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Processo n.º 403/06
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I- Relatório
1. A., escrivão de direito, impugnou contenciosamente, perante o Supremo
Tribunal de Justiça, a deliberação do Conselho Superior da Magistratura (CSM)
que manteve a pena disciplinar de 180 dias de suspensão, seguida de
transferência, que lhe fora aplicada pelo Conselho de Oficiais de Justiça (COJ).
Por acórdão de 21 de Fevereiro de 2006, o Supremo Tribunal de
Justiça rejeitou o recurso contencioso, com fundamento em que não fora
interposto dentro do prazo de 30 dias estabelecido pelo artigo 169.º do Estatuto
dos Magistrados Judiciais (EMJ), (aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30 de Julho,
alterada ao abrigo da autorização concedida pela Lei n.º 80/88, de 7 de Julho,
pelo Decreto-Lei n.º 342/88, de 28 de Setembro, e pelas Leis n.ºs 2/90, de 20 de
Janeiro, 10/94, de 5 de Maio, 44/96, de 3 de Setembro, 81/98, de 3 de Dezembro,
143/99, de 31 de Agosto, 3-B/2000, de 4 de Abril, e 42/2005, de 29 de Agosto).
O recorrente interpôs recurso desta decisão para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82,
de 15 de Novembro, com vista à apreciação da inconstitucionalidade, por violação
do princípio da igualdade, do n.º 1 do artigo 169.º do EMJ, na interpretação de
que o prazo para a interposição de recurso contencioso de decisões do Conselho
Superior da Magistratura é de 30 dias, sendo que o funcionário judicial que
interponha recurso de decisão semelhante do Conselho Superior do Ministério
Público dispõe do prazo de 3 meses para o efeito.
2. Nas respectivas alegações, o recorrente sustenta as seguintes conclusões
[destaques a “negrito” eliminados]:
“1. A alteração produzida no artº 118º do EFJ (Estatuto dos Funcionários
Judiciais - DL 343/99, de 26/8) pelo DL. nº 96/2002, de 12/4, declarou o
Conselho Superior da Magistratura (CSM) como Órgão competente para efeito de
impugnação hierárquica das deliberações do Conselho dos Oficiais de Justiça
(COJ).
2. O COJ (Conselho dos Oficiais de Justiça) é o Órgão disciplinar dos Oficiais
de Justiça, previsto no Estatuto dos Funcionários Judiciais (EFJ) - DL 343/99,
de 26/8, alterado pelo DL 96/2002, de 12/4.e pelo DL nº 45/2005, de 20/8.
3. O CSM (Conselho Superior da Magistratura) é o Órgão disciplinar dos
Magistrados Judiciais, sendo o seu regime de funcionamento o previsto entre os
artigos 136º e 178º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, instituído pela Lei
nº 21/85, de 30/7, alterado pelo DL 143/99, de 31/8, que funciona como instância
de recurso hierárquico para os Oficiais de Justiça, que prestam serviço nas
Secretarias Judiciais.
4. O CSMP (Conselho Superior do Ministério Público) é o Órgão disciplinar dos
Magistrados do Ministério Público, que, por sua vez, actua como instância de
recurso hierárquico para os Oficiais de Justiça que prestam serviço nas
Secretarias do Ministério Público.
5. Por força da disposição da alínea a) do nº 2 do artº 169º do EMJ, o prazo
para impugnação contenciosa das deliberações do CSM é de 30 dias (ou 45 dias, na
hipótese da alínea c) do mesmo artigo).
6. Por força da disposição do artº 33º do Estatuto do Ministério Público, o
prazo para a impugnação contenciosa das deliberações do CSMP é de 90 dias (3
meses, na terminologia legal), quando se trata de particulares, e 1 (um) ano),
quando é o Ministério Público a impugnar.
7. É o que consta do referido, quando prescreve: “Das deliberações do Conselho
Superior do Ministério Público cabe recurso contencioso, a interpor nos termos e
segundo o regime dos recursos dos actos do Governo” , ou seja, nos termos
gerais, previstos, actualmente, pelo artº 58º, nº 2, a), do CPTA (Código de
Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais).
8. Entre o prazo de recurso contencioso das deliberações do CSM e das
deliberações do CSMP há uma diferença para menos de 60 (Sessenta) dias.
9. Na prática, significa:
a) Um Oficial de Justiça, colocado numa Secretaria Judicial, dispõe, apenas, de
30 dias, para a impugnação contenciosa das deliberações que o afectem, em
matéria disciplinar, pelo simples facto de lhe ter sido retirada, nessa área, a
possibilidade de recurso hierárquico, via tutela ministerial (Ministro da
Justiça), pelo DL nº 96/2002, de 12/4, tendo essa competência sido confiada ao
CSM.
b) Por sua vez, um Oficial de Justiça, colocado numa Secretaria do Ministério
Público, dispõe do prazo de 90 dias (3 meses), para a impugnação contenciosa das
deliberações do competente Órgão disciplinar, hierarquicamente superior.
10. Pertencendo, embora, a carreiras profissionais diferenciadas, em razão da
matéria (judicial e Ministério Público), mantêm uma estreita identidade comum, a
saber:
a) Estatutariamente, ambos são Oficiais de Justiça (ou Funcionários Judiciais),
sujeitos à disciplina do Estatuto dos Funcionários Judiciais, instituído pelo DL
343/99, de 26/8, alterado pelo DL 96/2002, de 12/4, e, recentemente, pelo DL
45/2005, de 20/8.
b) Do ponto de vista disciplinar, estão sujeitos ao poder disciplinar (l
instância) do COJ (Conselho dos Oficiais de Justiça).
c) Do ponto de vista da tutela administrativa, estão integrados na
Direcção-Geral da Administração da Justiça.
d) No que concerne à tutela política, ambos obedecem ao Ministério da Justiça
11. A única discriminação resulta do facto de, ex vi do DL 96/2002, de 12/4, ter
passado a ser o CSM, em matéria de recurso hierárquico, o órgão competente para
a impugnação das deliberações do COJ, em vez de, como anteriormente, o Ministro
da tutela.
12. Sendo um Órgão do Estatuto dos Magistrados Judiciais, o CSM funciona
subordinado ao regime nele previsto.
13. Das suas deliberações, recorre-se, contenciosamente, para o Supremo Tribunal
de Justiça, sendo o prazo estabelecido pelo artº 169º, nº 2, alínea a) do EMJ,
ou seja, 30 dias.
14. Na lógica do sistema, assim instituído, é a esse prazo que ficaria sujeito o
Oficial de Justiça, colocado numa Secretaria Judicial, ao passo que outro
Oficial de Justiça, a prestar serviço numa secretaria do M°P°, teria direito a
um prazo de 90 dias, susceptível de prorrogação, nos termos do nº4 do artº 58º
do CPTA.
15. Um prazo, imposto por lei ou por despacho de autoridade, é uma garantia e um
direito (instrumental, embora), visto servir para accionar ou defender outro
direito, este substantivo.
16. É variável, consoante a maior ou menor necessidade de precaver a defesa
eficaz do direito, em função da complexidade ou sensibilidade jurídica do caso.
17. Um prazo curto não permite uma adequada organização e apresentação da
defesa.
18. Um prazo longo garante melhor esse objectivo.
19. O prazo médio, estabelecido pela lei, para efeito de impugnação contenciosa
dos actos da Administração, é o prazo geral do artº 58º, n.º 2º, al. a), do
CPTA, ou seja, três meses (90 dias).
20. Ao estabelecer para a impugnação das deliberações do CSM, um prazo mais
curto, inferior, em 60 dias, ao prazo médio legal, o artº 169º do EMJ prejudica
as garantias de defesa do Oficial de Justiça, sujeito à disciplina hierárquica
do CSM.
21. Não só a discriminação negativa é manifesta, em relação aos Oficiais de
Justiça, colocados nas Secretarias do M°P°, mas a toda a restante Função
Pública, e, ainda, comparativamente, a qualquer estrangeiro, residente no País,
ou em trânsito.
22. Tal discriminação viola a norma e o princípio da igualdade, nos termos em
que é formulado pelo art° 13° da Constituição da República Portuguesa:
“1.Todos os cidadãos ... são iguais perante a lei.”
“2.Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer
direito.. . em razão da. . . situação económica ou condição social.”
23. O Oficial de Justiça que, por causa da sua colocação à sujeição hierárquica
do Conselho Superior da Magistratura, é prejudicado nos seus direitos de
cidadania, relativamente aos Oficiais de Justiça que não estejam sujeitos à
mesma obediência hierárquica, em matéria disciplinar.
24. Por instituir um prazo de recurso contencioso, inferior em 60 dias, ao prazo
geral (90 dias), actualmente prescrito no artº 58º, nº 2, al. a) do CPTA, a
norma do artº 169º do EMJ viola o princípio da igualdade, consagrado pelo artº
13º da CRP, por manter em vigor o prazo de 30 dias para a impugnação contenciosa
das deliberações do CSM, sendo, por isso, inconstitucional.
25. Por inconstitucional, tal norma é inadequada para fixar o regime de
impugnação contenciosa das deliberações do CSM.
26. De qualquer modo, em virtude de o recorrente não deter a qualidade de
Magistrado Judicial, não subsiste, na sua esfera jurídica, a “ratio legis” que
determinou a prescrição do prazo do artº 169º do Estatuto dos Magistrados
Judiciais.
27. O prazo aplicável ao recorrente é o que a lei reconhece, no artº 58º, nº 2,
al. a), do CPTA, a qualquer cidadão ou estrangeiro (residente, ou em trânsito,
no País): 3 (três) meses ou 90 (noventa) dias.
28. Contado, nos termos do artº 144° do CPC (o EMJ não contém outro critério
além do geral), tal prazo terminaria em 15.12.2005.
29. Tendo entregue, pessoalmente, o recurso, no dia 07.12.2005, no STJ, deve o
mesmo ser considerado tempestivamente apresentado e, assim, recebido, para
prosseguir os seus termos até final.
30. Mesmo que, assim não se entendesse, é possível e admissível a prorrogação do
prazo de impugnação das deliberações do CSM, por força das disposições
conjugadas dos artºs 58º, nº 4, e 191º do CPTA, ex vi do disposto pelo artº 178º
do EMJ (Lei 21/85, de 30/7).
31. A prorrogação de prazo é admitida, na moderna política legislativa, em áreas
jurídicas tão sensíveis como o Processo Penal (artº 117º, 7,CPP), Processo
Disciplinar (artº 59º, 5, Estatuto Disciplinar — DL 24/84, de 13/1), Processo do
Trabalho, Processo Civil (artº 486º, e outros, do CPC).
Nestes termos, e nos demais de direito, que V.Exas. Senhores Conselheiros,
doutamente suprirão, requer-se a declaração de inconstitucionalidade do artº
169º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, no segmento em que fixa o prazo de
30 dias para a interposição de recurso contencioso, com vista à impugnação das
deliberações do Conselho Superior da Magistratura, e, em consequência, seja
julgado aplicável a norma geral do artº 58º, nº 2, alínea a), do Código do
Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei nº 15/2002,
de 22/02, e, por isso, julgar, tempestivamente, apresentada a acção
administrativa especial, entregue, no STJ, no dia 07.12.2005.
O Conselho Superior da Magistratura defende a improcedência do recurso,
afirmando que são distintas as situações (“num caso os recursos são para o CSMP,
no outro para o CSM”) e que “para além de constituir uma opção legal e legítima,
o prazo de recurso é perfeitamente razoável”.
II- Fundamentação
3. Convém abordar sumariamente duas questões prévias, uma delas induzida por
reservas do despacho de admissão do recurso e a outra pelos termos das alegações
do recorrente.
3.1. No despacho de admissão do recurso foram expressas dúvidas sobre a
“adequada motivação da inconstitucionalidade”. Essas dúvidas parecem secundadas
pelo Conselho Superior da Magistratura, embora sem arguição de qualquer questão
obstativa ao conhecimento do objecto do recurso, ao abrir as alegações com a
frase “[e]ntendendo o Tribunal Constitucional que se mostram reunidos os
requisitos formais para apreciação da constitucionalidade do normativo em
causa…”. Este ambiente de dúvida justifica uma breve referência à questão de
saber se a questão de constitucionalidade que se quer ver apreciada no presente
recurso foi adequadamente colocada perante o Supremo Tribunal de Justiça, em
termos de esse tribunal estar obrigada a dela conhecer, como é condição da
abertura de recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do n.º
1 do artigo 70.º da LTC.
Afigura-se que a resposta deve ser positiva.
Efectivamente, quando chamado a pronunciar-se sobre o parecer do Ministério
Público em que se propugnava pela rejeição do recurso, por intempestividade, o
recorrente, além de defender a inaplicabilidade do prazo previsto no n.º 1 do
artigo 169.º do EMJ à impugnação de actos do Conselho Superior da Magistratura
respeitantes a funcionários judiciais, não deixou de confrontar tal prazo com o
prazo de três meses para impugnação de acto da mesma natureza da autoria do
Conselho Superior do Ministério Público relativamente a oficiais de justiça a
exercer funções nos serviços do Ministério Público e de salientar a violação do
princípio da igualdade de tal entendimento normativo (cfr., alegado nos n.ºs 23
a 27 da resposta de fls. 75 e segs.). Não descaracteriza a colocação da questão
num plano da constitucionalidade normativa a circunstância de a norma
constitucional pretensamente violada ser a do n.º 2 do artigo 266.º da
Constituição porque a alegação é perfeitamente inteligível como pretendendo
confrontar o entendimento normativo de aplicação do prazo previsto no n.º 1 do
artigo 169.º do EMJ com o princípio constitucional da igualdade e a inadequação
do parâmetro constitucional invocado não obsta, por si só, ao conhecimento da
questão com aquela natureza (cfr. ac. n.º 412/2002, publicado no Diário da
República, II Série, de 16 de Dezembro de 2002).
3.2. No intróito das alegações o recorrente afirma que o recurso visa suscitar
“a apreciação da inconstitucionalidade da norma do art.º 118.º do Estatuto dos
Funcionários de Justiça (Decreto-Lei n.º 343/99, de 26/8), na redacção que lhe
foi introduzida pelo DL 96/2002, de 12/4, o qual tornou aplicável aos Oficiais
de Justiça a norma do art.º 169.º, n.º 2, al. a), do EMJ, ao determinar o
Conselho Superior da Magistratura como órgão competente para recurso hierárquico
das deliberações do Conselho dos Oficiais de Justiça, quando sejam recorrentes
Oficiais de Justiça, colocados nas Secretarias Judiciais”. Ora, não foi esta,
mas antes a norma n.º 1 do artigo 169.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais,
que o recorrente indicou no requerimento de interposição. E, como é sabido, o
recorrente pode reduzir o objecto do recurso de constitucionalidade que tenha
indicado no requerimento de interposição, mas não pode alterá-lo ou ampliá-lo.
Pelo que poderia ver-se nesta sequência uma intenção de alteração do objecto do
recurso, com abandono do seu tema inicial, o que conduziria ao não conhecimento
do seu objecto.
Não é esta, porém, a interpretação que deve fazer-se da vontade
processual do recorrente expressa nas alegações. Toda a sua argumentação vai
dirigida a demonstrar a inconstitucionalidade do prazo de impugnação da decisão
estabelecido pelo artigo 169.º do EMJ e não a criticar a opção do legislador
pela consagração da competência primária do COJ com a introdução de um recurso
administrativo (recurso hierárquico impróprio), ou a distribuição da respectiva
competência pelos três conselhos superiores das magistraturas. E, em
conformidade com isso, o que nas conclusões se afirma se pede é o julgamento de
inconstitucionalidade da norma que estabelece o prazo de 30 dias para a
interposição do recurso contencioso – aquela norma que efectivamente levou à
rejeição do recurso – e não de qualquer outra. Na verdade, de modo suficiente
para eliminar dúvidas sobre o que se pretende que o Tribunal julgue, diz-se a
concluir essa peça processual: “ Nestes termos […] requer-se a declaração de
inconstitucionalidade do art.º 169.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, no
segmento em que fixa o prazo de 30 dias para a interposição do recurso
contencioso, com vista à impugnação das decisões do Conselho Superior da
Magistratura e, em consequência, seja julgado aplicável a norma geral do art.º
58.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo os Tribunais Administrativos […]”.
Neste contexto, aquela afirmação inicial das alegações é um modo,
porventura pouco feliz, de introduzir a questão por referência à opção
legislativa que lhe está na génese, não podendo ser interpretada como
pretendendo realmente modificar o objecto do recurso de constitucionalidade.
Dir-se-á, apenas, quanto à formulação final do pedido, que ao Tribunal
Constitucional somente compete apreciar a constitucionalidade da norma posta em
crise e não definir, directa e imediatamente, as consequências de tal pronúncia
no julgamento da causa. Se o recurso proceder fica definido no processo que o
tribunal da causa não pode aplicá-la, mas caberá a esse tribunal, na reforma da
decisão recorrida, determinar qual é, então, o direito ordinário porque há-de
reger-se na solução da questão em que se enxertou o incidente de
constitucionalidade.
4. Isto posto, passa-se ao conhecimento do objecto do recurso que
consiste em saber se viola o princípio constitucional da igualdade (artigo 13.º,
n.º 1 da CRP) a norma do n.º 1 do artigo 169.º do EMJ na interpretação de que é
de 30 dias o prazo de impugnação contenciosa das deliberações do Conselho
Superior da Magistratura respeitantes a oficiais de justiça, quando para atacar
jurisdicionalmente actos da mesma natureza os oficiais de justiça sujeitos ao
poder de outros órgãos de gestão e disciplina, designadamente o Conselho
Superior do Ministério Público dispõem do prazo de 3 meses.
4.1. Na sequência da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória
geral, pelo acórdão n.º 73/20002 (Diário da República, I Série‑A, n.º 64, de 16
de Março de 2002, pág. 2503, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 52.º vol.,
pág. 125) do artigo 95.º e da alínea a) do artigo 107.º do Decreto-Lei n.º
376/87,de 11 de Dezembro (Lei Orgânica das Secretarias Judiciais e Estatuto dos
Funcionários de Justiça), e do artigo 98.º e da alínea a) do artigo 111.º do
Estatuto dos Funcionários de Justiça, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 343/99, de
26 de Agosto, por violação do n.º 3 do artigo 218.º da Constituição, o
Decreto-Lei n.º 96/2002, de 12 de Abril, introduziu alterações neste Estatuto,
redefinindo as competências quanto à apreciação do mérito profissional e ao
exercício do poder disciplinar sobre os oficiais de Justiça, por forma que as
competências do COJ perderam a natureza de competências exclusivas.
Assim, continuando a competir ao COJ “apreciar o mérito profissional e exercer o
poder disciplinar sobre os oficiais de justiça, sem prejuízo da competência
disciplinar atribuída a magistrados e do disposto no n.º 2 do artigo 68.º”
(alínea a) do n.º 1 do artigo 111.º do EFJ) e “apreciar os pedidos de revisão de
processos disciplinares e de reabilitação” (alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo
111.º), passou a estar previsto que: (i) “O Conselho Superior da Magistratura,
o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais e o Conselho
Superior do Ministério Público, consoante os casos, têm o poder de avocar bem
como o poder de revogar as deliberações do Conselho dos Oficiais de Justiça
proferidas no âmbito do disposto na alínea a) do número anterior” (artigo
111.º, n.º 2); e (ii) “Das deliberações do Conselho dos Oficiais de Justiça
proferidas no âmbito do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 111.º,
bem como das decisões dos presidentes dos tribunais proferidas ao abrigo ao n.º
2 do artigo 68.º, cabe recurso, consoante os casos, para o Conselho Superior da
Magistratura, para o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais
ou para o Conselho Superior do Ministério Público, a interpor no prazo de 20
dias úteis” (n.º 2 do artigo 118.º).
E, em coerência com a circunstância de a esse órgão caber a última palavra da
“Administração judiciária” na matéria, foi revogado o artigo 119.º, que previa
recurso contencioso das decisões do COJ para o tribunal administrativo de
círculo.
Deste modo, a decisão final em matéria de avaliação do mérito
profissional e de disciplina dos oficiais de justiça passou a caber a órgãos
diferentes, consoante o quadro (dos tribunais judiciais, dos tribunais
administrativos e fiscais ou dos serviços do Ministério Público) a que o
funcionário se encontre adstrito (Sobre a constitucionalidade desta solução,
cfr. os acórdãos deste Tribunal n.º 299/2005 e n.º 114/06, publicados no Diário
da República, II série, de 28 de Julho de 2005 e 24 de Março de 2006,
respectivamente).
Esta repartição de competência administrativa para a “última
palavra” em matéria de avaliação do mérito e disciplina dos oficiais de justiça
pelos três órgãos de gestão das magistraturas arrasta a correspondente
diversificação da competência jurisdicional para a apreciação da validade dos
actos praticados no seu exercício, com reflexos – segundo a interpretação do
direito ordinário adoptado pelo tribunal “a quo”, que não cumpre ao Tribunal
Constitucional censurar nesse plano – quanto a prazos de impugnação e tramitação
do meio impugnatório.
Efectivamente, para os actos da autoria do CSTAF e do CSMP essa competência
jurisdicional cabe ao Supremo Tribunal Administrativo (Secção do Contencioso
Administrativo), nos termos das alíneas vii) e ix) do artigo 24.º do Estatuto
dos Tribunais Administrativos e Fiscais (aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de
Fevereiro, alterado pela Lei n.º 4-A/2003, de 19 de Fevereiro e pela Lei n.º
107‑D/2003, de 31 de Dezembro); estando em causa actos do CSM a competência
pertence ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do art.º 168.º do Estatuto
dos Magistrados Judiciais.
4.2. Sucede que, o artigo 169.º do EMJ, que o acórdão recorrido
considerou em vigor e aplicável à impugnação dos actos do CSM respeitantes a
oficiais de justiça, dispõe o seguinte:
“Artigo 169º
(Prazo)
1. O prazo para a interposição do recurso é de 30 dias, conforme o interessado
preste serviço no continente ou nas regiões autónomas e de 45 dias se prestar
serviço no estrangeiro
2. O prazo do número anterior conta-se:
a) Da data da publicação da deliberação, quando seja obrigatória;
b) Da data da notificação do acto, quando esta tiver sido efectuada, se a
publicação não for obrigatória;
c) Da notificação, conhecimento ou início de execução da deliberação, nos
restantes casos.”
Diversamente, para a impugnação dos actos praticados pelo Conselho
Superior do Ministério Público, por força do artigo 33.º do Estatuto do
Ministério Público, o interessado dispõe dos prazos estabelecidos pelo artigo
58.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), que é do
seguinte teor:
“Artigo 58.º
Prazos
1 - A impugnação de actos nulos ou inexistentes não está sujeita a prazo.
2 - Salvo disposição em contrário, a impugnação de actos anuláveis tem lugar no
prazo de:
a) Um ano, se promovida pelo Ministério Público;
b) Três meses, nos restantes casos.
3 - A contagem dos prazos referidos no número anterior obedece ao regime
aplicável aos prazos para a propositura de acções que se encontram previstos no
Código de Processo Civil.
4 - Desde que ainda não tenha expirado o prazo de um ano, a impugnação será
admitida, para além do prazo de três meses da alínea b) do n.º 2, caso se
demonstre, com respeito pelo princípio do contraditório, que, no caso concreto,
a tempestiva apresentação da petição não era exigível a um cidadão normalmente
diligente, por:
a) A conduta da Administração ter induzido o interessado em erro;
b) O atraso dever ser considerado desculpável, atendendo à ambiguidade do quadro
normativo aplicável ou às dificuldades que, no caso concreto, se colocavam
quanto à identificação do acto impugnável, ou à sua qualificação como acto
administrativo ou como norma;
c) Se ter verificado uma situação de justo impedimento.”
Além de outras diferenças que no presente recurso não estão em causa
– v. gr., a expressa consagração de que a impugnação de actos nulos ou
inexistentes não está sujeita a prazo (n.º 1 do artigo 58.º do CPTA), a
submissão da contagem do prazo às regras estabelecidas para a propositura das
acções previstas no Código de Processo Civil (n.º 3 do artigo 58.º do CPTA) e a
previsão de causas de justificação susceptíveis de provocar o alargamento do
prazo (n.º 4 do artigo 58.º do CPTA) – uma diferença basilar e inquestionável
ressalta da comparação destes regimes: o funcionário que impugne um acto do CSMP
dispõe de um prazo regra de 3 meses; o funcionário que impugne um acto do CSM
dispõe do prazo de 30 dias.
4.3. Não cabe ao Tribunal Constitucional apreciar as críticas que o
recorrente tece à decisão recorrida no plano da aplicação do direito ordinário,
designadamente o que consiste em saber se o artigo 169.º do EMJ deve
considerar-se derrogado pelos artigos 191.º e 192.º do CPTA, com a consequente
aplicação do artigo 58.º do CPTA, pelo menos quanto aos actos do CSM relativos a
oficiais de justiça. O acórdão recorrido entendeu que o regime constante do EMJ
em matéria de impugnação de actos do Conselho (incluindo os prazos de impugnação
e a configuração dos meios processuais) permanecia em vigor, como lei especial,
e aplicou-o na decisão do caso, tratando o processo como de recurso contencioso
(e não como acção administrativa especial) e rejeitando este recurso, por
extemporâneo, ao abrigo da referida norma, uma vez que o considerou interposto
mais de 30 dias após a notificação da decisão contenciosamente impugnada (Cfr.
sobre a extensão de aplicabilidade do CPTA, exemplificando com o disposto no
Estatuto dos Magistrados Judiciais, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto
Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais
Administrativos, 2.ª ed., pág. 1032, sustentando que a norma remissiva do artigo
192.º do CPTA “não deixa , porém, de integrar a regulamentação própria dos
recursos contenciosos das deliberações do Conselho Superior da Magistratura, o
que significa que estes recursos se regem pelo disposto nos artigos 168.º a
177.º e, nos aspectos não expressamente regulados, pelo CPTA, aplicável
subsidiariamente”. No sentido da prevalência do prazo especial do artigo 169.º
do EMJ sobre o prazo geral de impugnação dos actos administrativos e sobre a sua
aplicabilidade aos actos do CSTAF relativos a juízes, cfr. acórdão do STA, de
15/12/2004, Proc. 774/03).
Por outro lado, embora na petição de recurso contencioso o recorrente tenha
pedido, a título principal, a declaração de nulidade do acto impugnado –
configurando como vício gerador de nulidade do acto punitivo a alegada nulidade
insuprível do procedimento disciplinar a que se refere o n.º 1 do artigo 42.º do
Estatuto Disciplinar, aprovado pelo Decreto Lei n.º 24/84, de 13 de Janeiro – o
acórdão recorrido limitou-se a aplicar o prazo estabelecido pelo artigo 169.º do
EMJ. Fica a dúvida sobre se o acórdão perfilhou o entendimento de que tal prazo
é aplicável independentemente da espécie de invalidade (lato sensu) do acto
impugnado, ou se a rejeição se deve a uma qualificação implícita dos vícios
alegados como susceptíveis de gerar a mera anulabilidade do acto impugnado.
Todavia, como o recorrente só critica o prazo do n.º 1 do artigo 169.º do EMJ
por comparação com a estabelecida, em geral, para a impugnação de actos
anuláveis, é este mais restrito sentido normativo que cumpre apreciar.
Consequentemente, é apenas a constitucionalidade do segmento do n.º 1 do artigo
169.º do EMJ que dispõe que o prazo de interposição do recurso contencioso de
actos anuláveis do CSM é de 30 dias, interpretado como aplicável ao recurso de
actos em matéria disciplinar respeitantes a oficiais de justiça, que o Tribunal
passa a analisar.
5. Começar-se-á pela alegada violação do princípio da igualdade, porque que é
neste que o recorrente esgota a crítica de desconformidade à Constituição,
embora o Tribunal possa, se necessário, alargar o confronto da norma a outros
parâmetros constitucionais (artigo 79.º-C da LTC).
Da vastíssima jurisprudência do Tribunal sobre o artigo13.º da
Constituição que não vem ao caso expor detalhadamente (cfr. a síntese desse
acervo jurisprudencial no acórdão n.º 232/2003, publicado no Diário da
República, I Série-A, de 17 de Junho de 2003), pode reter-se que o princípio da
igualdade, enquanto vínculo do legislador, abrange fundamentalmente três
dimensões ou vertentes: a proibição do arbítrio, a proibição de discriminação e
a obrigação de diferenciação. Significa a primeira a imposição da igualdade de
tratamento para situações iguais e a interdição de tratamento igual para
situações manifestamente desiguais (tratar igual o que é igual; tratar
diferentemente o que é diferente); a segunda, a ilegitimidade de qualquer
diferenciação de tratamento baseada em critérios meramente subjectivos (v.g.,
ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções
políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social); e
surge a última como forma de compensar as desigualdades de oportunidades (cfr.
acórdão n.º 412/2002, citado).
Na situação em exame a única vertente do princípio da igualdade que importa
considerar é a primeira: a proibição do arbítrio. Qualquer das outras duas está
liminarmente excluída, uma vez que não estamos perante um tratamento
diferenciado em função de qualquer das categorias suspeitas enunciadas no n.º 2
do artigo 13.º ou factor discriminatório a elas equiparável, nem perante uma
situação em que faça sentido colocar a hipótese e exigência constitucional de
eliminação de desigualdades fácticas de natureza social, económica e cultural.
Como o Tribunal tem repetido, a proibição de arbítrio, como princípio negativo
de controlo da discricionariedade legislativa, apenas consente que se censurem
as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, ou seja, sem
um fundamento razoável, segundo critérios de valor constitucionalmente
relevantes. O que se obtém mediante a descoberta da ratio das soluções em
confronto, para ver se a diferenciação ainda possui uma “fundamentação
razoável”. Só é consentido ao órgão de controlo da constitucionalidade
censurá-la, por infracção ao princípio da igualdade enquanto proibição do
arbítrio, quando a medida legislativa não tenha adequado suporte material, não
seja solução capaz de se credenciar racionalmente.
6. Recordados estes tópicos, cumpre apurar se a interpretação
normativa acolhida no acórdão recorrido assenta em algum fundamento razoável ou
se, pelo contrário, surge como arbitrária, desadequada ou desnecessária e, como
tal, constitucionalmente insolvente.
Deve salientar-se que alguns aspectos da submissão dos oficiais de justiça a
regimes diferentes em função do quadro que integrem, que radica, em último
termo, nas opções legislativas constantes do n.º 2 do artigo 118.º do EFJ, foi
já objecto de apreciação pelo Tribunal Constitucional, designadamente, nos
acórdãos n.º 299/2005 e n.º 114/2006 (disponíveis em
www.tribunalconstitucional.pt). Neste último acórdão, o Tribunal teve ensejo de
apreciar a alegada violação do princípio da igualdade, tendo-lhe respondido nos
seguintes termos:
“5. Mas a recorrente aponta ainda a violação do princípio da igualdade,
referido, simultaneamente, aos artigos 13º e 18º da Constituição.
Como se escreveu já na decisão sumária n.º 222/03, relativamente a esta mesma
questão, “poder-se-ia desde logo observar que carece, manifestamente, de
fundamento. Com efeito, não é arbitrário, pois não é materialmente infundado,
distinguir, consoante os serviços em que os funcionários de justiça estejam
colocados, as entidades competentes (e os correspondentes processos) para a
apreciação dos recursos de decisões proferidas pelo Conselho dos Oficiais de
Justiça em matéria disciplinar, desde logo por estar essencialmente em causa o
cumprimento dos deveres profissionais do funcionário (cfr. artigo 90º do
Estatuto e, por exemplo, o acórdão n.º 200/2001, Diário da República, II série,
de 27 de Junho de 2001)”.
Como igualmente se escreveu no já citado acórdão n.º 299/2005, desde o
Decreto-Lei n.º 376/87, de 11 de Dezembro, que o legislador pretendeu «criar um
quadro próprio de funcionários do Ministério Público visando dar resposta às
novas tarefas que lhe são cometidas pelo novo Código de Processo Penal», como se
escreve no respectivo preâmbulo; essa diferenciação, aliás analisada no referido
acórdão, manteve-se com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 343/99, com
reflexos, nomeadamente, no conteúdo funcional das respectivas carreiras (cfr.
artigo 6º e mapa I anexo).
Tanto basta para justificar, do ponto de vista da garantia constitucional da
igualdade, a distinção de regimes”.
Consideram-se estas considerações transponíveis para a apreciação a fazer no
presente recurso porque também a diferenciação em causa – a existência de prazos
diferenciados de impugnação dos actos em matéria disciplinar consoante o oficial
de justiça se integre na “carreira judicial” ou na “carreira dos serviços do
Ministério Público” (cfr. artigo 3.º do Estatuto dos Funcionários de Justiça) –
assenta num critério objectivo que é a sujeição ao poder disciplinar último de
um órgão relativamente à impugnação de cujos actos esse prazo está genericamente
estabelecido em homenagem aos interesses prosseguidos no exercício das
competências que lhe são cometidas.
Efectivamente, a Constituição não garante um direito especial de uniformidade
dos prazos de impugnação dos actos administrativos, nem de unicidade de
conformação do meio processual respectivo, gozando o legislador de larga margem
de discricionariedade em qualquer destes domínios, desde que a solução
legislativa não atente contra a garantia de efectividade da tutela
jurisdicional. Prazos e tramitações especiais de meios impugnatórios podem,
inclusivamente, sobreviver por razões históricas e opções de política
legislativa quanto à oportunidade de harmonização do sistema, não legitimando
tal facto censura com fundamento em violação do princípio da igualdade. Essa
diversidade, podendo ser 'mau direito', não atenta, por si só, contra a igual
dignidade social de todos os cidadãos ou a igualdade perante a lei.
Ora, não pode dizer-se que a fixação de um prazo de impugnação para os actos do
Conselho Superior da Magistratura mais curto do que o prazo geral seja
absolutamente destituída de fundamento e, por isso, arbitrária. É uma opção que
encontra suporte constitucional bastante na intenção de mais rápida consolidação
das deliberações de tal órgão, face à especial relevância, para o regular
funcionamento do Estado de Direito, das atribuições, que a própria Constituição
lhe comete (cfr. artigos 217.º e 218.º da Constituição).
7. O que a Constituição garante é o direito de impugnação jurisdicional de
quaisquer actos administrativos que lesem os direitos ou interesses legalmente
protegidos dos administrados (artigo 268.º, n.º 4, da CRP). De modo que importa
passar à questão de saber se o prazo de 30 dias estabelecido pelo artigo 169.º
do EMJ, quando extensível à impugnação dos actos respeitantes a oficiais de
justiça, ainda pode considerar-se compatível com a garantia de tutela judicial
efectiva contra actos administrativos lesivos.
A lei fixa prazos, geralmente curtos, para impugnação jurisdicional dos actos
administrativos anuláveis (lato sensu, abrangendo os chamados actos
materialmente administrativos; cfr. n.º 3 do artigo 4.º do ETAF), cujo decurso
extingue o direito de impugnação por parte dos interessados. Independentemente
de saber que consequências tem noutros domínios, designadamente no capítulo da
sanação dos vícios de que o acto porventura enferme, o decurso do prazo de
impugnação cria uma situação de estabilidade ou imutabilidade dos efeitos do
acto administrativo, por preclusão dos meios de tutela judicial. Ao estabelecer
prazos curtos de impugnação das decisões administrativas, a lei privilegia o
interesse público de estabilidade das situações definidas pelas decisões
administrativas ou em matéria administrativa, tendente à formação de “caso
decidido”. Como se disse no acórdão n.º 92/01 (publicado no Diário da República,
II Série, de 22 de Maio de 2001) “[a] fixação de prazos para a impugnação
contenciosa de actos administrativos, que os interessados considerem lesivos dos
seus direitos ou interesses legalmente protegidos, tem a justificá-la os valores
da certeza e da segurança e jurídicas – valores objectivos que se encontram
intimamente conexionados com o direito à protecção jurídica, que o Estado de
Direito deve assegurar. Há, na verdade, situações que não devem manter-se por
muito tempo em estado de indefinição: o interesse público exige que elas se
estabilizem rapidamente”. É claro que quanto menor for o prazo e,
consequentemente, mais rápida a consolidação da situação definida por certo tipo
de acto, mais intensa é a protecção ao interesse público específico que com ele
se prossegue.
Actualmente, o prazo geral de impugnação dos actos administrativos
anuláveis é, para os particulares e demais impugnantes que não o Ministério
Público, de 3 meses. O legislador goza, porém, de larga margem de conformação
nesta matéria, podendo estabelecer prazos diferentes para casos especiais, mesmo
mais curtos, se entender que concorrem factores materiais determinantes de um
tratamento normativo diferenciado, não cabendo ao órgão de controlo da
constitucionalidade senão um juízo “negativo” que afaste aquelas soluções de
todo insusceptíveis de credenciar-se racionalmente. Salvo se “ o prazo for de
tal modo exíguo que inviabilize ou torne particularmente oneroso o exercício do
direito', caso em que haverá, em último termo, violação do direito à tutela
jurisdicional efectiva consagrada no n.º 4 do artigo 268.º da Constituição. Com
efeito, repetindo o que o Tribunal disse no acórdão n.º 92/2001 (publicado no
Diário da República, II Série, de 22 de Maio de 2001), “não constituindo o prazo
de caducidade uma restrição do mencionado direito de acesso à justiça
administrativa, para a impugnação contenciosa de actos administrativos lesivos
de direitos ou interesses legalmente protegidos dos administrados, não tem,
obviamente, que observar-se, quanto a ele, a exigência do artigo 18º, nº 2, da
Constituição, relativa à existência de credencial constitucional expressa a
autorizar o legislador a prevê-lo. Claro é, no entanto, que – tal como se
observou no referido acórdão n.º 70/2000 –, para concluir pela legitimidade
constitucional da norma que fixa um prazo de caducidade, 'não basta constatar
que, numa perspectiva estrutural, esse prazo se não apresenta como uma restrição
do direito, mas tão-só como uma sua regulamentação ou condicionamento. Como se
frisou no citado acórdão n.º 99/88, necessário se torna ver as coisas de um
ponto de vista material ou substantivo. Ora, deste último ponto de vista, o que
então interessa apurar é se esse prazo se mostra necessário e proporcionado'. De
facto, como se acentuou no citado acórdão n.º 140/94, se o prazo de caducidade
for inadequado ou desproporcionado, 'em termos de dificultar gravemente o
exercício concreto do direito', estar-se-á 'perante uma restrição ao direito de
acesso aos tribunais, e não em face de um simples condicionamento ao exercício
desse direito'.
Ora, não pode afirmar-se que o prazo de 30 dias para impugnar o tipo
de acto em causa seja de tal modo exíguo que inviabilize ou afecte de modo
demasiado opressivo a sua discussão perante os tribunais. Vários exemplos de
prazos impugnatórios especialmente reduzidos poderiam apontar-se (p. ex., artigo
101.º do CPTA, em matéria especialmente complexa como o contencioso
pré-contratual), mas basta ver que o prazo de 30 dias é aquele de que o réu em
processo ordinário de declaração (artigo 486.º, n.º 1, do Código de Processo
Civil) ou os contra-interessados na acção administrativa especial (artigo 81.º
do Código de Processo nos Tribunais Administrativos), que bem podem ser
inteiramente surpreendidos pelo litígio, dispõem para contestar. Na hipótese, o
interessado impugna um acto administrativo de 2.º grau, implicando a
apresentação do recurso administrativo da deliberação do COJ um contacto com a
matéria em litígio que mais facilmente permitirá, num funcionamento normal das
coisas, a posterior elaboração do recurso contencioso do acto do Conselho
Superior da Magistratura.
Tanto basta para, em qualquer perspectiva, se julgar a questão de
constitucionalidade improcedente.
III- Decisão
Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso e condenar o recorrente nas
custas, fixando a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) unidades de conta.
Lisboa, 24 de Setembro de 2008
Vítor Gomes
Ana Maria Guerra Martins
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
Gil Galvão