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Processo n.º 562/08
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. A., SA, apresentou reclamação para a conferência, ao
abrigo do n.º 3 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização, Funcionamento e
Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro
(LTC), contra a decisão sumária do relator, de 14 de Julho de 2008, que
decidiu, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 desse preceito, não conhecer
do objecto do recurso.
1.1. A referida decisão sumária tem a seguinte
fundamentação:
“1. A., SA, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao
abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da [LTC], contra o acórdão do
Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 17 de Abril de 2008, que negou provimento
ao recurso de revista por ela interposto do acórdão do Tribunal da Relação de
Coimbra, que, concedendo provimento ao recurso de apelação deduzido por B.,
SA, anulou, nos termos dos artigos 13.º, 19.º, n.ºs 1 e 4, e 27.º, n.º 1,
alínea b), da Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto (Lei de Arbitragem Voluntária –
LAV) [a decisão do Tribunal Arbitral]. De acordo com o respectivo requerimento
de interposição de recurso, a recorrente pretende ver apreciada a
inconstitucionalidade, por violação do artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, da Constituição
da República Portuguesa (CRP), da «norma resultante da interpretação conjugada
do disposto nos n.ºs 2 e 4 do artigo 19.º e da alínea c) do artigo 13.º da Lei
da Arbitragem Voluntária (Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto), no sentido de que,
estando o Tribunal impossibilitado de decidir no prazo do artigo 19.º da LAV
por motivo de escusa do árbitro presidente e sendo nomeado um árbitro
substituto, não é aplicável, nem, por analogia, o regime de suspensão por
impedimento do mandatário (artigo 287.º do CPC), nem o regime de suspensão por
determinação dos árbitros (artigo 279.º, n.º 1, do CPC), por se tratar de um
prazo de caducidade que apenas se suspende nos casos em que a lei o determine e
não se considerar para tais efeitos as normas legais atrás referidas, nem
tão‑pouco é aplicável o regime da suspensão da caducidade convencional porque a
prorrogação, por acordo, daquele prazo de decisão (artigo 19.º, n.º 4, da LAV)
exclui a hipótese de se suscitarem dúvidas quanto à vontade das partes, no que
toca à possibilidade de suspensão», questão de inconstitucionalidade esta que
teria sido suscitada, perante o STJ, nas alegações de revista da recorrente,
mais concretamente na respectiva conclusão IX e fundamentada nos pontos 69 a
101 dessa alegação.
O recurso foi admitido pelo Conselheiro Relator do STJ, decisão que,
como é sabido, não vincula o Tribunal Constitucional (artigo 76.º, n.º 3, da
LTC) e, de facto, entende‑se que o recurso em causa é inadmissível, o que
possibilita a prolação de decisão sumária de não conhecimento, ao abrigo do
disposto no n.º 1 do artigo 78.º‑A da LTC.
2. No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a
competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se ao controlo da
inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade
constitucional imputada a normas jurídicas (ou a interpretações normativas,
hipótese em que o recorrente deve indicar, com clareza e precisão, qual o
sentido da interpretação que reputa inconstitucional), e já não das questões de
inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões judiciais, em si
mesmas consideradas.
Por outro lado, tratando‑se de recursos interpostos ao abrigo [da
alínea b)] do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – como ocorre no presente caso –, a
sua admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a
questão de inconstitucionalidade […] haver sido suscitada «durante o
processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu
a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2
do artigo 72.º da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua
ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais […]
pelo recorrente.
Acresce que, quando o recorrente questiona a conformidade
constitucional de uma interpretação normativa, deve identificar essa
interpretação com o mínimo de precisão, não sendo idóneo, para esse efeito, o
uso de fórmulas como «na interpretação dada pela decisão recorrida» ou
similares. Com efeito, constitui orientação pacífica deste Tribunal a de que
(utilizando a formulação do Acórdão n.º 367/94) «ao suscitar‑se a questão de
inconstitucionalidade, pode questionar‑se todo um preceito legal, apenas parte
dele ou tão‑só uma interpretação que do mesmo se faça. (...) [E]sse sentido
(essa dimensão normativa) do preceito há‑de ser enunciado de forma que, no caso
de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua
decisão em termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os
operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido
com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, deste modo, violar a
Constituição.»
3. Nos n.ºs 69 a 101 e na conclusão IX da alegação do recurso de
revista da ora recorrente, locais onde, segundo ela, teria sido suscitada a
questão de inconstitucionalidade que pretende ver apreciada, consta o seguinte:
«69 – Na verdade, a interpretação dos artigos 4.°, n.º 1, alínea c),
13.° e 19.°, n.ºs 2 e 4, da LAV levada a cabo pelo acórdão recorrido é, a nosso
ver, inconstitucional.
70 – Efectivamente, a negação de efeito suspensivo do prazo de
decisão do Tribunal Arbitral (artigo 19.° da LAV) no caso de suspensão da
instância decorrente da impossibilidade definitiva e superveniente do árbitro
presidente substituído nos termos do artigo 13.º da LAV é, sem margem para
dúvidas, inconstitucional; senão vejamos:
71 – A convenção de arbitragem é o acordo mediante o qual as partes
confiam a decisão de litígios actuais ou futuros, emergentes de uma
determinada relação jurídica, a um Tribunal Arbitral.
72 – O principal efeito positivo da convenção de arbitragem
consiste em conferir competência ao Tribunal Arbitral para decidir sobre tais
pleitos, conferindo‑lhe a mesma força de uma decisão judicial.
73 – O principal efeito negativo consiste em subtrair aos Tribunais
Judiciais a competência para decidir sobre esses mesmos pleitos abrangidos pela
convenção de arbitragem.
74 – A LAV, no seu artigo 19.°, introduziu o prazo para a decisão
do Tribunal Arbitral por forma a garantir às partes que tal processo, que é
voluntário, não inviabilizaria a apreciação conclusiva dos seus direitos.
75 – Tal permite também, dependendo do prazo acordado, garantir a
celeridade da arbitragem voluntária, mas essencialmente a lei visou garantir
que os árbitros não protelariam indefinidamente os processos sem chegar a
proferir decisão.
76 – O interesse subjacente ao prazo da decisão do artigo 19.° é
assim um interesse particular das partes envolvidas: o de verem o seu litígio
decidido.
77 – Para garantir esse mesmo fim o mesmo artigo 19.°, no n.º 5,
estipula que os árbitros são responsáveis pelos danos que a falta de decisão
dentro do prazo fixado cause às partes.
78 – Ocorrendo impossibilidade superveniente e definitiva de um
árbitro, mormente do árbitro presidente, não podendo o processo prosseguir, o
prazo de decisão tem necessariamente de considerar‑se suspenso pelo período
necessário à referida substituição, desde que sejam iniciadas as diligências
necessárias para a sua nomeação em conformidade com o disposto no artigo 11.º,
ex vi artigo 13.°, da LAV.
79 – Pois não se trata de mera dificuldade em proferir a decisão no
prazo supletivamente fixado por lei e prorrogado pelas partes, mas sim de
impossibilidade dos árbitros.
80 – A suspensão da instância arbitral e portanto do prazo de
decisão é a única forma de salvaguardar os interesses de todas as partes
envolvidas, isto é, as partes que se comprometeram a aceitar a decisão do
tribunal arbitral e os árbitros que se comprometeram a proferir uma decisão
sobre o pleito no prazo fixado.
81 – Mas, sobretudo, a suspensão da instância arbitral e portanto do
prazo de decisão é a única forma de salvaguardar o princípio do acesso ao
direito e aos tribunais e o direito das partes à decisão.
82 – A defesa da interpretação oposta – que o prazo de decisão não
se suspende no caso de substituição do árbitro presidente impossibilitado –
não serve qualquer fim ou interesse, seja ele público ou privado.
83 – E o resultado alcançado por esta interpretação (levada a cabo
pelo acórdão recorrido) é apenas um: a denegação de justiça.
84 – No caso em apreço, tal interpretação é totalmente inadmissível
e inaceitável, porque gritantemente injusta.
Senão, vejamos:
85 – Conforme sumariamente ficou relatado supra na descrição dos
factos processuais relativos ao presente litígio (…), a autora recorrente, que
reclama um crédito sobre a ré recorrida, em 4 de Dezembro de 1996 deu início ao
processo de arbitragem (artigo 11.º da Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto), dando
cumprimento à obrigação assumida na convenção arbitral.
86 – A ré recorrida incumpriu sucessivamente a convenção de
arbitragem – não pretendendo a conciliação, não aceitando o objecto do litígio,
não aceitando sequer a validade da convenção de arbitragem ou mesmo o contrato
de subempreitada em que ele se encontrava inserido – forçando a autora
recorrente a sucessivamente recorrer aos meios judiciais ao seu alcance para,
(só) em 30 de Junho de 2004, finalmente, lograr concluir a constituição do
Tribunal Arbitral.
87 – Uma vez que não existem prazos de caducidade seja para a
constituição do Tribunal Arbitral, seja para a determinação do objecto do
litígio, para o cumprimento pelas partes da convenção de arbitragem, seja ainda
para a vigência global da convenção de arbitragem, durante aproximadamente 8
anos a autora recorrente viu‑se impossibilitada de obter uma decisão, arbitral
ou judicial, sobre a sua pretensão.
88 – Com os inerentes prejuízos que tal delonga causou à autora
recorrente mas que esta suportou continuando a cumprir a convenção de
arbitragem com vista ao fim do litígio.
89 – Uma vez concluído o julgamento pelo Tribunal Arbitral e
apresentadas as alegações das partes, quando faltavam apenas 33 dias para o
termo da prorrogação do prazo para proferir a decisão, o árbitro presidente
pediu escusa por motivo de impossibilidade física permanente, nos termos do
artigo 9.°, n.º 1, da LAV.
90 – Foi ainda o árbitro presidente que, ciente dos prejuízos que
involuntariamente iria causar às partes – nomeadamente à autora recorrente que
desde 1996 reclama um crédito – diligenciou junto de partes e árbitros adjuntos
pela nomeação por acordo do Ex.mo Sr. Conselheiro Dr. C. para árbitro presidente
substituto, o que veio a acontecer por via da indigitação deste em 13 de Maio
de 2005.
91 – Apesar de a nomeação ter sido consensual e por isso não ser
necessário, como anteriormente, recorrer aos mecanismos do artigo 12.º da LAV,
o árbitro indigitado, para aceitar responsabilizar‑se pela decisão que viesse a
ser proferida pelo Tribunal Arbitral, necessitou obviamente de analisar o
processo, que é complexo e muito extenso.
92 – Ora, o prazo necessário à substituição do árbitro presidente em
funções não pode, por obediência a um pretenso princípio de legalidade estrita
– de resto, sem sentido num processo de arbitragem voluntária – desconsiderar
todos os demais princípios enformadores do nosso sistema jurídico.
93 – As partes têm direito a obter uma decisão sobre o seu litígio,
e tal direito vem expressamente consagrado na Constituição da República
Portuguesa, no seu artigo 20.º, n.º 4: ‘Todos têm direito a que uma causa em
que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo
equitativo’.
94 – É esse justamente o direito que subjaz ao artigo 19.° da LAV, e
justamente por isso os árbitros têm a obrigação de proferirem uma decisão no
prazo fixado, sob pena de responderem pelos danos que tal omissão cause às
partes.
95 – Porém, no caso de impossibilidade de o Tribunal Arbitral
decidir, estando expressamente prevista a substituição dos árbitros
impossibilitados (artigo 13.° da LAV) por forma a salvaguardar o interesse das
partes na obtenção de uma decisão sobre o litígio em conformidade com a sua
convenção de arbitragem, é essencial interpretar o mecanismo da substituição por
forma a torná‑lo exequível, sob pena de negar o próprio direito que lhe subjaz:
o direito à decisão.
96 – Na substituição de árbitros o novo árbitro assume a
responsabilidade por proferir uma decisão (artigo 19.°, n.º 5, da LAV) e
também pela decisão que irá proferir.
97 – Ora, se não forem concedidas as condições necessárias à
substituição, tal responsabilidade não será assumida, inviabilizando a
substituição e, consequentemente, ‘violando’ o direito das partes à decisão,
sem sequer existirem responsáveis pelos danos que tal cause às partes.
98 – O direito à decisão é assim negado às partes por esta via, sem
qualquer justificação, obrigando‑as a iniciar um novo processo nos Tribunais
Judiciais para dirimir o respectivo litígio.
99 – No caso em apreço, tendo decorrido 10 anos com a instância
arbitral, resta agora ter tempo e capacidade, financeira e moral, para suportar
um litígio desta envergadura por mais uns largos anos nos nossos Tribunais
Judiciais cuja disponibilidade é cada vez menor e cujas custas são cada vez
maiores.
100 – Isto porque o processo arbitral, apesar de suspenso,
alegadamente não suspende o prazo de decisão do artigo 19.° da LAV pelo prazo
necessário à substituição do árbitro presidente em conformidade com o disposto
no artigo 13.° da mesma LAV.
101 – Tal interpretação do disposto nos artigos 4.°, n.º 1, alínea
c), 13.º e 19.º da LAV, no caso concreto, consubstancia por isso uma clara
denegação de justiça, pelo que viola o disposto no artigo 20.°, n.ºs 1 e 4, da
Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que expressamente se
argúi.
(…)
Conclusões:
(…)
IX. A interpretação levada a cabo pelo acórdão recorrido dos
artigos 4.°, n.º 1, alínea c), 13.° e 19.°, n.ºs 2 e 4, da LAV, no caso
concreto, consubstancia uma clara denegação de justiça e violação do direito à
decisão, pelo que viola o disposto no artigo 20.°, n.ºs 1 e 4, da Constituição
da República Portuguesa, inconstitucionalidade que expressamente se argúi.»
Da precedente transcrição resulta inequivocamente a
inadmissibilidade do presente recurso por uma dupla ordem de razões. Desde logo
porque os termos em que a recorrente coloca a questão não permitem
qualificá‑la como uma questão de inconstitucionalidade normativa, única que
seria idónea para integrar o objecto de um recurso de constitucionalidade; na
verdade, o que, em rigor, a recorrente questiona é a concreta decisão judicial
das instâncias que, perante as especificidades irrepetíveis do caso concreto,
não teriam efectuado correctamente a tarefa da sua subsunção ao quadro normativo
aplicável. Ora, a inconstitucionalidade do concreto juízo subsuntivo feito
pelas instâncias não integra uma questão de inconstitucionalidade normativa
susceptível de ser conhecida pelo Tribunal Constitucional. Depois, porque, mesmo
que fosse possível vislumbrar carácter normativo na questão colocada pela
recorrente, o certo é que ela, perante o tribunal recorrido, não suscitou a
questão de inconstitucionalidade nos termos em que agora a identificou no
requerimento de interposição de recurso, nenhum alusão constando nas passagens
por si assinaladas da alegação do recurso de revista à pretensa
inconstitucionalidade que derivaria da não aplicação analógica do regime de
suspensão por impedimento do mandatário (artigo 287.º do CPC) ou do regime de
suspensão por determinação dos árbitros (artigo 279.º, n.º 1, do CPC). Isto é:
não existe coincidência entre o «critério normativo» identificado no
requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade e o «critério»
arguido de inconstitucional na alegação da revista, nem, logicamente, o
«critério» que teria sido aplicado no acórdão recorrido.
Por estas razões, o presente recurso surge como inadmissível, o que
determina o não conhecimento do seu objecto.”
1.2. A reclamação da recorrente desenvolve a seguinte
argumentação:
“1 – A Decisão Sumária antecedente não conheceu do objecto do
recurso por inadmissibilidade do recurso interposto pela recorrente com, em
síntese, os seguintes fundamentos:
a) «A inconstitucionalidade do concreto juízo subsuntivo feito pelas
instâncias não integra um questão de inconstitucionalidade normativa
susceptível de ser conhecida pelo Tribunal Constitucional»;
b) «A recorrente não suscitou a questão de inconstitucionalidade nos
termos em que agora a identificou no requerimento de interposição de recurso,
nenhuma alusão constando nas passagens por si assinaladas da alegação do recurso
de revista à pretensa inconstitucionalidade que derivaria da não aplicação
analógica do regime de suspensão por impedimento do mandatário (artigo 287.º do
CPC) ou do regime de suspensão por determinação dos árbitros (artigo 279.º, n.º
1, do CPC)».
2 – Salvo o devido respeito, a reclamante não concorda com a decisão
proferida.
3 – Desde logo não concorda porque o recurso interposto pelo
recorrente visa a apreciação da constitucionalidade da «interpretação dos
artigos 4.º, n.º 1 alínea c), 13.º e 19.º, n.ºs 2 e 4, da LAV» (cf. ponto 69 das
alegações de revista), e não o concreto juízo subsuntivo levado a cabo pelas
instâncias.
4 – Efectivamente o que está em causa e o que a recorrente pretendia
ver apreciado não era o facto do Supremo Tribunal de Justiça e as demais
instâncias considerarem excessiva a suspensão durante 5 meses do prazo de
decisão pelo Tribunal Arbitral para substituição do Árbitro Presidente
impossibilitado num processo que já leva 10 anos de litígio arbitral, pois tal
questão já foi definitivamente julgada por aquela instância.
5 – Nesta instância, na ausência de normas expressas na lei da
arbitragem voluntária sobre a suspensão da instância para efeitos de
substituição do árbitro impedido, a recorrente pretendia efectivamente que o
Tribunal Constitucional se pronunciasse sobre a constitucionalidade da
interpretação do disposto nos n.ºs 2 e 4 do artigo 19.º e na alínea c) do
artigo 13.º da Lei da Arbitragem Voluntária (Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto),
no sentido de que, estando o Tribunal impossibilitado de decidir no prazo do
artigo 19.º da LAV por motivo de escusa do árbitro presidente e sendo nomeado um
árbitro substituto, não é aplicável, nem, por analogia, o regime de suspensão
por impedimento do mandatário (artigo 278.º do CPC), nem o regime de suspensão
por determinação dos árbitros (artigo 279.º, n.º 1, do CPC), por se tratar de um
prazo de caducidade que apenas se suspende nos casos em que a lei o determine
e não se considerar para tais efeitos as normas legais atrás referidas, nem
tão‑pouco é aplicável o regime da suspensão da caducidade convencional porque
a prorrogação, por acordo, daquele prazo de decisão (artigo 19.º, n.º 4, da
LAV) exclui a hipótese de se suscitarem dúvidas quanto à vontade das partes, no
que toca à possibilidade de suspensão.
6 – Ora a concreta subsunção feita pelas instâncias no processo
deixou de estar em causa para dar lugar a uma questão mais profunda e de maior
alcance: a da inconstitucionalidade da interpretação normativa subjacente às
precedentes decisões daquelas instâncias.
7 – Em suma, trata‑se de saber se efectivamente a interpretação das
instâncias segundo a qual o prazo de decisão do tribunal arbitral em caso de
escusa de árbitro seguida de substituição não admite suspensão, viola ou não a
nossa Constituição, nomeadamente o artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, da CRP.
8 – Estando, pois, em causa uma determinada interpretação normativa
e não o concreto juízo de subsunção levado a cabo pelas instâncias no caso dos
autos, salvo o devido respeito, carece de fundamento a Decisão Sumária, ao
considerar o presente recurso inadmissível nos termos e para os efeitos no
disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro
(na versão actualmente em vigor).
9 – A Decisão Sumária considerou o recurso inadmissível, em segundo
lugar, porque, no seu entendimento, apesar da questão da constitucionalidade ter
sido invocada perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, a
«interpretação normativa» identificada no requerimento de recurso, no seu
entender, não coincide com a «interpretação normativa» constante da alegação de
recurso.
10 – Efectivamente, a recorrente invocou, fundamentou e concluiu a
questão da constitucionalidade em sede de alegações de revista, ou seja «durante
o processo», cumprindo assim o requisito de admissibilidade dos recursos
consagrado no artigo 72.º, n.º 2, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro.
11 – No entanto, não o fez com os mesmos termos que o veio a fazer
agora em sede de recurso para o Tribunal Constitucional.
12 – A questão da constitucionalidade foi expressamente invocada
perante o Supremo Tribunal de Justiça no seguimento da arguição de diversas
interpretações normativas em prol da suspensão do prazo de decisão do tribunal
arbitral previsto pelo artigo 19.º da LAV.
13 – Ora, foi nesse contexto que a recorrente arguiu a
inconstitucionalidade da decisão das instâncias que aplicou uma interpretação
normativa que excluía a suspensão do prazo de decisão do tribunal arbitral em
caso de escusa e substituição de árbitro.
14 – Em sede de recurso para este Venerando Tribunal Constitucional,
a recorrente fez um esforço acrescido para de forma concisa mas abrangente
reproduzir as «interpretações normativas» da suspensão do prazo de decisão do
tribunal arbitral que as instâncias não aplicaram, sendo justamente essa recusa
das instâncias que a recorrente qualifica ou interpreta como sendo
inconstitucional.
15 – Não é, pois, rigoroso afirmar que não existe coincidência entre
o critério normativo invocado nas alegações de revista e o constante do recurso
para o Tribunal Constitucional.
16 – O que houve foi uma formulação mais concisa e rigorosa da
interpretação normativa reputada de inconstitucional em sede de recurso para o
Tribunal Constitucional.
Nestes termos,
Deve ser dado provimento à presente reclamação e a final ser
revogada a Decisão Sumária ora reclamada e ordenado o prosseguimento do recurso
interposto para apreciação da constitucionalidade da interpretação do disposto
nos n.ºs 2 e 4 do artigo 19.º e da alínea c) do artigo 13.º da Lei da Arbitragem
Voluntária (Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto), no sentido de que, estando o
Tribunal impossibilitado de decidir no prazo do artigo 19.º da LAV por motivo
de escusa do árbitro e sendo nomeado um árbitro substituto, não é aplicável,
nem, por analogia, o regime de suspensão por impedimento do mandatário (artigo
278.º do CPC), nem o regime de suspensão por determinação dos árbitros (artigo
279.º, n.º 1, do CPC), por se tratar de um prazo de caducidade que apenas se
suspende nos casos em que a lei o determine e não se considerar para tais
efeitos as normas legais atrás referidas, nem tão‑pouco é aplicável o regime da
suspensão da caducidade convencional porque a prorrogação, por acordo, daquele
prazo de decisão (artigo 19.º, n.º 4, da LAV) exclui a hipótese de se suscitarem
dúvidas quanto à vontade das partes, no que toca à possibilidade de suspensão.”
1.3. A recorrida B., SA, não apresentou resposta.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. O objecto da reclamação de decisão sumária de não
conhecimento do recurso cinge‑se à apreciação da correcção das razões pelas
quais na decisão reclamada se entendeu não se verificarem os pressupostos do
conhecimento do recurso de constitucionalidade. No presente caso, essas razões
consistiram: (i) por um lado, no entendimento de que os termos em que a
recorrente definiu a questão ao longo do processo não permitem qualificá‑la
como uma questão de inconstitucionalidade normativa (única que seria idónea para
integrar o objecto de um recurso de constitucionalidade), uma vez que a
recorrente questiona directamente a concreta decisão judicial das instâncias
que, perante as especificidades irrepetíveis do caso concreto, não teriam
efectuado correctamente a tarefa da sua subsunção ao quadro normativo
aplicável; (ii) por outro lado, na constatação de que, mesmo que fosse possível
vislumbrar carácter normativo na questão colocada pela recorrente, o certo é
que ela, perante o tribunal recorrido, não suscitou a questão de
inconstitucionalidade nos termos em que agora a identificou no requerimento de
interposição de recurso, nenhuma alusão constando nas passagens por si
assinaladas da alegação do recurso de revista à pretensa inconstitucionalidade
que derivaria da não aplicação analógica do regime de suspensão por impedimento
do mandatário (artigo 287.º do CPC) ou do regime de suspensão por
determinação dos árbitros (artigo 279.º, n.º 1, do CPC), o que determina que
não haja coincidência entre o “critério normativo” identificado no
requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade e o “critério”
arguido de inconstitucional na alegação da revista.
Entende‑se que nenhum destes fundamentos foi abalado
pela reclamação da recorrente.
Nas passagens, atrás transcritas, da sua alegação de
revista, a recorrente imputa a violação da Constituição directamente ao modo
como a decisão judicial então impugnada (o acórdão do Tribunal da Relação de
Coimbra) fizera aplicação das normas dos artigos 4.º, n.º 1, alínea c), 13.º e
19.º da LAV ao caso concreto, atentas as especificidades deste, designadamente
as demoras havidas na constituição do tribunal arbitral e as vicissitudes
ocorridas com a substituição do árbitro presidente e o tempo consumido pelo
indigitado substituto em aceitar a indigitação. Por isso, não logrou a
recorrente enunciar, nessa peça processual, uma formulação, dotada das
necessárias generalidade e abstracção, do critério normativo tido por
inconstitucional, que habilitasse o Tribunal Constitucional, caso o presente
recurso fosse admissível e obtivesse provimento, a emitir uma decisão “em termos
de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os operadores do direito
ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em
causa não deve ser aplicado, por, deste modo, violar a Constituição”.
Por outro lado, a própria reclamante reconhece, na
presente reclamação (cf. n.ºs 10 e 11), que não suscitou a questão de
inconstitucionalidade em sede de alegações de revista “com os mesmos termos em
que o veio a fazer agora em sede de recurso para o Tribunal Constitucional”.
Aduz a reclamante que utilizou apenas “uma formulação mais concisa e rigorosa da
interpretação normativa reputada de inconstitucional”, o que não afectaria a
existência de coincidência entre o critério normativo invocado nas alegações de
revista e o constante do recurso para o Tribunal Constitucional. Não é, porém,
assim. Naquelas alegações foi suscitada a inconstitucionalidade da aplicação, ao
caso concreto, do entendimento de que a suspensão da instância arbitral não
suspende o prazo de decisão do tribunal arbitral. No requerimento de
interposição de recurso foi identificado como constituindo seu objecto a questão
da inconstitucionalidade da «norma resultante da interpretação conjugada do
disposto nos n.ºs 2 e 4 do artigo 19.º e da alínea c) do artigo 13.º da Lei da
Arbitragem Voluntária (Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto), no sentido de que,
estando o Tribunal impossibilitado de decidir no prazo do artigo 19.º da LAV
por motivo de escusa do árbitro presidente e sendo nomeado um árbitro
substituto, não é aplicável, nem, por analogia, o regime de suspensão por
impedimento do mandatário (artigo 287.º do CPC), nem o regime de suspensão por
determinação dos árbitros (artigo 279.º, n.º 1, do CPC), por se tratar de um
prazo de caducidade que apenas se suspende nos casos em que a lei o determine
e não se considerar para tais efeitos as normas legais atrás referidas, nem
tão‑pouco é aplicável o regime da suspensão da caducidade convencional porque a
prorrogação, por acordo, daquele prazo de decisão (artigo 19.º, n.º 4, da LAV)
exclui a hipótese de se suscitarem dúvidas quanto à vontade das partes, no que
toca à possibilidade de suspensão». Trata‑se, manifestamente, de questão
diferente da suscitada nas alegações da revista, e não de mera reformulação
mais concisa da então enunciada. São questões distintas a da
inconstitucionalidade do entendimento de que a suspensão da instância arbitral
não suspende o prazo de decisão do tribunal arbitral e a da
inconstitucionalidade do entendimento da inaplicabilidade, por analogia, a uma
situação de substituição do árbitro presidente, do regime de suspensão por
impedimento do mandatário e de suspensão por determinação dos árbitros. Esta
questão, identificada no requerimento de interposição de recurso, não foi
suscitada perante o tribunal recorrido, o que determina a inadmissibilidade do
presente recurso, como entendeu a decisão sumária ora reclamada, que, assim,
merece confirmação.
3. Termos em que acordam em indeferir a presente
reclamação, confirmando a decisão sumária reclamada.
Custas pela recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em
20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 23 de Setembro de 2008.
Mário José de Araújo Torres
João Cura Mariano
Rui Manuel Moura Ramos