Imprimir acórdão
Processo n.º 748/08
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
A. e B. foram condenados por sentença proferida no 3.º Juízo Criminal do Funchal
(processo n.º 2255/04.2PBFUN), pela prática de um crime de ofensa à integridade
física simples, p.p. pelo artigo 143.º, do C.P., na pena de 100 dias de multa, à
taxa diária de 3 €, num total de 300 €, ou subsidiariamente, 66 dias de prisão,
tendo ainda sido condenados a pagar ao SRS a quantia de 51 €, acrescida de juros
desde a citação.
Os arguidos recorreram desta decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa que,
por acórdão proferido em 13-5-2008, rejeitou por intempestivo o recurso do
arguido A., nos termos dos artigos 414.º, n.º 2, e 420.º, n.º 1, 2ª parte, do
C.P.P., e julgou improcedente o recurso do arguido B..
Este acórdão foi notificado aos arguidos por carta expedida em 14-5-08.
Ambos os arguidos recorreram deste acórdão para o Tribunal Constitucional por
requerimento apresentado em 5-6-08, nos seguintes termos:
“1º…Na presente lide, e de acordo com a natureza do processo e com o douto
acórdão proferido, encontram-se já esgotados todos os recursos ordinários que a
lei permite.
2.º Acontece que, tal como os recorrentes suscitaram e peticionaram no seu
recurso, designadamente nos itens 10.º, 15.º, 16.º e 17.º das conclusões das
alegações respectivas, entendem estes que, no referido processo, ambos os
arguidos deram noticia de provas para a sua defesa, designadamente provas
testemunhais, que não foram consideradas nem produzidas em audiência de
julgamento, tudo redundando em grave violação do que se dispõe no artigo 340.º,
n.ºs 1.º e 2.º do C.P.Penal e no artigo 32.º, n.º 1º e 5º da CRP.
3.º Os arguidos, aqui recorrentes, haviam intentado contra o aqui ofendido C.,
no processo n.º 2256/04, com acusação que foi acompanhada pelo M.P., uma acção
penal, donde constava a Prova Testemunhal que ofereceram relativamente aos
factos aqui em julgamento, e atempadamente requereram nestes autos a anexação
dos dois processos para efeitos de julgamento conjunto, facto que não mereceu
sequer qualquer despacho, fosse em que sentido fosse.
4.º Todos estes factos constam deste processo, perfeitamente ao alcance do
Julgador
5.º Seria, obviamente, da análise da prova constante de ambos os processos que a
MELHOR JUSTIÇA poderia ser encontrada com vista à boa decisão da causa e que
poderia garantir os direitos de defesa dos arguidos, designadamente cumprindo,
da melhor forma, o Princípio do Contraditório.
6.º O douto acórdão recorrido, na esteira, aliás, do entendimento que resultou
da decisão proferida em 1.ª instância, veio claramente atribuir aos arguidos a
responsabilidade do facto de não terem sido ouvidas as testemunhas de defesa e
de o processo se reduzir, como ficou efectivamente reduzido, à simples Prova da
Acusação, toda ela, muito ténue, alias, conforme não deixa de sobressair do
próprio teor do acórdão recorrido.
7.º Entende-se que o artigo 340.º, n.ºs 1º e 2º do C.P.Penal não impõe aos
arguidos o ónus de demonstrar os factos que os favorecem, inexistindo, pois,
qualquer ónus de prova por parte deles, sendo tal preceito inconstitucional na
interpretação e aplicação que aparece como a defendida no acórdão recorrido, nos
termos da qual, ao Juiz não cabe, oficiosamente, o dever de indagar e
esclarecer todos os factos cujo conhecimento esteja ao seu alcance para a
descoberta da Verdade Material.
8.º Entende-se, assim, que essa interpretação do que se dispõe no artigo 340.º,
n.ºs 1º e 2º do C.P.Penal viola os princípios da Verdade Material e da
Investigação que o Tribunal tem o Poder/Dever de exercer, visando acautelar os
interesses processuais das partes, sendo esse exercício obrigatório, resultando
que, da sua ausência, como se disse, a aplicação de tais normas com tal
interpretação colide com o que se dispõe naqueles citados números 1º e 5º do
artigo 32.º da CRP, tudo como, aliás, veio defendido pelos recorrentes no seu
recurso e consta claramente, como já se disse, dos factos enunciados nos itens
10.º, 15,º, 16.º e 17.º das conclusões do mesmo.
9.º Por outro lado, o arguido A. viu rejeitado o seu recurso por o mesmo ter
sido considerado intempestivo, porquanto, em tal entendimento, foi apresentado
depois do prazo de 15 dias estipulado pela Lei, quando as cassetes de gravação,
em condições mínimas de sustentar o recurso e de cumprirem a sua finalidade, só
lhe foram entregues em 11 de Setembro de 2007.
10.º Como é fácil ver do processo, nenhuma culpa pode ser atribuída ao arguido
pelos erros e deficiências que as cassetes apresentavam quando, na primeira vez
que lhe foram entregues, porquanto, além de inaudíveis, algumas delas nem ao
processo diziam respeito, trocadas que haviam sido por outras.
11.º Ora, afigura-se-nos, sem necessidade de qualquer demonstração, que só a
partir da entrega das cassetes gravadas poderia o arguido estudar e reflectir
não só sobre a conveniência e a necessidade do recurso, como sobre a prova
produzida em audiência de julgamento, tudo, naturalmente, por forma a construir
a sua defesa e sustentação do mesmo, sendo por tais ponderosas razões que não
pode ser sustentável nem atendível que o prazo para fazer tudo isso pudesse
ter-se iniciado antes da verificação de tais requisitos e condições, obviamente
estabelecidas em beneficio da Justiça e em beneficio da defesa legitima do
arguido.
12.º Por outro lado, e como se extrai inequivocamente das conclusões que
sustentaram o recurso, este implicava necessariamente a reapreciação da prova
gravada, razão por que o prazo concedido aos recorrentes não pode deixar de
beneficiar do acréscimo de 10 dias, por aplicação subsidiária do disposto do
artigo 698.º, número 6 do CPC e actualmente previsto no artigo 411.º, n.º 4 do
C.P.Penal em vigor.
13.º Entende-se, pois, que a decisão de rejeição do recurso, com o fundamento
aqui sumariamente exposto, implica a desconformidade constitucional do disposto
no artigo 411.º, número 1 do CPP, tudo redundando na violação daquele já citado
artigo 32.º, número 1 e 5 da CRP.
14.º Por outro lado, e como resulta do já exposto, entende-se que o prazo do
recurso não era já o prazo de 15 dias estabelecido na anterior redacção do
artigo 411.º do CPP mas, isso, sim, o prazo de 20 dias que veio a entrar em
vigor na pendência do anterior prazo de recurso, tal como veio a ser
estabelecido pela Lei n.º 48/07, de 29 de Agosto e que teve início de vigência
em 15 de Setembro seguinte.
15.º Esse novo prazo, assim estabelecido, não pode ter deixado de aproveitar ao
recorrente A., sob pena de, também assim, ser violado o já citado preceito
constitucional.
16.º É nestes termos que se reputa de toda a utilidade prática o presente
recurso, tudo nos termos previstos nas disposições combinadas dos artigos. 70.º,
n.º 1, alínea b) e n.º 2 desse mesmo preceito e, ainda, o artigo 75.º-A, n.ºs 1º
e 2º, todos da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, fundamentos com que o mesmo
recurso é interposto, o qual deverá ser recebido e processado, como vem
prescrito no artigo 69.º da referida Lei, nos próprios autos e com efeito
suspensivo – artigo 78º, nºs 1.º, 3.º e 4.º daquele mesmo diploma legal.”
O Desembargador Relator proferiu despacho em que não admitiu o recurso
interposto pelos fundamentos seguintes:
“Os arguidos A. e B. vieram recorrer para o Tribunal Constitucional do acórdão
proferido em 13/5/08 por este Tribunal da Relação.
O respectivo requerimento de interposição de recurso foi enviado ao Tribunal,
por “fax”, no dia 5 de Junho de 2008.
Constata-se, porém, que os recorrentes foram notificados da decisão recorrida em
19/5/08.
Na verdade, foi enviada carta para notificação em 14/5/08, presumindo-se a
notificação no 3º útil posterior (17/5/08). Como o 3º dia é sábado, o primeiro
dia útil posterior é segunda-feira, dia 19/5/08. É a partir desta data que deve
ser contado o prazo de recurso. sendo este de 10 dias, terminaria o prazo em
29/5/08. Tendo em consideração que o recurso poderia ainda ser interposto num
dos três dias úteis imediatos, ainda que com multa, conclui-se que o terceiro
dia útil após o termo do prazo seria 3/6/08.
Porque o recurso foi interposto apenas no dia 5/6/08, é o mesmo extemporâneo.
Nessa conformidade, não admito o recurso para o TC.”
Os recorrentes reclamaram deste despacho, alegando o seguinte:
1 – Nos termos do douto despacho, ora reclamado, o prazo de 10 dias para a
interposição do recurso teria terminado em 29.05.2008, porquanto o recorrente
deveria julgar-se notificado da decisão recorrida em 19.05.2008.
2 – Ora, com todo o muito e muito devido respeito, afigura-se-nos que tal
decisão não pode ser sustentada, porquanto o prazo para o recurso inicia-se e
conta-se apenas “... do momento em que se torna definitiva a decisão que não
admita o recurso”, conforme se extrai do art. 75º, nº 2 da lei 28/82, de 15 de
Novembro, com a redacção que lhe foi dada pelas leis nºs 85/89, de 7 de
Setembro, e 13-A/98, de 26 de Fevereiro.
3 – Sendo assim, sustenta-se que a decisão recorrida apenas se torna definitiva
na data em que, dela não sendo possível recorrer, como é o caso, se extingue o
prazo para o exercício do direito de reclamação da mesma e, por isso, apenas
depois de decorrido o prazo de 10 dias que, para tal reclamação, está legalmente
estipulado nos arts. 4º e 105º, nº 1 do C.P.P. e, por aplicação analógica, nos
arts. 153º, 668º, 669º e 677º do C.P.C.
4 – É nos termos expostos que se considera que o prazo para interpor recurso
para o Tribunal Constitucional é de 10 dias, contados da data do termo do prazo
estabelecido para o exercício do direito de reclamação da sentença recorrida,
quando, como é o caso, ela não é susceptível de recurso.
5 – Sendo assim, bem ao contrário do que se estabeleceu e decidiu no douto
despacho reclamado, o prazo para a interposição do recurso para o Tribunal
Constitucional iniciou-se, apenas, em 29 de Maio de 2008, exactamente 10 dias
depois do termo do prazo para o exercício do direito de reclamação
(rectificação, aclaração ou reforma) da douta decisão recorrida.
6 – Face ao exposto, o prazo de 10 dias para interposição de recurso para o
Venerando Tribunal Constitucional alongou-se, pelo menos, até ao dia 7 de Junho
de 2008.
7 – Ora, tendo sido interposto em 5 de Junho de 2008, o recurso foi
tempestivamente apresentado.”
O Ministério Público pronunciou-se do seguinte modo:
“A presente reclamação é manifestamente improcedente.
Na verdade – e mesmo admitindo que o recurso de fiscalização concreta seja
tempestivo, for interposto nos 10 dias subsequentes ao trânsito em julgado do
acórdão proferido pela Relação – não se verificam os pressupostos de
admissibilidade: só podendo tal recurso fundar-se na alínea b) do nº 1 do art.
70º da Lei nº 28/82, cabia aos recorrentes o ónus de suscitar, durante o
processo, a questão de constitucionalidade normativa que pretendiam submeter a
este Tribunal. Tal suscitação não se mostra feita, já que o teor das
“conclusões”, referenciadas pelo recorrente, não cumpre manifestamente tal
exigência, no que respeita à norma do art. 340º do CPP; por outro lado – e no
que se refere à questão da tempestividade do recurso para a Relação – importa
notar que a mesma foi colocada no “visto” do Mº Pº, reproduzido a fls. 10/13,
não tendo o recorrente aproveitado a oportunidade processual que lhe foi
facultada, em cumprimento do nº 2 do art. 417º, para questionar a
constitucionalidade da interpretação do art. 411º do CPP que lhe estava
subjacente.
Notificados deste parecer os arguidos vieram alegar o seguinte:
“- O douto parecer do muito ilustre Representante do Ministério Público não
surpreende os recorrentes, porquanto se tem tornado visíveis as dificuldades
suscitadas ao presente recurso, sempre, manifestamente, sustentadas na mera
formalidade, que não na substância, que aqui terá de interessar e sobrelevar
aquela.
- É indiscutível que todo este julgamento, em que os recorrentes foram
condenados, enfermou de falências na produção da prova, que deveria ter
conduzido a outra justiça na decisão, mas, sobretudo, à garantia de igualdade de
oportunidades para a defesa, na prova a produzir e a considerar no apuramento
dos factos e da verdade.
- No recurso interposto para o Venerando Tribunal da Relação, essa questão é
amplamente suscitada, defendendo-se que competia ao Meritíssimo Juiz, mesmo
oficiosamente, fazer apelo a toda a prova da verdade que estivesse ao seu
alcance e que se revelasse indicada nos autos.
- Não o fazendo, sustenta-se, como se sustentou no recurso interposto, que os
recorrentes acabaram por ser prejudicados nos seus direitos de defesa, que têm
as garantias constitucionais previstas no art. 32.º, nºs 2 e 5 da C. R. P.,
- sendo, por via desses preceitos, inconstitucional o art. 340.º, n.º 1 e 2 do
Cód. Proc. Penal, na medida em que o mesmo foi aplicado com interpretação
diversa e a contrariar o disposto naquele preceito constitucional.
- E, com o devido respeito, a violação desse preceito constitucional foi
claramente suscitada nas alegações de recurso aqui em causa, (claramente o
principal fundamento do mesmo), sendo evidente o lapso constante do item 26.º
das alegações finais de tal recurso, onde se remete para o art. 5.º da C.R.P.,
quando, claramente, o que se pretendia era a indicação do art. 32.º, nºs 2 e 5
da mesma C.R.P.
Nestes termos, e não obstante o maior respeito pelo douto parecer do M.P.,
mantém-se o recurso interposto e acredita-se na sua procedência, porquanto é da
melhor JUSTIÇA.”
*
Fundamentação
O prazo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional no âmbito da
fiscalização concreta é de 10 dias (artigo 75.º, n.º 1, da LTC).
Os recursos interpostos ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo
70.º, da LTC – como ocorreu no presente caso – apenas cabem das decisões que não
admitem recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido
esgotados todos os que no caso cabiam (artigo 70.º, n.º 2, da LTC). Entende-se
que se acham esgotados todos os recursos ordinários, nos termos do n.º 2, quando
tenha havido renúncia, haja decorrido o respectivo prazo sem a sua interposição
ou os recursos interpostos não possam ter seguimento por razões de ordem
processual (artigo 70.º, n.º 3,da LTC).
A decisão impugnada no recurso interposto para o Tribunal Constitucional pelos
reclamantes foi um acórdão do Tribunal da Relação que confirmou sentença da 1ª
instância que havia aplicado pena não privativa de liberdade.
Esta decisão não admitia recurso ordinário (artigo 400.º, n.º 1, e), do C.P.P.),
pelo que podia ser objecto de recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos
da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC.
Nestes casos, o prazo para interposição de recurso inicia-se com a notificação
da decisão recorrida (artigo 685.º, do C.P.C., aplicável ex vi do artigo 69.º,
da L.T.C.).
Só se os reclamantes tivessem interposto recurso ordinário e o mesmo não fosse
admitido, com fundamento em irrecorribilidade da decisão, é que o prazo para
recorrer para o Tribunal Constitucional se contava desde o momento em que se
tornasse definitiva a decisão que não admitisse o recurso (artigo 75.º, n.º 2,
da LTC). Contempla-se aqui a hipótese do recorrente estar convencido da
recorribilidade da decisão, permitindo-se-lhe que recorra ainda para o Tribunal
Constitucional após ter sido judicialmente declarada a impossibilidade de
existir recurso ordinário.
Ora, não tendo os Reclamantes interposto recurso ordinário do acórdão do
Tribunal da Relação, o prazo para interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional é de 10 dias após a notificação que lhes foi feita da decisão
recorrida.
Tendo essa notificação ocorrido em 19-5-08 e tendo os reclamantes apresentado
requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional apenas em 5-6-08,
revela-se acertada a decisão reclamada que não admitiu o recurso interposto por
se revelar que o mesmo foi extemporâneo.
Perante esta conclusão está prejudicada a apreciação do requisito eventualmente
não cumprido pelos reclamantes da suscitação adequada perante o tribunal
recorrido da questão de constitucionalidade colocada no requerimento de
interposição de recurso.
Pelas razões acima referidas deve ser indeferida a reclamação apresentada.
*
Decisão
Pelo exposto indefere-se a reclamação apresentada por A. e B. do despacho que
não admitiu o recurso por eles interposto para o Tribunal Constitucional.
*
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta,
ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º
303/98, de 7 de Outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa, 28 de Outubro de 2008
João Cura Mariano
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos