Imprimir acórdão
Processo n.º 567/08
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A. reclama, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 76.º da Lei
n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), do despacho de 30 de Maio de 2008, proferido
no Tribunal da Relação de Coimbra, que não admitiu o recurso que interpôs para o
Tribunal Constitucional da decisão que confirmou a não admissão de um recurso,
com fundamento em intempestividade, de uma decisão proferida em processo de
contra-ordenação no Tribunal Judicial da Comarca de Mangualde.
Sustenta que se verificam os pressupostos de admissibilidade do
recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo das alíneas b) e g) do n.º 1
do artigo 70.º da LTC, invocando o decidido por este Tribunal nos acórdãos n.ºs
27/2006 e 462/2003 e nas decisões sumárias nºs 284/2004 e 318/2005.
2. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se nos seguintes
termos:
“A presente reclamação é manifestamente improcedente.
Na verdade – e como decorre expressa e inquestionavelmente do despacho de fls.
29 verso, - não foi feita a interpretação normativa que o ora reclamante
considera inconstitucional, assentando o decidido numa clara parificação dos
prazos para os interessados interporem e motivarem o recurso em processo
contraordenacional – o que só por si implica a inverificação dos pressupostos do
recurso de fiscalização concreta interposto.”
3. Para decisão da reclamação relevam as ocorrências processuais seguintes:
a) No âmbito de um processo de contra-ordenação pendente no Tribunal
Judicial da Comarca de Mangualde, o ora reclamante deduziu reclamação ao abrigo
do artigo 405.º do Código de Processo Penal, do despacho que não admitiu o
recurso que interpôs da decisão judicial que julgou improcedente a impugnação da
decisão da actividade administrativa.
b) A reclamação foi indeferida, no Tribunal da Relação de Coimbra,
nos seguintes termos:
“I – A., arguido no processo de contra-ordenação pendente no 1º Juízo do
Tribunal Judicial da Comarca de Mangualde sob o n.º 896/06.2TBMGL, interpôs
recurso, visando a revogação da decisão ali proferida que julgou improcedente a
impugnação judicial por ele apresentada contra a decisão da competente
autoridade administrativa.
No entanto, a Mm.ª Juíza a quo não admitiu o recurso, por extemporâneo.
Inconformado apresentou a presente reclamação, visando obter o recebimento
daquele recurso.
Não foi oferecida resposta e a Mmª Juíza a quo manteve o despacho reclamado.
II - Para a dilucidação da reclamação importa ter presente os seguintes
elementos:
1. O arguido foi notificado da sentença que pretende impugnar no dia 21 de
Fevereiro de 2008.
2. O recurso foi interposto no dia 25 de Março de 2008.
III - Em face destes elementos há, agora, que apreciar da bondade da decisão de
não admitir o recurso.
Estamos perante um processo de contra-ordenação, regulado pelo DL 433/82, de 27
de Outubro, com as alterações introduzidas pelo DL 244/95, de 14 de Setembro e
pela Lei nº 109/01, de 24 de Dezembro, cuja disciplina permite o recurso para o
tribunal da Relação da decisão proferida pelo tribunal de comarca (art.º 73º,
n.º 1 do DL 433/82, de 27 de Outubro).
Contudo, conforme determina o n.º 1 do art.º 74.º do DL 433/82, de 27 de
Outubro, o prazo de interposição de recurso é de apenas 10 dias e não de 20
dias, já que não é aplicável subsidiariamente ao processo de contra-ordenação o
prazo de 20 dias fixado no art.º 411º, n.ºs 1 e 3 do Cód. Proc. Penal. E contra
isso não argumente o Reclamante com a declaração de inconstitucionalidade de que
aquela disposição do regime contra‑ordenacional foi objecto, pois que esse juízo
de inconstitucionalidade reporta-se, tão somente, à desigualdade resultante da
circunstância de se conceder ao recorrido um prazo mais alargado (15 dias, na
altura, e agora 20) que ao Recorrente (10 dias).
No entanto, se a ambos for concedido o mesmo prazo, ou seja, o previsto no n.º 1
do art.º 74.º do DL 433/82, de 27 de Outubro, creio que está afastada a apontada
inconstitucionalidade, na medida em que fica assegurada a plena igualdade de
armas aos sujeitos de um processo (o contra-ordenacional) concebido para ser
tramitado de forma mais célere que o processo criminal, o que se afigura
razoável e ajustado à natureza dos respectivos ilícitos.
Vale isto por dizer que, no caso, o prazo conferido ao Reclamante para a
interposição de recurso é de 10 e não de 20 dias, como ele sustenta (art.º 74º
n.º 1 do DL 433/82, de 27 de Outubro), sendo certo ainda que este entendimento
respeita inteiramente os ditames constitucionais da igualdade e do processo
equitativo (art°s 13º e 20º, n.º 4 da CRP).
Esclarecido este ponto, no fundo, o fulcro da reclamação, importa ver se o
recurso foi ou não tempestivamente interposto.
Como a decisão foi notificada ao Reclamante no dia 21 de Fevereiro de 2008, o
dito prazo, cuja contagem se iniciou no dia seguinte (22 de Fevereiro de 2008) e
não sofreu qualquer interrupção ou suspensão, terminou no dia 02 de Março de
2008 e, sendo este um domingo, transferiu-se para o primeiro dia útil seguinte
(art.º 144º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil), ou seja, dia 3 de Março de 2008. O
Reclamante poderia ainda interpor o recurso nos três dias úteis subsequentes, ou
seja, nos dias 4, 5 e 6 de Março de 2008, mediante o pagamento de multa,
faculdade conferida pelos artºs 107º, n.º 5 do Cód. Proc. Penal e 145º, n.º 5 do
Cód. Proc. Civil.
Sucede que também não o fez dentro desse prazo suplementar, que terminou
precisamente a 6 de Março e não invocou sequer justo impedimento, pelo que a
interposição de recurso, a 25 desse mês, terá de ser considerada extemporânea,
como acertadamente se ajuizou no despacho reclamado.
Deste modo, não assiste razão ao Reclamante em se insurgir contra a decisão da
Mm.a Juíza a quo, que, ao não admitir o recurso, por extemporâneo, fez a melhor
interpretação e aplicação do disposto nos art.ºs 144º, n.ºs 1 e 2, 145º, n.º 3
do Cód. Proc. Civil, 104º, n.° 1, 411°, n.° 1 do Cód. Proc. Penal e 740, n.º 1
do DL 433/82, de 27 de Outubro.
IV – Decisão
Nos termos expostos, decido indeferir a reclamação, fixando em 3 unidades de
conta a respectiva taxa de justiça a cargo do Reclamante.”
c) O reclamante interpôs recurso desta decisão, para o Tribunal
Constitucional, mediante requerimento do seguinte teor:
“[…] vem dela interpor recurso para o Tribunal Constitucional, o que faz ao
abrigo do disposto no artigo 70.º n.º 1, al. b) e g) da Lei do Tribunal
Constitucional, aprovada pela Lei 28/82, de 15 de Novembro e posteriores
alterações.
O ora recorrente, em conformidade com os ditames do preceituado no artigo 75.º-
A da referida Lei do Tribunal Constitucional, pretende que seja apreciada a
inconstitucionalidade do n.º 1 do artigo 74.º do DL 433/82 de 27 de Fevereiro,
na redacção que lhe foi dada pelo DL 244/95, de 14 de Setembro, quando,
conjugado com o artigo 411º do Código de Processo Penal, decorre que, em
processo contraordenacional, o prazo para o recorrente motivar o recurso é mais
curto do que o prazo da correspondente resposta, facto ou interpretação que
constituem uma violação a direitos, princípios e garantias constitucionalmente
consagrados, corno sejam o princípio da igualdade, o direito a um processo
equitativo e o direito de defesa, plasmados nos artigos 13º, 20º, n.º 4, 32º,
nºs 1 e 10, 204º da Constituição da República Portuguesa, questões suscitadas
aquando da reclamação do despacho que não admitiu o recurso interposto e na qual
se referiram, e aqui novamente se apontam, as decisões do Tribunal
Constitucional que já se haviam pronunciado anteriormente no sentido da
inconstitucionalidade daquele n.º 1 do artigo 74º do referido diploma na
orientação apontada, nomeadamente, os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs
27/2006 de 10 de Janeiro e 462/3003 de 14 de Novembro e ainda Decisões Sumárias
n.ºs 284/2004 e 318/2005 do Tribunal Constitucional.”
d) Foi proferido despacho de não admissão do recurso para o Tribunal
Constitucional, nos seguintes termos:
“O recurso é interposto, ao abrigo das alíneas b) e g) do n.º 1 do art.º 70º da
Lei 28/82, de 15 de Novembro, e visa, conforme consta do requerimento, obter a
declaração de inconstitucionalidade do art.º 74.º, n.º 1 do DL 433/82, de 27 de
Outubro, conjugado com o art.º 411.º do CPP, quando dele decorre que, em
processo contra-ordenacional, o prazo para o recorrente motivar o recurso é mais
curto do que o prazo da correspondente resposta, o que violaria o princípio da
igualdade de armas e o direito a processo equitativo.
Sucede, porém, que, em parte alguma da decisão que o recorrente pretende pôr em
crise, interpretei qualquer das normas indicadas no sentido de, em processo de
contra-ordenação, conceder ao recorrido um prazo diferente (mais longo) do que o
conferido ao recorrente. Pelo contrário, o que decidi é que ambos dispõem de
igual prazo, o de 10 dias fixado no art.º 74º, n.º 1 do DL 433/02, 27 de
Outubro, assim ficando assegurada a total ígualdade de armas entre os sujeitos
processuais.
Afigura-se-me, por isso, que o recurso é manifestamente infundado e
consequentemente, ao abrigo do disposto no art.º 76º, n.º 2 (parte final) da Lei
28/82, de 15 de Novembro, indefiro o requerimento que antecede, não admitindo o
respectivo recurso.”
4. O recurso para o Tribunal Constitucional foi interposto ao abrigo das alíneas
b) e g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, com vista à apreciação da norma
constante do n.º 1 do artigo 74º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, na
redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro,
conjugada com o artigo 411º do Código de Processo Penal, quando dela decorre
que, em processo contra‑ordenacional, o prazo para o recorrente motivar o
recurso é mais curto do que o prazo da correspondente resposta.
Efectivamente, essa norma foi declarada inconstitucional, com força obrigatória
geral, pelo acórdão n. 27/2006, publicado no Diário da República, I Série-A, de
3 de Março de 2006. Ela supõe a interpretação do RGCO como estabelecendo, ou
dele resultando, prazos distintos para motivar e para responder no recurso da
decisão judicial no processo de contra-ordenação. Dez dias para a interposição e
motivação do recurso; quinze (agora vinte – artigo 413.º do Código de Processo
Penal, na redacção da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto).
Sucede, porém, que não foi essa a norma que a decisão recorrida
aplicou.
A reclamação foi indeferida com fundamento no entendimento expresso – cujo
acerto não cabe ao Tribunal Constitucional censurar - de que, tal como o prazo
de interposição e motivação concedido ao recorrente pelo n.º 1 do artigo 74.º
do RGCO, o prazo de resposta, por parte do recorrido, ao recurso em processo de
contra-ordenação seria, também, de 10 dias. Não fez, portanto, aplicação da
norma anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal.
Assim sendo, a norma que o recorrente pretende submeter a apreciação
pelo Tribunal Constitucional não tem correspondência com aquela que foi aplicada
pela decisão recorrida.
Consequentemente, não se verificando a aplicação da norma cuja
inconstitucionalidade o recorrente quer ver apreciada, como é pressuposto básico
do recurso de fiscalização concreta interposto (alíneas b) e g) do n.º 1 do
artigo 70.º da LTC: “que apliquem norma”), o recurso não poderia ser admitido e
a reclamação tem de ser julgada improcedente.
5. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar o reclamante nas
custas, com 20 (vinte) UCs de taxa de justiça.
Lisboa, 30/07/2008
Vítor Gomes
Ana Maria Guerra Martins
Gil Galvão