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Processo n.º 478/08
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A. reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do
art.º 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), da
decisão do relator, no Tribunal Constitucional, que decidiu não conhecer do
recurso de constitucionalidade interposto do acórdão da Relação de Évora, de 25
de Setembro de 2007.
2 – Fundamentando a sua reclamação, alega o reclamante o seguinte:
«[…]
1. A presente reclamação é admissível e está em tempo nos termos do artigo
78°-A, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional a qual prescreve o seguinte:
“3. Da decisão sumária do relator pode reclamar-se para a conferência, a qual é
constituída pelo presidente ou pelo vice-presidente, pelo relator e por outro
juiz da respectiva secção, indicado pelo pleno da secção em cada ano judicial.
2. O reclamante suscitou oportunamente junto do Tribunal ad quem a apreciação
das seguintes, INCONSTITUCIONALIDADES que se transcrevem:
1) Por acórdão de 26 de Setembro de 2007, que correu termos na 1ª Secção do
Tribunal da Relação de Évora, foi proferida decisão de indeferimento de um
recurso de uma decisão de processo contra-ordenacional, com base numa
interpretação inconstitucional dos artigos 32° da Constituição da República
Portuguesa, resultante do artigo 6°, nºs. 1, 2 e 3, alínea b), da Convenção
Europeia dos Direitos do Homem – ratificada por Portugal e directamente
aplicável no ordenamento Português nos termos do artigo 8°, da Constituição da
República Portuguesa, normas que asseguram as garantias de defesa do arguido,
nomeadamente o principio “In Dubio Pro Reu”
2) Pretende ainda, o Recorrente suscitar no Tribunal ad quem a apreciação da
constitucionalidade entre a norma constante do artigo 126°, nº 3, do Código de
Processo Penal e as normas decorrentes da Lei 1/2000 de 10 de Janeiro, Lei
39-A/2005 de 29/07 e Dec. Lei 207/2005 publicado em Novembro de 2005, quando
interpretadas no sentido de que, não é legal a prova fornecida pelo
cinemometro/radar utilizado para verificar a velocidade a que seguia o
recorrente, sem que o mesmo, tenha sido objecto de adequada e oportuna
notificação à Comissão Nacional de Protecção de Dados, por violação das disposto
no art. 26º, nº 2, da Constituição da Republica Portuguesa.
3) O que desde logo implica que, verificando-se a ilegalidade daquele sistema de
vigilância electrónica e, em consequência, não sendo legal a prova fornecida
pelo mesmo, não existe prova de que o recorrente haja cometido a infracção que
lhe é imputada.
4) O recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade referida nas
conclusões 2ª e 6ª do Recurso interposto para o Tribunal da Relação de Évora, em
5 de Fevereiro de 2008, que considerou o mesmo como manifestamente improcedente.
“A omissão relativa á falta de fundamentação da sentença é cominada com a
nulidade desta e a eventual repetição do julgamento, como determinam os art.
27°, nº 4, 32°, nº 1 e 205°, nº 1, da CRP, e 97°, n°4, 374°, nº 2, 375°, nº 1, e
379º, nº 1 alínea a), do C.P. Penal”
“ Ao fazer tábua rasa, sobre a ilegalidade do sistema PROVIDA 2000 por violação
do DL 207/2005, o Tribunal a quo violou igualmente a Lei Fundamental, a qual
proíbe “a recolha de imagens sem autorização de uma Lei” (cf. artigo 18º, nº 2,
e 26°, nº 1, da CRP)
3. Donde, e contrariamente ao decidido no despacho sob reclamação, o recurso é
admissível porque a questão da inconstitucionalidade foi “suscitada durante o
processo” (citada Al. b) do nº 1 do artigo 70º), ou seja, foi colocada “de modo
processualmente adequado perante o Tribunal que proferiu a decisão recorrida, em
termos de este estar obrigado a dela conhecer” (nº 2 do artigo 72° da Lei nº
28/82).
4. Neste sentido, entre muitos outros, leiam-se os Acórdãos do Tribunal
Constitucional nºs 337/94, 498/96 e 3/2000 – publicados, respectivamente, no
Diário da República, II Série, de 4 de Novembro de 1994, de 22 de Julho de 1996
e de 8 de Março de 2000 –, e os Acórdãos nºs 283/97, 556/98, 490/99 –
disponíveis em http://www.tribunalconstitucional.pt).
5. O presente recurso de inconstitucionalidade, tal como previsto no artigo 280°
da Constituição e nos artigos 70° e seguintes da Lei nº 28/82 de 15 de Novembro,
embora desempenhe uma função instrumental em relação à decisão final tem notória
e decisiva influência na legalidade da sentença, porque, caso venha a ser
emitido um juízo de Inconstitucionalidade sobre as normas em causa, essa
circunstância vai alterar, necessariamente, a decisão final num sentido
favorável ao Arguido ora reclamante.
6. Verificam-se, assim, todos os pressupostos de admissibilidade do recurso como
consta, nomeadamente, no Acórdão nº 498/96, já citado, onde se pode ler o
seguinte: “(...) sua utilidade no concreto processo de que emerge, de tal forma
que o interesse no conhecimento de tal recurso há-de depender da repercussão da
respectiva decisão na decisão final a proferir na causa”.
7. Conforme foi decidido no Acórdão nº 556/98 do TC, também já citado, faz todo
o sentido conhecer do recurso de inconstitucionalidade pois existe a
possibilidade de a decisão a proferir se poder projectar com utilidade na causa,
bem como em futuras decisões a proferir pelos tribunais a quo.
8. Acresce que a questão da Inconstitucionalidade da interpretação do disposto
no D.L. 207/2005 conjugado com as demais normas citadas é pertinente e actual,
considerando que a entrada em vigor do Código Estradal bem como de toda a
Legislação referente a Vídeo – Vigilância, uma vez que o Tribunal Constitucional
tem entendido, de forma pacífica, que “nas relações entre os particulares e o
Estado se introduza a noção de respeito da vida privada, de modo a que o Estado
não afecte o direito ao segredo e a liberdade da vida privada, senão por via
excepcional, para assegurar a protecção de outros valores que sejam superiores
àqueles”
9. O Tribunal Constitucional – ACÓRDÃO N° 255/02 – caracterizou, com rigor, as
implicações deste tratamento na esfera das pessoas. Citando o Ilustre Juiz
Conselheiro Paulo Mota Pinto, será de considerar que “a permissão da utilização
dos referidos equipamentos (vídeo - vigilância) constitui uma limitação ou uma
restrição do direito à reserva da intimidade da vida privada, consignada no
artigo 26º, nº 1, da CRP”. Acrescentou que as tarefas de definição das regras e
a apreciação dos aspectos relativos à videovigilância constituem «matéria
atinente a direitos, liberdades e garantias».
10. É patente que os meios utilizados e o respectivo tratamento implicam,
necessariamente, algumas restrições em relação ao direito à imagem, à liberdade
de movimentos, integrando esses dados, por isso, informação relativa à vida
privada
11. Ou seja, o princípio fundamental a reter em relação à jurisprudência do
Tribunal Constitucional é o de que envolvendo os sistemas de videovigilância
restrições de direitos, liberdades e garantias – v.g. direito à imagem,
liberdade de movimentos, direito à reserva da vida privada – caberá à lei (cf.
artigo 18º, nº 2, da CRP) decidir em que medida estes sistemas poderão ser
utilizados e, especialmente, assegurar, numa situação de conflito de direitos
fundamentais, que as restrições se limitem «ao necessário para salvaguardar
outros direitos ou interesses fundamentais»
12° Por força do artigo 35, nº 3, da CRP – e porque estamos perante dados da
«vida privada» (cf. a doutrina do Tribunal Constitucional) – o tratamento só
pode ser realizado quando houver «autorização prevista em lei» ou «consentimento
dos titulares»
12. A interpretação das referidas normas sufragada na decisão de fls. 321 é
INCONSTITUCIONAL, não só por violação do Art. 13° como também por violação do
18°, nº 2, e Art. 62°, todos da C.R.P.
13. Assim, o recurso para o Tribunal Constitucional justifica-se pela
Inconstitucionalidade do disposto nos D.L. 1/2000 de 10 de Janeiro, Lei
39-A/2005 de 29/07 e DL 207/2005, face ao disposto no Art. 126º, nº 3, do Código
de Processo Penal quando interpretadas no sentido de que, não é legal a prova
fornecida pelo Cinemómetro/radar utilizado para verificar a velocidade a que
seguia o recorrente, sem que o mesmo, tenha sido objecto de adequada e oportuna
notificação à Comissão Nacional de Protecção de Dados, o que só por si viola o
disposto no Art. 26º, nº 2, e 32° da C.R.P.
14. Por outro lado o recurso é também admissível por via da garantia
constitucional do direito de defesa bem como na violação do principio in dubio
pro réu, que há-de, seguramente, extrair-se a garantia constitucional do
principio da livre apreciação da prova e do exercício do contraditório,
previstos nos Art°s 26º, nº 2, e 32º, nº 5, da CRP.
15. Donde, é legalmente admissível o recurso para o Tribunal Constitucional das
normas que fundamentam a decisão de fls., pois a interpretação das mesmas viola
o principio constitucional da igualdade (Art. 13° da C.R.P) e da
proporcionalidade e/ou da proibição do excesso (Art. 18°, nº 2, da C.R.P).
16. O recurso interposto a fls. é ainda admissível em face do disposto no Artigo
204° da Constituição da R. P. onde se pode ler o seguinte:
“nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que
infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados”.
17. Deveria ainda o Juiz – Relator ter convidado o reclamante a aperfeiçoar as
conclusões das respectivas alegações – Art. 78-B nº 3 da Lei do tribunal
Constitucional –
Pelo exposto, deverá ser apreciada a presente reclamação, revogando-se a decisão
ora recorrida e em consequência admitido o recurso apresentado junto do Tribunal
Constitucional devendo ainda o recorrente ser notificado para apresentar as suas
alegações nos termos do Art. 79° da Lei de Processo do Tribunal Constitucional».
3 – O Procurador-Geral Adjunto no Tribunal Constitucional respondeu
sustentando ser a reclamação “manifestamente improcedente”, por “a argumentação
do reclamante em nada abalar os fundamentos da decisão reclamada, no que toca à
evidente inverificação dos pressupostos do recurso interposto”.
4 – A decisão reclamada tem o seguinte teor:
«1 – A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do
disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro, na sua actual versão (LTC), do acórdão da Relação de Évora, de 25 de
Setembro de 2007, que rejeitou, por ser manifestamente improcedente, o recurso
interposto da sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Beja, a
qual, por seu lado, julgara improcedente a impugnação judicial deduzida pelo
mesmo recorrente contra a decisão administrativa do Governador Civil de Beja que
lhe aplicou a coima de €300,00 e a sanção acessória de inibição de conduzir pelo
período de 180 dias, pela prática da infracção punida pelo art.º 27.º, n.º 1, do
Código da Estrada, dizendo no requerimento de interposição de recurso:
«1) Por acórdão de 26 de Setembro de 2007, que correu termos na 1ª Secção do
Tribunal da Relação de Évora, foi proferida decisão de indeferimento de um
recurso de uma decisão de processo contra-ordenacional, com base numa
interpretação inconstitucional dos artigos 32° da Constituição da República
Portuguesa, resultante do artigo 6°, nºs 1, 2 e 3, alínea b), da Convenção
Europeia dos Direitos do Homem – ratificada por Portugal e directamente
aplicável no ordenamento Português nos termos do artigo 8°, da Constituição da
Republica Portuguesa, normas que asseguram as garantias de defesa do arguido,
nomeadamente o principio “In Dubio Pro Reu”
2) Pretende ainda, o Recorrente suscitar no Tribunal ad quem a apreciação da
constitucionalidade entre a norma constante do artigo 126°, nº 3, do Código de
Processo Penal e as normas decorrentes da Lei 1/2000 de 10 de Janeiro, Lei
39-A/2005 de 29/07 e Dec. Lei 207/2005 publicado em Novembro de 2005, quando
interpretadas no sentido de que, não é legal a prova fornecida pelo
cinemometro/radar utilizado para verificar a velocidade a que seguia o
recorrente, sem que o mesmo, tenha sido objecto de adequada e oportuna
notificação à Comissão Nacional de Protecção de Dados, por violação das disposto
no art. 26º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa.
3) O que desde logo implica que, verificando-se a ilegalidade daquele sistema de
vigilância electrónica e, em consequência, não sendo legal a prova fornecida
pelo mesmo, não existe prova de que o recorrente haja cometido a infracção que
lhe é imputada.
4) O recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade referida nas
conclusões
2ª e 6ª do Recurso interposto para o Tribunal da Relação de Évora, em 5 de
Fevereiro de 2008, que considerou o mesmo como manifestamente improcedente.».
2 – O recurso foi admitido pelo tribunal a quo. Todavia, essa
decisão não vincula o Tribunal Constitucional, como decorre do disposto no n.º 3
do art. 76.º da LTC.
E porque a situação se enquadra na hipótese recortada no n.º 1 do
art. 78.º-A da LTC, passa a decidir-se imediatamente.
3.1 - O objecto do recurso de fiscalização concreta de
constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do art.º 280º da Constituição
e na alínea b) do n.º 1 do art.º 70º da LTC, é, não obstante o recurso ser
interposto da decisão judicial, a questão de inconstitucionalidade de norma(s)
de que esta faça efectiva aplicação.
Trata-se de um pressuposto específico do recurso de
constitucionalidade que é exigido pela natureza instrumental (e incidental) do
recurso de constitucionalidade tal como o mesmo se encontra desenhado no nosso
sistema constitucional, de controlo difuso da constitucionalidade de normas
jurídicas pelos vários tribunais, bem como pela natureza da própria função
jurisdicional constitucional (cfr. José Manuel M. Cardoso da Costa, A jurisdição
constitucional em Portugal, 3.ª edição revista, 2007, pp. 31 e ss., e, entre
outros, os Acórdãos n.º 352/94, publicado no Diário da República II Série, de 6
de Setembro de 1994, n.º 560/94, publicado no mesmo jornal oficial, de 10 de
Janeiro de 1995 e, ainda na mesma linha de pensamento, o Acórdão n.º 155/95,
publicado no Diário da República II Série, de 20 de Junho de 1995, e, aceitando
os termos dos arestos acabados de citar, o Acórdão n.º 192/2000, publicado no
mesmo jornal oficial, de 30 de Outubro de 2000).
Neste domínio há que acentuar que, nos processos de fiscalização
concreta, a intervenção do Tribunal Constitucional se limita ao reexame ou
reapreciação da questão de (in)constitucionalidade que o tribunal a quo apreciou
ou devesse ter apreciado.
Deste modo, cumpre acentuar que, sendo o objecto do recurso de
fiscalização concreta de constitucionalidade constituído por normas jurídicas
que violem preceitos ou princípios constitucionais, não pode sindicar-se no
recurso de constitucionalidade a decisão judicial em sim mesma, quer no que
importa à eventual aplicação que a mesma faça, directamente, de preceitos ou
princípios constitucionais, quer no que respeita ao modo como a mesma determinou
o direito infraconstitucional e subsumiu a ele as circunstâncias concretas do
caso.
3.2 – Confrontado o caso sub judice com estes princípios, conclui-se
não poder o Tribunal Constitucional tomar conhecimento do recurso.
Na verdade, na primeira parte do seu requerimento de interposição de
recurso, o recorrente apoda a decisão recorrida de se basear “numa interpretação
inconstitucional dos art.ºs 32.º da Constituição da República Portuguesa,
resultante do art.º 6.º, n.ºs 1, 2 e 3, alínea b) da Convenção Europeia dos
Direitos do Homem”.
Sustenta assim o recorrente que a decisão judicial, em si própria,
se baseou numa “interpretação inconstitucional” de preceitos constitucionais,
buscando o fundamento dessa inconstitucionalidade nos referidos preceitos da
Convenção Europeia de Direitos do Homem.
Ora, por um lado, o Tribunal Constitucional não pode conhecer, como
se disse já, da inconstitucionalidade de que a decisão judicial eventualmente
padeça quando faça aplicação directa de preceitos constitucionais.
Por outro lado, não pode existir inconstitucionalidade de preceitos
constitucionais. O que poderá verificar-se é uma errada interpretação do
preceito constitucional, uma errada apreensão do seu sentido normativo.
Por fim, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem não é parâmetro
da validade das normas constitucionais, mas sim direito convencional
internacional que vincula na ordem jurídica portuguesa precisamente porque a
Constituição assim o determina.
De qualquer modo, o sentido das suas normas encontra-se totalmente
espelhado nas normas constitucionais, como vem repetidamente sendo dito, sem que
valha aqui a obrigatoriedade da regra de interpretação e de integração relativa
aos direitos fundamentais constante do art.º 16.º, n.º 2, relativamente à
Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Diz, ainda, o recorrente “pretende[r] ainda, (…) suscitar no
Tribunal ad quem a apreciação da constitucionalidade entre a norma constante do
artigo 126.º, n.º 3, do Código de Processo Penal e as normas decorrentes da Lei
n.º 1/2000, de 10 de Janeiro, Lei n.º 39-A/2005, de 29/07 e Dec.-Lei 207/2005,
publicado em Novembro de 2005, quando interpretadas no sentido de que, não é
legal [ter-se-á querido dizer “é legal”] a prova fornecida pelo
cinemometro/radar utilizado para verificar a velocidade a que seguia o
recorrente, sem que o mesmo tenha sido objecto de adequada e oportuna
notificação à Comissão Nacional de Protecção de Dados, por violação do disposto
no art.º 26.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa”.
Esta pretensão do recorrente é tributária, porém, de uma errada
concepção da natureza do recurso de constitucionalidade, sendo evidente que o
recorrente o perspectiva como se fora um recurso de instância, inserido na ordem
hierárquica dos tribunais.
Já se disse, porém, que o recurso de constitucionalidade é um
recurso de “reexame ou de reapreciação da questão de (in)constitucionalidade que
o tribunal a quo apreciou ou devesse ter apreciado”.
Não pode, pois, o recorrente colocar ao Tribunal Constitucional,
como tribunal ad quem no recurso, questão de validade de norma
infraconstitucional que não haja colocado ao tribunal de que recorre (tribunal a
quo).
Só assim não será quando, como é jurisprudência firme do tribunal, o
interessado não tenha tido a oportunidade processual para suscitar a questão de
constitucionalidade antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo,
por não poder antever a possibilidade dessa aplicação
Importa notar, porém, que a utilização, por parte da decisão, de
certa norma há-de ser de todo “insólita” e “imprevisível” ou seja, de tal modo
que seria desrazoável e inadequado exigir ao interessado um prévio juízo de
prognose relativo à sua aplicação, em termos de ter de antecipar a suscitação da
questão de constitucionalidade, sendo que esse grau de exigência deverá ser
aferido tendo em conta que o recorrente está obrigado a agir com prudência
técnica por exercer o mandato forense em termos profissionais.
É por demais evidente que, colocando-se a questão da validade da
prova recolhida por radar, dentro da estratégia da defesa, desde a interposição
do recurso judicial da decisão de aplicação da coima, cabe na prudência técnica
do mandatário suscitar, atempada e adequadamente, a questão de
constitucionalidade, nos termos em que agora a configurou.
Argumenta o recorrente, no seu requerimento de interposição do
recurso, que suscitou a questão de constitucionalidade nas conclusões 2.ª e 6.ª
das alegações de recurso para a Relação de Évora.
Mas tal não é verdade. Com efeito, na conclusão 2.ª, ele diz apenas:
“A omissão relativa à falta de fundamentação da sentença é cominada
com a nulidade desta e à eventual repetição do julgamento, como determinam os
arts. 27.º. n.º 4, 32.º, n.º 1, e 205.º, n.º 1, da CRP, e 97.º, n.º 4, 374.º,
n.º 2, 375.º, n.º 1, e 379.º, n.º 1, alínea a), do C.P.Penal”.
E na conclusão 6.ª afirma:
Ao fazer tábua rasa, sobre a ilegalidade do sistema PROVIDA 2000 por
violação do D.L. 207/2005, o Tribunal a quo violou igualmente a Lei fundamental,
a qual proíbe “a recolha de imagens sem autorização de uma lei”.
Como se vê, na primeira conclusão, o recorrente limita-se a
sustentar a existência do efeito jurídico da nulidade da sentença com base na
sua falta de fundamentação e na violação directa dos preceitos que refere, entre
eles preceitos constitucionais.
Não existe aí qualquer problematização de uma questão de validade de
preceitos infraconstitucionais por afrontamento de preceitos ou princípios
constitucionais.
Na segunda transcrita conclusão, o recorrente limita-se a sustentar
que o tribunal recorrido violou directamente a lei fundamental, sem referir
sequer qual o preceito ou princípio constitucional, ao deixar de considerar a
ilegalidade do sistema PROVIDA 2000, advinda da violação do DL. n.º 207/2005.
Também aqui o recorrente não problematiza qualquer questão de
validade de uma norma de direito infraconstitucional, como a dos preceitos cuja
“constitucionalidade pretende suscitar”, antes se cingindo a apostrofar uma
alegada omissão de certa atitude ou actividade decisória do tribunal de
inconstitucional. Ou seja, o recorrente questiona a constitucionalidade da
decisão judicial em si própria, por não haver concluído, como entende, pela
ilegalidade do sistema de radar, por violação do referido diploma.
4 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional
decide não tomar conhecimento do recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 7 UCs».
B – Fundamentação
5 – A argumentação deduzida pelo reclamante em nada abala a bondade
da fundamentação em que se estribou a decisão reclamada.
Na verdade, o reclamante assenta a sua reclamação apenas sobre o
teor do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional,
desprezando por inteiro as alegações feitas para o Tribunal da Relação de Évora,
onde lhe incumbia suscitar as questões de inconstitucionalidade.
Por outro lado, a argumentação que desenvolve padece do mesmo vício
de concepção da natureza do recurso constitucional, de que se deu conta na
decisão ora reclamada, discreteando sobre o mérito do recurso como se tal
interessasse à sua admissibilidade, entendimento esse que já o levara a
apresentar conjuntamente com o requerimento de interposição do recurso de
constitucionalidade a respectiva “motivação”, e a formular a questão de
constitucionalidade, em primeira via, apenas perante o Tribunal Constitucional,
como se este fora um tribunal de instância.
Sendo inteiramente de acolher os fundamentos da decisão reclamada, é
de indeferir por isso a reclamação.
C – Decisão
6 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional
decide indeferir a reclamação e condenar o reclamante nas custas, fixando a taxa
de justiça em 20 Ucs.
Lisboa, 31 de Julho de 2008
Benjamim Rodrigues
Joaquim de Sousa Ribeiro
Rui Manuel Moura Ramos