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Processo n.º 557/08
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. A., tendo sido notificada do despacho de não admissão do recurso que havia
tentado interpor de acórdão proferido em conferência pelo Tribunal da Relação de
Coimbra e que julgou improcedente o justo impedimento por si anteriormente
invocado, deduziu reclamação do mesmo nos termos do artigo 405.º, do Código de
Processo Penal, a qual veio a ser negada por despacho do Exmo. Conselheiro do
Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 2008. Nesta sequência, interpôs
então, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal
Constitucional, recurso de constitucionalidade, do Acórdão do Tribunal da
Relação de Coimbra de 7 de Novembro de 2007, com o seguinte teor:
“Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade das seguintes normas:
a) Constante do n.º 1 do artigo 146.° do Código de Processo Civil (CPC), quando
interpretada no sentido que lhe foi dado tanto no despacho que indefere a
verificação de justo impedimento, de fls..., como no acórdão de fls., que decide
sobre a mesma matéria, motivos de saúde na sequência de parto não constituem
justo impedimento pelo facto do impedimento ser previsível;
b) Constante do n.º 1 do artigo do artigo 146.° do CPC, quando interpretada no
sentido que lhe foi dada tanto no despacho que indefere a verificação de justo
impedimento de fls.. como no acórdão de fls..., que decidiu sobre a mesma
matéria: obrigação de o cidadão representado providenciar ou autorizar a
substituição de advogado/defensor que se encontra temporariamente impedido por
facto previsível;
c) Da alínea d) do n° 1 do artigo 64.° do Código de Processo Penal, no sentido
que lhe foi dado tanto no despacho que indefere a verificação de justo
impedimento de fls… como no acórdão de fls…, que decidiu sobre a mesma matéria:
considerar-se preenchida a norma quando a notificação é efectuada a defensor que
se encontra temporariamente impedido por facto que não lhe é censurável e de que
o Tribunal foi previamente informado.
III)
Tais interpretações violam:
a) O direito a saúde (64.º nomeadamente o seu n.º 1 da Constituição da República
Portuguesa (CRP), protecção da família (67°, especialmente a alínea h) CRP, 16.º
n.º 3 Declaração Universal dos Direitos do Homem - DUDH), maternidade (66°,
particularmente o seu n.º 3 e 4 CRP, 25,º n° 2 DUDH) e da infância (69.° CRP,
25.º, n.º2 DUDH); as garantias de defesa da arguida, consagradas no n.º 3 do
artigo 32.º CRP, alínea c) do n.º 3 do artigo 6.º da Convenção Europeia dos
Direitos do Homem (CEDH) e 11.º DUDH incluindo o direito de escolha de defensor
(13.º n.° 1 e 2 do artigo 20.°, e n.º 3 do artigo 32.º CRP).
b) Os artigos 13.º n.ºs 1 e 2 do artigo 20.º e n.º3 do artigo 32° CRP.
c) Os artigos 20.º, 32.º, 202.°/2 CRP, 6°/1 CEDH, 10° DUDH.
IV
A questão da inconstitucionalidade foi suscitada nos autos em reclamação para a
conferência, de fls… bem como nas motivações de recurso para o Supremo Tribunal
de Justiça, de fls...”
2. Por despacho de 7 de Maio de 2008 proferido pelo Exmo. Desembargador Relator
o recurso não foi admitido por intempestivo. Vem então deduzida a presente
reclamação, de acordo com o artigo 76.º, n.º 4, da Lei do Tribunal
Constitucional, tendo sido invocado, nomeadamente, o seguinte:
12.º
Dispõe o n.º 2 do artigo 75.° da Lei n.° 28/82 (Lei de Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LOFPTC) que: Interposto
recurso ordinário, mesmo que para uniformização de jurisprudência, que não seja
admitido com fundamento em irrecorribilidade da decisão, o prazo para recorrer
para o Tribunal Constitucional conta-se do momento em que na definitiva a
decisão que não admite recurso. - sublinhado nosso.
13.º
Ora, tem sido entendimento do Tribunal Constitucional que o referido preceito se
aplicará quando o recorrente utilizou um meio impugnatório susceptível de
impedir o trânsito em julgado da decisão recorrida, pelo que deverá estar
previsto, na lei processual (vide, por exemplo, a este propósito, o acórdão
641/97, 167/01 e 1/2004, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt)
14.º
Analisemos então o percurso processual.
15.°
Do despacho do Relator que indeferiu a verificação de justo impedimento,
reclamou a recorrente para a conferência, uma vez que se tratou de um despacho
que decidiu não só de direito mas também de facto (uma vez que foi junta prova
nos termos do n.º 2 do artigo 146.° do Código de Processo Civil – CPC –
aplicável ex vie artigo 4.° do CPP).
16.°
Tal mecanismo encontra-se previsto e regulado no artigo 700.º do CPC, aplicável
ex vie 4.º CPP.
17.º
Ora, dispõe expressamente o n.º 5 de tal artigo do CPC que do acórdão da
conferência pode recorrer nos termos gerais, a parte que se considere
prejudicada (...).
18.°
Pelo que ter-se-á de concluir, ao contrário do entendimento que parece estar
subjacente ao despacho que não admitiu o presente recurso que, havendo lugar a
recurso, este não fica prejudicado pela decisão que for tomada em conferência a
propósito de reclamação.
19.º
Caberia então, pelo menos, em abstracto, recurso ordinário do acórdão da relação
que decidiu pelo indeferimento do justo impedimento?
20.º
Dispõe a alínea a) do n.° 1 do artigo 432.° CPP que se recorre para o Supremo
Tribunal de Justiça de decisões das relações proferidas em 1.ª instância.
21.º
Ora, o acórdão que recaiu sobre a arguição de justo impedimento (alegado tendo
em vista a apreciação de nulidade de omissão de pronúncia) foi proferido em 1.ª
instância pelo Tribunal da Relação de Coimbra, uma vez que foi este o primeiro a
se pronunciar (e a apreciar a prova produzida) sobre tal matéria.
22.°
Apesar de ter sido diverso o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça
(nomeadamente por entender que a decisão relativa ao justo impedimento teria
repercussões sobre acórdão proferido sobre recurso vindo da 1.ª instância), não
se poderá afirmar que se trata de um mecanismo não previsto na lei para reagir
contra o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação.
23.°
Assim, notificada da decisão do Supremo Tribunal de Justiça que não admitiu o
referido recurso (da qual não é admissível recurso e que, consequentemente,
transita em julgado com a notificação, tornando-se, assim, definitiva – 405.º
CPP e 677.º CPC), interpôs a recorrente, no prazo de dez dias o presente recurso
para o Tribunal Constitucional.
24.º
Termos em que se deverá concluir, na esteira do que têm sido as decisões
proferidas quanto a esta matéria, que o presente recurso foi interposto no prazo
legal de 10 dias (n.º 2 do artigo 75.º LOFPTC), com as legais consequências.”
3. Notificado para se pronunciar, veio o Exmo. Representante do Ministério
Público junto deste Tribunal manifestar-se no sentido da improcedência da
reclamação por não se verificar o pressuposto de conhecimento do recurso de
constitucionalidade atinente à suscitação, em moldes processualmente adequados,
de questão de constitucionalidade normativa. Face à novidade da questão invocada
pelo Ministério Público, a Reclamante foi notificada para, querendo, se
pronunciar, tendo-se então manifestado pela improcedência da questão invocada.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. A reclamação deduzida carece de fundamento. Com efeito, para que pudesse
proceder, impunha-se que se encontrem verificados nos autos todos os
pressupostos essenciais ao conhecimento das questões de constitucionalidade que
integram o requerimento de fls. 65 e 66. Assim, nomeadamente, deveriam as mesmas
respeitar a questões normativas cuja desconformidade com a Lei Fundamental
tivesse sido invocada, durante o processo, em moldes processualmente adequados
de forma a permitir à instância recorrida a pronúncia, em tempo útil, sobre tais
matérias. Estas exigências fundamentam-se na especificidade própria do sistema
português de controlo concreto da constitucionalidade em que o Tribunal
Constitucional, enquanto instância máxima da justiça constitucional, intervém,
primacialmente, em sede de recurso.
Na medida em que todos os tribunais têm acesso directo à Constituição, podendo
conhecer de questões de constitucionalidade e devendo recusar a aplicação de
norma que se encontram em desconformidade com a Lei Fundamental, a actuação
deste Tribunal pressuporá, via de regra, que, nomeadamente no que respeita aos
recursos interpostos ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), – como sucede
nos autos – o tribunal a quo teve oportunidade processual para apreciar as
controvérsias de constitucionalidade que se suscitam nos autos. Daí que tanto o
artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição, como o citado artigo 70.º, n.º
1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional se refiram a normas cuja
inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo.
5. Suscitar a questão da constitucionalidade durante o processo, como já se
deixou subentendido, significa, portanto, fazê-lo antes de esgotado o poder
jurisdicional do tribunal a quo o que, de acordo com o previsto no artigo 666.º,
n.º 1, do Código de Processo Civil, ocorre, em regra, com a prolação da
sentença. Como bem nota o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto, na reclamação para a
conferência que a Reclamante deduziu junto do Tribunal da Relação de Coimbra,
não se vislumbra a invocação de qualquer questão de constitucionalidade
normativa em termos de a mesma se poder ter, ainda que minimamente, por
suscitada em moldes processualmente adequados, como impõe o artigo 72.º, n.º 2,
da Lei do Tribunal Constitucional.
A suscitação de questão de constitucionalidade dita normativa, apta a
adequadamente convocar a pronúncia do Tribunal Constitucional implica que “a
parte identifique expressamente [ess]a intepretação ou dimensão normativa, em
termos de o Tribunal, no caso de a vir a julgar inconstitucional, a poder
enunciar na decisão, de modo a que os respectivos destinatários e os operadores
do direito em geral fiquem a saber que essa norma não pode ser aplicada com tal
sentido.” (Lopes do Rego, O objecto idóneo dos recursos de fiscalização concreta
da constitucionalidade: as interpretações normativas sindicáveis pelo Tribunal
Constitucional, in Jurisprudência Constitucional, n.º 3, Julho-Setembro de 2004,
p. 8).
Como se escreveu no Acórdão n.º 584/2005, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt, o recurso “visa[r] a determinação contida em
regra jurídica geral e abstracta aplicada na decisão recorrida como ratio
decidendi, ficando de fora o juízo concretizador da norma, ou seja, a valoração
que no caso concreto e mercê das particulares circunstâncias da situação, o
tribunal comum aplicou.”
6. Ora, na reclamação então deduzida, a Reclamante limitou-se a manifestar o seu
dissídio face à improcedência do justo impedimento invocado e a sustentar, em
termos genéricos, a violação de várias normas constitucionais e de direito
internacional público respeitantes a direitos fundamentais, alegando uma
“inequívoca situação de denegação de justiça.” Não logrou, como lhe competia, a
identificação dos critérios normativos patentes na decisão reclamada e que,
posteriormente, identifica no requerimento de recurso de constitucionalidade.
Teve, no entanto, oportunidade processual para o fazer pelo que a respectiva
omissão não pode deixar de lhe ser imputável, consubstanciando impedimento
bastante ao conhecimento do recurso de constitucionalidade que tentou interpor.
7. É certo que na motivação do recurso interposto para o Supremo Tribunal de
Justiça se pode descortinar, no que à primeira questão de constitucionalidade
respeita, a formulação da mesma em moldes normativos, nomeadamente quando refere
que “a interpretação vertida no acórdão recorrido de que, estando a defensora
temporariamente impedida (…), por motivos de saúde, de exercer a sua profissão é
obrigatória a sua substituição (…) é inconstitucional por violação do disposto
dos artigos 13.º. n.º 1 e 2 do artigo 20.º e n.º 3 do artigo 32.º CRP.” No
entanto, e face ao que ficou já dito supra, esta suscitação – ainda que referida
apenas à primeira das três questões de constitucionalidade constantes do
requerimento de interposição – não ocorreu já durante o processo, face à
inadmissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. E – volta-se a
repetir porque não deixa de assumir relevância decisiva para o destino dos autos
– poderia ter ocorrido em momento anterior, assistindo à Reclamante oportunidade
processual para tal.
Assim sendo, resta concluir pela improcedência da Reclamação.
III – Decisão
8. Nestes termos, acordam em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal
Constitucional, indeferir a reclamação deduzida.
Custas pela Reclamante no montante de 20 (vinte) UC.
Lisboa, 25 de Setembro de 2008
José Borges Soeiro
Gil Galvão
Rui Manuel Moura Ramos