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Processo nº 540/08
1ª Secção
Relatora: conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que é
recorrente A. e recorrida a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de …, foi interposto
recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão daquele Tribunal de 13 de Maio
de 2008.
2. Em 28 de Julho de 2008, foi proferida decisão sumária, pela qual o Tribunal
decidiu, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, nº 2, da Lei da Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), não tomar
conhecimento do objecto do recurso.
Foi utilizada a seguinte fundamentação:
«Do requerimento de interposição de recurso e da resposta ao convite ao
respectivo aperfeiçoamento resulta que o presente recurso é interposto ao abrigo
das alíneas b) e f) do nº 1 do artigo 70º da LTC, para apreciação do nº 2 do
artigo 735º do Código de Processo Civil, numa determinada interpretação.
Continuando a indicar duas alíneas do nº 1 do artigo 70º da LTC, é de concluir
que o recorrente não observou um dos ónus previstos no nº 1 do artigo 75º-A da
LTC – a indicação da alínea ao abrigo da qual o recurso é interposto – o que
obsta ao conhecimento do objecto do recurso, justificando a prolação da presente
decisão (artigo 78º-A, nºs 1 e 2, da LTC).
Este Tribunal vem entendendo que “o cumprimento destes ónus [os decorrentes dos
nºs 1, 2, 3 e 4, do artigo 75º-A da LTC] não representa simples observância do
dever de colaboração das partes com o Tribunal; constitui, antes, o
preenchimento de requisitos formais essenciais ao conhecimento do objecto do
recurso” (cf., entre muitos outros, o Acórdão nº 200/97, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt). De tal forma, que a LTC faz corresponder à não
satisfação dos requisitos do artigo 75º-A, mesmo após o suprimento previsto no
seu nº 6, a consequência do não conhecimento do objecto do recurso (artigo
78º-A, nº 2, da LTC).
Ainda que à não indicação da alínea ao abrigo da qual é interposto o recurso não
correspondesse a consequência do não conhecimento do objecto do mesmo,
subsistiriam sempre razões para proferir decisão sumária. Por um lado, é
manifesto que não se poderiam dar como verificados os requisitos do recurso de
ilegalidade interposto ao abrigo da alínea f) do nº 1 do artigo 70º da LTC; por
outro, não se poderia concluir pela verificação de um dos requisitos do recurso
interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º – a suscitação prévia e
de forma adequada da questão de inconstitucionalidade normativa cuja apreciação
é requerida (artigos 70º, nº 1, alínea b), e 72º, nº 2, da LTC)».
3. Desta decisão reclama agora o recorrente para a conferência, ao abrigo do
disposto no nº 3 do artigo 78º-A da LTC, nos seguintes termos:
«I) - segundo bem entende o Recorrente, da leitura da douta decisão proferida
pela Exma. Senhora Dra. Juíza Conselheira Relatora, extraem-se duas conclusões
quanto à não admissibilidade do recurso que pelo mesmo foi oportunamente
interposto;
II) - quais sejam, a de que, se por um lado não ser possível o conhecimento do
recurso por falta de cumprimento dos ónus decorrentes dos n°s. 1, 2, 3 e 4,
todos do art° 75°-A da Lei do Tribunal Constitucional;
III) - por outro lado, não terá o Recorrente indicado a alínea ao abrigo da qual
interpôs o recurso;
IV) - ora e porque o ora Recorrente, sempre salvo o devido respeito que, aliás,
é muito, não concorda com tal decisão sumariamente exarada, vem o mesmo lançar
mão do presente expediente processual na tentativa de demonstrar que outra
deveria ter sido a decisão a proferir;
V) - com efeito, e começando pela segunda das mencionadas questões, sempre se
dirá que, da leitura das alegações de recurso dirigidas ao Venerando Tribunal da
Relação do Porto e do respectivo douto Acórdão, resulta que a questão da
inconstitucionalidade foi atempada e devidamente suscitada;
VI) - ora, perante tal factualidade, não pode o Recorrente deixar de se
manifestar surpreso face à alegação de que não foi suscitada devidamente ao
longo do processo a questão da invocada inconstitucionalidade;
VII) - acresce ainda que, conforme supra se deixou vertido, o outro dos
argumentos aduzidos pela Exma. Sra. Juíza Conselheira Relatora no douto despacho
de fls. ... tem que ver com o facto de, alegadamente, o requerimento de recurso
não cumprir o ónus processual previsto no art° 75°-A da LT.C.;
VIII) - ora, e sempre salvo o devido e muito respeito, não pode o ora Reclamante
sufragar tal entendimento, porquanto, da leitura conjugada do requerimento de
alegações dirigido ao Venerando Tribunal da Relação do Porto, do requerimento de
recurso dirigido a este Venerando Tribunal Constitucional, e ainda do
requerimento de fls. ..., resulta que a (in)constitucionalidade normativa
suscitada pelo Reclamante quando da apresentação das alegações, tem que ver com
o facto a apreciação da interpretação dada ao art° 735º n° 2 do Cód. de Proc.
Civil, no sentido de que é inconstitucional a interpretação do mesmo de que não
é processualmente obrigatório a existência de notificação expressa aos
Recorrentes para demonstrarem expresso interesse na subida dos recursos
interpostos e cuja subida está relegada para tal momento - por violação dos
princípios constitucionais da proibição da indefesa e do direito ao recurso
consagrados nos 2° e 20º, ambos da nossa Lei Fundamental;
IX) - sendo certo que tal alegação, devidamente fundamentada, não deixará de ser
objecto de alegação aprofundada e pormenorizada quando da apresentação das
alegações de recurso a apresentar junto deste Venerando Tribunal Constitucional;
X) - pelo que entende o Reclamante que deve ser reformulada a douta decisão de
fls. ..., substituindo-se a mesma por outra que dê cumprimento ao disposto no
art° 79º da Lei do Tribunal Constitucional (…)».
4. Notificada do teor da reclamação, a recorrida não respondeu.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
A decisão sumária proferida concluiu pelo não conhecimento do objecto do recurso
por o recorrente não ter observado os ónus previstos no nº 1 do artigo 75º-A da
LTC e por não se poderem dar como verificados quer os requisitos do recurso de
constitucionalidade quer os do recurso de ilegalidade.
Para contrariar a decisão de não conhecimento do objecto do recurso, o
reclamante alega que suscitou devidamente e de forma atempada a questão de
inconstitucionalidade.
Resulta, porém, do teor das alegações perante o Tribunal da Relação do Porto que
o recorrente não suscitou de forma adequada uma questão de inconstitucionalidade
normativa reportada ao artigo 735º, nº 2, do Código de Processo Civil. Se, por
um lado, alega e conclui que ao decidir como decidiu, o tribunal recorrido
violou e/ou interpretou erradamente, entre outros, o disposto nos artigos 3º,
158º, 735º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil, e os princípios da
proibição da indefesa e do direito ao recurso consagrados constitucionalmente;
por outro, conclui, que a interpretação feita pelo tribunal recorrido do nº 2 do
artigo 735º do Código de Processo Civil é violadora dos princípios
constitucionais da proibição da indefesa e do direito ao recurso, sem que
especifique a interpretação cuja inconstitucionalidade sustenta (fls. 531 a 533
dos autos).
Resta, pois, concluir pelo indeferimento da reclamação.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 15 de Outubro de 2008
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão