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Processo n.º 204/08
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos da 8ª Vara Criminal do Círculo de Lisboa, em que
é recorrente o Ministério Público e recorrido, A., foi interposto recurso
obrigatório de fiscalização concreta de constitucionalidade, ao abrigo da alínea
a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho
daquele Tribunal, de 12.02.2008, que recusou a aplicação da norma do artigo
446.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (na redacção da Lei n.º 48/2007, de 29
de Agosto), na medida em que permite a interposição de recurso de decisão já
transitada em julgado, por violação do princípio constitucional de respeito pelo
caso julgado, ínsito nos artigos 2.º, 111.º, n.º 1, 205.º, n.º 2, e 282.º, n.º
3, da Constituição da República Portuguesa.
2. Dos autos emergem as seguintes ocorrências processuais relevantes para a
presente decisão:
− O Ministério Público deduziu acusação contra A. pela prática de um crime de
furto qualificado, p. e p. pelos artigos 296.º e 297.º, n.ºs 1 e 2, do Código
Penal de 1982, em vigor à data da prática dos factos.
− No decurso do processo o arguido foi declarado contumaz.
− Por despacho da 8ª Vara Criminal do Círculo de Lisboa, de 27.11.2007, foi
declarado extinto o procedimento criminal, por terem decorrido mais de 10 anos
desde a (alegada) prática dos factos objecto da acusação e não ter ocorrido
qualquer causa de interrupção ou de suspensão do prazo prescricional,
defendendo-se o entendimento de que a declaração de contumácia não tem como
efeito a suspensão do prazo de prescrição.
− Transitada em julgado esta decisão, o Ministério Público interpôs recurso para
o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do artigo 446.º, n.º 1, do Código de
Processo Penal, na actual redacção, com fundamento em que «tal interpretação
contraria a posição doutrinária assumida pelo assento n.º 10/2000 proferido pelo
Supremo Tribunal de Justiça em 19 de Outubro de 2000».
− Por despacho de 12.02.2008, ora recorrido, foi recusada a aplicação do artigo
446.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na sua redacção actual, na medida em
que permite a interposição de recurso de decisão já transitada em julgado por
violação do princípio constitucional de respeito pelo caso julgado, ínsito nos
arts. 2.°, 111.º, n.° 1, e 205.°, n.° 2, e 282.°, n.° 3, da Constituição da
República Portuguesa e, consequentemente, não foi admitido o recurso para o
Supremo Tribunal de Justiça.
4. O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional
suscitou a questão prévia de não conhecimento do objecto do recurso, por
inutilidade, e concluiu as respectivas alegações da forma seguinte:
«1. Atenta a função instrumental reconhecida ao recurso de constitucionalidade,
o Tribunal Constitucional só deve conhecer das questões de constitucionalidade
normativa quando a decisão a proferir possa influir utilmente no julgamento de
questão de mérito discutido no processo.
2. Esta reporta-se à prescrição do procedimento criminal que foi decidida no
processo em termos coincidentes à que resulta do Acórdão n.° 183/2008 do
Plenário do Tribunal Constitucional, com força obrigatória geral, e que já não
poderá sofrer alteração.
3. Não deverá, assim, conhecer-se do objecto do recurso.
4. A entender-se, diferentemente, não deverá ser confirmado o juízo formulado na
decisão recorrida, que recusou a aplicação da norma do artigo 446.°, n.° 1 do
Código de Processo Penal, com fundamento em inconstitucionalidade.»
5. O recorrido não apresentou contra-alegações.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
II − Fundamentação
6. Importa começar por decidir a questão prévia quanto à utilidade do
conhecimento do objecto do recurso.
Está em causa a recusa de aplicação do artigo 446.º, n.º 1, do Código de
Processo Penal (na redacção da Lei n.º 48/2007) que determinou a não admissão do
recurso interposto pelo Ministério Público para o Supremo Tribunal de Justiça.
Tal recurso visava a apreciação, pelo Supremo Tribunal de Justiça, do despacho
que declarou extinto o procedimento criminal com base em entendimento contrário
ao fixado pelo Assento n.º 10/2000.
Acontece que o entendimento defendido no despacho recorrido é coincidente com o
Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 183/2008 (publicado no DR, I Série, de
22.04.2008), que declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral,
por violação do disposto no artigo 29º, nºs 1 e 3, da Constituição, da norma
extraída das disposições conjugadas do artigo 119º, nº 1, alínea a), do Código
Penal e do artigo 336º, nº 1, do Código de Processo Penal, ambos na redacção
originária, na interpretação segundo a qual a prescrição do procedimento
criminal se suspende com a declaração de contumácia.
Por força dos efeitos desta declaração de inconstitucionalidade, o desfecho do
recurso para o Supremo Tribunal de Justiça não poderia vir a ser outro senão o
de confirmar o despacho que declarou extinto o procedimento criminal.
O que significa que ainda que o Tribunal Constitucional concedesse provimento ao
presente recurso de constitucionalidade, com a consequente admissão do recurso
interposto ao abrigo do artigo 446.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, sempre
se manteria o sentido da decisão quanto à questão da prescrição do procedimento
criminal.
A esta mesma conclusão se chegou nos Acórdãos n.ºs 322/08, 355/08 e 396/08, onde
se apreciaram questões em tudo idênticas à presente.
Atendendo à natureza instrumental da fiscalização concreta da
constitucionalidade, como é jurisprudência uniforme deste Tribunal, a
insusceptibilidade de a decisão do recurso de constitucionalidade se repercutir
utilmente na decisão da questão de fundo leva ao não conhecimento do objecto do
recurso.
III − Decisão
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, acordam em não conhecer do objecto
do recurso.
Sem custas.
Lisboa, 23 de Setembro de 2008
Joaquim de Sousa Ribeiro
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Rodrigues
João Cura Mariano
Rui Manuel Moura Ramos