podia deixar de confiar.
Pelo que nenhuma prova tinha que fazer para afastar um vicio — a ausência do
prévio procedimento administrativo de recrutamento e selecção de candidatos —
com que não contava, nem podia contar.
Ou seja, a Autora, ora recorrente não pode, nem é obrigada a contar com a
surpresa de uma norma de um diploma legal ao abrigo do qual foi contratada venha
a sofrer de tal vício e, consequentemente, que lhe incumbia a prova da
existência desse prévio procedimento por força da aplicação do artigo 342.° n.°
1 do Código Civil.
Logo, não podia a Autora previamente suscitar a sua inconstitucionalidade dessa
norma.
De modo que, só quando este vício é suscitado — o que apenas aconteceu com o
acórdão proferido pelo STJ — pode a recorrente a ele reagir.
Pelo que, deve ser apreciada a questão de inconstitucionalidade suscitada.
Termos em que e nos mais de direito, deve ser dado provimento à presente
reclamação, seguindo-se os demais termos legais até final.»
3. O recorrido IEP – Instituto de Estradas de Portugal respondeu pugnando pela
improcedência da reclamação.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. A presente reclamação questiona a decisão sumária, quer quanto à decisão
tomada quanto ao recurso interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo
70.º da LTC, quer quanto à decisão de não conhecimento do recurso interposto ao
abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
No que respeita ao recurso interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo
70.º da LTC, a decisão reclamada foi proferida, ao abrigo do n.º 1 do artigo
78.º-A da LTC, por aplicação da jurisprudência do Acórdão n.º 409/07, tirado por
unanimidade nesta 2.ª Secção do Tribunal Constitucional e, em consequência,
negou provimento ao recurso.
Ora, a presente reclamação limita-se a reeditar argumentos em sentido contrário
aos que motivaram o julgamento de inconstitucionalidade, nada acrescentando de
novo que pudesse conduzir a uma solução diferente da que foi encontrada na
jurisprudência citada.
A reclamação improcede, assim, nesta parte.
No que respeita ao recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo
70.º da LTC, a decisão reclamada foi no sentido do não conhecimento do objecto
do recurso, por falta de suscitação adequada, no decurso do processo, da questão
de constitucionalidade.
Nesta parte, a reclamação labora num erro quanto aos fundamentos da decisão
reclamada.
Na verdade, contrariamente ao invocado pela reclamante, a decisão de não
conhecimento não assentou na não suscitação da inconstitucionalidade da norma
relativa ao artigo 342.º do Código Civil, mas antes − e independentemente, dessa
questão − na não suscitação, pela recorrente, no decurso do processo, da questão
de constitucionalidade no seu todo. Pois da leitura das peças processuais
relevantes concluiu-se que a «recorrente limitou-se a fazer afirmações genéricas
e conclusivas, com base nas quais imputa a violação de vários preceitos
constitucionais a uma dada interpretação que afirma estar plasmada nas alegações
da contraparte e no parecer do Ministério Público, mas sem a concretizar
minimamente. O que significa que a recorrente não colocou uma questão de
constitucionalidade, perante o tribunal a quo, de forma adequada, i.e., de modo
a que este dela pudesse e devesse conhecer (e, de facto, não conheceu).»
Esta conclusão, que em nada é abalada pelo teor da reclamação, é de manter pelas
razões que já constam da decisão sumária.
A presente reclamação é, pois, improcedente.
III. Decisão
5. Pelo exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 7 de Outubro de 2008
Joaquim de Sousa Ribeiro
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos