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Processo n.º 623/08
1ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
EM CONFERÊNCIA NA 1ª SECÇÃO ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
I.
Relatório
1.
O A., Lda. não se conformando com o acórdão proferido no Supremo Tribunal de
Justiça, em 10 de Maio de 2007, que lhe negou a revista, interpôs recurso para o
Tribunal Constitucional, ao abrigo das alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 70.º
da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), nos seguintes termos:
“a) O Douto Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça recusou a
aplicação, ao caso dos autos, das normas jurídicas constantes dos art.ºs 158.º,
n.º 1, 659.º, n.º 2, e 668.º, n.º 1, al. b), todos do C.P.C.,
b) Quando por exigência legal de fundamentação da decisão, a Douta Decisão
proferida nos presentes autos deveria ter discriminado os factos considerados
provados, de forma explicita, aplicando a posterior as normas jurídicas
inerentes ao caso sub judice.
c) O próprio Acórdão recorrido afirma que o texto da sentença da 1.ª instância,
que o acórdão da Relação importou e subscreveu, é de uma secura sintética, e
aceita que há alguma irregularidade na transposição da matéria de facto para o
acórdão (e, antes, para a sentença) e que a mesma pode arrastar uma nulidade.
d) Deste modo, o Douto Acórdão recusou a aplicação de normas jurídicas
consagradas na nossa lei e contrariou o princípio constitucionalmente consagrado
no art. 205.º, n.º 1, da Constituição da Republica Portuguesa que prescreve o
seguinte:
“As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na
forma prevista na lei.”
e) O que foi afirmado nas alegações apresentadas junto do Tribunal da Relação de
Lisboa e reafirmado nas alegações apresentadas junto do Supremo Tribunal da
Justiça.
f) Por outro lado, o Douto Acórdão recorrido recusou a aplicação das normas
jurídicas constantes dos art.ºs 511º, n.º 1, e 729.º, n.º 3, ambos do C.P.C., ao
caso concreto, ao não ampliar a matéria de facto relevante, segundo as várias
soluções plausíveis da questão de direito.
g) Deste modo, não foi permitido à ora recorrente a defesa dos seus direitos e
interesses legítimos, violando-se o disposto no art.º 20.º da C.R.P.”
2.
Todavia, o recurso não lhe foi admitido pelos seguintes fundamentos:
“[...] Em primeiro lugar, não está aplicada (nem o recorrente indica qual seja)
qualquer norma cuja inconstitucionalidade houvesse sido suscitada nos autos;
Em segundo lugar, não foi recusada a aplicação de qualquer norma “com fundamento
na sua ilegalidade por violação da lei com valor reforçado (nem a recorrente
indica qual seja essa, pretensa, norma)[...]”.
3.
Inconformado com a decisão de não admissão do recurso, O A., Lda. reclama
directamente para o Tribunal Constitucional, nos termos do disposto nos artigos
76.º n.º 4 e 77.º da LTC, dizendo:
“ 1. O Supremo Tribunal de Justiça por despacho de fls. 492 decidiu o seguinte:
“... não se admite o recurso, por inadmissível. Em primeiro lugar, não está
aplicada (nem a recorrente indica qual seja) qualquer norma cuja
inconstitucionalidade concreta tenha suscitado nos autos;
Em segundo lugar, não foi recusada a aplicação de qualquer norma com fundamento
na sua ilegalidade por violação da lei com valor reforçado (nem a recorrente
indica qual seja essa, pretensa, norma).
2. Ora, salvo o devido respeito, o Tribunal «a quo» não tem razão, uma vez que o
recurso interposto para o Tribunal Constitucional deve ser admitido, por
admissível.
3. A ora reclamante recorreu, do Douto Acórdão proferido pelo STJ, para o
Tribunal Constitucional, com os seguintes fundamentos:
a) O Douto Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça recusou a
aplicação, ao caso dos autos, das normas jurídicas constantes dos art.ºs 158.º,
n.º 1, 659.º, n.º 2, e 668.º, n.º 1, al. b), todos do C.P.C.,
b) Quando por exigência legal de fundamentação da decisão, a Douta Decisão
proferida nos presentes autos deveria ter discriminado os factos considerados
provados, de forma explicita, aplicando a posterior as normas jurídicas
inerentes ao caso sub judice.
e) O próprio Acórdão recorrido afirma que o texto da sentença da 1.ª instância,
que o acórdão da Relação importou e subscreveu, é de uma secura sintética, e
aceita que há alguma irregularidade na transposição da matéria de facto para o
acórdão (e, antes, para a sentença) e que a mesma pode arrastar uma nulidade.
d) Deste modo, o Douto Acórdão recusou a aplicação de normas jurídicas
consagradas na nossa lei e contrariou o princípio constitucionalmente consagrado
no art. 205.º, n.º 1, da Constituição da Republica Portuguesa que prescreve o
seguinte:
“As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na
forma prevista na lei.”
e) O que foi afirmado nas alegações apresentadas junto do Tribunal da Relação de
Lisboa e reafirmado nas alegações apresentadas junto do Supremo Tribunal da
Justiça.
1) Por outro lado, o Douto Acórdão recorrido recusou a aplicação das normas
jurídicas constantes dos art.ºs 511.º, n.º 1, e 729.º, n.º 3, ambos do C.P.C.,
ao caso concreto, ao não ampliar a matéria de facto relevante, segundo as várias
soluções plausíveis da questão de direito.
g) Deste modo, não foi permitido, à ora recorrente, a defesa dos seus direitos e
interesses legítimos, violando-se o disposto no art. 20.º da C.R.P.
h) O presente recurso tem fundamento nas alíneas b) e e) do n.º 1 do art. 70.º
da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (vd. art. 280.º, n.º 1, al. b) e n.º
2, al. a), da CRP).
4. Com estes fundamentos o recurso deve ser admitido, por admissível, uma vez
que:
a) O Tribunal «a quo» no seu Douto Acórdão não deu cumprimento às normas
constantes dos art.ºs 158º, n.º 1, 659º, n.º 2, e 668º, n.º 1, al, b), todos do
C.P.C., violando deste modo o disposto no n.º 1 do art.º 205º da C.R.P.;
b) O Douto Acórdão recorrido é, pois, inconstitucional, por violação da citada
norma constitucional. Esta inconstitucionalidade foi arguida nos presentes
autos;
c) A necessidade da fundamentação prende-se com a própria garantia do direito ao
recurso e tem a ver com a legitimação da decisão judicial em si mesma. A
exigência de fundamentação tem a natureza imperativa, é um princípio geral, que
a própria Constituição consagra e que tem de ser observado nas decisões
judiciais — o que no caso concreto não aconteceu. (vd. Ac. n.º 55/85 do TC, de
25.03.1985: in Ac.s TC, 5.º — 467 e ss.);
d) O Tribunal «a quo» recusou a aplicação das normas jurídicas constantes dos
art.ºs 511.º, n.º 1, e 729.º, n.º 3, ambos do C.P.C., ao não ampliar a matéria
de facto relevante, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito,
em violação da Constituição da República Portuguesa, designadamente do seu art.
20º;
e) Pela citada norma constitucional, a todos os cidadãos é assegurado o acesso
ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente
protegidos. Sendo que, para defesa dos direitos a lei assegura aos cidadãos
procedimentos judiciais de modo a obterem tutela efectiva dos seus direitos.
f) Nos presentes autos, estes direitos da Recorrente não foram acautelados.
g) A resolução das questões de inconstitucionalidade suscitadas reflectir-se-á
no julgamento do tema substantivo sujeito à apreciação da decisão recorrida,
implicando uma alteração do deliberado quanto ao tema — necessidade de uma
fundamentação fáctica adequada da decisão proferida nos presentes autos;
apreciar se os factos fixados pelas instâncias são suficientes para a decisão de
direito de modo a ser obtida tutela efectiva dos direitos legalmente protegidos
da recorrente (…)”.
4.
O representante do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu, quanto à
reclamação, o parecer que seguidamente se transcreve:
“A presente reclamação carece manifestamente de fundamento sério.
Note-se liminarmente que o requerimento de interposição de recurso é
intrinsecamente contraditório, ao invocar, por um lado, as alíneas b) e c) do
n.º 1 do art. 70.º da Lei n.º 28/82 e, por outro lado, ao fundar tal recurso
para este Tribunal Constitucional em pretensa “recusa de aplicação” de vários
preceitos da lei de processo civil, sem ter em conta que – obviamente – tal “não
aplicação” pelo STJ dos ditos regimes adjectivos se não fundava em qualquer
juízo de desconformidade com a Lei Fundamental.”
Cumpre decidir.
II.
Fundamentação
5.
O recurso em análise foi interposto ao abrigo das alíneas b) e c) do n.º 1 do
artigo 70.º da LTC.
Em ambos os casos o recurso tem carácter normativo, sendo restrito, quanto ao
previsto na alínea b), à questão da inconstitucionalidade de norma aplicada na
decisão recorrida, e quanto ao restante, à questão da ilegalidade da norma que a
decisão recorrida recusou aplicar com fundamento na violação de lei com valor
reforçado.
Todavia, no requerimento de interposição – onde fica definido o tipo e o âmbito
do recurso – a sociedade ora reclamante não definiu qualquer questão de
inconstitucionalidade de carácter normativo, pois não identifica qualquer norma
que, aplicada na decisão como sua ratio decidendi, se revela desconforme com a
Constituição.
Não, pode, por isso, ser admitido o recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do
artigo 70º da LTC.
6.
Por outro lado, o recurso previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC
cabe das decisões que recusem a aplicação de norma com fundamento na violação de
lei com valor reforçado, e a verdade é que a sociedade recorrente não
identifica, no seu requerimento, qualquer norma cuja aplicação tenha sido
recusada no acórdão recorrido, com o aludido fundamento, nem da leitura da
decisão impugnada resulta que tal haja sucedido.
O recurso interposto não tem, por isso, objecto.
Na verdade, o reclamante visa atacar a decisão em si mesma considerada,
contrariando a natureza normativa do recurso ao imputar as eventuais
desconformidades constitucionais à própria decisão de que recorre e ao confundir
a recusa de aplicação da norma, por violação de lei reforçada, com a livre
escolha do direito aplicável e a consequente opção pelas normas relevantes ao
caso, actividade onde não cabe a pronúncia do Tribunal Constitucional.
Decisão:
5.
Em face do exposto, conclui-se que não é de admitir o recurso de
constitucionalidade interposto, pelo que se decide indeferir a presente
reclamação, mantendo o despacho reclamado.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 31 de Julho de 2008
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Gil Galvão