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Processo n.º 509/2008
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
Relatório
1. Em 16 de Julho de 2008 foi proferida decisão sumária, nos termos do n.º 1 do
artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal
Constitucional), por se entender que não se encontrava preenchido o pressuposto
processual da suscitação da inconstitucionalidade da norma durante o processo.
Esta decisão assentou nos seguintes fundamentos essenciais:
(…)
4. Compulsados os autos, verifica-se que o recorrente, na motivação apresentada
junto do Supremo Tribunal de Justiça a fls. 1515 e segs. (e na arguição de
nulidade de fls. 1652 e 1653, que, note-se, foi indeferida por despacho de fls.
1670 e 1670 verso com fundamento em que havia já sido sindicada pelo Supremo
Tribunal de Justiça e deveria ter sido apresentada no recurso que o arguido
interpôs da respectiva decisão), não impugnou, de modo processualmente adequado,
qualquer dimensão ou interpretação normativa referida ao artigo 41.º do Código
de Processo Penal que reputa de inconstitucional, sendo insuficiente concluir
apenas que (retranscreva-se):
1° A decisão recorrida viola o Princípio do Juiz Natural, na medida em que nos
três últimos acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação de Coimbra,
mantiveram-se sempre, os mesmos dois dos três Senhores Juízes Desembargadores
que proferiram os acórdão recorridos, sendo um deles o Senhor Juiz Relator.
2° Com a particularidade de, quer recusando-se a conhecer da matéria de facto
quer conhecendo dela parcialmente, as decisões foram sempre as mesmas.
3° Pelo que os princípios e garantias do processo penal, impunham que os
Senhores Doutores Juízes Desembargadores que deviam conhecer do presente recurso
deveriam ser diferentes de quem já anteriormente julgou por duas vezes, o
presente processo e viu os seus acórdãos Revogados.
Como este Tribunal tem afirmado repetidamente, nada obsta a que seja questionada
apenas uma certa interpretação ou dimensão normativa de um determinado preceito.
Porém, nesses casos, o recorrente tem o ónus de indicar, de modo claro e
perceptível, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, a exacta
dimensão normativa do preceito que entende não dever ser aplicada por ser
incompatível com a Constituição. Como se disse, entre muitos outros, no Acórdão
n.º 21/2006 (disponível no sítio da Internet www.tribunalconstitucional.pt),
“identificar uma interpretação normativa é, no mínimo, indicar com precisão o
sentido dado à norma, para que o Tribunal, se vier a julgar inconstitucional
essa mesma norma – entendida nesse preciso sentido –, possa enunciar, na decisão
que proferir, de modo que todos os operadores jurídicos disso fiquem cientes,
qual a interpretação que não pode ser adoptada, por ser incompatível com a
Constituição”.
Não tendo o recorrente suscitado, de modo processualmente adequado, a questão de
constitucionalidade perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, não
pode considerar-se preenchido um dos pressupostos processuais do presente
recurso – a suscitação da inconstitucionalidade da norma durante o processo – e,
consequentemente, não pode do mesmo tomar-se conhecimento, na parte em que tem
por objecto uma interpretação normativa do artigo 41.º do Código de Processo
Penal.
5. O mesmo se diga quanto à “norma” referida ao artigo 419.º, n.º 3, a
contrario sensu, artigo 5.º, n.º 1 e artigo 417.º, n.º 2, todos do Código de
Processo Penal, na redacção dada pela Lei n.º 48/07, de 29 de Agosto.
Na arguição de nulidade de fls. 1636 e 1637, ao invocar, perante o tribunal a
quo, a desconformidade com a Constituição (admitindo-se, por hipótese, que tal
invocação é tempestiva, ainda que resulte do autos, como um dado para este
Tribunal, que o recurso foi julgado sem conferência, “após o arguido haver sido
notificado do parecer do Ministério Público e a ele haver respondido – artigo
417.º, n.º 2 –, exercendo o direito ao contraditório”), o recorrente não chega a
colocar qualquer questão de constitucionalidade de norma ou interpretação
normativa susceptível de servir de base ao recurso de fiscalização concreta que
interpôs.
A “norma” ou “interpretação normativa” que foi impugnada pelo recorrente foi-o
imputando o vício de inconstitucionalidade à própria “omissão de audiência e da
notificação do arguido para a mesma”, abstraindo da fonte de direito
infra-constitucional que a decisão do Supremo Tribunal de Justiça aplica.
Tal modo de identificação da “norma” ou “interpretação normativa” acusada de
inconstitucionalidade não é suficiente para se poder considerar suscitada uma
inconstitucionalidade normativa “de modo processualmente adequado perante o
tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a
dela conhecer”, como, reitere-se, exige o artigo 72.º, n.º 2, da Lei do Tribunal
Constitucional, que implicaria imputar ao tribunal uma interpretação de certa
norma que implicasse contradição com a Lei Fundamental, de modo a obter do
tribunal recorrido um juízo de conformidade ou desconformidade dessa norma com a
Constituição, não causando surpresa que não tenha havido, por parte do Supremo
Tribunal de Justiça, a fls. 1649 e 1649 verso, apreciação de qualquer questão de
constitucionalidade normativa suscitada pelo recorrente.
Assim, também quanto a esta parte do recurso de constitucionalidade interposto,
referida ao artigo 419.º, n.º 3, a contrario sensu, artigo 5.º, n.º 1 e artigo
417.º, n.º 2, todos do Código de Processo Penal, na redacção dada pela Lei n.º
48/07, de 29 de Agosto, não se encontra preenchido o pressuposto processual da
suscitação da inconstitucionalidade da norma durante o processo.
2. Notificado desta decisão, A. veio reclamar para a conferência, dizendo o
seguinte:
I – DO PRIMEIRO REQUERIMENTO DE RECURSO
Entende o presente Tribunal não conhecer do objecto do Recurso, porquanto “Não
tendo o recorrente suscitado de modo processualmente adequado perante o Tribunal
que proferiu a decisão recorrida, não pode considerar-se preenchido um dos
pressupostos processuais do presente recurso – a suscitação da
inconstitucionalidade da norma durante o processo (...)”.
Ora, salvo melhor opinião, dos autos resulta precisamente o contrário.
O recorrente alegou expressamente, a interpretação normativa referente ao art.
41º do Código de Processo Penal, que entende ferir de inconstitucionalidade.
Assim, o art. 41º do C. P. Penal, fixa:
“1 – O Juiz que tiver qualquer impedimento nos termos dos artigos anteriores
declara-o imediatamente por despacho nos autos.
2 – A declaração de impedimento pode ser requerida pelo Ministério Público ou
pelo arguido (...) em qualquer estado deste. (...)”
O artigo 119, n° 1, al. a) do C. P. Penal, fixa que:
Constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em
qualquer fase do processo, além das que como tal forem cominadas em outras
disposições legais:
a) A falta do número de juízes ou jurados que devem constituir o Tribunal, ou a
violação das regras legais relativas ao modo de determinar a respectiva
composição.”
Fixando por sua vez o art. 40, al. d) do C. P. Penal:
“Nenhum Juiz pode intervir em julgamento, recursos ou pedido de revisão
relativos a processos em que tiver:
d) Preferidos os justificados em decisão de recurso ou pedido de revisão
anteriores.”
Pelo que, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, confirmado pelo Supremo
Tribunal de Justiça, enferma de nulidade insanável. Pois, na composição do
Tribunal da Relação que julgou o recurso interposto pelo arguido, pelo menos
dois senhores Juízes Desembargadores (sendo um o Relator), participaram nos dois
Acórdãos anteriormente anulados pelo STJ. Face à decisão proferida pelo S. T.
J., o arguido interpôs recurso para o presente Tribunal, alegando expressamente
no primeiro requerimento do recurso:
“I – Nos termos do art. 74-A da Lei n° 28/82, de 15/11, o presente recurso é
interposto ao abrigo da alínea b) do n°1 do art. 75° A.
II – Pretende-se que o Tribunal aprecie a inconstitucionalidade e ilegalidade do
art. 41° do C.P.P., atendendo ao disposto no art. 119° al. A) do C. P. Penal e
ainda aos artigos 2, 13, 20, 31 nº 1, nº 7, 202 n°1, 2, 203, 204, 206 todos da
Constituição da Republica Portuguesa.
III – Assim, entende-se que o acórdão recorrido viola o princípio do Juiz
natural, princípio esse basilar à administração da justiça, em especial em sede
de processo penal.
Sendo que, de acordo com tal principio consta do art. 40º b) do Cód. Proc.
Penal:
“Nenhum Juiz pode intervir em julgamento, recurso ou pedido de revisão relativos
a processo em que tiver:
(...)
d) Proferido ou participado em decisão de recurso ou pedido de revisão
anteriores”
Bem como e em conformidade consta do art. 119° a) do C. P. P.:
“Constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em
qualquer fase do processo, além das que como tal forem cominadas em outras
disposições legais:
a) A falta do número de juízes ou jurados que devem constituir o tribunal, ou a
violação das regras legais relativas ao modo de determinar a respectiva
composição”.
IV – O recorrente arguiu a violação do princípio do Juiz Natural em sede de
recurso interposto para o Tribunal – Supremo Tribunal de Justiça.
Ora, é sabido que o Princípio do Juiz Natural não se encontra plasmado
directamente em nenhum normativo constitucional. Porém, é uma das traves mestras
do sistema judiciário e emerge dos princípios da igualdade, justiça e das
garantias do processo criminal.
Logo, sendo um princípio constitucional subjacente a toda a Constituição da
República Portuguesa, o arguido deu cabal satisfação ao fixado no art. 75‑A da
C. R. Portuguesa ao invocar o Princípio Constitucional do Juiz Natural, que foi
violado com a interpretação que o Tribunal a quo deu ao art. 41°, al. c) do C.
P. Penal.
Termos em que nesta parte deve ser admitido o recurso e o mesmo seguir a sua
tramitação normal.
II – DO SEGUNDO REQUERIMENTO DE RECURSO:
“I – Nos termos do art. 75‑A da Lei nº 28/82 de 15/11, o presente recurso é
interposto ao abrigo da alínea b) do n° 1 do art. 75°‑A.
II – Pretendendo-se que o Tribunal aprecie a inconstitucionalidade e a
ilegalidade do art. 419° n° 3, a contrario sensu, art. 5° n° 1 e art. 1 e art.
417° n° 2 todos do C. P. Penal, na alteração dada pela Lei 48/07 de 29 de
Agosto.
III – Considera-se que a interpretação dada pelo Tribunal a quo viola os arts.
2°, 13°, 20°, 32° n° 1, n° 5, n° 7, 202° n° 1, 2, 203°, 204°, 206° todos da
Constituição da República Portuguesa e o próprio art. 5° do C. P. Penal na
redacção dada pela Lei 84/07 de 29 de Agosto.
IV – Isto porque in casu, os presentes autos tiveram inicio no ano de 2005.
V – De acordo com o art. 5° n° 2 do C. P. Penal, na redacção dada pela Lei 48/07
de 29 de Agosto.
2° A lei processual penal não se aplica aos processos iniciados anteriormente à
sua vigência quando da sua aplicabilidade imediata possa resultar:
a) “Agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido,
nomeadamente uma limitação ao seu direito de defesa, ou
b) Quebra de harmonia e unidade dos vários actos do processo.”
VI – Sucede que, segundo o entendimento do acórdão ora recorrido, não tem lugar
in casu a realização de audiência, porquanto, a mesma não foi requerida “quer,
por o recorrente querer debater oralmente os pontos objecto da motivação de
recurso quer por pretender seja a prova renovada – art. 419 n° 3 a contrario
sensu” isto segundo a modificação do quadro legal em matéria de recurso,
introduzida pela Lei n° 48/07 de 29 de Agosto.
VII – Sucede que, no quadro legal vigente quando o processo se iniciou, em
matéria de recursos, tinha sempre lugar audiência – art. 432° a 436° do C. P. P.
na redacção anterior à alteração introduzida pela Lei 48/07 de 29 de Agosto.
VIII – Deste modo, não era necessário ao recorrente manifestar qualquer intenção
para a realização da audiência de julgamento se realizasse tal como sempre
sucedeu nas já três audiências de julgamento realizadas pelo STJ nos presentes
autos. Sendo que a não realização da audiência de julgamento, nos presentes
autos consubstancia uma limitação do direito de defesa do arguido.”
IX – O recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade e ilegalidade do
acórdão proferido pelo STJ na realização da audiência, após notificação deste”
Neste ponto foi decidido pelo Tribunal Constitucional, em decisão sumária que
“Não se encontra preenchido o pressuposto processual da suscitação da
inconstitucionalidade da norma durante o processo.”
Ora, com o devido respeito, tal não corresponde à verdade.
Assim, após o defensor do arguido ter sido notificado da decisão proferida pelo
STJ, foi de imediato (e não o podia ser antes, pois tal situação não tinha ainda
ocorrido) suscitada a questão da inconstitucionalidade da interpretação dada
pelo STJ ao art. 419 n° 3 do C. P. Penal.
Com referência expressa às normas processuais penais e constitucionais, que tal
interpretação violava.
Caso se entenda que o requerimento de recurso apresentado pelo arguido se
encontrava interposto, deveria, com o devido respeito, ter-se lançado mão do
disposto no art. 75‑A n° 5, 6, 7 da Lei 28/82.
Termos em que neste ponto deverá ser admitido o recurso e o mesmo seguir a sua
tramitação normal.
O representante do Ministério Público junto deste Tribunal Constitucional
respondeu à reclamação nos termos seguintes:
O representante do Ministério Público, neste Tribunal, notificado, nos autos à
margem referenciados, da reclamação apresentada, vem dizer que esta não logra
pôr em causa o essencial da fundamentação da decisão sumária proferida a fls.
1674 a 1684, pelo que deverá ser mantida, indeferindo-se aquela.
Cumpre apreciar e decidir.
II
Fundamentos
3. Adiante-se desde já que a presente reclamação não pode obter provimento, por
não abalar os fundamentos em que se baseou a decisão reclamada, como salienta o
Magistrado do Ministério Público em funções neste Tribunal.
A. invoca, na presente reclamação, quanto à questão de constitucionalidade
invocada no primeiro recurso interposto para este Tribunal que se prendia,
relembra-se, com a eventual inconstitucionalidade do art. 41.º do C.P.P.,
atendendo por violação dos artigos 2.º, 13.º, 20.º, 31.º, n.º 1 e n.º 7, 202.º,
n.º 1 e n.º 2, 203.º, 204.º e 206.º da Constituição da República, o seguinte
(retranscreva-se):
IV – O recorrente arguiu a violação do princípio do Juiz Natural em sede de
recurso interposto para o Tribunal – Supremo Tribunal de Justiça.
Ora, é sabido que o Princípio do Juiz Natural não se encontra plasmado
directamente em nenhum normativo constitucional. Porém, é uma das traves mestras
do sistema judiciário e emerge dos princípios da igualdade, justiça e das
garantias do processo criminal.
Logo, sendo um princípio constitucional subjacente a toda a Constituição da
República Portuguesa, o arguido deu cabal satisfação ao fixado no art. 75‑A da
C. R. Portuguesa ao invocar o Princípio Constitucional do Juiz Natural, que foi
violado com a interpretação que o Tribunal a quo deu ao art. 41°, al. c) do C.
P. Penal.
Termos em que nesta parte deve ser admitido o recurso e o mesmo seguir a sua
tramitação normal.
(…)
Porém, a decisão sumária reclamada confirma-se quanto a este fundamento. Com
efeito, na motivação do recurso dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça, o
recorrente limita-se a escrever:
1º A decisão recorrida viola o Princípio do Juiz Natural, na medida em que nos
três últimos acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação de Coimbra,
mantiveram-se sempre, os mesmos dois dos tês Senhores Juízes Desembargadores que
proferiram os acórdão recorridos, sendo um deles o Senhor Juiz Relator.
2º Com a particularidade de, quer recusando-se a conhecer da matéria de facto
quer conhecendo dela parcialmente, as decisões foram sempre as mesmas.
3º Pelo que os princípios e garantias do processo penal, impunham que os
Senhores Doutores Juízes Desembargadores que deviam conhecer do presente recurso
deveriam ser diferentes de quem já anteriormente julgou por duas vezes, o
presente processo e viu os seus acórdãos Revogados.
Ora, a invocação de que a decisão recorrida viola o Princípio do Juiz Natural,
não substitui naturalmente o ónus, a cargo do recorrente (n.º 2 do artigo 72.º
da Lei do Tribunal Constitucional), de identificação, em termos minimamente
precisos e claros, da dimensão normativa que o recorrente reputa de
inconstitucional, sendo insuficiente para o tribunal a quo se poder e dever
aperceber de qual o exacto sentido normativo que está questionado na sua
conformidade constitucional – muito menos correspondendo à exigência, que é a
que decorre da jurisprudência deste Tribunal (vejam-se, por exemplo, os Acórdãos
n.ºs 367/94 e 178/95, publicados no Diário da República, II série,
respectivamente de 7 de Setembro de 1994 e de 21 de Junho de 1995), de que tal
“sentido (essa dimensão normativa) do preceito há-de ser enunciado de forma que,
no caso de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na
sua decisão em termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os
operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido
com que o preceito em causa não deve ser aplicado por, desse modo, violar a
Constituição” – ou, sequer, de que se “indique esse sentido (essa interpretação)
em termos de que, se este Tribunal o vier a julgar desconforme com a
Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir (...).”
É, pois, sobre o recorrente que incumbe o ónus de enunciar a norma ou dimensão
normativa que impugna, como inconstitucional, perante o tribunal recorrido e que
pretende ver apreciada, não sendo ao Tribunal Constitucional que compete
averiguar essa norma – como parece entender o recorrente, ao afirmar, na
presente reclamação (retranscreva-se):
IV – O recorrente arguiu a violação do princípio do Juiz Natural em sede de
recurso interposto para o Tribunal – Supremo Tribunal de Justiça.
Ora, é sabido que o Princípio do Juiz Natural não se encontra plasmado
directamente em nenhum normativo constitucional. Porém, é uma das traves mestras
do sistema judiciário e emerge dos princípios da igualdade, justiça e das
garantias do processo criminal.
Logo, sendo um princípio constitucional subjacente a toda a Constituição da
República Portuguesa, o arguido deu cabal satisfação ao fixado no art. 75‑A da
C. R. Portuguesa ao invocar o Princípio Constitucional do Juiz Natural, que foi
violado com a interpretação que o Tribunal a quo deu ao art. 41°, al. c) do C.
P. Penal.
Termos em que nesta parte deve ser admitido o recurso e o mesmo seguir a sua
tramitação normal.
A decisão sumária reclamada merece, pois, total confirmação, ao não tomar
conhecimento do recurso na parte em que tem por objecto a norma do artigo 41.º
do Código de Processo Penal.
4. A presente reclamação vem igualmente assente no facto de, segundo afirma o
reclamante:
(…)
Neste ponto foi decidido pelo Tribunal Constitucional, em decisão sumária que
“Não se encontra preenchido o pressuposto processual da suscitação da
inconstitucionalidade da norma durante o processo.”
Ora, com o devido respeito, tal não corresponde à verdade.
Assim, após o defensor do arguido ter sido notificado da decisão proferida pelo
STJ, foi de imediato (e não o podia ser antes, pois tal situação não tinha ainda
ocorrido) suscitada a questão da inconstitucionalidade da interpretação dada
pelo STJ ao art. 419 n° 3 do C. P. Penal.
Com referência expressa às normas processuais penais e constitucionais, que tal
interpretação violava.
Caso se entenda que o requerimento de recurso apresentado pelo arguido se
encontrava interposto, deveria, com o devido respeito, ter-se lançado mão do
disposto no art. 75‑A n° 5, 6, 7 da Lei 28/82.
Termos em que neste ponto deverá ser admitido o recurso e o mesmo seguir a sua
tramitação normal.
Admite-se que o reclamante discorde da recondução da ratio decidendi, no acórdão
do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Maio de 2008. Mas tal discordância, ou
censura em relação à correcção na aplicação do Direito pelo tribunal recorrido,
não é algo que compita ao Tribunal Constitucional apreciar.
O papel deste Tribunal, conforme ficou já expresso na Decisão Sumária objecto da
presente reclamação, não é o de averiguar da bondade de decisões concretas dos
Tribunais a quo. Na verdade, este Tribunal é chamado a decidir sobre a eventual
inconstitucionalidade de normas e não da “inconstitucionalidade” de decisões.
Ora, do cotejo das alegações de recurso apresentadas pelo ora reclamante junto
do Supremo Tribunal de Justiça verifica-se, de forma clara, que também aqui o
reclamante assaca vícios de inconstitucionalidade à decisão judicial e não a uma
qualquer norma infra-constitucional.
Por isso mesmo, entendeu este Tribunal não poder conhecer o recurso. Por isso
mesmo tem a presente reclamação de ser desatendida, confirmando-se a decisão
sumária reclamada.
5. Nesta reclamação considera o reclamante, por último, o seguinte
(retranscreva-se):
Caso se entenda que o requerimento de recurso apresentado pelo arguido se
encontrava interposto, deveria, com o devido respeito, ter-se lançado mão do
disposto no art. 75‑A n° 5, 6, 7 da Lei 28/82.
Termos em que neste ponto deverá ser admitido o recurso e o mesmo seguir a sua
tramitação normal.
O reclamante suscita agora o dever que este Tribunal teria de realizar o convite
consagrado no n.º 5 do artigo 75.º-A da Lei do Tribunal Constitucional antes de
proferir a Decisão Sumária objecto da presente reclamação.
Ora, como é fácil de ver, este convite não encontra, no âmbito do presente
processo, lugar.
Com efeito, e ainda que se considerasse que o requerimento de interposição de
recurso não indicava algum dos elementos previstos no artigo 75.º-A da Lei do
Tribunal Constitucional, a falta de suscitação da questão de constitucionalidade
em termos processualmente adequados sempre inviabilizaria o prosseguimento do
recurso conforme agora reclamado. Por esta simples mas decisiva razão, qualquer
convite ao aperfeiçoamento do requerimento de recurso traduzir-se-ia num acto
processual manifestamente inútil que em nada serviria o princípio da economia
processual também aplicável no âmbito do processo constitucional.
III
Decisão
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a
presente reclamação, confirmando a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 22 de Outubro de 2008
Maria Lúcia Amaral
Carlos Fernandes Cadilha
Gil Galvão