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Processo n.º 525/08
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
Por sentença de 17 de Julho de 2007 (a fls. 65 a 67), o Tribunal Judicial de
Vila Nova de Famalicão julgou improcedente o recurso de contra-ordenação
interposto por A. da decisão proferida pela Direcção-Geral de Viação (Delegação
de Braga) que lhe aplicou coima de €120,00, pela prática de uma
contra-ordenação, prevista e punível pelo artigo 4.º, n.º 1 do Código da
Estrada.
Desta sentença recorreu A. para o Tribunal da Relação do Porto (fls. 77 e
seguintes), formulando nas alegações respectivas as seguintes conclusões:
“[…]
A.- Não é legítima, porque é arbitrária, a ordem dada pela autoridade policial
quando ordena ao arguido que inverta o sentido de marcha, quando deixa passar o
veículo que circulava imediatamente à frente do arguido.
B.- Sem nada que justificasse a dualidade de critérios.
C.- Não é pelo veículo que circulava à frente do arguido se dedicar ao
transporte de crianças que se justifica a dualidade de critérios. Acresce que,
mais uma vez, não era o arguido que tinha que demonstrar a igualdade de
circunstâncias, mas a acusação que tinha de provar uma situação desigual a
justificar uma excepção no tratamento de igualdade perante a lei.
D.- Estando as ordens das autoridades policiais vinculadas ao princípio da
igualdade, uma ordem que autoriza a passagem de um veículo (sem estar
demonstrada a urgência dessa passagem) e nega essa mesma passagem ao veículo que
circula imediatamente depois não pode ser considerada uma ordem legítima, mas
uma ordem arbitrária e violadora do princípio da igualdade.
E.- É inconstitucional por violação do principio da igualdade a interpretação
dos arts. 4º nºs 1 e 2 do Código da Estrada no sentido de que são ordem
legítimas as ordens arbitrárias e divergentes para dois veículos nas mesmas
circunstâncias, nomeadamente de tempo e lugar.
F.- Também é inconstitucional, por violação do princípio a presunção de
inocência do arguido consagrado no art. 32°/2 CRP, a interpretação no sentido de
que competia ao arguido demonstrar que se justificava uma ordem igual à dada ao
veículo que circulava imediatamente à sua frente. O arguido não tem o ónus da
prova da ilegalidade da ordem dada.
[…]”
Por acórdão de 26 de Março de 2008 (a fls. 111 a 116), o Tribunal da Relação do
Porto decidiu não conceder provimento ao recurso interposto, mantendo a sentença
que o condenou pela prática de uma contra-ordenação.
Pode ler-se no texto do acórdão, para o que agora releva, o seguinte:
“[…]
É inquestionável que o Agente da GNR dispõe de competência para regular o
trânsito, designadamente, impedir que o Arguido prossiga a sua marcha naquele
arruamento e no sentido que vinha a tomar, dando ordem para, na sua sequência,
fazer inversão de marcha. Perante tal ordem só tinha, no momento e no local, que
obedecer. Não poderia, de alguma forma, exigir justificações. Que, pelo que se
depreende, o Arguido até conhecia.
Invocar o precedente de um condutor ter seguido em frente não pode legitimar a
sua desobediência. Sim, porque é facto provado que não respeitou uma ordem dada
pela Autoridade reguladora do trânsito. Não está demonstrado que o veículo que o
precedia podia seguir em frente — competia ao Recorrente demonstrar que assim
ocorria. Ou então alegar e provar que havia factos que justificariam, no seu
caso, poder seguir em frente. Que, positivamente, não provou.
[…]
Como se disse, nem os factos provados permitem concluir que as situações dos
dois veículos são iguais: o “outro” apresentava-se, pelo menos, para o Agente da
Autoridade, com razões para excepcionar; o veículo do Arguido apresentou-se como
qualquer outro veículo, como todos os demais. Se as circunstâncias relevam em
termos de excepção, isso é outra questão. Que nada têm a ver neste tipo de
procedimento. De qualquer maneira a ordem dada ao outro veículo não coloca em
crise a legitimidade da ordem, que, concreta e positivamente, foi dada ao
Arguido, pelo que cumpria a este obedecer, sem mais. […]
Sem dúvida que a classificação de “arbitrária” caberia impor à conduta do
Autuante, mas se este tivesse procedido de acordo com a intenção — e prática —
do Arguido. Nunca da ordem que, efectivamente, lhe foi dada e que não respeitou,
não cumprindo.
Arbitrariedade nada tem a ver com a denunciada “dualidade de critérios”.
Aliás, onde os dois critérios? Consentir a marcha num sentido a um veículo e
ordenar a inversão a outro pode nada ter a ver com dualidade de “critérios”, as
razões é que podem ser diferentes. E foram.
Recorda-se ao Arguido que, como cidadão-condutor, não lhe cabe ajuizar das
ordens dadas por quem tem por função, entre outras, regular o trânsito. Para já
não falarmos na inconveniência das nossas intervenções na actividade de quem
carece de que não se lhe oponham obstáculos durante a mesma.
A inconstitucionalidade a definir pelos Tribunais respeita às normas legais e
sua interpretações. Jamais aos comportamentos.
Não compreendemos a invocação do princípio da presunção de inocência. Quando não
se ataca a sentença com qualquer dos vícios do art. 410°, n.° 2, do CPP — que,
oficiosamente, se declara não se vislumbrarem — e sendo os factos dados como
provados mais do que suficientes — não serão em termos de dosimetria da medida
da coima, fixada no mínimo, mas que a proibição, pelo art. 72.°-A-n° l, do RGCO,
da reformatio in peius implica que nada avancemos por aí - prejudicado fica
arguir-se com a sua inconstitucionalidade.
[…]”
Desta decisão recorreu A. para o Tribunal Constitucional (fls. 119), ao abrigo
da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional,
suscitando “a inconstitucionalidade da norma do art. 4º, n°s 1 e 2, do CE, por
violação do princípio da igualdade, quando interpretada no sentido de que são
ordens legítimas as ordens arbitrárias e divergentes para dois veículos nas
mesmas circunstâncias, nomeadamente de tempo e lugar. A mesma norma também
deverá ser julgada inconstitucional, por violação do princípio da presunção de
inocência do arguido (art. 32° n° 2 CRP), quando interpretada no sentido de que
competia ao arguido demonstrar a ilegalidade da ordem dada pela autoridade
policial.”
O recurso de constitucionalidade foi admitido, por despacho de fls. 120.
Por decisão sumária de 15 de Julho de 2008 (a fls. 126 e seguintes), não se
tomou conhecimento do recurso de constitucionalidade, pelos seguintes
fundamentos:
Tendo o presente recurso sido interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do
artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, constitui seu pressuposto
processual a aplicação, na decisão recorrida, da norma ou interpretação
normativa cuja conformidade constitucional se pretende que o Tribunal
Constitucional aprecie.
Este pressuposto processual decorre da natureza instrumental do recurso
constitucional e visa garantir a utilidade da decisão, pois se a norma ou
interpretação normativa cuja conformidade constitucional se pretende que o
Tribunal Constitucional aprecie não coincidir com aquela que foi efectivamente
aplicada pela decisão recorrida, a decisão que vier a ser proferida pelo
Tribunal Constitucional é insusceptível de alterar o sentido da decisão do
tribunal recorrido.
Como resulta do requerimento de interposição do presente recurso o recorrente
pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a conformidade constitucional do
artigo 4º, n°s 1 e 2, do Código da Estrada quando interpretados no sentido de
que são ordens legítimas as ordens arbitrárias e divergentes para dois veículos
nas mesmas circunstâncias, nomeadamente de tempo e lugar e quando interpretados
no sentido de que competia ao arguido demonstrar a ilegalidade da ordem dada
pela autoridade policial.
Ora, percorrendo o texto da decisão recorrida, constata-se que as referidas
interpretações não foram aplicadas.
Na verdade, na decisão recorrida não se considerou que a ordem do agente da
autoridade que regulava o trânsito tenha sido arbitrária e não se deu por
provado que os dois veículos se encontrassem nas mesmas circunstâncias.
Por outro lado, a decisão recorrida não expressou o entendimento de que competia
ao arguido demonstrar a ilegalidade da ordem dada pela autoridade policial, mas
sim o entendimento de que tendo o arguido classificado a ordem de arbitrária lhe
competia alegar e provar os factos que permitissem concluir pela arbitrariedade.
Assim sendo, não tendo sido aplicadas, na decisão recorrida, as interpretações
cuja conformidade constitucional o recorrente submete à apreciação do Tribunal
Constitucional, não pode conhecer-se do objecto do recurso, por falta de
preenchimento de um dos seus pressupostos processuais.
Notificado da decisão sumária, dela veio A. reclamar para a conferência, ao
abrigo do disposto no artigo 78º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional,
sustentando o seguinte (fls. 141 e seguintes):
“[…]
5.- Dispunha o Código da Estrada (versão vigente na época dos factos):
- art. 40, n° 1: “O utente deve obedecer às ordens legítimas das autoridades com
competência para regular e fiscalizar o trânsito, ou dos seus agentes, desde que
devidamente identificados como tal”( sublinhado nosso).
- art. 4°, n°2: “Quem infringir o disposto no número anterior é sancionado com
coima de €120 e €600, se sanção mais grave não for aplicável por força outra
disposição legal, sem prejuízo do disposto no número seguinte”.
6.- O recorrente no presente processo pretendeu contestar a legitimidade da
ordem que lhe foi dada pela autoridade policial, pois considerou que uma ordem
que autoriza a passagem de um veículo e nega essa mesma passagem ao veículo que
circula imediatamente depois não pode ser considerada uma ordem legítima, mas
uma ordem arbitrária e violadora do princípio da igualdade.
7.- É inconstitucional por violação do princípio da igualdade a interpretação do
art. 4°, n°s 1 e 2, do Código da Estrada no sentido que são ordens legítimas as
ordens arbitrárias e divergentes para dois veículos nas mesmas circunstâncias,
nomeadamente de tempo e lugar.
8.- Sobre a interpretação do dever de obedecer a ordens legítimas considerou o
Acórdão recorrido:
É inquestionável que o Agente da GNR dispõe de competência para regular o
trânsito, designadamente, impedir que o arguido prossiga a sua marcha naquele
arruamento e no sentido que vinha a tomar, dando ordem para, na sua sequência,
fazer inversão de marcha. Perante tal ordem só tinha, no momento e no local que
obedecer (...) invocar o precedente de um condutor ter seguido em frente não
pode legitimar a sua desobediência”.
9.- Ou seja, o acórdão recorrido está claramente a interpretar o segmento da
norma do ad. 4° n° 1 “ordens legitimas”, considerando que todas as ordem
emitidas por autoridades policiais com competência para regular o trânsito devem
ser obedecidas e, por isso, ‘são legítimas”.
10.- Porém o Recorrente entende que o legislador ao fazer alusão expressão ao
critério de legitimidade das ordens dadas por autoridades policiais (ad. 4° n° 1
do Código da Estrada) está expressamente a referir que o utente só deve
obediência a ordens legitimas (e não a qualquer ordem dada por autoridade
policial) e só pratica a contra-ordenação em questão se desobedecer a ordens
legitimas.
11.- É claro que o acórdão recorrido não diz expressamente que o art. 4°, n.os 1
e 2, do Código da Estrada deve ser interpretado no sentido de as ordens dadas
pelas autoridades policiais com competência para regular o trânsito são sempre
legítimas e, por isso, devem ser obedecidas. Mas da leitura do texto da decisão
recorrida, claramente esta é a interpretação acolhida.
l2- Também é claramente acolhida a interpretação de que competia ao arguido
demonstrar a ilegalidade da ordem dada pela autoridade policial; dizer que tendo
o arguido classificado a ordem arbitrária (e por isso ilegal) lhe competia
alegar e provar os factos que permitissem concluir pela arbitrariedade é
exactamente dizer que o arguido é que tem que demonstrar a ilegalidade, alegando
factos e provando
13.- Se o tipo objectivo legal da infracção é a desobediência a uma ordem
legítima das autoridades com competência para regular e fiscalizar o trânsito,
14.- A acusação é que tem que alegar e provar factos que demonstrem:
- primeiro: que foi emitida uma ordem dada por entidade com competência para
regular a fiscalizar o trânsito;
- segundo: que essa ordem é legítima.
15- o recorrente como arguido não tem que alegar ou provar factos que demonstrem
a ilegalidade, porque beneficia do princípio da presunção de inocência.”
Na resposta à reclamação, disse o representante do Ministério Público junto do
Tribunal Constitucional o seguinte (fls. 147):
“O representante do Ministério Público, neste Tribunal, notificado, nos autos à
margem referenciados, da reclamação apresentada, vem dizer que a mesma não logra
pôr em causa o essencial da fundamentação da decisão sumária proferida a fls.
126 a 131, pelo que deverá esta ser mantida e aquela indeferida”.
Cumpre apreciar.
II. Fundamentação
1. Na decisão sumária ora reclamada, entendeu-se que as normas que constituíam o
objecto do recurso de constitucionalidade não haviam sido aplicadas na decisão
recorrida, por isso não se tendo tomado conhecimento dele.
Mais precisamente, entendeu-se que a decisão recorrida não havia aplicado a
norma do artigo 4º, n.º s 1 e 2, do Código da Estrada, quando interpretada no
sentido de que são ordens legítimas as ordens arbitrárias e divergentes para
dois veículos nas mesmas circunstâncias, nomeadamente de tempo e lugar, e, bem
assim, a norma do mesmo preceito, quando interpretada no sentido de que competia
ao arguido demonstrar a ilegalidade da ordem dada pela autoridade policial: no
primeiro caso, porque a decisão recorrida não havia considerado como arbitrária
a ordem do agente da autoridade que regulava o trânsito e não dera por provado
que os dois veículos em referência se encontrassem nas mesmas circunstâncias; no
segundo, porque a decisão recorrida expressara, antes, o entendimento de que,
tendo o arguido classificado a ordem como arbitrária, lhe competia alegar e
provar os factos que permitissem concluir pela arbitrariedade.
O reclamante aduz, em síntese, a seguinte argumentação contra os fundamentos da
decisão sumária:
- O acórdão recorrido considerou que todas as ordens emitidas por autoridades
policiais com competência para regular o trânsito devem ser obedecidas e, por
isso, são legítimas, pelo que não pode afirmar-se que a primeira interpretação
que integra o objecto do recurso de constitucionalidade não tenha sido aplicada;
- O acórdão recorrido aplicou também a segunda interpretação, pois que “dizer
que tendo o arguido classificado a ordem arbitrária (e por isso ilegal) lhe
competia alegar e provar os factos que permitissem concluir pela arbitrariedade
é exactamente dizer que o arguido é que tem que demonstrar a ilegalidade,
alegando factos e provando-os”.
2. Relativamente ao primeiro argumento, cumpre salientar o seguinte.
Desde logo, que esse argumento parece subentender uma modificação do objecto do
recurso de constitucionalidade nesta fase da reclamação para a conferência, o
que não é permitido, pois que tal objecto deve ser delimitado no requerimento de
interposição do recurso (cfr. o artigo 75º-A, da Lei do Tribunal
Constitucional). Com efeito, enquanto que no requerimento de interposição do
recurso o recorrente aludiu a uma interpretação nos termos da qual são ordens
legítimas as ordens arbitrárias e divergentes para dois veículos nas mesmas
circunstâncias, nomeadamente de tempo e lugar, na reclamação alude,
diversamente, a uma interpretação nos termos da qual todas as ordens emitidas
por autoridades policiais com competência para regular o trânsito devem ser
obedecidas e, por isso, são legítimas.
Assim sendo, centremo-nos apenas na interpretação identificada no requerimento
de interposição do recurso – a única que pode ser atendida - e vejamos se alguma
razão assiste ao recorrente.
A esse propósito, é importante frisar que o Tribunal Constitucional não possui
competência para apreciar se certa ordem emitida por autoridade policial é ou
não arbitrária (mas apenas para apreciar a conformidade constitucional ou legal
de normas, como decorre das várias alíneas do n.º 1 do artigo 70º da Lei do
Tribunal Constitucional), pelo que quando o recorrente submete à apreciação
deste Tribunal a norma do artigo 4º, n.º s 1 e 2, do Código da Estrada, quando
interpretada no sentido de que são ordens legítimas as ordens arbitrárias e
divergentes para dois veículos nas mesmas circunstâncias, nomeadamente de tempo
e lugar, é evidente que é apenas essa interpretação que pode constituir o
objecto do recurso de constitucionalidade, e não os pressupostos de facto ou de
direito em que assentou tal interpretação.
Por isso, o que interessa analisar é – uma vez que se está perante o recurso
previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional –
se o tribunal recorrido considerou legítima uma ordem policial por si
qualificada, explícita ou implicitamente, como arbitrária e divergente para dois
veículos nas mesmas circunstâncias, pois que só nessa eventualidade pode
afirmar-se que o tribunal recorrido aplicou a interpretação censurada.
Ora o tribunal recorrido em nenhum momento pressupôs que essa ordem havia sido
arbitrária e divergente para dois veículos nas mesmas circunstâncias. E, não
podendo o Tribunal Constitucional, como se disse, controlar a verificação desse
pressuposto, tem de concluir-se que não foi aplicada, na decisão recorrida, a
interpretação que o recorrente pretende que seja apreciada.
3. O segundo argumento do reclamante – que versa sobre a segunda interpretação
integrante do objecto do recurso de constitucionalidade, a de que competia ao
arguido demonstrar a ilegalidade da ordem dada pela autoridade policial – é o de
que o tribunal recorrido, não obstante não ter afirmado textualmente que o
arguido é que tem de demonstrar a ilegalidade dessa ordem, alegando factos e
provando-os, produziu uma afirmação com o mesmo sentido - a de que tendo o
arguido classificado a ordem policial como arbitrária (e por isso ilegal) lhe
competia alegar e provar os factos que permitissem concluir pela arbitrariedade
-, por isso não se alcançando por que motivo se concluíra, na decisão sumária,
que a interpretação em causa não havia sido aplicada.
Este argumento pressupõe, portanto, que as duas afirmações em referência têm
exactamente o mesmo sentido, sendo indiferente produzir uma ou outra.
Tal pressuposto, porém, só poderia ser aceite se do texto da decisão recorrida
de algum modo decorresse que uma ordem dada pela autoridade policial é ilegal
quando é arbitrária - na acepção que a palavra “arbitrária” tinha para o arguido
- ou que as duas figuras de algum modo se confundem, produzindo as mesmas
consequências.
Mas a decisão recorrida não envereda por tal caminho, limitando-se a discorrer
sobre a necessidade de alegação e prova, pelo arguido, dos factos que
permitissem concluir pela arbitrariedade por si invocada.
Assim sendo, e também porque o Tribunal Constitucional não possui competência
para declarar que uma ordem policial é ilegal ou ilegítima quando é arbitrária e
qual o sentido preciso de cada um dos conceitos (como acima se explicou), não
pode conhecer-se do objecto do recurso de constitucionalidade, por não poder
afirmar-se que o tribunal recorrido tenha adoptado a interpretação segundo a
qual competia ao arguido demonstrar a ilegalidade da ordem dada pela autoridade
policial.
Improcede, assim, também o segundo argumento do reclamante.
III. Decisão
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, julga-se improcedente a reclamação,
mantendo-se a decisão sumária de fls. 126 e seguintes.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 1 de Outubro de 2008
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
Gil Galvão