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Processo n.º 406/08
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos
do Tribunal da Relação de Évora, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério
Público, o relator proferiu decisão sumária de não conhecimento do objecto do
recurso, com os seguintes fundamentos:
«[…] 2. Apuram-se as seguintes ocorrências processuais, na parte que agora
interessa:
− A. foi condenado, por sentença do Tribunal Judicial da Comarca de Beja, pela
prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p.
pelos artigos 292.º e 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 95
dias de multa e ainda na proibição de condução de veículos com motor pelo
período de sete meses.
− Inconformado, o arguido recorreu para o Tribunal da Relação de Évora que, por
acórdão de 01.04.2008, ora recorrido, negou provimento ao recurso.
3. Independentemente de o requerimento de interposição do recurso não conter
todas as indicações exigidas no artigo 75.º-A, n.ºs 1 e 2, da LTC − omitindo,
desde logo, a norma cuja inconstitucionalidade pretende ver apreciada −
revela-se inútil o convite ao aperfeiçoamento, nos termos previstos no n.º 6 do
mesmo preceito legal, uma vez que é manifesta a falta dos pressupostos
necessários ao conhecimento do objecto do recurso.
Porquanto o recorrente não suscitou, no decurso do processo, qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa, susceptível de constituir objecto do recurso de
constitucionalidade. Antes se limitou a imputar, à decisão recorrida, a violação
de normas da Constituição, nunca apontando qualquer dimensão normativa
incompatível com a lei fundamental. É o que resulta evidente da leitura das
alegações, e respectivas conclusões, do recurso que interpôs para o Tribunal da
Relação de Évora (cfr. fls. 27 e ss. dos autos).
4. Pelo exposto, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decide-se não
conhecer do objecto do presente recurso.[…]»
2. Notificado da decisão, o recorrente veio reclamar para a conferência, ao
abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, invocando o seguinte:
«[…] 3º
Nos termos do artigo 75º-A da LCT, o recurso para o Tribunal Constitucional tem
como fundamento, quer a aplicação da norma pelos tribunais comuns já julgada
inconstitucional ou ilegal pelo Tribunal Constitucional ou pela Comissão
Constitucional, ou a norma ou princípio constitucional que se considera violado
pela decisão recorrida.
4°
Ora, conforme resulta dos autos, ficou provada a integração pessoal, social,
profissional e familiar do Recorrente, o qual, como técnico comercial do
Agrupamento de Produtores Agro-Pecuários, provia ao sustento do seu agregado
familiar constituído por mulher e dois filhos.
5º
Nessa medida e face ao estatuto familiar e profissional do Recorrente se
constatava que a privação do uso da carta iria ter consequências directas, quer
na sua profissão e manutenção do seu posto de trabalho, quer nos rendimentos do
seu agregado familiar.
6º
Deste modo e pelo exposto, é que foi alegado que a privação da carta na situação
concreta como restritivo ao direito do Recorrente, quando do uso da carta
depende o exercício da profissão e o rendimento familiar, afectava a
proporcionalidade, a proibição do excesso e a extensão dos princípios
constitucionais.
7º
Que, no caso concreto, correspondiam à violação do direito ao emprego e ao
trabalho dos artigos 53° a 58° da CRP.
8°
Ora esta situação foi claramente levantada já nas alegações para o Tribunal da
Relação de Évora, pelo que o Recorrente efectivamente suscitou no decurso do
processo a questão da inconstitucionalidade normativa da privação da condução
pelos sete meses a que foi condenado.
9º
Assim, as normas que lhe foram aplicadas para tal condenação não são em tese
inconstitucionais, mas são-no na sua aplicação exorbitante ao caso concreto e
como violadoras de princípios constitucionais.
III - A INCONSTITUCIONALIDADE DA NORMA EM CONCRETO
10º
Do alegado verifica-se que, rigorosamente não podia o Recorrente indicar uma
norma cuja aplicação fosse inconstitucional no seu carácter geral.
11º
O que disse no seu requerimento de interposição e mantém é que a não aplicação
das normas de atenuação especial da pena, de suspensão da mesma e de eventual
falta de proporcionalidade o princípio do artigo 18° da CRP com reflexo nos
artigos 53º e 58º da mesma lei fundamental.
Nestes termos e nos mais de Direito, deve a presente reclamação ser julgada
procedente e provada e por via dela ser submetido o caso sub judice à
conferência para que sobre a matéria da referida decisão singular recaia acórdão
com todas as legais consequências, com o que se fará a costumada JUSTIÇA [...]»
3. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal respondeu nos
termos seguintes:
«1º
A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2º
Na verdade, a argumentação do reclamante em nada abala os fundamentos da douta
decisão reclamada, no que toca à evidente inverificação dos pressupostos do
recurso interposto.»
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. A decisão sumária reclamada pronunciou-se no sentido do não conhecimento do
objecto do recurso, com fundamento na não suscitação, pelo recorrente, de uma
questão de inconstitucionalidade normativa, susceptível de constituir objecto do
recurso de constitucionalidade.
A reclamação agora apresentada em nada abala este fundamento. Pelo contrário, o
próprio reclamante admite a falta deste pressuposto do recurso de
constitucionalidade quando refere, no artigo 10.º da reclamação, que
«rigorosamente não podia o Recorrente indicar uma norma cuja aplicação fosse
inconstitucional no seu carácter geral.» E acrescenta que o que reputa
inconstitucional é a aplicação da norma ao caso concreto (cfr. artigo 11.º da
reclamação), o que equivale a dizer que assaca a inconstitucionalidade à decisão
recorrida em si mesmo considerada.
Ora, o controlo exercido pelo Tribunal Constitucional tem natureza estritamente
normativa, apenas podendo incidir sobre o resultado interpretativo de
determinada norma, não podendo incidir sobre o juízo subsuntivo de aplicação da
norma ao caso concreto, como é aqui o caso.
Termos em que se conclui pela manifesta improcedência da reclamação
III. Decisão
Pelo exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 23 de Setembro de 2008
Joaquim de Sousa Ribeiro
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos