Imprimir acórdão
Processo n.º 510/08
1ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
EM CONFERÊNCIA DA 1ª SECÇÃO ACORDAM DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
I.Relatório:
1. No processo que corre termos no Tribunal Constitucional e em que figura como
recorrente A. foi proferida, nos termos do disposto no artigo78.º- A da Lei de
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional – LTC – (Lei
n.º 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações introduzidas pela lei n.º
13-A/98, de 26 de Fevereiro) a seguinte Decisão Sumária de não conhecimento do
objecto do recurso:
“1.
Notificado do acórdão proferido na Relação de Lisboa, em 29 de Abril de 2008,
que negou provimento ao pedido de aclaração e reforma solicitado pelo recorrente
A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b)
do n.º 1 do artigo 70º da Lei 28/82 de 15 de Novembro (LTC), para
«[...] apreciação da constitucionalidade das normas vertidas nos arts.º 154.º nº
3, 516º e 525.º do CPC conjugados com o art. 31º nº 2 als. b) e c) do CP, por
violação do art.º 20º da CRP e 6º da CEDH, na interpretação dada pela sentença
recorrida e Ac. do TRL de que a defesa do arguido está limitada pela honra da
assistente, não se verificando exclusão da ilicitude; das normas constantes dos
art.º 101.º e 412º nº 3 e 4 do CPP por violação dos art.º 20º nº 1; 32º nº 1 e
202º nº 2 da CRP, na interpretação de que a não gravação integral da audiência
e/ou a sua deficiência, bem como a sua transcrição que não retrata fielmente a
gravação é válida e não impede a impugnação da decisão quanto à matéria de
facto; das normas constantes dos art. 2º, 327º e 340º da CPP por violação dos
art.º 20.º nº 1, 32.º n.º 1 e 5, 202º nº2 e 208º da CRP, na interpretação de que
os direitos e deveres do arguido e assistente não são iguais; das normas
constantes dos art.º 39º da OTM, 168º do CPC e 126 do CPP, por violação dos
art.º 20º 26º nº 1, 32º nº 8, 202º nº 2, 204º e 206º da CRP e art. 6º, 8º e 17º
da CEDH, na interpretação dada de que uma peça processual cautelar cível pode
servir como “corpo de delito” noutro processo, sobrepondo-se o direito à honra
de terceiro aos interesses do menor; das normas constantes do art. 81º do EOA
conjugado com os art. 135º e 182º do CPP, por violação dos art. 202º nº 2 e 208º
da CRP, na interpretação de que uma peça abrangida pelo segredo profissional
pode servir também como “corpo de delito” para processo crime e das normas
constantes dos arts. 71.º nº 1 e 3 do CP, por violação do art.º 205º nº 1 da CRP
e art. 6º n.º 1 da CEDH, na interpretação tácita de que basta uma fundamentação
abstracta e não sendo necessária a concretização, inconstitucionalidades estas
suscitadas nas alegações de recurso para o TRL e algumas na contestação da 1.ª
instância.»
2.
O recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC tem carácter
normativo, incidindo necessariamente sobre norma jurídica alegadamente
inconstitucional aplicada na decisão recorrida como razão de decidir. Além
disso, tal questão deve ser obrigatoriamente suscitada no processo perante o
tribunal que proferiu a decisão recorrida, por forma que esse tribunal deva
decidi-la – cfr. artigo 72.º n.º 2 da LTC.
Ora, as 'questões' enunciadas no requerimento de interposição de recurso, embora
apresentadas com referência a determinados preceitos legais, não são normas
jurídicas. Por esse motivo, não podem integrar o objecto do presente recurso.”
2. Inconformado, o recorrente veio, nos termos do disposto no n.º 3
do artigo 78.º-A da LTC, deduzir reclamação para a conferência deste Tribunal,
(fls. 1576) com o seguinte teor:
“1 – Fundamenta-se a decisão ora reclamada em que “...as questões enunciadas no
requerimento de interposição de recurso... não são normas jurídicas... “(sic).
2 – Ora, não se percebe tal afirmação, pois todos os artigos legais focados,
quer de natureza substantiva quer processual, contêm normas jurídicas, sendo que
se requereu a apreciação da constitucionalidade das normas contidas naqueles
artigos por violação de normas contidas em artigos da CRP, na interpretação que
os tribunais ordinários lhe deram face ao caso concreto, quando foram então
oportunamente alegadas.
3 – Seguiu-se assim a LTC e o próprio formalismo que a jurisprudência do TC até
agora tem seguido, conforme ao art. 75º-A da LTC, como, aliás, sempre temos
feito sem que alguma vez tenhamos tido algum problema quanto à admissão do
recurso (cfr. v.g. os autos de recurso nº 534/07 da 2.ª Secção do TC subscritos
pelo Dr. Guilherme Martins que são idênticos quanto à forma, que teve julgamento
pelo Ac. nº 473/2007 de 25/09/2007).
4- Neste sentido, não se compreende como “questões” idênticas ou seja,
requerimentos de interposição de recursos idênticos tenham tratamento diferente,
tanto mais que não existe fundamento para a sua não admissibilidade já que, e
como se disse, o mesmo versa sobre normas jurídicas ordinárias e sua
interpretação concreta face a normas constitucionais (…)”.
3. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal, notificado da
reclamação deduzida no processo em epígrafe, emitiu parecer no sentido de
considerar a reclamação manifestamente improcedente.
Cumpre decidir.
II.
Fundamentação:
4. A argumentação do reclamante não abala os fundamentos da decisão reclamada;
é, assim, de reiterar o entendimento de que o recorrente não colocou qualquer
questão de constitucionalidade normativa ao Tribunal.
Na verdade, enunciam-se, como objecto do recurso, as seguintes proposições:
a) – 'a defesa do arguido está limitada pela honra da assistente, não se
verificando exclusão da ilicitude.'
b) – 'a não gravação integral da audiência e/ou a sua deficiência, bem como a
sua transcrição que não retrata fielmente a gravação é válida e não impede a
impugnação da decisão quanto à matéria de facto.'
c) – 'os direitos e deveres do arguido e assistente não são iguais.'
d) – 'uma peça processual cautelar cível pode servir como “corpo de delito”
noutro processo, sobrepondo-se o direito à honra de terceiro aos interesses do
menor.'
e) – 'uma peça abrangida pelo segredo profissional pode servir também como
“corpo de delito” para processo crime.'
f) – 'interpretação tácita de que basta uma fundamentação abstracta e não sendo
necessária a concretização.'
Ora, independentemente da circunstância de o recorrente ter identificado
diversas disposições legais de cuja conjugação teriam resultado tais enunciados,
o certo é que nenhum destes tem natureza normativa pois, representando trechos
pretensamente retirados da decisão sob recurso, constituem afirmações de
carácter jurisdicional. São, por isso, determinações jurisdicionais de carácter
não normativo, insindicáveis no âmbito do recurso previsto na alínea b) do n.º 1
do artigo 70º da LTC, como o presente.
Assim, e antes mesmo de tentar apurar se o Tribunal recorrido realmente adoptou,
na sua decisão, tais entendimentos, é liminarmente possível constatar – e sem
margem de dúvida – que as 'normas' que o recorrente enunciou como objecto do seu
recurso não correspondem ao conteúdo normativo de qualquer um dos preceitos
legais invocados e são, afinal, juízos pretensamente adoptados na decisão
recorrida, inidóneos para integrarem o objecto do recurso.
III.
Decisão:
Em face do exposto decide-se indeferir a reclamação, mantendo a decisão
reclamada. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte)
unidades de conta.
Lisboa, 30 de Setembro de 2008
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Gil Galvão