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Processo nº 595/08
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é
reclamante A. e reclamado o Ministério Público, vem o primeiro reclamar, ao
abrigo do disposto no artigo 76º, nº 4, da Lei da Organização, Funcionamento e
Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho de 29 de Maio de 2008 que
não admitiu os recursos interpostos para o Tribunal Constitucional.
2. Interposto recurso de acórdão condenatório do Tribunal da Relação de Évora, o
Supremo Tribunal de Justiça acordou, em 13 de Março de 2008, em manter a
condenação do ora reclamante. Para o que agora releva, lê-se nesta decisão o
seguinte:
«Por conseguinte, quer porque não respeitaram as exigências formais impostas por
lei, quer na motivação, quer nas conclusões (caso nítido do recorrente B., mas
também do recorrente A.), quer porque não respeitaram as exigências substanciais
implicadas por uma verdadeira impugnação da matéria de facto, limitando-se a
contrapor a sua convicção acerca da prova produzida à convicção do tribunal, sem
indicarem as provas que objectivamente imporiam uma decisão diversa da
recorrida, embora indicando certas provas como fundamento daquela sua convicção
(todos os recorrentes), ao tribunal “a quo” não era exigível que fosse além do
que foi, reafirmando a coerência da motivação da convicção do tribunal de 1.ª
instância».
3. Por despacho de 27 de Março de 2008, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu
que o prazo de prisão preventiva do ora reclamante terminaria em 29 de Junho de
2008, por força do disposto nos artigos 215º, nºs 1 e 3, e 216º do Código de
Processo Penal, na versão anterior à agora vigente, e 54º do Decreto-Lei nº
15/93, de 22 de Janeiro. Em 18 de Abril foi indeferido o pedido de aclaração
desta decisão.
4. Notificado das decisões, o ora reclamante requereu a aclaração do acórdão de
13 de Março e reclamou para a conferência do despacho de 27 de Março.
Do requerimento de reclamação importa transcrever o seguinte:
«A suspensão a que alude o art° nº216 nº1 Al. a) do CPP não é mais que um
prolongamento dos prazos máximos de prisão preventiva, e daí que tal suspensão
não possa ser ope legis, mas ao invés precedida de despacho judicial devidamente
fundamentado, no qual se analise os respectivos pressupostos.
(…)
Ora constituindo a suspensão do decurso dos prazos e duração de prisão
preventiva na sua substância um prolongamento daqueles prazos máximos, não faria
sentido que o mesmo fosse automático, sem necessidade de despacho prévio do
juiz, devidamente fundamentado em que se valore concretamente os seus
pressupostos, quando, precisamente para a aplicação de uma medida de coacção ou
de garantia patrimonial, se exige que o mesmo seja devidamente fundamentado,
como acto judicial decisório, nos termos dos art°s 97 nº4 e 194 nº3 do CPP,
estando sujeito ao reexame trimestral dos respectivos pressupostos nos termos do
art° 213, do mesmo compendio normativo
A interpretação no sentido que seria possível que a suspensão do decurso do
prazo de medida de prisão preventiva, ao abrigo do disposto no art°216 do CPP,
operasse ope legis, sem que se analisasse, mediante despacho judicial
fundamentado, os respectivos pressupostos, constituiria violação ao principio da
proporcionalidade, a que estão sujeitas as medidas de coacção, subjacente ao
art° 18 nº2 da C.R.P. violando o disposto nos art°s 27 e 28 nº3 deste diploma.
Por outro lado, não obstante a lei nada dizer quanto ao momento em que o
despacho a ordenar a suspensão do decurso dos prazos máximos de prisão
preventiva, tal despacho não poderá ser prolatado depois de ordenada e realizada
a perícia e após a dedução da acusação, já se aquele visa apurar a complexidade
da perícia e determinar a sua relevância para a dedução da acusação, torna-se
inócuo e despiciendo vir declarar algo que já foi ultrapassado e que, em bom
rigor, não revestiu qualquer complexidade nem fez com um processo tivesse estado
parado por via deles.
Aliás, nesta linha argumentativa, como supra referimos e transcrevemos. ( ler
posição do Prof. Germano Marques da Silva, já referida).
Assim, se o despacho judicial a declarar a suspensão do prazo máximo de prisão
preventiva, proferido nos termos do art° 216 nº1 al a) e nº2 do CPP, com
fundamento de que a perícia ordenada é decisiva para a dedução da acusação,
quando esta já havia sido proferida e a dois dias do final da prisão preventiva,
foi proferido em momento em que já não o podia fazer, não produz qualquer
eficácia para fazer prolongar um prazo a esgotar-se, havendo agora que restituir
o arguido à liberdade.
O despacho em análise violou o art°s 97 nº1, al b) nº3 e 4 do CPP
Tal despacho ao ser proferido depois de ordenada a perícia e após a dedução da
acusação, acórdão de sentença em primeira instância, acórdão de sentença do
Tribunal da Relação de Évora, e acórdão de sentença do Supremo Tribunal de
justiça, toma-se inócuo e despiciendo por declarar algo que já foi ultrapassado
e consequentemente faz interpretação inconstitucional do art° 216 nº1 do CPP
(lei anterior), por violação do disposto no art° 13° nº1, 28 nº4, 29 nº3, 32 nº2
todos do CRP.
A melhor interpretação do normativo do art° 216 nº1 al a) do CPP (versão
anterior à actual) é no sentido de que a suspensão do decurso dos prazos de
duração máxima de prisão preventiva, não pode ser prolatado depois de ordenada e
realizada a perícia e após a dedução da acusação.
(…)
Em conclusão
(…)
4° Em 27 de Março de 2008, o Exmo Sr. Juiz Relator emitiu despacho, no sentido
de prolongar por 3 meses a prisão preventiva do arguido, por força da aplicação
do disposto no art° 216 nº1 al a) do CPP( anterior à nova lei)
5° Entende-se que a suspensão a que alude o artigo atrás mencionado não é mais
que um prolongamento dos prazos máximos de prisão preventiva e dai tal suspensão
não poder operar ope legis
(…)
8° - Não obstante a lei nada dizer quanto ao momento em que o despacho a
ordenara a suspensão do decurso dos prazos máximos de prisão preventiva, tal
despacho não poderá ser prolatado depois de ordenada e realizada a perícia e
após a dedução da acusação, já que aquele visa apurar a complexidade da perícia
e determinar a sua relevância para a dedução da acusação.
9° O despacho ora tido sob mira, viola o disposto no artº 97 nº1 al b) e nº3 e 4
do CPP.
10° Tal despacho ao ser proferido muito para além da dedução da acusação,
torna-se inócuo e despiciendo por declarar algo que já foi ultrapassado e
consequentemente faz interpretação inconstitucional do art° 216 nº1 do CPP,
anterior à lei nº48/2007 por violação do disposto no art° 13 nº1, 28 nº4, 29 nº3
e 32 nº todos do CRP.
11º A melhor interpretação de tal normativo é no sentido de que a suspensão do
decurso dos prazos de duração máxima de prisão preventiva, não pode ser
prolatado depois de ordenada e realizada a perícia e após a dedução da
acusação».
5. Em 8 de Maio de 2008, o Supremo Tribunal de Justiça acordou em indeferir o
pedido de aclaração do acórdão final e a reclamação para a conferência do
despacho do Relator de fls. 4516 [de 27 de Março], aclarado por despacho de fls.
4548 [de 18 de Abril de 2008].
Notificado deste acórdão, o ora reclamante interpôs recurso para o Tribunal
Constitucional, mediante requerimento onde se lê o seguinte:
«Pretende ver-se apreciada a constitucionalidade da norma do art° 216 nº1 do CPP
na interpretação que lhe foi dada na decisão recorrida.
A interpretação da norma dada pelo Supremo Tribunal de Justiça, viola os art°s
nº18, 28 nº4 e 32 nº1 e 8 da CRP., porquanto foi interpretada no sentido de
permitir que suspensão do decurso dos prazos de duração máxima da prisão
preventiva a que alude o art° 216 nº1 do CPP, pode ser decretada em qualquer
momento processual, anterior a eventual recurso para o Tribunal Constitucional.
A melhor interpretação da norma constante do art° 216 nº1 do CPP é a expressa no
acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa – recurso nº 38686/2001 in Colectânea
de Jurisprudência Ano XXVI 2001 – Tomo II Págl20 – onde se lê no sumário:
(…)
Pretende ainda ver-se apreciada a constitucionalidade da norma do art° 412 nº3
do CPP na interpretação que lhe foi dada na decisão recorrida
A interpretação da norma dada pelo Tribunal, viola o disposto no art°18, 32 nº1
e 8 da CRP, porquanto foi interpretada no sentido de não permitir o
aperfeiçoamento das conclusões do recurso por falta da indicação da rotação e
numero de volta das respectivas cassetes.
A melhor interpretação da norma constante no art° 412 nº3 do CPP é da convidar o
recorrente a aperfeiçoar a sua motivação sempre que das mesmas apenas não conste
a indicação das voltas das respectivas cassetes, uma que tal não é o mesmo que
conceder novo prazo para alegações».
6. Por despacho de 29 de Maio de 2008, os recursos de constitucionalidade não
foram admitidos, pelas razões que se seguem:
«Não recebo o recurso interposto para o Tribunal Constitucional pelo arguido A.:
1.º - Porque a questão de a suspensão do
prazo da prisão preventiva operar ou não «ope legis» não tem a ver com o
princípio da proporcionalidade, consagrado no art.º 18.º, n.º 2 da CRP, nem com
o art.º 27.º ou 29.º, n.º 3, ambos da mesma lei fundamental;
2.º - Em relação ao art.º 412.º, n.º 3 do
CPP, o recorrente não diz que interpretação, aplicada por este STJ, é ofensiva
da Constituição, para além de que este STJ se limitou a dizer que, no caso, não
ocorria qualquer nulidade por omissão de pronúncia (art.º 379.º, n.º 1, al. a)
do CPP).
Acresce que, tendo-se detectado que o não cumprimento do disposto no art.º
412.º, n.os 3 e 4 do CPP ocorria tanto ao nível da motivação como das
conclusões, não havia que formular qualquer convite para correcção das
conclusões, como sistematicamente tem afirmado o Tribunal Constitucional.
Assim, o recurso é manifestamente infundado, o que dá origem ao indeferimento do
requerimento de interposição de recurso (art.º 76.º, n.º 2 da Lei n.º 28/82, de
15/11)».
7. É este despacho que é objecto da presente reclamação, pelas seguintes razões:
«O recorrente pretendia ver apreciada a constitucionalidade da norma do art° 216
nº1 do CPP, na interpretação que lhe foi dada na decisão recorrida.
Tal interpretação da norma, dada pelo Supremo Tribunal de Justiça viola os art°s
nº18, 28 nº4 e 32 nº1 e 8 do CRP, porquanto a mesma foi aí interpretada no
sentido de permitir que a suspensão do decurso dos prazos de duração máxima de
prisão preventiva a que alude o art° nº2 16 nº1 do CPP, pode ser decretada em
qualquer momento processual, anterior a eventual recurso para o Tribunal
Constitucional.
Deu o recorrente informação de qual era na sua óptica a melhor interpretação da
norma.
Respondeu o Exmo. Senhor Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça que não
recebia esta parte do recurso, porque” a questão de a suspensão do prazo de
prisão preventiva operar ou não “ope legis” não ter a ver com o principio da
proporcionalidade, consagrado no art° 18 nº2 da CRP, nem com o art° 27 ou 29 nº3
ambos da mesma lei fundamental.
Em primeiro lugar, o recorrente na formulação do seu requerimento de
interposição de recurso, em que visa saber se a interpretação do Tribunal “ a
quo” no que tange ao art° 216 nº1 do CPP é ou não inconstitucional, não referiu
que aquele a houvesse feito por entender que o prazo de prisão preventiva opera
“ope legis”
Aliás, e com o devido respeito, não se alcança donde resulta tal argumento.
Por outro lado, na decisão posta em crise, apenas se diz que os artigos da lei
fundamental invocados não tem a ver com o principio da proporcionalidade,
consagrado no art°s 18, nº2, 27 ou 29 nº3 da CRP
Ora, os artigos invocados como violados são os art°s 18, 28 nº4 e 32 nº1 e 8 da
Lei Fundamental.
(…)
No que refere à apreciação da norma do art° 412 nº3 do CPP, escreveu-se no
requerimento de interposição de recurso, que o Venerando Supremo Tribunal fez
interpretação da norma no sentido de não permitir o aperfeiçoamento das
conclusões do recurso por falta de indicação da rotação e número de voltas das
respectivas cassetes nas respectivas conclusões.
Deu-se também indicação de qual a melhor interpretação da norma em apreço.
Diz o Exmo Relator do processo no Supremo Tribunal de Justiça que o recorrente
não diz, que interpretação, aplicada pelo S.T.J, é ofensiva da Constituição,
apara além de que o STJ se limita a dizer que, no caso, não ocorria qualquer
nulidade por omissão de pronúncia.
Acrescenta que, tendo-se detectado que o não cumprimento do disposto no art° 412
nº3 e 4 do CPP ocorria tanto ao nível da motivação como das conclusões pelo que
não havia que formular qualquer convite para correcção das conclusões.
Em primeiro lugar, o que está em causa é a interpretação constitucional ou
inconstitucional feita pelo tribunal quanto ao art° 412 nº3 do CPP. E não a
questão da nulidade por omissão de pronúncia.
Por outro lado, diz-se na decisão posta em crise que o não cumprimento do
disposto no art° 412 nº2 e 3 do CPP, ocorria tanto ao nível da motivação como
das conclusões.
Ora, lê-se a fls. 34 da sentença do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que:
“O recorrente A., embora indicando certas provas e referenciando as cassetes,
sem no entanto fazer as especificações técnicas que a lei exige, com vista à sua
precisa localização”, isto na esteira do já anteriormente escrito pelo Tribunal
da Relação de Évora e expresso a fls. 36 da mesma peça processual, onde se lê, “
E, na própria motivação transcreve determinados excertos de depoimento,
remetendo de igual forma genericamente para as cassetes, sem especificar o
suporte técnico que os suportam, sem fazer a referência às concretas
especificações legalmente exigidas”
É por isto que se entende haver interpretação inconstitucional do art° 412 nº3
do CPP feita Supremo Tribunal de Justiça, pelo que deveria ter o recorrente ser
convidado aperfeiçoar o seu requerimento.
Também nesta parte deveria o recurso ser admitido.
Deverá assim o despacho posto em crise substituído por outro onde se admita o
recurso interposto, seguindo o mesmo os seus ulteriores termos».
8. Neste Tribunal os autos foram com vista ao Ministério Público, que se
pronunciou nos seguintes termos:
«O ora reclamante interpôs dois recursos de constitucionalidade, reportados – um
deles – ao acórdão final e tendo como objecto a alegada inconstitucionalidade da
norma constante do art. 412.º, n.º 3, do CPP; e o outro ao acórdão – proferido
na sequência de reclamação para a conferência do despacho do relator, incidente
sobre a questão da contagem do prazo de prisão preventiva, – que se pronunciou
sobre a interpretação da norma que constava do art. 216.º, n.º 1, do CPP:
A reclamação deduzida contra o despacho que rejeitou o primeiro daqueles
recursos de constitucionalidade é manifestamente improcedente – desde logo
porque, como resulta do acórdão recorrido, a fls. 4478, a “ratio decidendi” não
assentou na interpretação normativa cuja constitucionalidade vem questionada: na
verdade, o S.T.J. entendeu que o recorrente não respeitou as exigências formais
impostas por lei, quer na motivação, quer nas conclusões, bem como – e por
acréscimo – “as exigências substanciais implicadas por uma verdadeira impugnação
da matéria de facto, limitando-se a contrapor a sua consideração acerca da prova
produzida à convicção do Tribunal, sem indicar as provas que objectivamente
imporiam um decisão diversa da recorrida”.
A razão, fundamental e decisiva, da rejeição do recurso interposto quanto à
matéria de facto extravasa manifestamente o plano da mera omissão formal de
“indicação das voltas das respectivas “cassetes”, traduzindo o incumprimento de
ónus substanciais e essenciais, a cargo do impugnante, o que naturalmente – e em
absoluto – precludia a questão da formulação de um convite ao aperfeiçoamento.
Já nos parece todavia, que a reclamação deverá proceder quanto ao segundo
recurso, incidente sobre a decisão que se pronunciou sobre a contagem da prisão
preventiva, já que:
– a questão colocada pelo recorrente quanto à interpretação normativa do n.º 1
do art. 216.º do CPP, na versão anterior à actualmente em vigor, não poderá
considerar-se “manifestamente infundada”, em termos de a sua liminar, evidente e
ostensiva improcedência ditar a rejeição do recurso de fiscalização concreta,
nos termos da parte final do n.º 2 do art. 76.º da Lei n.º 28/82;
– o recorrente terá cumprido, em termos minimamente satisfatórios, os onús que
lhe cabiam, de suscitar, durante o processo e em termos processualmente
adequados, a questão de constitucionalidade que pretendia submeter a este
Tribunal Constitucional: fê-lo, nomeadamente, no âmbito da reclamação para a
conferência, a fls. 4556/4557, imputando a inconstitucionalidade à
“interpretação” da norma no sentido de permitir uma eficácia “tardia” – em fases
processuais posteriores àquela em que teve lugar a produção da prova pericial –
e “automática”, relativamente à “prorrogação” por três meses do prazo de duração
da prisão preventiva. Acresce que o Supremo, no acórdão recorrido, não deixou de
se pronunciar sobre tal questão de inconstitucionalidade, julgando-a
improcedente (fls 4578).
Deste modo, somos de parecer que a presente reclamação deverá ser julgada
parcialmente procedente, por se verificarem os pressupostos de admissibilidade
do recurso interposto quanto à norma do art. 216.º, n.º 1, a), do CPP»
9. Notificado deste parecer, o reclamante não apresentou qualquer resposta.
Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
O despacho que é objecto de reclamação não admitiu os recursos de
constitucionalidade interpostos ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da
LTC, por os mesmos serem manifestamente infundados (artigo 76º, nº 2, da LTC).
1. O recurso que se reporta ao artigo 216º, nº 1, do Código de Processo Penal
não foi admitido, “porque a questão de a suspensão do prazo da prisão preventiva
operar ou não «ope legis» não tem a ver com o princípio da proporcionalidade,
consagrado no art.º 18.º, n.º 2 da CRP, nem com o art.º 27.º ou 29.º, n.º 3,
ambos da mesma lei fundamental”.
1.1. A dimensão interpretativa do artigo 216º, nº 1, do Código de Processo Penal
cuja apreciação foi requerida a este Tribunal não se refere, de facto, tal como
sustenta o reclamante, à suspensão ope legis do prazo da prisão preventiva. Por
outro lado, em cumprimento do disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 75º-A
da LTC, o recorrente indicou os artigos 18º, 28º, nº 4, e 32º, nºs 1 e 8, da
Constituição da República Portuguesa e não os referidos no despacho que é
objecto da presente reclamação.
Apesar de, durante o processo, ter questionado a constitucionalidade do artigo
216º, nº1, daquele Código, interpretado no sentido de a suspensão do decurso do
prazo da medida de prisão preventiva operar ope legis, sem análise, mediante
despacho judicial fundamentado, dos respectivos pressupostos (cf. supra ponto 4.
do Relatório), o ora reclamante não requereu depois a apreciação desta norma. Em
cumprimento do disposto no nº 1, parte final, do artigo 70º da LTC, o então
recorrente indicou o artigo 216º, nº 1, quando interpretado no sentido de
permitir que a suspensão do decurso dos prazos de duração máxima da prisão
preventiva pode ser decretada em qualquer momento processual, anterior a
eventual recurso para o Tribunal Constitucional.
Sucede, porém, que não se pode dar como verificado um dos requisitos do recurso
interposto – a suscitação prévia e de forma adequada da questão de
constitucionalidade (artigos 70º, nº 1, alínea b), e 72º, nº 2, da LTC) –, o que
obsta ao conhecimento do respectivo objecto e, consequentemente, à confirmação
da decisão de não admissão do mesmo. No julgamento da reclamação de despacho que
indefira o requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade, o
Tribunal tem de averiguar se se encontram preenchidos todos os pressupostos do
conhecimento do recurso, uma vez que a decisão a proferir faz caso julgado
quanto à admissibilidade do recurso, segundo o disposto no artigo 77º, nº 4, da
LTC (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 480/2006, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt).
1.2. Durante o processo, na reclamação para a conferência do despacho de 27 de
Março de 2008, o reclamante não questionou, de forma adequada, a
constitucionalidade da norma cuja apreciação requereu (artigos 70º, nº 1, alínea
b), e 72º, nº 2, da LTC). Desde logo, porque não identificou a dimensão
interpretativa do artigo 216º, nº 1, do Código de Processo Penal cuja
constitucionalidade pretendia questionar, limitando-se a identificar a “melhor
interpretação do normativo do artigo 216 nº1 al a) do CPP”.
Da peça processual em questão extrai-se somente que, atendendo ao momento
processual em que foi proferido, o despacho objecto de reclamação tornou-se
inócuo e despiciendo por declarar algo que já tinha sido ultrapassado, fazendo,
consequentemente, interpretação inconstitucional do artigo 216º, nº 1, do Código
de Processo Penal. Ou seja, as passagens, que de seguida se transcrevem, não
identificam, de todo, a interpretação cuja constitucionalidade é questionada.
«Tal despacho ao ser proferido depois de ordenada a perícia e após a dedução da
acusação, acórdão de sentença em primeira instância, acórdão de sentença do
Tribunal da Relação de Évora, e acórdão de sentença do Supremo Tribunal de
justiça, toma-se inócuo e despiciendo por declarar algo que já foi ultrapassado
e consequentemente faz interpretação inconstitucional do art° 216 nº1 do CPP
(lei anterior), por violação do disposto no art° 13° nº1, 28 nº4, 29 nº3, 32 nº2
todos do CRP»;
«10° Tal despacho ao ser proferido muito para além da dedução da acusação,
torna-se inócuo e despiciendo por declarar algo que já foi ultrapassado e
consequentemente faz interpretação inconstitucional do art° 216 nº1 do CPP,
anterior à lei nº48/2007 por violação do disposto no art° 13 nº1, 28 nº4, 29 nº3
e 32 nº todos do CRP».
Como este Tribunal tem vindo a entender que, quando se suscita a
inconstitucionalidade de determinada interpretação de certa norma jurídica,
necessário é que se identifique essa interpretação em termos de o Tribunal, no
caso de a vir a julgar inconstitucional, a poder enunciar na decisão, de modo a
que os destinatários dela e os operadores do direito em geral fiquem a saber que
essa norma não pode ser aplicada com um tal sentido (Acórdão nº 106/99,
disponível em www.tribunalconstitucional.pt), há que concluir que não estão
reunidos todos os pressupostos do conhecimento do recurso.
2. O recurso que se reporta ao artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal
não foi admitido, porque “o recorrente não diz que interpretação, aplicada pelo
STJ, é ofensiva da Constituição, para além de que este STJ se limitou a dizer
que, no caso, não ocorria qualquer nulidade por omissão de pronúncia”; e porque,
“tendo-se detectado que o não cumprimento do disposto no art.º 412º, nºs 3 e 4
do CPP ocorria tanto ao nível da motivação como das conclusões, não havia que
formular qualquer convite para correcção das conclusões, como sistematicamente
tem afirmado o Tribunal Constitucional”.
Aceitando que o então recorrente identificou a dimensão interpretativa do artigo
412º, nº 3, do Código de Processo Penal cuja apreciação pretendia – o artigo
412º, nº 3, interpretado no sentido de não permitir o aperfeiçoamento das
conclusões do recurso por falta da indicação da rotação e número de volta das
respectivas cassetes –, o certo é que o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 13 de Março de 2008 não aplicou, como ratio decidendi, esta norma, o que
impede que se dê como verificado um dos requisitos do recurso interposto (artigo
70º, nº 1, alínea b), da LTC).
Da decisão recorrida decorre expressamente que o então recorrente, ora
reclamante, não respeitou as exigências formais impostas por lei [nº 3 do artigo
412º], quer na motivação quer nas conclusões do recurso interposto para o
Tribunal da Relação, o que foi determinante para este tribunal não conhecer
também de facto (cf. supra ponto 2. do Relatório). Como bem conclui o Ministério
Público, a razão, fundamental e decisiva, da rejeição do recurso interposto
quanto à matéria de facto extravasa manifestamente o plano da mera omissão
formal de “indicação das voltas das respectivas “cassetes”, traduzindo o
incumprimento de ónus substanciais e essenciais, a cargo do impugnante, o que
naturalmente – e em absoluto – precludia a questão da formulação de um convite
ao aperfeiçoamento.
Não estando reunidos todos os pressupostos do conhecimento do objecto do recurso
interposto, há que confirmar, por conseguinte, a decisão de não admissão do
mesmo (artigos 70º, nº 1, alínea b), e 74º, nº 4, da LTC).
3. Importa, ainda, concluir que, como os recursos foram interpostos ao abrigo da
alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, o recorrente tinha o ónus de indicar a
peça processual em que suscitou as questões de inconstitucionalidade cuja
apreciação pretendia (artigo 75º-A, nº 2, parte final, da LTC). Não tendo
satisfeito este requisito, quer no requerimento de interposição de recurso quer
na presente reclamação, acresce esta razão para confirmar a decisão de não
admissão dos recursos em causa (cf. artigos 76º, nº 2, 78º-A, nº 2, e 77º, nº 4,
da LTC).
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 11 de Agosto de 2008
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão