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Processo n.º 733/08
Plenário
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional,
I – Relatório
1. Imprensa Nacional Casa da Moeda, S.A. (INCM) intentou, ao abrigo do artigo
102.º-B da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), recurso contencioso da
deliberação da Comissão Nacional de Eleições (CNE), de 17.09.2008, que deliberou
notificar a Imprensa Nacional Casa da Moeda, na pessoa do Presidente do seu
Conselho de Administração, para proceder à publicação na 1ª Série do Diário da
República dos mapas das eleições autárquicas, relativos às eleições das
assembleias de freguesia de Milhazes, de Cristóval, Pedro Miguel, de Gaula e de
Maceira de Sarnes, sob pena de incorrer na prática do crime de desobediência,
previsto e punido pelo artigo 348.º do Código Penal.
2. A recorrente INCM apresentou alegações, onde conclui o seguinte:
«A. O objecto do presente recurso consiste em determinar se a INCM deverá acatar
o entendimento da PCM ou da CNE, quanto à série do Diário da República na qual
deverá efectuar-se a publicação dos mapas de resultados de actos eleitorais para
autarquias locais.
B. A questão em causa prende-se com a validade da revogação tácita da disposição
contida no art. 154.° da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais (Lei n.°
1/2001, de 14.08), referente à publicação dos resultados eleitorais, operada
pela revisão da Lei formulário (art. 3.° n.º 3 alínea c)).
C. Com efeito, apesar da citada Lei Orgânica n.° 1/2001, de 14 de Agosto, ser
uma lei de valor reforçado, entende a PCM, que o seu carácter de lei orgânica
limita-se às matérias atinentes ao seu objecto próprio, designadamente às
relativas à eleição dos titulares de órgãos do poder local, assumindo as regras
sobre publicação dos respectivos resultados, mero carácter instrumental, não
estando por essa razão abrangidas pelo alcance da reserva da alínea l) do artigo
164.° da Constituição (CRP), nem da remissão para aí operada pelo n.° 2 do art.
166.°da CRP, podendo ser livremente alteradas pelo legislador ordinário nos
termos do procedimento legislativo comum.
Termos em que devem V. Exas. conceder provimento ao presente recurso, com o que
se fará a costumada JUSTIÇA!»
3. O recurso foi apresentado junto da CNE, em 23.09.2008, e por esta remetido a
este Tribunal.
II – Fundamentação
4. Dos autos emergem os seguintes factos, relevantes para a presente decisão:
A) A Comissão Nacional de Eleições remeteu para publicação na 1.ª Série do
Diário da República, os Mapas Oficiais n.ºs 2/2008, 3/2008 e 4/2008, relativos
às eleições autárquicas intercalares para as assembleias de freguesia aí
identificadas. (Cfr. docs. fls. 155 a 160 e 165 a 167 dos autos.)
B) A INCM rejeitou os pedidos de publicação, informando que a publicação de tais
actos deveria ser efectuada na 2.ª Série, nos termos do artigo 3.°, n.º 3,
alínea b), da Lei n.° 74/98, de 11 de Novembro, com a redacção introduzida pela
Lei n° 42/2007, de 24 de Agosto. (Cfr. docs. fls. 161, 162 e 168.)
C) Em comunicação de 28.05.2008, assinada pelo Secretário da Comissão, a CNE
reiterou o pedido de publicação na 1ª Série do Diário da República, e comunicou
o seguinte:
«(…) informo que, nos termos do disposto no artigo 154.° da Lei Eleitoral dos
Órgãos das Autarquias Locais aprovada pela Lei Orgânica n.° 1/2001, de 14 de
Agosto, a publicação oficial com o resultado das eleições, por freguesia e
município, é feita na 1.ª Série do Diário da República.
Assim, e atendendo a que a Lei Orgânica n.° 1/2001, de 14 de Agosto, é uma lei
de valor reforçado, afigura-se que a mesma prevalece sobre a Lei n.° 74/98, de
11 de Novembro, republicada em anexo à Lei n.° 42/2007, de 24 de Agosto. Neste
sentido deliberou o plenário da Comissão Nacional de Eleições, em 18 de Setembro
de 2007. (…)» (Cfr. doc. fls. 169 dos autos.)
D) O Centro Jurídico da Presidência do Conselho de Ministros emitiu as
Informações n.ºs 1 /2008 e 4/2008, onde conclui que os mapas de resultados
eleitorais em questão devem ser objecto de publicação na 2ª Série do Diário da
República, nos termos da redacção conferida pela Lei n.º 26/2006, de 30 de
Junho, à alínea b) do n.º 3 do artigo 3.º da Lei n.º 74/98, de 11 de Novembro
(Lei Formulário) − cfr. docs. fls. 73 a 77.
E) Por ofício de 04.06.2008, a INCM informou a CNE que é “entendimento da INCM,
bem como do Centro Jurídico da Presidência do Conselho de Ministros, que a
publicação destes resultados deve ter lugar na 2ª série do DR'. (Cfr. doc. fls.
172.)
F) Em sessão de 17.06.2008, a CNE deliberou o seguinte:
«Nos termos do disposto no artigo 154.° da Lei Eleitoral dos Órgãos das
Autarquias Locais aprovada pela Lei Orgânica n.° 1/2001, de 14 de Agosto,
compete à CNE elaborar e fazer publicar no Diário da República, I Série, um mapa
oficial com o resultado das eleições, por freguesias e por municípios.
A Lei Orgânica n° 1/2001, de 14 de Agosto, por ser uma lei de valor reforçado,
prevalece sobre a Lei n.° 74/98, de 11 de Novembro, republicada em anexo à Lei
n.° 42/2007, de 24 de Agosto.
Atento o entendimento da Imprensa Nacional Casa da Moeda, S. A., transmitido
através do ofício n.° 43/PCA, de 4.06.2008, determina-se, ao abrigo do disposto
no artigo 7.° da Lei n.° 71/78, de 27 de Dezembro, a publicação dos Mapas
Oficiais n.° 2/2008, 3/2008 e 4/2008 na primeira Série do Diário da República
conforme dispõe o artigo 154.° da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais
aprovada pela Lei Orgânica n.° 1/2001, de 14 de Agosto. » (Cfr. certidão de fls.
173/174.)
G) A deliberação da CNE, de 17.06.2008 foi notificada à INCM, por ofício de
27.06.2008. (Cfr. doc. fls. 175.)
H) Em resposta, a INCM informou a CNE que, no seguimento do disposto no artigo
12.º, n.º 2, da Lei n.º 170/99, de 19 de Maio, iria colocar o assunto à decisão
do Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros. (Cfr. doc. fls.
176)
I) Por ofício de 03.07.2008, a INCM solicitou ao Secretário de Estado da
Presidência do Conselho de Ministros, na qualidade de entidade que superintende
a actividade da INCM relacionada com a edição do Diário da República, que fosse
proferida decisão que defina em que série do Diário da República deverão ser
publicados os resultados das eleições autárquicas. (Cfr. doc. fls. 80.)
J) Por despacho de 28.07.2008, o Secretário de Estado da Presidência do Conselho
de Ministros manifestou a sua concordância com a Informação n.º 7/2008 do CEJUR
da Presidência do Conselho de Ministros, onde se concluía, reiterando o
entendimento sufragado em anteriores informações, no sentido de os mapas
oficiais serem objecto de publicação na 2ª série do Diário da República. (Cfr.
docs. fls. 83 e 84 a 89.)
L) Por ofício de 26.08.08, a INCM comunicou à CNE o teor dos citados despacho e
informação, solicitando que os resultados das eleições fossem submetidos para
publicação na 2ª série, no site do DRE. (Cfr. doc. fls. 181.)
M) Em sessão de 17.09.2008, a CNE deliberou o seguinte:
«2.4. Publicação de mapas de resultados de actos eleitorais para autarquias
locais − Despacho de S. Exa. o Secretário de Estado da Presidência do Conselho
de Ministros sobre o parecer elaborado no CEJUR
O Plenário aprovou, por unanimidade dos Membros presentes, o parecer que
constitui anexo à presente acta e deliberou notificar a Imprensa Nacional — Casa
da Moeda, S. A., na pessoa do Presidente do seu Conselho de Administração, no
uso dos poderes que lhe são conferidos pelo n.° 1 do artigo 7.° da Lei n.°
71/78, de 27 de Dezembro, e para o exercício da competência prevista na alínea
i) do n.° 1 do artigo do mesmo diploma, conjugada com o disposto no artigo 154.º
da Lei Orgânica n.° 1/2001, de 14 de Agosto, para proceder à publicação na 1.ª
Série do Diário da República dos mapas das eleições autárquicas, oportunamente
remetidos àquela entidade, relativos às eleições das assembleias de freguesia de
Milhazes, de Cristóval, Pedro Miguel, de Gaula e de Maceira de Sames, sob pena
de incorrer na prática do crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo
348.° do Código Penal.
Foi, ainda, deliberado comunicar à INCM que da deliberação da CNE cabe recurso
para o Tribunal Constitucional a interpor rio prazo de 1 dia, nos termos do
artigo 102.°-B da Lei n.° 28/82, 15de.Novembro
O Plenário deliberou, ainda, dar conhecimento da presente deliberação ao Senhor
Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.» (cfr. certidão de
fls. 187/188 dos autos.)
N) A deliberação da CNE, de 17.09.2008, foi notificada à INCM por ofício de
22.09.2008. (Cfr. doc. fls. 91/92.)
O) No parecer (Nota Informativa), referido nesta deliberação, conclui-se o
seguinte:
«(…) A Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais — aprovada pela lei
Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto - determina que a Comissão Nacional de
Eleições faz publicar na 1.ª série do Diário da República o mapa oficial da
eleição autárquica.
Considerando que:
-A LEOAL é uma lei de valor reforçado, por força da conjugação dos artigos
112.°/3, 164.°/1) e 166.°/2 da Constituição da República Portuguesa,
- A Constituição, nos mencionados preceitos, não limita a reserva de lei
orgânica a determinados assuntos de “Eleições dos titulares do órgãos do poder
local, mas antes dirige-se à totalidade da matéria, isto é, tudo quanto lhe
pertença tem de ser objecto de lei orgânica,
- A disposição legal relativa à publicação do mapa oficial da eleição — artigo
154.º - integra o objecto da lei que regula a matéria de “Eleições, tratando-se
da divulgação oficial de um acto confirmativo do resultado definitivo das
eleições, como a CRP impõe,
Conclui-se, salvo melhor opinião, que o artigo 154.º da LEOAL, em toda a sua
extensão, encontra-se protegido pela força de lei orgânica e, por consequência,
não pode ser revogado ou alterado por legislação de valor diferente.
Assim, propõe-se que a Imprensa Nacional - Casa da Moeda seja notificada, ao
abrigo do n.° 1 do artigo 7.° da Lei n.º’71/78, de 27 de Dezembro (Lei da CNE),
para proceder à publicação na I série do Diário da Republica dos mapas das
eleições autárquicas, acima identificados e oportunamente remetidos, em
cumprimento do disposto no artigo 154.° da LO n.° 1/2001, sob pena de incorrer
na prática do crime de desobediência.» (Cfr. doc. fls. 189 a 198.)
5. Diga-se, desde já que estão por preencher os pressupostos necessários ao
conhecimento do objecto do recurso, por não estar em causa um acto
contenciosamente impugnável junto do Tribunal Constitucional.
O artigo 8.º da LTC, alínea f), sob a epígrafe “Competência relativa a processos
eleitorais”, atribui ao Tribunal Constitucional competência para «julgar os
recursos contenciosos interpostos de actos administrativos definitivos e
executórios praticados pela Comissão Nacional de Eleições ou por outros órgãos
da administração eleitoral».
O artigo 102.º-B da LTC regula o processo relativo aos “Recursos de actos de
administração eleitoral”, ou seja, recursos de deliberações da Comissão Nacional
de Eleições (n.ºs 1 a 6) e recursos de decisões de outros órgãos da
administração eleitoral (n.º 7).
Ao Tribunal Constitucional é, assim, atribuída competência, em termos amplos,
para apreciar os recursos de deliberações da Comissão Nacional de Eleições que
consubstanciem actos de administração eleitoral. Mas a determinação exacta do
âmbito deste conceito, neste específico contexto normativo, não pode ser feita à
margem das razões atributivas dessa competência, nem do regime processual do
recurso previsto no artigo 102.º-B da LTC.
As eleições, em particular as directas, por sufrágio universal, constituem um
procedimento complexo, integrado por uma pluralidade de actos que se sucedem no
tempo. E é bem certo que a administração eleitoral tem um objecto mais amplo do
que o acto eleitoral em sentido estrito, entendido como o processo de votação e
o apuramento do seu resultado. Há todo um conjunto de operações, jurídicas e
materiais, que antecedem (a partir da marcação das eleições) e se sucedem a esse
acto, e que a ele estão teleologicamente ligadas. Todas são matéria eleitoral,
em sentido amplo.
Mas isso não significa que todas caibam dentro do poder jurisdicional que o
artigo 102.º-B, da LTC, atribui ao Tribunal Constitucional.
Esse poder funda-se, em última instância, na defesa dos valores constitucionais
da “regularidade e validade dos actos de processo eleitoral”. Como se escreveu
no Acórdão n.º 14/98, em orientação retomada pelo Acórdão n.º 472/98:
« (…) a intervenção do Tribunal Constitucional no processo eleitoral visa,
fundamentalmente, assegurar a genuinidade da expressão da vontade política dos
eleitores no acto eleitoral (…) Obtida essa expressão, ou, dito de outro modo,
apurado o resultado final da votação, não subsistem razões para persistir a
intervenção do Tribunal Constitucional no processo eleitoral, tudo se
reconduzindo aos parâmetros normais do contencioso administrativo.»
O que se tem em vista é garantir que o acto eleitoral produza os efeitos que a
vontade popular determinou.
No caso vertente, está em causa a publicação, em Diário da República, dos mapas
eleitorais das eleições intercalares para as assembleias de freguesia
identificadas nos autos.
A obrigatoriedade constitucional de publicação no Diário da República dos
resultados das eleições e referendos só foi introduzida na revisão
constitucional de 1989, quanto às eleições e referendos de âmbito nacional, e
alargada, na revisão constitucional de 1997, às eleições e referendos locais e
regionais (artigo 119.º, n.º 1, alínea i), da CRP).
É inquestionável que o princípio da publicidade dos actos de conteúdo genérico
dos órgãos de soberania e dos principais actos políticos é «uma exigência lógica
do princípio do Estado de direito democrático.» (GOMES CANOTILHO/ VITAL MOREIRA,
Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, 547).
Mas, como expressamente resulta do n.º 2 do artigo 119.º da CRP, a publicação em
Diário da República nada acrescenta à perfeição do acto eleitoral, nem à sua
eficácia.
Daqui se pode concluir que, independentemente de se incluir ou não a publicação
dos mapas eleitorais no procedimento eleitoral (pelo menos como matéria a ele
conexa), é líquido que não constitui um acto de administração eleitoral
impugnável judicialmente através do meio processual previsto no artigo 102.º-B
da LTC, e, portanto, junto do Tribunal Constitucional.
Isso mesmo resulta também da própria conformação que o legislador deu à
tramitação processual destes recursos, cuja natureza urgente e tramitação muito
simplificada (cfr. n.ºs 1 a 5 do artigo 102.º-B da LTC) só se justificam por
visarem actos que, tipicamente, têm a ver com a regularidade e validade dos
actos eleitorais. Os prazos muito curtos de interposição do recurso e de decisão
pelo Tribunal e a tramitação muito simplificada que se basta com as alegações do
recorrente (e com eventual audição de outros interessados, caso o tribunal
entenda necessário) só se compreendem por razões de urgência determinadas pela
natureza desses actos. Só devem ficar abrangidos os actos em que se façam valer
essas razões, não se compadecendo com uma prolongada incerteza quanto à sua
validade.
Não comunga dessa natureza o acto de publicação dos resultados. Tanto assim é
que o n.º 2 do artigo 7.º da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, não faz depender
a convocação dos eleitos, para o acto de instalação, da prévia publicação dos
resultados. Na verdade, tal convocação é feita “nos cinco dias subsequentes ao
do apuramento definitivo dos resultados eleitorais”.
Em suma, a deliberação da CNE que aqui se poderia questionar – a determinação de
publicação dos mapas eleitorais na 1ª série do Diário da República − , não
constitui um acto de administração eleitoral impugnável judicialmente através do
meio processual previsto no artigo 102.º-B da LTC.
Por este motivo não pode o Tribunal Constitucional tomar conhecimento do objecto
do recurso.
III − Decisão
Pelo exposto, acordam em não conhecer do objecto do presente recurso.
Sem custas.
Lisboa, 1 de Outubro de 2008
Joaquim de Sousa Ribeiro
Carlos Fernandes Cadilha
Maria João Antunes
Gil Galvão
Vítor Gomes
José Borges Soeiro
Ana Maria Guerra Martins
Maria Lúcia Amaral (com declaração)
Carlos Pamplona de Oliveira (com declaração)
Mário José de Araújo Torres (vencido, nos termos da declaração de voto junta)
Benjamim Rodrigues (vencido nos termos da declaração de voto anexa)
João Cura Mariano (vencido nos termos da declaração de voto apresentada pelo
Conselheiro Mário Torres)
Rui Manuel Moura Ramos
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei a decisão de não conhecimento do objecto do recurso pelas razões expressas
na fundamentação do Acórdão: entendi, também, que, no caso, o acto da Comissão
Nacional de Eleições não constituía um acto de administração eleitoral
impugnável judicialmente através do meio processual previsto no artigo 102º‑B da
Lei do Tribunal Constitucional.
A meu ver, este entendimento não contradiz aquele outro expresso pelo Tribunal
no Acórdão nº 312/2008. É que neste último caso (em que, recorde‑se, estava em
causa uma decisão da Comissão Nacional de Eleições relativa à afixação, em
espaços públicos, de cartazes de propaganda política por parte de um partido) o
acto impugnado detinha, pela matéria sobre que incidia, a “aparência formal” e a
“configuração externa” de acto impugnável nos termos dos artigos 8º, alínea f) e
102º‑B da Lei do Tribunal Constitucional.
Maria Lúcia Amaral
DECLARAÇÃO DE VOTO
Entendo que o Tribunal não pode conhecer do pedido por razões não coincidentes
com o fundamento do acórdão.
São recorríveis para o Tribunal Constitucional, no âmbito do contencioso
eleitoral, os actos administrativos definitivos e executórios praticados pela
Comissão Nacional de Eleições – artigo 8.º alínea f) da Lei do Tribunal
Constitucional. Acontece que o acto aqui em causa não tem a aludida natureza e
nem sequer traduz um verdadeiro conflito entre duas entidades administrativas; o
que é proposto é que o Tribunal tome uma decisão substituindo-se à autoridade
competente para o efeito, e que é o membro do Governo com poderes de
superintendência e tutela sobre a Imprensa Nacional - Casa da Moeda.
Carlos Pamplona de Oliveira
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencido por considerar o Tribunal Constitucional
competente para conhecer do presente “recurso”, que tem por objecto um acto de
um órgão da administração eleitoral – a Comissão Nacional de Eleições –,
respeitante ainda ao “processo eleitoral”, pois constitui, em certo sentido, o
acto final desse processo.
Entendo que para a delimitação do conceito de acto de
órgãos da administração eleitoral são irrelevantes considerações extraídas da
conformação que o legislador deu, no artigo 102.º‑B da Lei do Tribunal
Constitucional (LTC), à tramitação processual dos recursos desses actos,
caracterizada por notas de urgência e de simplicidade. Em nada interfere com o
reconhecimento de que o acto impugnado é substancialmente um acto de órgão da
administração eleitoral respeitante ao processo eleitoral a circunstância de
essas características de urgência e simplicidade se revelarem mais adequadas
quando estão em causa actos inseridos no decurso do processo eleitoral do que,
como ora ocorre, está em causa o acto “terminal” do procedimento, de que, à
partida, não depende o início do exercício de funções dos autarcas eleitos [cf.
artigos 7.º, n.º 2, e 8.º, n.º 1, da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, que
determinam que a convocação dos eleitos para o acto de instalação do órgão deve
ser feita nos 5 dias subsequentes ao apuramento definitivo dos resultados
eleitorais e que a instalação seja efectuada até ao 20.º dia posterior a esse
apuramento, isto é, independentemente da publicação no jornal oficial do mapa
nacional da eleição referido no artigo 154.º da Lei Eleitoral dos Órgãos das
Autarquias Locais (LEAOL), aprovada pela Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de
Agosto; anote‑se, porém, que enquanto o artigo 173.º, n.º 1, da Constituição da
República Portuguesa prevê que a primeira reunião da Assembleia da República
após eleições ocorra “no terceiro dia posterior ao apuramento dos resultados
gerais das eleições” (salvo tratando‑se de eleições por termo de legislatura e o
referido dia recair antes do termo desta), já o artigo 127.º, n.º 2, determina
que a posse do Presidente da República (no caso de eleição por vagatura) se
efectue “no oitavo dia subsequente ao dia da publicação dos resultados
eleitorais”].
Por outro lado, no âmbito do contencioso eleitoral, são
admissíveis litígios, a dirimir jurisdicionalmente, entre diversos entes ou
órgãos da Administração que intervenham no processo eleitoral (e não apenas
litígios encabeçados por candidatos, mandatários, partidos políticos,
coligações, grupos de cidadãos e seus delegados ou representantes) e o âmbito
desse contencioso – pese embora a persistência, na alínea f) do artigo 8.º da
LTC, de terminologia (“recursos contenciosos de actos administrativos
definitivos e executórios”) banida pela revisão constitucional de 1989 (cf.
artigo 268.º, n.º 4) –, atentos os poderes de plena jurisdição de que goza,
neste âmbito, o Tribunal Constitucional, não se limita a um juízo cassatório
(como era típico do paradigma tradicional do recurso contencioso de anulação,
substituído pelo actual paradigma do contencioso de acções), isto é, os pedidos
a formular pelos requerentes não têm de se limitar à anulação do acto do órgão
da administração eleitoral impugnado, bem podendo consistir no pedido de
prolação de sentenças declarativas ou condenatórias (no caso: a declaração de
que era a 2.ª Série do Diário da República aquela onde, segundo as disposições
legais relevantes em vigor, deveria processar‑se a publicação dos mapas
eleitorais em causa).
Não vislumbro, assim, qualquer razão válida para,
estando em causa um acto da autoria de um órgão da administração eleitoral
relativo ao processo eleitoral, recusar a competência do Tribunal Constitucional
para apreciar a pretensão da impugnante [cf. o Acórdão n.º 312/2008 (Diário da
República, II Série, n.º 122, de 26 de Junho de 2008, p. 27 955), no sentido de
que basta a aparência formal e a configuração externa de um acto como tendo essa
autoria e esse objecto para afirmar a sua recorribilidade e a competência do
Tribunal Constitucional para conhecer de recurso dele interposto].
O Tribunal Constitucional, aliás, já por diversas vezes
afirmou a sua competência para conhecer de recursos interpostos de actos da
Comissão Nacional de Eleições (CNE) que determinaram a publicação no jornal
oficial de mapas de resultados eleitorais: fê‑lo, designadamente, nos Acórdãos
n.ºs 200/85 e 106/90 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 6.º vol., p. 743, e
15.º vol., p. 707, respectivamente) [embora em ambos os casos, após afirmar
expressamente a sua competência, o Tribunal não tenha conhecido dos recursos por
entender que os actos da CNE não eram inovatórios, nada aditando a actos
administrativos anteriores (os actos consubstanciados no mapa que definiu o
número de deputados e a sua distribuição pelos círculos e nas actas das
assembleias de apuramento geral) entretanto tornados firmes] e, posteriormente,
no Acórdão n.º 1/99 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 42.º vol., p. 729, em
que não só conheceu como concedeu provimento ao recurso, por dar por verificada
discrepância entre o mapa publicado e os resultados apurados na acta da
assembleia de apuramento geral.
Por outro lado, a possibilidade de órgãos da
Administração (e não apenas os “interessados” na eleição) interporem recurso
para o Tribunal Constitucional de actos de diversos órgãos da administração
eleitoral já foi reconhecida no Acórdão n.º 556/89 ((Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 14.º vol., p. 465, seguido de vários outros que para ele
remeteram), que, embora negando à Câmara Municipal de Lisboa legitimidade para
impugnar decisão de juiz da comarca de Lisboa (actuando como órgão da
administração eleitoral) que ordenara modificações nas provas tipográficas do
boletim de voto, considerou que tal legitimidade caberia ao Secretariado
Técnico dos Assuntos para o Processo Eleitoral (STAPE), e está, por exemplo,
expressamente prevista no artigo 70.º, n.º 4, da LEOAL, que atribui
legitimidade aos presidentes de junta de freguesia para recorrerem das decisões
dos presidentes das câmaras municipal que determinem os locais de funcionamento
das assembleias de voto.
A solução que fez vencimento – e que, face ao inegável
direito que assiste à impugnante, sob pena de lhe ser negada a tutela
jurisdicional efectiva que a Constituição a todos garante, de ver
jurisdicionalmente apreciada a sua pretensão, implicará que a mesma tenha de se
dirigir à jurisdição administrativa (e, nesta, perante os tribunais
administrativos de circulo – cf. artigos 4.º, n.º 1, alínea j), 24.º, 37.º e
44.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º
13/2002, de 19 de Fevereiro) – surge como incongruente e inconveniente:
incongruente face à opção legislativa de atribuir sempre a um tribunal superior
a apreciação das impugnações das deliberações em matéria eleitoral da CNE (a
Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça quanto a recurso das deliberações
da CNE em matéria contra‑ordenacional; e o Tribunal Constitucional, quanto às
restantes deliberações enquanto órgão da administração eleitoral); e
inconveniente porque, como a jurisprudência deste Tribunal desde sempre
assinalou (cf. Acórdãos n.ºs 165/85, publicado em Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 6.º vol., p. 661, e 200/85, já citado, entre muitos outros), a
concentração nele desta competência e a previsão de decisão em plenário (n.º 5
do artigo 102.º‑B) visou dar adequada resposta à preocupação fundamental de
assegurar a uniformidade da jurisprudência numa matéria particularmente
sensível, uniformidade que será posta em causa com o risco de aparecimento de
soluções divergentes por diversos juízes administrativos de círculo, com
determinação da publicação do mesmo tipo de mapas de resultados eleitorais, ora
na 1.ª, ora na 2.ª Série do Diário da República.
Por estas razões – e sendo certo que do contexto da
petição resulta perceptível qual a pretensão formulada pela impugnante e qual o
respectivo fundamento – votei no sentido do conhecimento do recurso.
Conhecendo do recurso, entendo que o mesmo merecia
provimento. Na verdade, nem todos os preceitos formalmente inseridos em leis de
valor reforçado (no caso, lei orgânica) têm necessariamente o valor paramétrico
referido no n.º 3 do artigo 112.º da Constituição, e não tem seguramente essa
natureza o preceito da LEOAL que indica qual a série do Diário da República onde
deve ser publicado o mapa dos resultados eleitorais: não foi certamente para
regras deste tipo que a Constituição impôs a adopção da forma de lei orgânica
para a lei relativa às eleições dos titulares dos órgãos do poder local (artigos
164.º, n.º 1, alínea l), 1.ª parte, e 166.º, n.º 2) e exigiu uma maioria
qualificada para a sua aprovação em votação final global (artigo 168.º, n.º 5).
Assim sendo, considero não ser inválida, por pretensa violação de lei com valor
reforçado, a nova redacção dada ao artigo 3.º da Lei n.º 74/98, de 11 de
Novembro, pela Lei n.º 26/2006, de 30 de Junho, da qual resultou deverem ser
publicados na 2.ª Série do Diário da República os resultados das eleições para
os órgãos das autarquias locais (artigo 3.º, n.º 1, alínea b)), com revogação
do segmento do artigo 154.º da LEOAL que previa essa publicação na 1.ª Série.
Em suma: considero que o Tribunal Constitucional é
competente para conhecer da pretensão da impugnante, que o acto impugnado é
contenciosamente recorrível, que o meio processual utilizado é idóneo, que a
petição não é inepta e que a razão está do lado da impugnante, pelo que votei
no sentido do conhecimento e do provimento do recurso, decidindo‑se que o mapa
dos resultados das eleições autárquicas em causa deve ser publicado na 2.ª Série
do Diário da República.
Mário José de Araújo Torres
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencido, por não poder acompanhar a decisão de incompetência do
Tribunal Constitucional e a fundamentação em que a mesma se abona.
São as seguintes as razões essenciais da minha discordância.
A competência do Tribunal Constitucional sobre a matéria que está em
causa não lhe foi atribuída pela Constituição, mas antes pelo legislador
ordinário.
Constitui, assim, uma opção tomada por este legislador dentro da sua
discricionariedade constitutiva, pois bem poderia ter optado por atribuir essa
competência aos tribunais que em razão da matéria administrativa seriam os
competentes.
As normas de competência são normas que estabelecem atribuições de
poderes jurídicos, que atribuem ou dotam de poderes centros jurídicos de
decisão.
Assim sendo, tratando-se de normas que retiram a competência do
âmbito dos tribunais que em razão da matéria seriam normalmente os competentes
(os tribunais administrativos) para a atribuir ao Tribunal Constitucional,
impõe-se que as mesmas sejam interpretadas de modo a privilegiar a inclusão
nesta opção legislativa (competência) de todas as situações nas quais se possam
ainda surpreender algumas das razões que justificaram a diferente opção
legislativa.
E é assim, porque os termos em que a competência se mostra atribuída
passou a constituir a situação-regra.
Ora, o art.º 8.º, alínea f), da Lei do Tribunal Constitucional
atribui a competência ao Tribunal Constitucional para “julgar os recursos
contenciosos interpostos de actos administrativos definitivos e executórios
praticados pela Comissão Nacional de eleições ou por outros órgãos da
administração eleitoral”.
Ao falar de “actos administrativos definitivos e executórios
praticados pela Comissão Nacional de Eleições”, usando a terminologia do tempo
para se referir aos actos lesivos dos direitos ou interesses legalmente
protegidos, o preceito quis abranger todos os actos lesivos praticados pela
Comissão Nacional de Eleições (CNE) no exercício da sua competência legalmente
estabelecida enquanto Comissão Nacional de Eleições, ou sejam, os actos
praticados no uso da competência que lhe está atribuída no art.º 5.º da Lei n.º
71/78, de 27 de Dezembro.
Ora, a publicação dos resultados das eleições autárquicas constitui,
seguramente, um acto consequente e de execução da competência prevista na alínea
i) deste art.º 5.º - “elaborar o mapa dos resultados nacionais das eleições” -,
sendo que o art.º 154.º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais
(LEOAL) incumbe a CNE de elaborar e publicar na 1.ª Série um mapa oficial com o
resultado das eleições.
Mas ainda que não se veja incluído o acto em causa no âmbito da
competência prevista nessa alínea i), sempre se teria de concluir que o mesmo
resultava do exercício de uma competência atribuída à CNE enquanto tal, por mor
do disposto na cláusula residual, da alínea j) do mesmo art.º 5.º da Lei n.º
71/78 – “desempenhar as demais funções que lhe estão atribuídas pelas leis
eleitorais” e do referido art.º 154.º da LEOAL.
Tratando-se, como se trata, de um acto resultante do exercício de um
poder que foi atribuído à CNE exactamente com base nas razões que levaram o
legislador a constituir esse específico centro jurídico subjectivo ou de
imputação de poderes, como órgão independente que funciona junto da Assembleia
da República (art.º 1.º, n.º 2, da Lei n.º 71/78), e não da agregação a esse
centro de decisão de poderes que sejam estranhos ao exercício da sua competência
específica, como pudessem ser os relacionados com a sua organização
administrativa interna (do pessoal, por exemplo), torna-se, para mim, evidente
que ele cabe no tipo legal de actos a que se refere a alínea f) do art.º 8.º da
LTC.
O acto da CNE que ordena a publicação do mapa oficial das eleições
no jornal oficial encontra ainda a sua justificação instrínseca,
jurídico-política, na realização do acto eleitoral, enquanto acto que, pela
publicidade oficial, visa dar a conhecer à generalidade dos cidadãos o
funcionamento do Estado de direito democrático, no que respeita às eleições
autárquicas.
Não há aqui sequer necessidade de apelar ao conceito de actos “de
administração eleitoral”, pois esse é um conceito utilizado pela alínea f) do
art.º 8.º da LTC não relativamente à CNE, pois esta apenas tem competência-regra
para actos desse tipo, mas para outros órgãos (“ou por outros órgãos da
administração eleitoral”).
Excluir a competência do Tribunal Constitucional para conhecer do
recurso contencioso do acto em causa com o fundamento de que, conquanto relativo
à administração eleitoral, o acto já não respeita à “regularidade e validade do
processo eleitoral” enquanto processo de asseguramento da genuinidade da
expressão da vontade política dos eleitores no acto eleitoral”, não “integrando
a sua regularidade ou eficácia”, corresponde a efectuar uma interpretação
restritiva contra a opção que o legislador quis como regra e cujo recorte
resulta de uma interacção entre a norma do art.º 8.º, alínea f), da LTC e o art.
5.º da Lei n.º 71/78.
Ao que vem de dizer-se acresce que nem a norma do art.º 102.º-B da
LTC ajuda à tese que fez vencimento.
Na verdade, o preceito tem um sentido puramente instrumental ou
funcional, dirigido para a regulação do processo a seguir pelo Tribunal
Constitucional no exercício da competência atribuída pela alínea f) do art.º 8.º
e não qualquer sentido substantivo de atribuição e de dotação de competência.
Donde ser irrelevante o argumento de que, no caso, existirá uma
dessintonia entre a necessidade de tutela que o direito accionado reclama, que
não se afigura de urgente (basta ver que a CNE dispões de 30 dias para elaborar
o mapa), e os termos de urgência em que o processo se encontra regulado, em que
o recurso tem de ser interposto no prazo de 1 dia e a decisão do Tribunal
Constitucional de ser proferida em 3 dias (n.ºs 2 e 5).
Trata-se de um desajustamento que advém da regra de abstracção da
lei. O que não se vê é que de uma disposição legal que possibilita, ao fim e ao
cabo, a obtenção de uma decisão célere e rápida tutela do direito lesado, como
adequadamente céleres devem ser todas as decisões jurisdicionais (art.º 20.º,
n.º 5, da CRP), se possa extrair a conclusão de que o tipo de acto não se
incluirá no âmbito da competência do Tribunal Constitucional, como se este
Tribunal apenas possa e deva conhecer de actos carecidos de tutela urgente e em
procedimentos ou processos urgentes.
Ao falar de “interposição de recurso contencioso de deliberações da
Comissão Nacional de Eleições”, o art.º 102.º-B da LTC está, pura e
simplesmente, a regular o processo que o Tribunal Constitucional deve seguir no
conhecimento do recurso dos actos cuja competência lhe está atribuída pela
alínea f) do art.º 8.º da mesma Lei.
Por fim, dir-se-á que o Tribunal Constitucional, em casos referidos
a situações ocorridas já depois ou fora do processo eleitoral, também entendeu a
sua competência na linha do que eu defendo (cf. Acórdãos 200/85, 106/90, 1/99,
e, recentemente, o n.º 312/08).
Benjamim Rodrigues