Imprimir acórdão
Processo n.º 384/08
1ª Secção
Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, na 1ª Secção, do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. A., LDA, ora recorrente, impugnou judicialmente a liquidação de IRC do
exercício de 2002, no montante de €181.736,72. Para o efeito invocou, no
essencial, a ilegalidade da referida liquidação, porquanto a acção de
fiscalização se prolongou para lá do período de seis meses estipulado pela lei.
Por decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, de 8 de Março de
2007, a impugnação foi julgada improcedente.
2. Inconformada com esta decisão a impugnante recorreu para o Supremo Tribunal
Administrativo, tendo, a concluir a sua alegação e para o que agora importa,
afirmado que: “A interpretação conjugada dos artigos 14º e 36º, nºs 1, 2 e 3, do
RCPIT, na redacção anterior à Lei 50/2005, de 30 de Agosto, e 46º, nº 1, da LGT,
segundo a qual, os prazos definidos na lei para a inspecção apenas relevam no
âmbito do instituto da caducidade, é inconstitucional por violação do artigo
266º, nº 2, da CRP”.
3. O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 27 de Fevereiro de 2008,
negou provimento ao recurso, fundamentando assim, na parte ora relevante, a
decisão:
“(…) A discordância da recorrente com a sentença assenta em que a inspecção
durou mais do que os seis meses previstos na lei, sendo ilegais as prorrogações
de que foi objecto. Assim, o procedimento inspectivo é anulável, e nulo o acto
de liquidação que dele resultou.
A sentença, ao invés, decidiu que o excesso de procedimento «não tem qualquer
efeito sobre a validade da liquidação». Para isso, afastou a «aplicação ao caso
dos autos» do n° 5 do artigo 45º da LGT, «eliminado pela Lei n° 32-B/2002, de
30/12». Porque, reconheceu, «o n° 5 do art.° 45. ° da LGT, na redacção da Lei n°
15/2001, de 5 de Junho, apontava para outra solução, já que estabelecia um
limite ao próprio prazo de caducidade».
A sentença aparenta acompanhar, deste modo, a jurisprudência deste Tribunal,
consubstanciada em acórdão de 29 de Novembro de 2006, no processo n° 695/06,
que, aliás, cita, como faz o Exm°. Procurador-Geral Adjunto. Aí se entendeu que
« (...) o prazo de inspecção é contínuo, devendo esta ser concluída no prazo de
6 meses, com as excepções previstas no n° 3 deste artigo [46° da LGT].
E que consequência para a violação de tal prazo?
O citado artigo 46°, n° 1 da LGT diz-nos qual a consequência: o prazo de
caducidade, que estava suspenso, cessa esse efeito, contando-se o prazo desde o
seu início.
É esta a consequência. E mais nenhuma. O legislador pretende que o prazo de
inspecção não seja ultrapassado. E, se for ultrapassado, há uma consequência
para a administração fiscal. Tudo se passa como se não tivesse sido feita a
inspecção correndo o prazo de caducidade continuamente e sem qualquer
suspensão».
[...]
3.5. O direito à liquidação de impostos caduca, em regra, nos periódicos, com o
decurso de 4 anos após o termo daquele em que ocorreu o facto tributário. É o
que resulta do disposto no artigo 45º n.°s. 1 e 4 da LGT.
Sendo o imposto ora em causa o IRC relativo ao exercício do ano de 2002, o
direito a liquidá-lo ocorreria, se nada mais houvesse a considerar, em 1 de
Janeiro de 2007.
A liquidação teve lugar em 25 de Maio de 2005. E, ainda que na sentença se não
tenha fixado a data da respectiva notificação, é seguro que ela ocorreu antes de
6 de Julho de 2005, data que na decisão impugnada se estabeleceu como limite
para o pagamento voluntário.
Assim, e se nada mais relevasse, quando a liquidação foi notificada à recorrente
estava longe de caducar o direito respectivo.
3.6. Defende a recorrente que também o direito à inspecção caduca, pois é de
caducidade, por força do disposto no artigo 298° n° 2 do Código Civil, o prazo
para o efeito fixado na lei.
Pode, efectivamente, defender-se que o artigo 36° n.º 1 do RCPIT, ao dispor que
o procedimento de inspecção só pode iniciar-se até ao termo do prazo de
caducidade do direito de liquidação, estabelece um prazo de caducidade para o
exercício do direito à inspecção.
É, porém, certo que o artigo 298° n° 2 do Código Civil não visa a prática de
actos judiciais ou procedimentais, mas o exercício de direitos atribuídos pela
ordem jurídica, cujo titular é livre de os usar ou não, o que não acontece com o
Estado que, estando obrigado a cobrar impostos, obrigado está, também, a adoptar
os procedimentos necessários ao apuramento da realidade material em que assenta
a tributação. Conforme é referido na letra do artigo, ele refere-se aos direitos
que a lei não considere indisponíveis. Assim, o prazo de que a Administração
dispõe para proceder a inspecções externas não estaria sujeito a caducidade. Mas
também é verdade que o direito à liquidação, sendo indisponível, nem por isso
deixa de estar submetido a um prazo de caducidade.
Acontece que, no caso, o procedimento inspectivo iniciou-se dentro do prazo a
que se refere o artigo 36° n° 1 do RCPIT, assim escapando à alegada caducidade.
3.7. Nos termos do artigo 46°, n° 1, da LGT, o prazo de caducidade do direito à
liquidação suspende-se com a notificação da ordem de serviço no início da acção
de inspecção externa.
Já se viu que é desconhecida a data dessa notificação, mas infere-se ser
anterior a 18 de Novembro de 2003, pois é de supor que o anúncio da acção
inspectiva ao sujeito visado tenha antecedido o seu começo, como, aliás, é
imposição legal. Porém, ainda de acordo com a mesma norma, o efeito interruptivo
do prazo de caducidade cessa se a inspecção se prolongar para além do prazo
legal.
Não sabemos, também, qual o prazo legal para terminar a inspecção: nos termos do
artigo 36° n° 2 do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária
(RCPIT) aprovado pelo decreto-lei n° 413/98, de 31 de Dezembro, o procedimento
deve ser concluído dentro de seis meses após a notificação exigida pelo artigo
49° n° 1 do diploma. E a data dessa notificação não foi apurada.
Ignora-se, deste modo, se o efeito interruptivo chegou a cessar.
Mas, independentemente do efeito interruptivo do prazo de caducidade,
coincidente com a notificação do início da acção inspectiva; e da eventual
cessação desse efeito, em resultado do alegado prolongamento indevido daquela
acção — independentemente de tudo isso, o certo é que nunca, em 6 de Julho de
2005, estava esgotado o prazo de caducidade do direito à liquidação.
É que do regime dos artigos 45° e 46° da LGT, na sua actual redacção, em caso
algum resulta que da inspecção resulte o encurtamento do prazo geral de
caducidade de quatro anos previsto no n° 1 daquela primeira norma.
Essa redução do prazo só poderia ocorrer em resultado da aplicação do n° 5 do
dito artigo 45°; mas, como se viu, esta norma não rege o presente caso.
Assim, mesmo sem conhecermos outros factos, além dos já apontados, alegados pela
recorrente e não atendidos na sentença, designadamente, que o âmbito da
inspecção foi definido pela própria Administração Fiscal como parcial, e que
houve duas prorrogações do prazo para conclusão da inspecção, mesmo sem isso,
podemos concluir com segurança que não caducou o direito à liquidação.
3.8. Aponta, por último, a recorrente, a violação dos princípios da legalidade,
da proporcionalidade, da necessidade, da imparcialidade, e do numerus clausus em
matéria de impostos.
Aquilo contra o que reagiu a agora recorrente, através do presente processo, foi
o acto de liquidação de IRC relativo ao exercício do ano de 2002.
O êxito da impugnação, ou seja, a anulação desse acto, depende da verificação
judicial de que ele enferma dos vícios invocados pela impugnante, ou de outros
que o juiz deva conhecer por dever de ofício. Já se viu que o acto de liquidação
não foi praticado depois de passado o respectivo prazo de caducidade. E outro
vício próprio do dito acto não aponta a impugnante/recorrente.
O vício que alega — e se consubstancia em a inspecção ter demorado mais do que o
tempo legal — é próprio do procedimento inspectivo, e não se comunica ao de
liquidação.
Como se viu, fora do campo de aplicação do n° 5 do artigo 45° da LGT, do excesso
do prazo de inspecção não resulta o encurtamento do prazo de caducidade do
direito à liquidação, ou seja, o prazo é meramente ordenador ou disciplinador.
O procedimento inspectivo é distinto do de liquidação, ainda que, como estatui o
artigo 11º do RCPIT, sob a epígrafe «impugnabilidade dos actos», tenha «um
carácter meramente preparatório ou acessório dos actos tributários ou em matéria
tributária, sem prejuízo do direito de impugnação das medidas cautelares
adoptadas ou de quaisquer outros actos lesivos dos direitos e interesses
legítimos dois sujeitos passivos e demais obrigados tributários».
Deste modo, e em resultado do carácter meramente preparatório ou acessório
atribuído ao procedimento de inspecção, a regra é que as ilegalidades nele
cometidas se projectam na liquidação, acto definidor da situação tributária do
sujeito passivo. Mas são imediatamente impugnáveis os actos lesivos praticados
no procedimento inspectivo, como será o caso daquele que, ilegalmente, determina
o prolongamento da inspecção, porventura ofendendo, como é tese da recorrente,
os princípios constitucionais da legalidade (ao. prorrogar o prazo para a sua
conclusão para além do que lhe permitia a lei), da proporcionalidade e da
necessidade (ao causar transtornos - em todo o caso, não concretizados
superiores aos que a realização do direito à tributação implicava), e da
«imparcialidade na aplicação do princípio da proporcionalidade», bem como a
garantia da recorrente a um procedimento inspectivo confinado aos limites
temporais fixados na lei.
De todo o modo, o excesso do prazo da inspecção não tem, no caso, nenhum relevo
invalidante quanto à liquidação, já que a impugnante se não queixa de ter havido
violação daqueles princípios e garantias quando a Administração constatou que os
elementos da sua escrita ocultavam a realidade dos seus negócios, impossível de
atingir através de tais elementos, e por isso se viu na necessidade de se
socorrer de métodos indirectos; nem quando a Administração fixou, por essa via,
o seu lucro tributável; nem quando, por fim, lhe fixou o montante de imposto
devido, isto é, a medida do esforço para as despesas da comunidade
correspondente aos ganhos que a sua contabilidade não revelava.
E, assim, o excesso do prazo ordenador fixado na lei não é vício que inquine a
liquidação.”
5. É desta decisão que vem interposto, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º
1 do artigo 70° da Lei do Tribunal Constitucional, o presente recurso de
constitucionalidade, através de um requerimento que tem, em síntese, o seguinte
teor:
“[…] a) O presente recurso é interposto nos termos da al. b) do n. ° 1 do art.
70.° da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações introduzidas pela
Lei n. ° 85/89, de 7 de Setembro e pela Lei n. ° 13-A/98, de 26 de Fevereiro;
b) Pretende a recorrente ver apreciada a inconstitucionalidade dos artigos
conjugados, 46. °, n.° 1 da Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n.°
398/98 de 17 de Dezembro (LGT) e 36.°, n.°s 1 e 2 do Regime Complementar do
Procedimento de Inspecção Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n. ° 413/98 de
31 de Dezembro (RCPIT), na interpretação segundo a qual, os prazos definidos na
Lei para a inspecção tributária, apenas relevam no âmbito do instituto da
caducidade do direito à liquidação, não afectando o seu desrespeito a legalidade
da liquidação, mormente na vigência do n.° 3 do art. 36.°, na redacção anterior
à Lei n.° 50/2005, de 30 de Agosto, conjugado com o n. ° 1, als. a) e b) do art.
14.°, ambos do RCPIT, em sede de procedimento qualificado como parcial;
c) De facto, no modesto entendimento da recorrente, tais normas assim
interpretadas, violam os princípios da proporcionalidade, necessidade,
imparcialidade e legalidade, consagrados no art. 266, n.° 2 da Constituição da
República Portuguesa;
d) A questão da inconstitucionalidade foi suscitada nas Alegações de Recurso
interposto da Sentença de 1 a Instância para o Supremo Tribunal Administrativo,
com data de entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada de 9 de Maio
de 2007 (…)”.
6. Notificada a recorrente para alegar, concluiu do seguinte modo:
“I. Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à
Lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios
da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé
(art. 266.°, n.° 2 da CRP).
II. Por força do princípio da prevalência da lei, dimensão do princípio da
legalidade, os actos da administração devem conformar-se com as leis, sob pena
de violação do princípio da subordinação da administração à lei.
III. Sendo o procedimento inspectivo efectuado em sede de IVA e IRS, tal basta
para que o procedimento inspectivo seja considerado como parcial ou univalente
(al. b) do n.° 1 do art. 14.° do RCPIT).
IV. .A lei determina que o prazo para conclusão do procedimento de inspecção é
de seis meses (art. 36.°, n.° 2 do RCP1T).
V. De acordo com a lei em vigor à data da acção inspectiva na génese dos
presentes autos, a lei não permitia a prorrogação de inspecções de âmbito
parcial ou univalente (art. 36. °, n. ° 3 do RCPIT).
VI. Durante a vigência do n.° 3 do art. 36.°, do RCPIT, na redacção anterior à
Lei n.° 50/2005, de 30 de Agosto, as prorrogações de acção inspectiva de âmbito
parcial, são ilegais.
VII.O prazo de duração da acção inspectiva, não se afigura como meramente
ordenador ou disciplinador.
VIII. O entendimento contrário, conduziria a que desde que respeitado o prazo de
caducidade do direito à liquidação, a inspecção tributária pudesse durar não
seis meses, mas indefinidamente, esvaziando de qualquer conteúdo as normas
legais a que deve obedecer a duração do procedimento de inspecção, as quais
constituem garantias dos contribuintes.
IX. Mais, tal entendimento torna totalmente inúteis os prazos de inspecção, as
condições em que podem os mesmos serem prorrogados, bem como, o imperativo da
notificação de tais prorrogações, o que equivale a presumir que o legislador foi
distraído e colide de frente com o disposto no art. 9.°, n.° 3 do CC
X. Para além, de tal entendimento atentar contra a LGT, diploma que o RCPIT visa
regulamentar, porquanto o legislador definiu os casos restritos em que pode ser
efectuado mais do que um procedimento inspectivo relativo ao mesmo período (n. °
3 do art. 63.° da LGT).
XI. Na verdade, se o legislador pretendeu evitar que o contribuinte fosse
sujeito a várias fiscalizações relativas ao mesmo período, tal entendimento
conduziria, salvo o devido respeito, a deixar entrar pela janela aquilo a que o
legislador fechou a porta.
XII. Apenas agindo de forma ilegal, a Administração Fiscal finalizou o
procedimento inspectivo, motivo pelo qual, estando a actuação daquela sujeita ao
princípio da legalidade consagrado no art. 266.°, n.° 2 da CRP, não deveria ter
prevalecido a liquidação por resultar de uma inspecção ilegalmente efectuada.
XIII. Assim, estabelecendo a lei o prazo de seis meses para a conclusão do
procedimento de inspecção, prazo que não se afigura como meramente ordenador ou
disciplinador e, que em sede de procedimento inspectivo de âmbito parcial ou
univalente não podia sequer, antes da entrada em vigor da Lei n.° 50/2005, de 30
de Agosto ser prorrogado, os artigos conjugados 46.°, n.° 1 da LGT e 36.°, n.°s
1 e 2 do RCPIT, são inconstitucionais na interpretação segundo a qual, os prazos
definidos na Lei para a inspecção tributária, apenas relevam no âmbito do
instituto da caducidade do direito à liquidação, não afectando o seu desrespeito
a legalidade da liquidação, por violação do princípio da legalidade consagrado
no art. 266. °, n.° 2 da CRP.
XIV.O Legislador do RCPIT, consagrou, em regra, o prazo de seis meses para
conclusão da inspecção tributária, no cumprimento do princípio legal da
proporcionalidade, consagrado no n.° 2 do art. 266.° da CRP, considerando tal
prazo, como de entre os meios adequados à prossecução do interesse público,
aquele que menos sacrifício representa para os particulares.
XV. Na sua actuação a Administração Fiscal encontra-se ainda vinculada ao
princípio da imparcialidade, por imperativo constitucional, consagrado no art.
66.°, n.° 2 da CRP, principio que aquando da colisão entre o interesse público e
o interesse particular, impede a Administração Fiscal de impor aos particulares
mais do que o mínimo de sacrifício;
XVI. Assim, estabelecendo a lei o prazo de seis meses para a conclusão do
procedimento de inspecção, prazo que se configura como de entre os adequados à
prossecução do interesse público, aquele que menos sacrifício representa para os
contribuintes, os artigos conjugados 46°, n. ° 1 da LGT e 36.°, n.°s 1 e 2 do
RCPIT, são inconstitucionais na interpretação segundo a qual, os prazos
definidos na Lei para a inspecção tributária, apenas relevam no âmbito do
instituto da caducidade do direito à liquidação, não afectando o seu desrespeito
a legalidade da liquidação por violação dos princípios da proporcionalidade,
necessidade e imparcialidade, consagrados no art. 266°, n. ° 2 da CRP.
XVII. Nas alegações de recurso para o Tribunal Constitucional pode ser invocada
a violação de normas e princípios constitucionais, cuja violação não havia sido
invocada durante o processo ou sequer no requerimento de interposição do recurso
de inconstitucionalidade, porquanto não acarretam alteração do objecto do
recurso.
XVIII. Na sua actuação os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à
Constituição (art. 266. °, n.° 2 da CRP (1ª parte).
XIX. O Estado subordina-se à Constituição e funda-se na legalidade democrática,
sendo que a validade dos actos praticados por qualquer entidade pública depende
da conformidade com a Constituição (art. 3.° n.°s 2 e 3.° da CRP).
XX. Assim, determinando a CRP que a Administração deve actuar no respeito pelo
princípio da legalidade, proporcionalidade, necessidade, imparcialidade,
consagrados no seu art. 266. °, n.° 2, os artigos conjugados, 46. °, n.° 1 da
LGT e 36.°, n.°s 1 e 2 do RCPIT, na interpretação segundo a qual, os prazos
definidos na Lei para a inspecção tributária, apenas relevam no âmbito do
instituto da caducidade do direito à liquidação, não afectando o seu desrespeito
a legalidade da liquidação, mormente na vigência do n.° 3 do art. 36.°, na
redacção anterior à Lei n.° 50/2005, de 30 de Agosto, conjugado com o n. ° 1,
als. a) e b) do art. 14°, ambos do RCPIT, em sede de procedimento qualificado
como parcial, são ainda inconstitucionais por violação dos arts. 2.°, 3º, 266. °
n° 2 (1ª parte) da CRP.
XXI. Em sede de Direito Fiscal, atendendo à sua natureza, o Legislador
Constitucional consagrou em sede de princípio da legalidade, um “plus”,
relativamente à actuação da generalidade da Administração, consagrado no art.
266. °, n.° 2 da CRP, que se manifesta em sede de liquidação dos impostos (art.
103.°, n.° 2 e 3 da CRP).
XXII. Assim, estabelecendo a lei o prazo de seis meses para a conclusão do
procedimento de inspecção, prazo que não se afigura como meramente ordenador ou
disciplinador e, que em sede de procedimento inspectivo de âmbito parcial ou
univalente não podia sequer, antes da entrada em vigor da Lei n.° 50/2005, de 30
de Agosto ser prorrogado, os artigos conjugados 46°, n° 1 da LGT e 36°, n.°s 1 e
2 do RCPIT, são inconstitucionais na interpretação segundo a qual, os prazos
definidos na Lei para a inspecção tributária, apenas relevam no âmbito do
instituto da caducidade do direito à liquidação, não afectando o seu desrespeito
a legalidade da liquidação por violação do princípio da legalidade fiscal
consagrado no art. 103. °, n.°s 1 e 2 da CRP. Nestes termos, nos melhores de
direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., devem as presentes
alegações e respectivas conclusões serem recebidas e as questões de
inconstitucionalidade suscitadas serem apreciadas e em consequência, declaradas
inconstitucionais as normas conjugadas em causa, nos termos expostos, com todas
as consequências legais dai advindas.
7. Notificada para responder, querendo, à alegação do recorrente, a Fazenda
Pública veio sustentar a improcedência do recurso.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
II – Fundamentação.
8. Os preceitos de que se extrai a norma cuja constitucionalidade a recorrente
pretende ver apreciada têm o seguinte teor:
O artigo 46º da LGT:
“1. O prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos
termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da acção de inspecção
externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo desde o seu
início, caso a duração da inspecção externa tenha ultrapassado o prazo de 6
meses”.
O artigo 36º, nºs 1 e 2 do RCPIT:
“1. O procedimento de inspecção tributária pode iniciar-se até ao termo do prazo
de caducidade do direito de liquidação dos tributos ou do procedimento
sancionatório, sem prejuízo do direito de exame de documentos relativos a
situações tributárias já abrangidas por aquele prazo, que os sujeitos passivos e
demais obrigados tributários tenham a obrigação de conservar.
2. O procedimento de inspecção é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo
de seis meses a contar da notificação do seu início”.
Considerou a decisão recorrida que o desrespeito pelo prazo de 6 meses ali
definido para a realização da inspecção tributária apenas releva no âmbito do
instituto da caducidade, determinando a cessação da suspensão do prazo de
caducidade, que se passará a contar (sem suspensão) desde o seu início, mas não
determina a invalidade da própria liquidação. Diferentemente, sustenta a
recorrente que o desrespeito daquele prazo determina a invalidade (nulidade) da
própria liquidação e, para o que agora importa, que os preceitos em causa são
inconstitucionais, designadamente por violação dos princípios da legalidade,
proporcionalidade, necessidade e imparcialidade, consagrados no art. 266º, n.º 2
da Constituição, quando interpretados, como na decisão recorrida, no sentido de
que “os prazos definidos na lei para a inspecção tributária apenas relevam no
âmbito do instituto da caducidade do direito à liquidação, não afectando o seu
desrespeito a legalidade da liquidação, mormente na vigência do n.º 3 do art.
36°, na redacção anterior à Lei n.º 50/2005, de 30 de Agosto, conjugado com o n.
° 1, als. a) e b) do art. 14°, ambos do RCPIT, em sede de procedimento
qualificado como parcial”.
Antes, porém, de apreciar a questão colocada, importa sublinhar que, dada a
natureza da intervenção do Tribunal Constitucional no âmbito do processo de
fiscalização concreta, restrita à apreciação da constitucionalidade da norma
efectivamente aplicada na decisão recorrida, não está em causa neste recurso,
nem poderia nunca estar, a determinação de qual a “melhor interpretação” das
normas infraconstitucionais questionadas. Com esta advertência, analisemos então
a questão de constitucionalidade.
9. Será inconstitucional, como entende a recorrente, designadamente por violação
dos princípios consagrados no art. 266º, n.º 2, da Constituição, interpretar os
preceitos supra identificados no sentido de considerar que o desrespeito pelo
prazo de 6 meses neles definido para a realização da inspecção tributária apenas
releva no âmbito do instituto da caducidade, determinando a cessação da
suspensão do prazo de caducidade, que passará a contar-se (sem suspensão) desde
o seu início, mas sem determinar a invalidade da própria liquidação? Vejamos.
9.1. Desde logo é manifesto que a interpretação normativa que vem questionada
não implica qualquer violação do princípio constitucional da legalidade (B.1 a
B.22 das alegações de recurso e conclusões I a XIII). Com efeito, considerando a
decisão recorrida que a consequência legalmente prevista para o incumprimento do
prazo definido para a realização da inspecção tributária é a cessação da
suspensão do prazo de caducidade (consequência resultante directamente do
próprio teor do preceito questionado), deixa de ter qualquer sentido a
invocação, nesta sede, da violação do princípio da legalidade. É certo que, na
interpretação que a ora recorrente faz das normas de direito infraconstitucional
relevantes, a consequência legalmente estabelecida para aquele incumprimento
seria outra (a invalidade da liquidação); mas, como é evidente, esta já não é
uma questão de constitucionalidade normativa, que a este Tribunal caiba dirimir,
mas de mera interpretação do direito ordinário, que, no caso, como já se viu, é
da exclusiva competência dos tribunais fiscais.
9.2. A interpretação normativa que vem questionada também não viola, por outro
lado, os princípios constitucionais da proporcionalidade ou da necessidade (B.23
a B.34 das alegações de recurso e conclusões XIV a XVI). Com efeito, ao mesmo
tempo que tem reconhecido a consagração constitucional desses princípios, o
Tribunal Constitucional tem, contudo, também reiteradamente, sublinhado que se
não deve simultaneamente perder de vista que o juízo de constitucionalidade se
não pode confundir com um juízo sobre o mérito da lei, pelo que não cabe ao
Tribunal Constitucional substituir-se ao legislador na determinação das opções
políticas sobre a necessidade ou a conveniência de uma concreta opção
legislativa. Na verdade, é pacífico que não pertence aos órgão jurisdicionais,
mas sim às entidades dotadas de poder legislativo, a deliberação não só sobre a
oportunidade desta ou daquela lei mas também sobre a sua bondade intrínseca. Daí
que ao juiz constitucional apenas caiba verificar a conformidade das normas
aplicadas com os critérios constitucionais, sem transformar o juízo de
constitucionalidade em juízo sobre o mérito da própria lei.
Isto dito, é manifesto que a opção legislativa por que, na interpretação da lei
que faz a decisão recorrida, optou o legislador – i.e., fixar um prazo regra de
seis meses para a realização da inspecção tributária e sancionar o seu
incumprimento com a cessação da suspensão do prazo de caducidade, em vez de
fulminar esse incumprimento com a nulidade da liquidação – não pode entender-se
como manifestamente desproporcionada do ponto de vista dos interesses em jogo em
termos de permitir um juízo de censura por parte deste Tribunal. Quer porque
essa solução visa assegurar que o Estado arrecada a receita fiscal que lhe é
devida, quer porque ela não desprotege o contribuinte na medida em que
precisamente sanciona o incumprimento daquele prazo com a cessação da suspensão
do prazo de caducidade.
9.3. Afirma ainda a recorrente que a interpretação normativa que vem questionada
viola o princípio da imparcialidade (B.35 a B.38 das alegações de recurso e
conclusão XVI). Verifica-se, porém, que, na fundamentação deste ponto, a
recorrente acaba por reconduzir esta questão à da violação do princípio da
proporcionalidade, já apreciada no ponto anterior, pelo que apenas há que
concluir, também aqui, pela improcedência do que vem alegado.
9.4. Finalmente (C.39 a C.54 das alegações de recurso e conclusões XVII a XXII),
invoca a recorrente a violação dos artigos 2º, 3º, e 103º, nºs 2 e 3 da
Constituição. Trata-se, como a própria reconhece, da invocação da violação de
princípios e normas que não tinham sido por si invocadas nem perante o Tribunal
que proferiu a decisão recorrida nem no requerimento de interposição do recurso
de constitucionalidade. Porém, e independentemente da questão de saber se, em
geral, isso impede ou não a apreciação do recurso nesta parte, a verdade é que,
no caso concreto, a invocação destes preceitos e princípios nada acrescenta,
manifestamente, à invocação daqueles que já tinham sido alegados pela recorrente
durante o processo e apreciados por este Tribunal nos pontos imediatamente
anteriores. Com efeito, não só já se concluiu que não há, na interpretação
normativa que vem questionada, qualquer violação do princípio da legalidade,
constitucionalmente censurável – questão que vem reiterada a propósito dos
artigos 2º, 3º, e 103º, nºs 2 e 3 da Constituição –, como também nada acrescenta
agora a invocação dos princípios da constitucionalidade ou do Estado de direito,
que, no caso, só poderiam ser eventualmente violados se procedessem os
fundamentos antes invocados pela recorrente.
Nestas circunstâncias, nada mais resta ao Tribunal do que concluir pela
improcedência do recurso interposto.
III – Decisão
Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco)
unidades de conta.
Lisboa, 25 de Setembro de 2008
Gil Galvão
José Borges Soeiro
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Rui Manuel Moura Ramos