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Processo n.º 657/08
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. A., notificado do despacho do Conselheiro Relator do
Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 3 de Julho de 2008, que não admitiu
recurso por ele interposto para o Tribunal Constitucional, apresentou reclamação
do mesmo despacho “para o Presidente do Tribunal Constitucional (…), ao abrigo
do artigo 405.º, n.º 1, do Código de Processo Penal”.
À reclamação contra despachos de não admissão de recurso
para o Tribunal Constitucional é aplicável o disposto nos artigos 76.º, n.º 4, e
77.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada,
por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), e não o artigo
405.º do Código de Processo Penal (CPP), invocado pelo reclamante, e o seu
julgamento cabe à conferência referida no artigo 78.º‑A, n.º 3, daquela Lei.
1.1. O despacho reclamado tem o seguinte teor:
“O arguido A. veio, após notificação, indicar que o recurso para o
Tribunal Constitucional é interposto ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º
1, alínea b), e n.º 2, ambos da Lei do Tribunal Constitucional.
De harmonia com o disposto no n.º 3 desse mesmo artigo 70.º, «são
equiparadas a recursos ordinários as reclamações para os presidentes dos
tribunais superiores, nos casos de não admissão ou de retenção do recurso, bem
como as reclamações dos despachos dos juízes relatores para a conferência».
O arguido pretende interpor, em matéria de constitucionalidade,
recurso da «decisão sumária nos termos do artigo 417.º, n.º 6, do Código de
Processo Penal», de fls. 1232‑1237, que é um despacho subscrito pelo relator do
processo, e que rejeitou o recurso «nos termos do artigo 420.º, n.º 1, alínea
b), por referência ao artigo 414.º, n.º 2, todos do Código de Processo Penal»,
decisão de que cabe reclamação para a conferência, segundo dispõe o artigo
417.º, n.º 8, do Código de Processo Penal.
Ora, o recorrente, em vez de fazer uso desta reclamação para a
conferência, que era a que ao caso convinha, apresentou «reclamação, de acordo
com o artigo 405.º, n.º 1, do CPP» para o Presidente do Supremo Tribunal de
Justiça. Este meio processual, conforme se explicou no despacho de fls. 1279,
que foi devidamente notificado, «tem por finalidade obviar às situações em que
o tribunal a quo não admita recurso para o tribunal superior, ou retenha tal
recurso», o que claramente não foi o caso, pois o recurso foi admitido pelo
Tribunal da Relação de Lisboa e os autos foram remetidos ao Supremo Tribunal de
Justiça, tendo o recurso sido aqui rejeitado. Por esta razão, não foi por nós
admitida tal reclamação.
Não tendo havido reclamação para a conferência, a decisão de que se
pretende recorrer é, assim, a decisão sumária do relator tomada nos termos do
artigo 417.º, n.º 6, do Código de Processo Penal. Ora, de acordo com o que
dispõe o artigo 70.º, n.ºs 2 e 3, da Lei do Tribunal Constitucional, não são
admissíveis recursos de decisões que sejam passíveis de recurso ordinário,
sendo a elas equiparadas as decisões de que haja reclamação para a conferência,
como é o caso, conforme se expôs.
De harmonia com o que estabelece o artigo 76.º, n.º 2, da referida
Lei do Tribunal Constitucional, o requerimento de interposição de recurso para o
Tribunal Constitucional deve ser indeferido quando a decisão o não admita.
Tendo em consideração tudo quanto fica exposto, não se admite o
recurso para o Tribunal Constitucional.”
1.2. Na reclamação apresentada contra o despacho de não
admissão de recurso para o Tribunal Constitucional, desenvolveu o reclamante a
seguinte argumentação:
“1.º – O recorrente foi notificado, no dia 7 de Julho de 2008, da
decisão de não admissão do requerimento de interposição de recurso para o
Tribunal Constitucional por si interposto.
2.º – O arguido recorreu para o Supremo Tribunal Justiça da decisão
tomada pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
3.º – O recurso interposto foi admitido pelo Tribunal da Relação de
Lisboa e os autos foram remetidos para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo o
recurso sido aí rejeitado.
4.º – Perante esta rejeição reclamou o arguido para o Presidente do
Supremo Tribunal de Justiça, de acordo com o artigo 405.º, n.º 1, do CPP.
5.º – Entendeu o Ex.mo Conselheiro Relator que ao caso convinha
reclamar para a conferência, nos termos do artigo 417.º, n.º 8, do CPP, e não
para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 405.º do
CPP.
6.º – Acrescenta ainda o despacho que não são admissíveis recursos
para o Tribunal Constitucional de decisões que sejam ainda passíveis de recurso
ordinário, e que deverão ser equiparadas às mesmas as decisões de que haja
reclamação para a conferência.
7.º – Assim, por considerar que a decisão em causa é passível de
reclamação para a conferência, entendeu o Ex.mo Conselheiro Relator que deveria
ser indeferido o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional.
A) DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
8.º – Não assiste razão ao Ex.mo Conselheiro Relator, que indeferiu
o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, por
considerar que a decisão em causa é passível de reclamação para a conferência.
9.º – O recurso interposto para o Tribunal Constitucional tem como
base o artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, ou
seja, trata‑se de uma decisão dos tribunais que aplica «norma cuja
inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo». Assim sendo, o
critério para se aferir da admissibilidade consiste no facto de já haverem sido
esgotados todos os recursos ordinários que no caso cabiam – artigo 70.º, n.º 2,
da Lei do Tribunal Constitucional.
10.º – Ora, no caso em análise, já não era possível interpor
qualquer recurso ordinário aquando da dedução do requerimento de interposição do
recurso para o Tribunal Constitucional. Neste caso concreto, já haviam sido
esgotados todos os recursos ordinários que no caso cabiam, na medida em que o
arguido recorreu da decisão do tribunal de 1.ª instância, no processo n.º
728/06.1GASCSC, do 2.º Juízo Criminal de Cascais para o Tribunal da Relação de
Lisboa. A 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa proferiu decisão no
Processo n.º 9152/07‑5. O arguido recorreu da decisão proferida pela Relação de
Lisboa para o Supremo Tribunal de Justiça. A 5.ª Secção do Supremo Tribunal de
Justiça entendeu não ser admissível o recurso em causa. O arguido reclamou desta
decisão tomada pelo Supremo Tribunal de Justiça, tendo sido notificado da
rejeição desta mesma reclamação, pelo que podemos concluir já não ser possível
interpor qualquer recurso ordinário.
11.º – De resto, há que considerar que o Supremo Tribunal de
Justiça, ao rejeitar o recurso interposto da decisão do Tribunal da Relação,
reconheceu haverem sido esgotados todos os recursos ordinários que no caso
cabiam. Este é o único raciocínio que coerentemente é possível elaborar.
12.º – Sem conceder, ao rejeitar a reclamação da decisão do Supremo
Tribunal de Justiça de não admitir o recurso para si interposto, tem de se
considerar, obrigatoriamente, que o arguido esgotou não só os recursos
ordinários, que a lei colocava ao seu dispor, mas também a possibilidade de
reclamar.
13.º – Sem conceder, e se assim não se entender, sempre se dirá que
o recurso interposto pelo recorrente para o Tribunal Constitucional deve ser
admitido, nos termos do artigo 70.º, n.ºs 2 e 4, da LTC, uma vez que a sua
interposição representa uma renúncia à possibilidade de reclamar para a
conferência do despacho que não admitiu o recurso interposto para o Supremo
Tribunal de Justiça.
14.º – Essa renúncia determina, nos termos do artigo 70.º, n.º 4, da
LTC, que estejam esgotados todos os recursos ordinários, no sentido conferido
pelo artigo 70.º, n.º 3, da LTC, e logo que a decisão seja definitiva e,
consequentemente, passível de recurso para o Tribunal Constitucional.
15.º – Neste sentido, atente‑se no Acórdão do Tribunal
Constitucional n.º 100/99, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 484, p. 111, in
Constituição da República Portuguesa Anotada, 6.ª Revisão Anotada, 2005, de J.
J. Almeida Lopes, Almedina: «Tendo o recorrente renunciado expressamente à
reclamação do despacho que não admitiu o recurso ordinário que pretendia
interpor têm de se considerar esgotados os recursos ordinários possíveis, para o
efeito da interposição de recurso de fiscalização concreta, nos termos
previstos na alínea b) do n.º 1 e no n.º 4 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, na
redacção emergente da Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro».
16.º – Sem conceder, e se assim não se entender, deve o recurso
interposto para o Tribunal Constitucional ser admitido, ainda nos termos do
artigo 70.º, n.º 4, mas agora porque neste momento decorreu o prazo da
reclamação para a conferência sem que esta tenha sido interposta.
17.º – Neste sentido, atente‑se no Acórdão do Tribunal
Constitucional n.º 377/96, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 455, p. 111, in
Constituição da República Portuguesa Anotada, 6.ª Revisão Anotada, 2005, de J.
J. Almeida Lopes, Almedina: «O conceito de esgotamento ou exaustão dos recursos
ordinários possíveis deve considerar‑se preenchido quando a parte não utilizou o
recurso ordinário ou figura a este equiparável, no caso, a reclamação a que
alude o artigo 688.º do Código de Processo Civil, que ainda cabia, por haver
decorrido o prazo da respectiva interposição, sem esta ter sido interposta».
18.º – Assim, por se estar em prazo, de acordo com o artigo 75.º,
n.º 1, da LTC, e por se mostrarem esgotados os recursos ordinários, de acordo
com todas as razões acima expostas, encontram‑se preenchidos os requisitos para
que seja admitido o recurso para o Tribunal Constitucional.
B) DA INTERPOSIÇÃO DE RECURSO PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
19.º – O recurso em causa foi interposto ao abrigo do artigo 280.º,
n.º 1, alínea b), da CRP.
20.º – O requerimento de interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional foi interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da
Lei do Tribunal Constitucional, «Cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em
secção, das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja
inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo»; e ao abrigo do
artigo 70.º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional, na medida em que estão em
causa «decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por
já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam».
C) DA INTERPRETAÇÃO TOMADA PELO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA DAS
NORMAS DAS QUAIS SE RECORRE
Parafraseando o Recurso:
Da interpretação do artigo 127.º do CPP
21.º – Pretende‑se, no presente recurso, que seja apreciada a
constitucionalidade da interpretação que o Tribunal de Relação de Lisboa
produziu quanto à aplicação do artigo 127.º do CPP.
22.º – Entendeu por bem o Tribunal da Relação de Lisboa que o
arguido tivesse sido condenado apenas com base nas exclusivas declarações de um
co‑arguido, realizadas em 1.º interrogatório, contraditórias com as prestadas em
sede de audiência de julgamento.
23.º – Entendeu, portanto, o Tribunal que as exclusivas declarações
do co‑arguido são suficientes para sustentarem a convicção do Tribunal: «A única
questão que se coloca é, pois, a de saber se as declarações do arguido Filipe
são ou não são suficientes para sustentarem a convicção do tribunal».
24.º – Este entendimento, levado a cabo pelo Tribunal da Relação de
Lisboa, parece‑nos de censurar por não se encontrar em conformidade com os
princípios constitucionais, plasmados no artigo 32.º, n.º 2, da CRP.
25.º – O princípio consagrado no artigo 127.º do CPP, ou seja, da
livre apreciação da prova, tem de ser interpretado à luz dos princípios
constitucionais vigentes.
26.º – Como uniformemente expendem os autores, a livre apreciação da
prova não se confunde de modo algum com a apreciação arbitrária da prova, nem
com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de
prova (Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, p. 327).
27.º – «O princípio da livre apreciação da prova, consagrado no
artigo 127.º do Código de Processo Penal, é um princípio de aplicação vinculada
por exigir que o julgador, ao dar como provado um determinado enunciado
fáctico, justifique o processo de decisão mediante uma apreciação crítica e
racional das provas que serviram para formar a sua convicção de modo a
evidenciar que, das provas produzidas conjugadas com as regras da experiência e
com os métodos da lógica indutiva, resulta uma convicção ancorada em critérios
lógico‑racionais que se imponha aos destinatários da decisão como sinal de uma
verdade objectivada e motivada» – acórdão do STJ, de 24 de Abril de 2006, in
www.dgsi.pt.
28.º – A regra da livre apreciação da prova em processo penal não se
confunde com a apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova. O
julgador, ao apreciar livremente a prova, ao procurar através dela atingir a
verdade material, deve observância às regras de experiência comum, utilizando
como método de avaliação do conhecimento critérios objectivos, genericamente
susceptíveis de motivação e controlo (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º
1165/96, de 19 de Novembro, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 461).
29.º – A prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência
a critérios de experiência comum e da lógica do homem médio, suposto pela ordem
jurídica (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, p. 107 e
seguintes).
30.º – Ora, diz‑nos a experiência comum que os co‑arguidos tendem a
mentir, usar de vingança e desresponsabilizar‑se, pelo que a prova efectuada com
base nas declarações de um co‑arguido deverá ser corroborada, como de resto
defende a doutrina da corroboração.
31.º – Trata‑se de um entendimento do próprio Tribunal
Constitucional que a livre apreciação da prova, prevista no artigo 127.º do CPP,
tem de estar sujeita a uma interpretação em conformidade com o artigo 32.º da
CRP: «Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a
certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na
verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento
do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não
objectiváveis), e para ela concorrem as regras impostas pela lei, como sejam as
da experiência, da percepção da personalidade do depoente – aqui relevando, de
forma muito especial, os princípios da oralidade e da imediação – e da dúvida
inultrapassável que conduz ao princípio in dubio pro reo» (cf. Acórdão do
Tribunal Constitucional, de 24 de Março de 2003, Diário da República, II Série,
n.º 129, de 2 de Junho de 2004, p. 8544 e seguintes).
32.º – É inconstitucional, por violação das garantias de defesa do
arguido consagradas no artigo 32.º, n.º 1, da CRP, o entendimento de que a
convicção do tribunal pode ser formada apenas com base nas exclusivas
declarações de um co‑arguido.
33.º – O princípio da presunção da inocência, previsto no artigo
32.º, n.º 2, da CRP, surge articulado com o tradicional princípio in dubio pro
reo. Além de ser uma garantia subjectiva, o princípio é também uma imposição
dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu
quando não tiver a certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa
(Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Anotada, p. 519).
34.º – A presunção da inocência é também uma importantíssima regra
sobre a apreciação da prova, identificando‑se com o princípio in dubio pro reo,
no sentido de que um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado
a favor do arguido.
35.º – Como diz o Professor Jorge Miranda: «O processo nasce porque
uma dúvida está na base e uma certeza deveria ser o seu fim. Dados porém os
limites do conhecimento humano, sucede frequentemente que a dúvida inicial
permanece dúvida final, malgrado o esforço processual para a superar. Em tal
situação o princípio político‑jurídico da presunção da inocência importará a
absolvição do acusado, já que a condenação significaria a consagração de ónus
da prova a seu cargo baseado na prévia presunção da culpabilidade» (Jorge
Miranda e Rui Medeiros, Constituição da República Anotada, p. 356).
36.º – Portanto, se a final da produção da prova permanecer alguma
dúvida importante e séria sobre o acto externo e a culpabilidade do arguido,
como a prova baseada única e exclusivamente nas declarações de um co‑arguido,
impõe‑se uma sentença absolutória.
37.º – Este tem sido de resto o entendimento do Supremo Tribunal de
Justiça: «Se o arguido que faz a reconstituição envolve outro arguido, a prova
que daí resulta contra este último será havida como corroborada, numa exigência
acrescida de prova, se ela for confirmada por outros elementos probatórios,
derivados de provas directas e indirectas, que, devidamente conjugadas entre si
e com as regras da experiência, mostrem a veracidade da reconstituição
relativamente a esse arguido, que no julgamento optou pelo direito ao silêncio,
bem como o que procedeu à reconstituição» (acórdão do STJ, de 24 de Abril de
2006, in www.dgsi.pt).
38.º – Por tudo o que supra foi exposto fica claro que a condenação
com base única e exclusivamente nas declarações de um co‑arguido se trata de uma
prática inconstitucional.
D) CONCLUSÕES
A) Encontra‑se preenchido o requisito de recurso para o Tribunal
Constitucional, que consiste no facto de já haverem sido esgotados todos os
recursos ordinários que ao caso cabiam.
B) Ao não admitir o recurso interposto do Tribunal da Relação, o STJ
reconheceu haverem sido esgotados todos os recursos ordinários in casu
admissíveis.
C) Sem conceder, o STJ, por ter rejeitado a reclamação deduzida pelo
arguido, tem de considerar terem sido esgotados não só os recursos ordinários
aplicáveis ao caso concreto, mas também a possibilidade de reclamar.
D) Se assim não for entendido, tem de se considerar que a
interposição do recurso para o Tribunal Constitucional representa uma renúncia à
reclamação para a conferência, tornando‑se a decisão definitiva e estando,
assim, preenchidos os requisitos de recorribilidade.
E) Ainda sem conceder, deve‑se considerar a decisão recorrida como
definitiva, na medida em que o prazo de dedução da reclamação para a
conferência já decorreu.
Nestes termos, requer‑se que seja revogada a decisão de não admissão
do recurso e que, em consequência, se considere o mesmo admissível.”
1.3. O representante do Ministério Público no Tribunal
Constitucional emitiu parecer no sentido do indeferimento da reclamação, nos
seguintes termos:
“A presente reclamação é manifestamente improcedente.
Confrontado com a prolação de decisão sumária do relator, rejeitando
liminarmente, por inadmissibilidade legal, o recurso que se pretendia interpor
para o STJ, o arguido – na mesma data (27 de Maio de 2008) – reclama para o
Ex.mo Conselheiro Presidente, nos termos do artigo 405.º, n.º 1, do CPP (sem
atentar que o meio procedimental idóneo para impugnar tal decisão era
obviamente a reclamação para a conferência) e interpôs o recurso de
constitucionalidade de fls. 34 e seguintes, «à cautela», fundado na alínea b)
do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82.
Para além do erro processual manifesto, decorrente de se não ter em
atenção o âmbito da reclamação para o presidente do tribunal superior e da
reclamação para a conferência das decisões do relator – tornando, pelo menos,
duvidosa a admissibilidade da interposição para o Tribunal Constitucional de um
recurso direccionado contra uma decisão sumária do relator, consolidada em razão
do evidente erro do impugnante – é manifesto que, em 27 de Maio de 2008, não
estavam esgotados os «recursos ordinários» possíveis, a interpor da decisão
sumária que o arguido pretendia controverter, o que, sem mais, torna
inadmissível o recurso de fiscalização concreta interposto.
Acresce que tal decisão sumária se pronunciou apenas sobre a
interpretação das normas que regem sobre a admissibilidade do recurso para o
STJ – e não obviamente sobre o entendimento das instâncias acerca do artigo
127.º do CPP: se o arguido pretendia impugnar perante este Tribunal
Constitucional o acórdão proferido pela Relação, teria naturalmente o ónus de
identificar, com clareza, que era esta a decisão recorrida e endereçar o
respectivo requerimento ao Desembargador Relator que proferira tal aresto, a fim
de que este pudesse apreciar liminarmente o recurso de constitucionalidade,
admitindo‑o ou rejeitando‑o. Conforme entendimento reiterado, a circunstância
de o recorrente endereçar o requerimento de interposição do recurso para este
Tribunal Constitucional a entidade jurisdicional diversa da que proferiu a
decisão que, afinal, se pretenderia impugnar compromete irremediavelmente o
recurso, ao determinar que, por culpa exclusiva da parte, o despacho previsto no
artigo 76.º, n.º 1, da Lei n.º 28/82 seja proferido fora do âmbito do tribunal
que proferira a decisão recorrida.”
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. A presente reclamação é manifestamente improcedente.
Resulta de todas as intervenções processuais relevantes
do reclamante, inclusive da reclamação ora em apreço, que ele elegeu como
objecto do recurso que pretendeu interpor a decisão sumária do Conselheiro
Relator do STJ, de 30 de Abril de 2008, que – entendendo ser imediatamente
aplicável aos recursos de decisões proferidas após a sua entrada em vigor a nova
redacção dada à alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP pela Lei n.º 48/2007,
de 28 de Agosto – rejeitou, por irrecorribilidade do então impugnado acórdão do
Tribunal da Relação de Lisboa, de 11 de Dezembro de 2007, o recurso penal
interposto.
Notificado dessa decisão sumária, o arguido, na mesma
data (27 de Maio de 2008), dela reclamou para o Presidente do STJ (fls. 1247 a
1257 do processo principal, fls. 20 a 30 destes autos) – com manifesta
inadequação, pois das decisões singulares dos Relatores no STJ reclama‑se para a
respectiva conferência, não tendo cabimento legal a reclamação dessas decisões
para o Presidente do STJ, ao qual apenas compete apreciar reclamações de
despachos de tribunais inferiores que não hajam admitido ou hajam retido
recursos para o STJ – e, “à cautela”, dela interpôs recurso para o Tribunal
Constitucional (fls. 1261 a 1267 do processo principal, fls. 34 a 40 destes
autos).
Sendo o recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º
1 do artigo 70.º da LTC, é óbvio que este recurso era inadmissível, por falta da
prévia exaustão dos recursos ordinários, exigida pelo n.º 2 do mesmo preceito,
pois da decisão recorrida (a decisão sumária do Conselheiro Relator do STJ)
cabia reclamação para a conferência, que é legalmente equiparada a recurso
ordinário, por previsão expressa do n.º 3 do mesmo artigo 70.º
É óbvio que, tendo o arguido reclamado dessa decisão
sumária para o Presidente do STJ na mesma data em que, “à cautela”, interpôs
recurso para o Tribunal Constitucional, é insustentável a tese, que agora
desenvolve na reclamação em apreço, de que a interposição deste recurso de
constitucionalidade corresponde a uma renúncia à possibilidade de reclamar para
a conferência de tal decisão. A interposição, apesar de errada, de reclamação
para o Presidente do STJ é incompatível com o entendimento, agora defendido, de
que a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional significou a
renúncia ao uso dos meios comuns de impugnação disponíveis na ordem judiciária
em causa.
E, como este Tribunal tem reiteradamente afirmado, “a
interposição de recurso para o Tribunal Constitucional não é um facto
concludente inequívoco da vontade de não interposição de recurso ordinário
(incluindo-se aqui as reclamações para o presidente do tribunal ou para a
conferência)” (Acórdão n.º 153/2008). Como se referiu no Acórdão n.º 18/2004: “A
renúncia tácita ao recurso é a que deriva da prática de qualquer facto
inequivocamente incompatível com a vontade de recorrer (artigo 681.º, n.º 3, do
CPC). Transpondo este conceito para a hipótese versada, a interposição de
recurso para o Tribunal Constitucional não é, seja de modo geral, seja no caso
particular, um facto concludente inequívoco da vontade de não interposição de
recurso ordinário (hoc sensu). Que não tem, em geral, esse significado
inequívoco resulta do próprio sistema legal, designadamente da conjugação do n.º
2 e do n.º 4 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82. Não teria sentido útil, seria uma
previsão legal redundante – que o intérprete não deve presumir; cf. artigo 9.º,
n.º 3, do Código Civil –, fazer depender a admissibilidade de recurso de
fiscalização concreta de constitucionalidade de renúncia ao recurso ordinário
(artigo 70.º, n.º 4) se a interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional valesse ipso facto como renúncia àquele outro recurso.”
Merece, assim, inteira confirmação o despacho reclamado.
Aliás, mesmo que assim não fosse, outra razão sempre
determinaria a inadmissibilidade do presente recurso: não ter a decisão
recorrida feito aplicação, como ratio decidendi, da norma cuja conformidade
constitucional o recorrente pretende ver sindicada. É que, como resulta do
requerimento de interposição de recurso e foi reiterado na presente reclamação,
o que o recorrente pretendia submeter à apreciação do Tribunal Constitucional
era a questão da constitucionalidade da interpretação do artigo 127.º do CPP que
teria sido feita pelo acórdão da Relação. Mas, como é evidente, a decisão de que
o recorrente efectivamente interpôs recurso para este Tribunal – a decisão
sumária do Conselheiro Relator do STJ, que rejeitou o recurso do acórdão da
Relação – não fez aplicação, como ratio decidendi, de qualquer interpretação do
artigo 127.º do CPP, mas tão‑só da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, na
actual redacção.
3. Em face do exposto, acordam em indeferir a presente
reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando‑se a taxa de justiça em
20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 12 de Agosto de 2008
Mário José de Araújo Torres
João Cura Mariano
Rui Manuel Moura Ramos