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Processo n.º 627/08
1ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
EM CONFERÊNCIA DA 1ª SECÇÃO ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
I.
Relatório
A. recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na
alínea b) do n. 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC) para
“apreciação da inconstitucionalidade da norma contida no art. 340.º do Código de
Processo Penal na parte em que permite que o Tribunal assuma postura
intoleravelmente acusatória e, por sua iniciativa e ultrapassando os limites da
própria acusação, possa, para obter a condenação do arguido, ordenar oficiosa e
indiscriminadamente a produção de meios de prova, por ofensa das garantias de
defesa consagradas no art. 32.º da Constituição”.
Nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82 de 15 de
Novembro, LTC, foi proferida Decisão Sumária de não conhecimento do objecto do
recurso, com o seguinte teor:
“ A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b)
do n. 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC) para apreciação
da inconstitucionalidade da norma contida no artigo 340.º do Código de Processo
Penal na parte em que 'permite que o Tribunal assuma postura intoleravelmente
acusatória e, por sua iniciativa e ultrapassando os limites da própria acusação,
possa, para obter a condenação do arguido, ordenar oficiosa e
indiscriminadamente a produção de meios de prova'.
Ora, uma vez que o recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC
tem carácter normativo e que cabe exclusivamente ao recorrente – sem
interferência do Tribunal –, no requerimento de interposição do recurso, definir
o seu âmbito, deve concluir-se que o recorrente pretende impugnar, por
inconstitucional, a norma retirada do artigo 340º do Código de Processo Penal
com o sentido de permitir que o 'Tribunal assuma postura intoleravelmente
acusatória e, por sua iniciativa e ultrapassando os limites da própria acusação,
possa, para obter a condenação do arguido, ordenar oficiosa e
indiscriminadamente a produção de meios de prova'.
Todavia, é bem certo que a decisão recorrida não aplicou uma tal norma. Por esse
motivo, o Tribunal não pode conhecer do objecto do recurso”.
Notificado, o recorrente reclama contra tal decisão, com os
seguintes fundamentos:
1 – Demonstram os autos com a necessária segurança que o Tribunal da Comarca de
Setúbal, no decurso do julgamento, ordenou, por sua exclusiva iniciativa, a
coberto do disposto no art. 340.º do Código de Processo Penal, a produção de
prova não constante da acusação nem da defesa.
2 – Igualmente revelam os autos que a prova assim recolhida foi decisiva para a
condenação do arguido.
3 – A questão da inconstitucionalidade do referido dispositivo normativo foi
levantada no recurso para o Tribunal da Relação que a ela especificadamente se
referiu como a “2.ª questão” a resolver nos autos, tendo aquele douto Tribunal
optado por não considerar inconstitucional nenhum dos dispositivos normativos
constantes do art. 340.º do Código de Processo Penal não obstante de parte do
artigo resultar que o Tribunal possa assumir, ao ordenar a produção de meios de
prova não constantes da acusação, postura intoleravelmente acusatória, reunindo
as funções de acusar e de julgar no mesmo sujeito processual, o que se afigurou
e afigura ofensivo dos direitos de defesa consagrados no art. 32º da
Constituição.
4 – Parece, por outro lado, óbvio que o Tribunal da Relação aplicou, pelo menos
implicitamente, o art. 340.º do Código de Processo Penal com a sua amplitude
máxima, ou seja, com o entendimento de que é possível ao Tribunal, por
iniciativa própria, ordenar a produção de quaisquer meios de prova, ainda que
confundindo no mesmo sujeito processual as funções de acusar e julgar.
5 – É contra esta possibilidade que se insurgiu o recorrente, alegando a
inconstitucionalidade do dispositivo normativo contido no art. 340.º do Código
de Processo Penal na parte em que, em nome do princípio da descoberta da verdade
material, permite se atropelam direitos de defesa essenciais, no pressuposto
maquiavélico de que os fins justificam os meios.
O representante do Ministério Público junto deste Tribunal é de opinião de que a
reclamação não logra abalar o essencial da fundamentação da decisão, pelo que
esta deverá ser 'mantida e aquela indeferida'.
II.
Fundamentação
O recurso interposto assenta num equívoco do recorrente, agora evidenciado na
reclamação em análise.
Com efeito, tal como é disciplinado no artigo 70º n.º1 alínea b) da Lei n.º
28/82 de 15 de Novembro, o recurso de fiscalização concreta de
inconstitucionalidade versa sobre norma ou normas jurídicas efectivamente
aplicadas nas decisões dos tribunais, apesar da prévia acusação de
inconstitucionalidade regularmente formulada no processo pelo recorrente.
O Tribunal tem entendido, ainda, que é ao recorrente que incumbe enunciar a
norma que o tribunal recorrido aplicou e que acusa de apresentar desconformidade
com a Constituição, pois só a ele compete definir o âmbito do seu recurso.
Pois bem: ao enunciar a norma cuja constitucionalidade impugna, diz o recorrente
que o seu sentido permite que o Tribunal assuma postura intoleravelmente
acusatória e, por sua iniciativa e ultrapassando os limites da própria acusação,
possa, para obter a condenação do arguido, ordenar oficiosa e
indiscriminadamente a produção de meios de prova. Ora, é bem certo que o
Tribunal recorrido não utilizou qualquer norma com o sentido de o habilitar a
assumir postura intoleravelmente acusatória, ou a ultrapassar os limites da
própria acusação, ordenando oficiosa e indiscriminadamente a produção de meios
de prova, a fim de obter a condenação do arguido. O que o Tribunal fez foi, de
acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 340.º do Código de Processo Penal
(preceito que encerra os princípios gerais referentes à produção da prova em
processo penal), ordenar oficiosamente a produção dos meios de prova cujo
conhecimento se lhe afigurou necessário para a descoberta da verdade e a boa
decisão da causa, regra que, assim formulada, pouco ou mesmo nada tem a ver com
aquela que o recorrente enunciou.
Deduz-se, no entanto, do teor da reclamação que o recorrente invoca que a
faculdade que o preceito confere ao tribunal permitiu que, no caso concreto,
este tivesse assumido 'postura intoleravelmente acusatória”, assim ultrapassando
'os limites da própria acusação'.
Mas, como é patente, esta crítica dirige-se à actuação do Tribunal recorrido e
não ao conteúdo normativo que o artigo 340.º do Código de Processo Penal
encerra, ou seja, à norma que a disposição legal contém.
Por isso se deve entender que a questão que o recorrente coloca, formalmente
materializada numa proposição de natureza pretensamente normativa que, em termos
substanciais, significa uma crítica à decisão do Tribunal, nunca poderá ser
conhecida no âmbito do recurso de inconstitucionalidade definido na citada
alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, pois visa identificar, como objecto do
recurso, uma norma que o tribunal recorrido efectivamente não aplicou.
III.
Decisão:
Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a
reclamação, mantendo nos precisos termos a decisão sumária de não conhecimento
do recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em vinte UC.
Lisboa, 8 de Outubro de 2008
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Gil Galvão