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Processo n.º 611/08
3ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, A. reclama (fls. 5 a 10), ao abrigo do n.º 4 do artigo
76º da LTC, do despacho da Ex.mo Senhor Relator junto da 1ª Secção do Tribunal
da Relação de Évora que rejeitou recurso de inconstitucionalidade para o
Tribunal Constitucional (fls. 228 e 229), interposto ao abrigo da alínea b) do
n.º 1 do artigo 70º da LTC, com fundamento na falta de suscitação
processualmente adequada de qualquer inconstitucionalidade normativa.
2. Em suma, o reclamante pretende ver modificada a decisão reclamada
com base nos seguintes fundamentos:
“De facto, era de todo impossível ao recorrente suscitar a inconstitucionalidade
de qualquer norma, uma vez que a questão exposta perante o Tribunal
Constitucional verificou-se depois da última intervenção processual normal do
recorrente e antes de proferida a decisão — a entrada em vigor de uma norma mais
favorável ao recorrente a qual deveria ter sido aplicada pelo Tribunal a quo.
Com efeito, estamos perante um caso excepcional em que o recorrente, por não ter
disposto de oportunidade processual para levantar a questão antes de proferida a
decisão, a suscitou após a sua prolação — neste sentido, vd. Juiz Conselheiro
Guilherme da Fonseca, in “Breviário de Direito Processual Constitucional”, pp.
52 e ss., 2. Ed., Coimbra Editora.” (fls. 7)
3. Em sede de vista, o Ex.mo Magistrado do Ministério Público (fls. 233-verso)
pronunciou-se no sentido da manifesta improcedência da reclamação ora em apreço,
nos seguintes termos:
“A presente reclamação é manifestamente improcedente, já que o ora reclamante –
nem no requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade, nem no
âmbito da presente reclamação – delineou qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa, susceptível de constituir objecto idóneo do
controlo da constitucionalidade cometido a este Tribunal.
Na verdade, a invocada violação do princípio do art. 29º, nº 4, da Constituição
é directamente imputada à decisão proferida pela Relação de Évora, ao não ter
apreciado a possibilidade de suspensão da execução da pena, nos termos da lei
nova – e não qualquer norma ou interpretação normativa efectivamente aplicada
pelo acórdão recorrido.”
4. Por despacho de fls. 234, a Relatora ordenou a notificação do reclamante
para, querendo, se pronunciar sobre o parecer do Ministério Público, sendo, que
decorrido o prazo, aquele não respondeu.
Cumpre agora apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
5. Procurando, precisamente, prevenir uma decisão idêntica à vertida
no despacho ora reclamado, o reclamante já havia afirmado, no respectivo
requerimento de interposição de recurso que:
“Não foi possível suscitar a questão de inconstitucionalidade nos autos, uma vez
que a norma em causa foi publicada – alterada – depois da última intervenção
processual normal do recorrente e antes de proferida a decisão.” (fls. 229)
Verificados os autos, comprova-se que o ora reclamante apresentou a
sua motivação de recurso e respectivas conclusões, dirigidas ao Tribunal da
Relação de Évora, em 26 de Fevereiro de 2007 (fls. 53), ou seja, antes da
entrada em vigor da Lei n.º 59/2007, de 04 de Setembro, pelo que não lhe teria
sido possível antecipar, nessa data, a aplicação de norma inconstitucional que,
àquela data nem sequer havia sido aprovada.
Só após a entrada em vigor da lei, quando apresentou a sua motivação de recurso
e respectivas conclusões, dirigidas ao Supremo Tribunal de Justiça, em 15 de
Maio de 2008, é que o recorrente faria a seguinte referência:
“61 – Ao não apreciar a possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão
aplicada ao arguido, à luz da nova redacção do art. 50.º do CP, o Tribunal da
Relação de Évora violou o princípio da aplicação da lei mais favorável ao
arguido prevista no art. 29.º n.º 4 da C.R.P.” (fls. 225)
6. Sucede, porém, que tal recurso não foi admitido, por despacho do
Ex.mo Juiz Relator do Tribunal da Relação de Évora, proferido em 20 de Maio de
2008, por não ser legalmente admissível. Não configurando este recurso um meio
processualmente admissível, caso não subsistissem outros fundamentos de recusa,
restaria então analisar se até à prolação de acórdão pelo tribunal “a quo” o
reclamante poderia ter invocado uma questão de inconstitucionalidade.
Contudo, tal nem sequer se afigura necessário.
É que, por força do n.º 1 do artigo 277º da CRP, o sistema de fiscalização da
constitucionalidade apenas tem por objecto “normas jurídicas” e não já “decisões
jurisdicionais” ou “condutas” de titulares de órgãos encarregues da
administração da Justiça. O reclamante não logra imputar qualquer
inconstitucionalidade a uma específica norma (ou interpretação normativa), em
momento algum da sua motivação de recurso. Pelo contrário, no seu requerimento
de interposição de recurso, o recorrente retoma a suscitação que já havia
ensaiado no momento de interposição de recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça, afirmando:
“Ao não apreciar a possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão
aplicada ao arguido, à luz da nova redacção do art. 50.º do CP, o Tribunal da
Relação de Évora violou o princípio da aplicação da lei mais favorável ao
arguido prevista no art. 29.º n.º 4 da C.R.P.” (fls. 229)
Daqui decorre que o recorrente elegeu como objecto do recurso a
própria decisão jurisdicional e não qualquer norma ou interpretação normativa,
pelo que o Tribunal Constitucional não pode dele conhecer, por força do artigo
79º-C da LTC.
III – DECISÃO
Nestes termos, e ao abrigo do disposto no do n.º 3 do artigo 77º da
Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º
13-A/98, de 26 de Fevereiro, e pelo fundamentos expostos, decide-se indeferir a
presente reclamação.
Fixam-se as custas devidas pelo reclamante em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º
do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 25 de Setembro de 2008
Ana Maria Guerra Martins
Vítor Gomes
Gil Galvão