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Processo n.º 336/08
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
Por acórdão de 5 de Novembro de 2007, o Tribunal da Relação do Porto decidiu
conceder provimento parcial ao recurso interposto pela Autora A., assim
revogando em parte a sentença do Tribunal do Trabalho da Comarca de Matosinhos
de 15 de Fevereiro de 2007 e condenado a Ré B., Lda. a pagar à Autora a quantia
de € 22.097,79, no demais confirmando a sentença recorrida. Decidiu, ainda,
condenar ambas as partes em custas, na proporção do seu decaimento.
Notificada para efectuar o pagamento da conta de custas, a Autora apresentou
reclamação sustentando, entre o mais que agora não releva, que não pode
considerar-se ter sido paga taxa de justiça no processo no valor de € 212,10
quando a Autora pagou € 528,00.
Por despacho de 24 de Janeiro de 2008, o juiz do 2º Juízo do Tribunal do
Trabalho de Matosinhos julgou a reclamação da conta de custas apresentada pela
Autora A. procedente na parte em que esta “pretende que seja considerada na
respectiva conta, como taxa paga a quantia de € 528,00, em vez da quantia de €
212,10, devendo a conta ser reformulada em conformidade, com as inevitáveis
consequências para a ré”, com a seguinte fundamentação:
[…]
Notificada da conta veio a A. apresentar reclamação da mesma nos termos
constantes de fls. 149 a 154, pretendendo que seja ordenada a reforma da conta,
atendendo aos valores das taxas pagas pela A. e ordenada a devolução do montante
de € 372,46 pago em excesso.
A Srª Escrivã, pronunciou-se nos termos constantes de fls. 157 e 158 concluindo
que apesar de dois lapsos de escrita (na indicação do valor tributário do
recurso e da norma que define o valor da taxa de justiça no recurso), os quais
não interferiram na elaboração e resultado da conta, esta foi elaborada de
acordo com os preceitos legais aplicáveis que cita.
O Ministério Público pronunciou-se a fls. 159 no sentido de que a conta deve ser
reformulada de modo a que as taxas pagas pelas partes sejam distribuídas na
respectiva proporção, sendo inconstitucional o art. 13º n.º 2 do C.C.J..
Compulsados os autos diga-se desde já que, ressalvados os dois lapsos de escrita
mencionados pela Sr.ª escrivã, mas que não tiveram qualquer influência no
resultado da conta reclamada, esta foi efectuada de acordo com as disposições
legais aplicáveis, não podendo ter sido elaborada de modo diverso.
Porém, entendemos que a conta terá de ser reformulada, levando-se em conta a
taxa paga pela A. no valor de € 528,00 e não apenas no valor de € 212,10.
De facto, sendo a taxa de justiça devida pela A. no valor global de € 282,80 (e
não como pretende a A. de € 70,70), considerando o valor da causa, bem como as
reduções do art. 14º e do art. 18º n.º 2 do C.C.J. e tendo a mesma já pago €
528,00 de taxas de justiça, verifica-se que na conta apenas foi considerada como
taxa paga a quantia de € 212,00, por aplicação das disposições dos arts. 13.º
n.º 2, 31.º n.º 1, 33.º n.º 1 do C.C.J., ou seja, a proporção da
responsabilidade da A. pelas custas em função do seu decaimento aplicada à taxa
de justiça do processo (composta pelas taxas pagas por ambas as partes), como
refere a Sr.ª escrivã.
Tal resultado, leva porém, a que a A. não obstante ter já pago a taxa de justiça
que deve ao processo, venha a quantia que pagou para além da que devia,
funcionar como pagamento da parte da taxa de justiça pela qual é responsável a
ré (que apenas pagou € 264,00 e vê considerada na respectiva conta taxa paga de
€ 579,90), cabendo-lhe depois exigir a esta a devolução da quantia
correspondente nos termos do art. 33.º-A, nomeadamente, se o pagamento não for
feito voluntário, instaurando a competente execução.
Da aplicação das disposições legais supra citadas, levou a que à A. fosse ainda
exigido o pagamento de € 98,98 quando era responsável pelo valor global de €
311,08 e já pagou € 528,00 – ou seja já pagou a mais € 216,92 e ainda terá de
desembolsar mais € 98,98, para depois exigir à ré o pagamento de € 315,80 que
afinal lhe adiantou.
Trata-se de um resultado manifestamente contrário ao princípio da
proporcionalidade ínsito no princípio constitucional do Estado de direito
democrático (art. 2.º da CRP) não sendo adequado a alcançar os objectivos de
garantia e celeridade do regime de custas judiciais aprovado pelo Decreto-Lei
n.º 324/2003, de 27/12, traduzindo-se num ónus para a parte que já pagou a
totalidade da taxa de justiça de suportar ainda parte do que cabe à outra parte
e de ter de desenvolver toda a actividade prevista para o reembolso, suportando
o risco do insucesso.
Conclui-se, pois, que aquela interpretação dos arts. 13.º, n.º 2, 31.º n.º 1,
33.º n.º 1 e 33.º-A do C.C.J. é inconstitucional, sendo relevantes para o efeito
os argumentos expendidos pelo Tribunal Constitucional nesse sentido em diversos
Acórdãos, ainda que em situações diversas de que são exemplos o Ac. 40/2007
citado pelo M.P. e o Ac. n.º 301/2007 de 15/5/2007, publicado no DR, 2.ª Série
de 17/7/2007.
[…].
O Ministério Público recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da
alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, “do despacho
do Mº Juiz deste 2º Juízo de 6 de Julho de 2007, pedindo a apreciação da
inconstitucionalidade da norma prevista no artº 13º, n.º 2, do Código das Custas
Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 324/2003 de 27 de Dezembro, cuja
aplicação foi recusada.” (cfr. fls. 190).
O recurso de constitucionalidade foi admitido, por despacho de fls. 191.
Considerando que o requerimento de interposição de recurso se referia a um
despacho inexistente (despacho de 6 de Julho de 2007), tendo-se pretendido
aludir provavelmente ao despacho de fls. 174 e segs., datado de 24 de Janeiro de
2008, e, por outro lado, que neste despacho o juízo de inconstitucionalidade não
se reportava apenas à norma do art. 13.º, n.º 2, do CCJ, que é indicada no
requerimento, por despacho do Juiz Conselheiro Relator o recorrente foi, nos
termos previstos no art. 75.º-A, n.ºs 5 e 6, da Lei do Tribunal Constitucional,
convidado a indicar “qual a decisão recorrida e a norma ou interpretação
normativa cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie”.
O recorrente respondeu nos seguintes termos:
[…]
O representante do Ministério Público junto deste Tribunal, notificado para
aperfeiçoar o requerimento de interposição do recurso, apresentado no Tribunal
do Trabalho de Matosinhos, vem fazê-lo nos termos seguintes:
- a decisão recorrida é efectivamente o despacho de p. 174/176, datado de
24/01/08;
- a norma cuja aplicação foi recusada, com fundamento em violação do princípio
da proporcionalidade, é que resulta do preceituado nos artigos 13°, nº 2, 31°,
nº 1, 33°, nº 1, e 33°-A do Código das Custas Judiciais, quando interpretados no
sentido de criarem um “ónus para a parte que já pagou a totalidade da taxa de
justiça de suportar ainda parte do que cabe à outra parte e de ter de
desenvolver toda a actividade prevista para reembolso, suportando o risco de
insucesso”.
[…].
Notificado para o efeito, o recorrente apresentou alegações com o seguinte teor:
1. Apreciação da questão de constitucionalidade suscitada.
O presente recurso obrigatório vem interposto pelo Ministério Público da
decisão, proferida em incidente de reclamação da conta de custas, pelo Tribunal
de Trabalho de Matosinhos, na parte em que – fundando-se na jurisprudência
constitucional – recusou aplicar, com fundamento em inconstitucionalidade
material, a norma decorrente dos artigos 13°, nº 2, 31º, nº 1, 33º, nº 1 e 33°-A
do Código das Custas Judiciais, interpretados no sentido de criarem, no caso de
decaimento parcial recíproco, para a parte que já pagou a totalidade da taxa de
justiça a seu cargo o ónus de suportar ainda parte do que cabe à outra parte,
tendo de desenvolver ulteriormente toda actividade necessária ao reembolso,
suportando o risco de eventual insucesso.
Como nota a decisão recorrida, a questão de constitucionalidade que
substancialmente está em causa não é inédita na jurisprudência constitucional,
tendo sido reiteradamente apreciada pelo Tribunal Constitucional, quer na óptica
do nº 2 do artigo 13°, quer na dos artigos 31º, 33º e 33°-A do Código das Custas
Judiciais através, nomeadamente, dos Acórdãos nºs 40/07, 643/06, 128/07 e
301/07, que se pronunciaram pela respectiva inconstitucionalidade.
Não suscitando o caso dos autos qualquer questão peculiar, afigura-se que será
esta a solução a adoptar.
2. Conclusão
Nestes termos e pelo exposto, conclui-se:
1º É materialmente inconstitucional, por violação do princípio da
proporcionalidade, a norma extraída dos artigos 13°, nº 2, 31º, nº 1, 33°, nº 1
e 33°-A do Código das Custas Judiciais, interpretados no sentido de criarem – no
caso de decaimento parcial recíproco – para a parte que já suportou a totalidade
da taxa de justiça a seu cargo o ónus de suportar ainda uma parcela da que cabe
à outra parte, tendo de desenvolver ulteriormente a actividade indispensável ao
reembolso, suportando o risco de eventual insucesso.
2° Termos em que deverá confirmar-se o julgamento de inconstitucionalidade
formulado pela decisão recorrida.
Não foram apresentadas contra-alegações.
II. Fundamentação
A decisão recorrida afastou a aplicação da norma que resulta do disposto nos
artigos 13.º, n.º 2, 31.º, n.º 1, 33.º, n.º 1 e 33.º-A do Código das Custas
Judiciais (na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro)
interpretada no sentido de criar um “ónus para a parte que já pagou a totalidade
da taxa de justiça de suportar ainda parte do que cabe à outra parte e de ter de
desenvolver toda a actividade prevista para o reembolso, suportando o risco do
insucesso”, por se tratar de “um resultado manifestamente contrário ao princípio
da proporcionalidade ínsito no princípio constitucional do Estado de direito
democrático (art. 2.º da CRP) não sendo adequado a alcançar os objectivos de
garantia e celeridade do regime de custas judiciais aprovado pelo Decreto-Lei
n.º 324/2003, de 27 de Dezembro”.
Esta decisão foi proferida num processo em cuja decisão final as partes foram
condenadas em custas na proporção do respectivo decaimento, e, assim, atenta a
natureza instrumental do recurso de constitucionalidade, constitui objecto do
presente recurso o conjunto normativo resultante dos artigos 13°, nº 2, 31º, nº
1, 33°, nº 1 e 33°-A do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei
n.º 224-A/96, de 26 de Novembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 324/2003,
de 27 de Dezembro, quando interpretado no sentido de implicar – no caso de
decaimento parcial recíproco – para a parte que já pagou a totalidade da taxa de
justiça pela qual é responsável a obrigação de suportar ainda uma parcela de
encargos judiciais que incumbe à outra parte, cabendo-lhe desenvolver
ulteriormente a actividade necessária para assegurar o respectivo reembolso,
suportando o risco de eventual insucesso.
Sobre a inovação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro,
no sistema de pagamento e restituição das taxas de justiça previsto no Código
das Custas Judiciais (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de
Novembro), já se pronunciou o Tribunal Constitucional quer quanto à norma que
resulta do n.º 2 do artigo 13.º quer quanto ao conjunto normativo constituído
por essa norma e as dos artigos 31.º, 33.º e 33.º-A, reportando-se, em qualquer
dos casos, a uma interpretação segundo a qual, no caso de transacção
judicialmente homologada em que as custas em dívida a juízo serão suportadas em
partes iguais, «incumbe ao autor que já suportou integralmente a taxa de justiça
a seu cargo garantir ainda o pagamento de metade do remanescente da taxa de
justiça em dívida, com o ónus de subsequentemente reaver tal quantia do réu, a
título de custas de parte».
A norma do artigo 13º, nº 2, do Código das Custas Judiciais – nessa mesma
interpretação – foi julgada inconstitucional, em fiscalização concreta, pelos
Acórdãos nºs 40/07, 519/07 e 521/07, com fundamento em violação do princípio da
proporcionalidade.
Por outro lado, o Acórdão n.º 643/06, tendo por objecto idêntica interpretação
normativa quando extraída dos artigos 31.º, 33.º e 33.º-A, formulou igualmente
um juízo de inconstitucionalidade por infracção ao princípio da
proporcionalidade, embora tenha optado por recorrer ao mecanismo do artigo 80º,
n.º 3, da LTC, adoptando uma interpretação conforme à Constituição, por entender
que, em bom rigor, daqueles preceitos não poderia decorrer o sentido
interpretativo que lhes foi atribuído.
Entretanto, o Acórdão n.º 375/2008 (publicado no Diário da República, 1ª série,
de 8 de Agosto de 2008) declarou, com força obrigatória geral, também por
violação do princípio da proporcionalidade, a inconstitucionalidade do artigo
13.º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais, continuando a referir-se à mesma
interpretação que fora analisada nos Acórdãos antecedentes, e que era aplicável
ao caso de transacção homologada antes de o réu ter procedido ao pagamento de
taxa de justiça inicial.
Para assim concluir tomou por base a argumentação aduzida no já citado Acórdão
n.º 643/06, no ponto em que reputa a questionada interpretação normativa como
sendo incompatível com o princípio da proporcionalidade, destacando,
especialmente, a passagem que agora se reproduz:
[…]
9. Como se explica no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 324/2003, uma das inovações
trazidas com a aprovação do novo Código das Custas Judiciais consistiu em
eliminar 'a restituição antecipada (independentemente de o vencido proceder ao
pagamento das custas de sua responsabilidade), pelo Cofre Geral dos Tribunais,
da taxa de justiça paga pelo vencedor no decurso da acção' (ponto 5.),
transferindo para o vencedor o ónus de reaver do vencido o que adiantou através
do mecanismo de custas de parte.
Este mecanismo, desenhado pelos artigos 31º, n.º 1, 32º, n.ºs 1 e 2, 33º, n.º 1
e 33º-A do Código das Custas Judiciais, e que começa por se traduzir numa
garantia de que a taxa é efectivamente paga, pode levar a que o vencedor, não
obstante ter ganho a lide, suporte o respectivo custo, por não conseguir o
respectivo pagamento pelo vencido, nem voluntariamente, nem em via de execução.
Diz-se no mesmo preâmbulo que com esta inovação no regime da taxa de justiça se
pretende, 'sem colocar em causa o princípio da tendencial gratuitidade da
justiça para o vencedor', que o 'custo efectivo' do processo 'não opere à custa
da comunidade e do Estado, mas sim de quem deu causa (em sentido amplo) à
acção', bem como 'introduzir um factor de racionalização e moralização no
recurso aos tribunais, desincentivando-o por parte de quem já saiba de antemão
que não irá obter quaisquer benefícios reais com o processo'.
10. Sucede, todavia, que o regime acabado de referir só vale – só tem sentido,
aliás, e com esta afirmação não vai implícito qualquer juízo de conformidade ou
desconformidade constitucional das normas que o compõem – quando há reembolsos a
fazer, pois que a garantia de pagamento das custas em dívida consegue-se, nesta
lógica, retendo o que foi pago a mais pela parte vencedora e impondo-lhe o ónus
de, pelo mecanismo das custas de parte, o reaver da parte contrária.
De nenhum preceito do Código das Custas Judiciais resulta que, tendo uma das
partes pago a totalidade da quantia que, a título definitivo, lhe incumbiria
pagar, e não tendo a parte contrária pago ainda nada, se deva cobrar a quantia
que a esta última cabe determinando o pagamento de metade por cada uma.
Tal solução seria, aliás, desde logo, contraditória com as razões que levaram à
definição do novo regime.
Em primeiro lugar, porque, não havendo qualquer quantia paga a mais e, portanto,
a reter, não alcançaria o objectivo da garantia.
Em segundo lugar, porque, contrariando a simplificação proclamada igualmente no
preâmbulo do Decreto-Lei n.º 324/2003, conduziria a uma maior complexidade de
regime: em vez de notificar uma parte para pagar a taxa que (exclusivamente) lhe
competia, notificavam-se as duas, cada uma para pagar metade; se a que já pagou
viesse efectivamente adiantar a parte que cabia à outra, haveria depois que
desencadear o mecanismo conducente ao reembolso das custas de parte; se não
viesse, e para além de se tornar necessário julgar uma eventual reclamação da
parte – como sucedeu no caso presente –, ainda se abriria a eventualidade de uma
execução por falta de pagamento… para depois o executado ir reaver da outra
parte o que foi obrigado a desembolsar.
Basta ver, por exemplo, o regime definido pelo n.º 2 do artigo 25º do mesmo
Código para verificar que o legislador quer evitar pagamentos de taxa de justiça
que previsivelmente depois tenham de ser reembolsados. Com efeito, o referido
n.º 2 do artigo 25º do Código prevê que, em caso de pluralidade activa ou
passiva, se o montante pago pela 'parte' se revelar suficiente para cobrir o
valor correspondente à taxa de justiça subsequente, é dispensado o pagamento
desta última.
11. Está portanto em causa no presente recurso, como se viu e pelas razões já
apontadas, o conjunto normativo resultante dos artigos 31º, n.º 1, 33º, n.º 1,
b) e 33º-A, n.º 1 do Código das Custas Judiciais, quando interpretado no sentido
de que pode ser exigida da parte que já suportou a totalidade da taxa de justiça
pela qual é responsável o adiantamento de parte da taxa de justiça pela qual é
responsável a parte contrária, cabendo-lhe depois exigir a esta a devolução da
quantia correspondente nos termos aplicáveis às custas de parte, quando o
processo terminou por transacção, nos termos da qual as custas em dívida seriam
suportadas a meias, homologada antes de o réu ter procedido ao pagamento da
(sua) taxa de justiça inicial.
Ora, das considerações constantes dos pontos anteriores resulta que, se tal
regime decorre do conjunto das normas que integram o objecto do presente
recurso, quando interpretadas no sentido em apreciação, o Tribunal
Constitucional não pode deixar de as julgar inconstitucionais, por violação do
princípio da proporcionalidade.
Como se sabe, o significado e as exigências decorrentes do princípio da
proporcionalidade, enquanto princípio decorrente do Estado de Direito (artigo 2º
da Constituição) e, assim, imposto, em geral, como limite à liberdade de
conformação do legislador ordinário (e é nesta dimensão que este princípio está
agora em causa, naturalmente), foi já objecto de inúmeras considerações pelo
Tribunal Constitucional.
Recorrendo, a título de exemplo, ao acórdão n.º 187/2001 (Diário da República,
II série, de 26 de Junho de 2001), cabe recordar que
«o princípio da proporcionalidade, em sentido lato, pode (...) desdobrar-se
analiticamente em três exigências da relação entre as medidas e os fins
prosseguidos: a adequação das medidas aos fins; a necessidade ou exigibilidade
das medidas e a proporcionalidade em sentido estrito, ou “justa medida”. Como se
escreveu no (...) Acórdão n.º 634/93, invocando a doutrina: 'o princípio da
proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios: princípio da adequação (as
medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um
meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou
bens constitucionalmente protegidos); princípio da exigibilidade (essas medidas
restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador
não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato);
princípio da justa medida, ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão
adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins
pretendidos).»
A interpretação normativa de que nos ocupamos não é compatível com nenhuma
destas exigências, como resulta do que se disse atrás: não é adequada a alcançar
os objectivos de garantia e de celeridade do novo regime, não é necessária para
o mesmo efeito e traduz-se na imposição ao autor que já pagou a totalidade da
taxa de justiça que, definitivamente, lhe competia, de um ónus de desembolsar
parte do que cabe ao réu e de, posteriormente, ter de lançar mão das vias
previstas para obter o reembolso.
É, portanto, inconstitucional, por infracção do princípio da proporcionalidade.
Sendo esta a doutrina que foi acolhida no Acórdão n.º 375/08 (e que já fora
adoptada nos anteriores Acórdãos nos nºs 40/07, 519/07 e 521/07), não se vê
motivo para deixar de aplicar idêntico entendimento no caso concreto.
Certo é que não está em causa exactamente a mesma interpretação normativa, já
que naquele aresto se considerou a situação aplicável a uma transacção
homologada antes de o réu ter procedido ao pagamento da taxa de justiça inicial
(implicando que o autor, que já suportara integralmente o encargo judicial que
lhe competia tivesse ainda de satisfazer metade do remanescente da taxa de
justiça do processo, que incumbia ao réu), ao passo que, no caso dos autos, o
que se questiona é que à parte que foi condenada em custas na proporção do
respectivo decaimento, e que já pagou integralmente, no decurso do processo, a
taxa de justiça da sua responsabilidade, seja ainda exigido, a final, o
pagamento de parte da taxa de justiça devida pela contraparte.
As considerações expendidas no Acórdão n.º 643/06 – a que o Acórdão n.º 375/2008
aderiu – são, no entanto, inteiramente transponíveis para o presente caso,
porquanto o que está em causa é a desproporção no tratamento que é conferido a
uma das partes no processo, que se vê obrigada – sem qualquer fundamento
legítimo – a desembolsar uma parcela das importâncias que eram devidas pela
parte contrária, num momento em que tinha já procedido ao pagamento integral da
taxa de justiça que lhe competia.
III. Decisão
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide
negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.
Sem custas.
Lisboa, 22 de Outubro de 2008
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
Vítor Gomes
Ana Maria Guerra Martins
Gil Galvão (vencido, no essencial, pelas razões constantes da declaração
constante do acórdão 643/06)