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Processo n.º 309/08
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos
do Tribunal Central Administrativo Sul, em que são recorrentes A. e Outro e
recorrido o Município de Pombal, o relator proferiu decisão sumária de não
conhecimento do objecto do recurso com fundamento no seguinte:
«[…] 4. Neste recurso, interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º
da LTC, os recorrentes pretendem ver apreciada a interpretação dada à alínea c),
do n.° 1, do artigo 150.° do CPC, na redacção dada pelo DL n.° 324/2003, de
27-12, que se manteve na redacção dada pelo DL n.° 303/2007, de 24-08, quando
interpretada no sentido de que nos actos processuais que devam ser praticados
por escrito pelas partes e que são apresentados a juízo, quando por envio
através de telecópia, vale como data da prática do acto processual a da
expedição integral da peça integral e não o inicio da expedição ou remessa da
peça processual. Mais referem que a interpretação dada à alínea c), do n.°1, do
artigo 150.º do CPC reconduz-se à limitação do instituto do justo impedimento,
previsto no n.° 1 do artigo 146.° do CPC, impedindo que o mesmo possa ser
convocado quando o acto não se tenha por integralmente praticado até às 00h00 da
data da expedição.
Pelas razões a seguir apontadas, constata-se não estarem reunidos os
pressupostos necessários ao conhecimento do objecto do recurso, pelo que se
profere decisão sumária ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.
Independentemente de os recorrentes não terem identificado com clareza qual a
decisão de que pretendem recorrer − incumprindo, assim, o convite ao
aperfeiçoamento que lhes foi endereçado − resulta dos elementos dos autos que a
decisão visada será o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de
13.09.2007 que, negando provimento ao recurso, confirmou o despacho proferido
pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria de não admissão, por
extemporaneidade, do recurso por aqueles interposto da sentença proferida em
primeira instância.
Assim, necessário seria que os recorrentes tivessem colocado a questão de
constitucionalidade perante o tribunal recorrido, de modo a que este dela
pudesse (e devesse) conhecer (artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
Acontece que os recorrentes não suscitaram qualquer questão de
constitucionalidade perante o Tribunal Central Administrativo (nem nas alegações
do recurso para o TCAS nem na resposta ao parecer aí emitido pelo Ministério
Público), sendo certo que o podiam ter feito pois a interpretação arguida de
inconstitucional foi, segundo a tese dos próprios recorrentes, adoptada logo no
despacho proferido em primeira instância.
É certo que os recorrentes suscitaram a questão de constitucionalidade no
recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo, mas não tendo este
recurso sido aceite, não é este Tribunal o autor da decisão de que se pretende
recorrer. Saliente-se, aliás, que os recorrentes não podiam ter configurado como
certa a admissão do recurso pelo Supremo Tribunal Administrativo, atenta a
natureza excepcional do recurso de revista e os pressupostos de admissibilidade
do mesmo, vertidos no artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais
Administrativos.
Conclui-se que os recorrentes incumpriram o ónus de suscitação exigido no artigo
72.º, n.º 2, da LTC.
Sem prejuízo do referido, outra razão há que obsta ao conhecimento do objecto do
recurso: a interpretação normativa que os recorrentes reputam de
inconstitucional não constituiu a ratio decidendi definitiva da decisão
recorrida.
O acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 13.09.2007, embora comece
por afirmar a extemporaneidade do envio de uma peça processual, por telecópia,
no último dia do “prazo de multa” (09.06.2005), por ter sido iniciado cerca das
23.45h e continuado para além das 00 horas do dia seguinte (10.06.2005), afirma
ainda o seguinte: Acresce que nem sequer nesse dia feriado nacional [10.06.2005]
os recorrentes lograram remeter a restante parte das suas alegações (incluindo
as respectivas conclusões) para além da 14ª página, só o fazendo no dia 13 (fls.
299 e seguintes).
Ou seja, o que o acórdão afirma é que, terminando o prazo do recurso às 23.59
horas do dia 09.06.2005 não pode considerar-se tempestivo o recurso (alegações)
remetido de forma incompleta a partir das 23.45h do dia 09.06.2005 e após as 00
horas do dia seguinte, só tendo sido enviada a peça processual completa no dia
13.06.2005. E concluindo pela extemporaneidade da entrada destas alegações, o
Tribunal julgou não verificado o justo impedimento invocado pelos recorrentes,
nos termos do artigo 146.º, n.º 1, do CPC.
O que significa que se, por hipótese de raciocínio, o Tribunal Constitucional
conhecesse do recurso e declarasse a inconstitucionalidade da interpretação do
artigo 150.º, n.º 1, alínea c), do CPC, segundo a qual vale como data da prática
do acto processual a da expedição integral da peça e não o inicio da expedição
ou remessa da peça processual, sempre se manteria inalterado o sentido da
decisão recorrida. […]»
2. Notificados da decisão, os recorrentes vieram reclamar para a conferência, ao
abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, concluindo o seguinte:
«[…] 1 - O artigo 20.° da CRP consagra que: «A todos é assegurada o acesso ao
direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente
protegidos».
2 - Estamos perante princípio e direito fundamental em si mesmo, mas que ganha,
entre os demais, uma relevância particular e acrescida, uma vez que ela é
instrumental da protecção e garantia de outros direitos fundamentais, muitas
vezes ameaçados ou postos em causa e, por isso, só asseguráveis pelo Tribunal,
no pleno exercício da «tutela jurísdicional efectiva».
3 - É pacífico, como adiantam os Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira,
que o direito constitucional de acesso aos tribunais inclui o direito de
recurso, designadamente ao referirem: «... o recurso das decisões judiciais que
afectam direitos fundamentais, mesmo fora do âmbito penal, apresenta-se como uma
garantia imprescindível desses direitos» [Constituição da República Portuguesa
Anotada, Coimbra Editora].
4 - Naturalmente que aqui, em sede de recurso das decisões judiciais, não
poderão deixar de assumir especial importância os recursos para o Tribunal
Constitucional, ou seja, os recursos de constitucionalidade.
5 - É, com o devido respeito e salvo melhor opinião, neste quadro, e, acima de
tudo, com a prevalência ou primazia das preocupações constitucionais
substantivas, sobre as vertentes formais, que se tem de avaliar e decidir a
questão ou questões objecto da presente reclamação.
6 - O Tribunal Constitucional, através do seu relator, encontra-se vinculado a
padrões estritos de legalidade (art. 204 CRP) pelo que a inadmissibilidade do
presente recurso ao divergir da decisão de admissibilidade do Supremo Tribunal
de Justiça contende com os art.s 110, 111, 204 e 209.° da CRP devendo, neste
segmento, considerar-se inconstitucional a interpretação dos art. 76.°, n.° 3 e
78-A da LOFTC
7 - Na verdade, da sua admissibilidade pelo Supremo Tribunal de Justiça deve
entender-se a sua viabilidade pelo que tal decisão não pode ser alvo de uma
decisão sumaria do Juiz Conselheiro Relator, e não de um efectivo tribunal, sob
pena de tal entendimento e decisão constituir uma contrição do exercício de um
direito fundamental ao recurso devendo considerar-se inconstitucional (art.
78-A, n.°1 da LOFTC) face aos art.s 20.°, 32.°, n.° 1, 110.°, 111.º, 205.° e
209.° da CRP.
8 — Com efeito, o direito ao recurso consagrado no art. 20.° e 32.°, n.° 1, da
CRP, conjugados com o art. 70.° n.° 3 e 4 da LOFTC comportam a interpretação de
que os recorrentes tem direito à escolha da via recursória, como defendo o
Ilustre Professor de Coimbra, Gomes Canotilho.
9 - E assim, atento tudo o exposto explanado separadamente seguindo as três
ordens de razões invocadas pelo Distinto Relator, por terem os recorrentes
identificado a decisão recorrida, também por referência às
inconstitucionalidades invocadas nas peças concretamente identificadas; por
terem oportuna e adequadamente suscitado a questão de inconstitucionalidade que
pretendem ver apreciada e por o acórdão recorrido ter feito aplicação, como
ratio decidendi, do critério normativo questionado, o presente recurso deve
surgir como admissível, o que determina o conhecimento do seu objecto.
10 - Com efeito, logo no requerimento para a admissibilidade do recurso para o
Tribunal Constitucional apresentado junto do Supremo Tribunal de Justiça, o qual
veio a ser admitido, e como se reconhece da decisão sumária, os recorrentes
referiram considerar inconstitucional “o entendimento plasmado por sentença do
Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria e no Acórdão do Tribunal Central
Administrativo Sul” quer quanto à interpretação da norma que se extrai do art.
150, n.° 1, alínea e) do CPC - vide alínea a) do requerimento de admissibilidade
de recurso para esse T. Constitucional — quer da norma que se extrai do n.° 1 do
art. 146.° do CPC — vide alínea b) do mesmo requerimento — explicitando a seguir
“ao interpretar tão restritivamente conforme o entendimento vertido,
designadamente, pelo Tribunal Central Administrativo Sul e pelo Supremo Tribunal
de Justiça (...) evidenciam, a nosso ver, a este nível, terem incorrido em erro
manifesto e grosseiro, susceptível de legitimar a intervenção do Tribunal
Constitucional (…)“ (o sublinhado e o destacado é nosso).
11 - Deste modo nenhuma dúvida se pode ter de terem sido concretamente
identificadas as decisões recorridas (acórdãos), do Tribunal Central
Administrativo Sul e do Supremo Tribunal de Justiça, tendo, consequentemente, de
se concluir que os recorrentes responderam, quer no requerimento para a
admissibilidade de recurso para esse Tribunal Constitucional, quer na resposta
ao convite, identificando a decisão recorrida e, por outro lado, as peças nas
quais suscitaram expressamente as inconstitucionalidades.
12 — Por outro lado, proferido o “acórdão do Tribunal Central Administrativo
Sul, de 13.09.2007” era no recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça
que cabia aos recorrentes suscitar a questão da inconstitucionalidade, como
suscitaram.
13 - Na verdade, no despacho proferido logo em primeira instância, pelo Tribunal
Administrativo e Fiscal de Leiria, a tese adoptada é de que os autores
recorrentes vieram alegar nos termos do n.° 4 do art. 145.° do CPC a ocorrência
de justo impedimento para a entrega de alegações de recurso fora do prazo pelo
que, decidindo, considerou não considerar verificado o justo impedimento.
14 - Limitou-se, assim, a primeira instancia, a tecer considerações sobre a
alegação de justo impedimento.
15 - Donde, não se vislumbrando no dito despacho de primeira instância qualquer
consideração do Tribunal sobre a interpretação dada à alínea c), do n.° 1, do
art. 150.º, do CPC, pois que unicamente se debruça sobre “se é de admitir a
junção extemporânea das alegações de recurso, por força da aplicação do art.
146° do CPC”, partindo imediatamente do pressuposto dessa extemporaneidade a
partir do “requerimento” dos autores/recorrentes - mas sem tecer conclusões
sobre a interpretação dada ao art. 150.°, n.° 1, alínea c) do CPC — não podiam
os autores/recorrentes antecipar a interpretação dada pelo Tribunal Central
Administrativo Sul ao art. 150.º, n.° 1, alínea c) do CPC.
16 - E não se diga que sempre os Autores/recorrentes poderiam ter suscitado as
inconstitucionalidades da interpretação dada à alínea e) do n°1 do art. 150° do
CPC em resposta ao parecer do Ministério Público.
17 - Desde logo, o parecer do Ministério Público não verte expressamente
qualquer interpretação sobre a norma da alínea e) do n°1 do art. 150° do CPC,
limitando-se a citar e remeter para um Acórdão do STA, de 22/05/2003, em que,
sumariamente, dá razão aos recorrentes/autores na medida em que refere
“admitimos como mais correcto (ainda que a lei o não refira expressamente) que
se deva entender como data da “expedição”, para efeitos de computo dos prazos
processuais, a do inicio dessa mesma expedição, caso a mesma não coincida com a
do seu termo, isto é, que não seja irrelevante o momento em que se inicia a
transmissão, nas situações em que a mesma, iniciada antes das 24 horas de um
determinado dia, se processa continuadamente e se completa já no dia seguinte,
mormente nos casos de transmissão prolongada, por virtude da extensão dos
documentos ou da ociosidade do sistema operacional”
18 - Assim concluiu o Ministério Público, em parecer, de forma diversa do
acórdão final do TCA Sul, ou seja, aceitando expressamente a tese do Acórdão do
STA de 22/05/2003 de “entender como data da “expedição “, para efeitos de
computo dos prazos processuais, a do inicio dessa mesma expedição, caso a mesma
não coincida com a do seu termo, (…) “, devendo o envio processar-se
«continuadamente», ainda que o mesmo se complete «já no dia seguinte».
19 - E assim, com esta fundamentação, não da integralidade do envio até às 24h00
do dia como veio a defender o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
(assim interpretando a al c) do n.° 1 do art. 150.° do CPC) mas da integralidade
do envio ou da transmissão no sentido de ser enviada, «continuadamente», toda a
peça,. ainda que o envio ou o acto se conclua para além das 24h00 (e não um
esboço), é que o Ministério Público conclui da extemporaneidade da prática do
acto (por as alegações terem sido apresentadas, completas, em 13/06/2005.
20 - Na verdade, o Ministério Público entendeu e aplicou o termo integralidade
da transmissão em termos de ser praticado o acto continuadamente, ainda que o
seu termo ocorra para além das 24h00, assim pugnando o Ministério Público, no
seu parecer, com um entendimento distinto do plasmado no acórdão final do
Tribunal Central Administrativo Sul que veio a dar uma interpretação normativa à
alínea c), do n.° 1, do art. 150.°, do CPC, distinta da defendida pelo
Ministério Público.
21 - Deste modo não era expectável nem exigível aos ora reclamantes que
antevissem a possibilidade de aplicação da norma contida no n.° 1, al. c), do
art.° 150.°, do Código de Processo Civil, no caso dos autos e na interpretação
normativa que foi efectuada pelo acórdão final do Tribunal Central
Administrativo Sul, de 13/09/2007, já que o despacho proferido em primeira
instância se limitou a concluir da não verificação do justo impedimento e só no
acórdão do TCA Sul essa interpretação é explanada expressamente nos termos
aludidos pelo relator no Ponto 4 da decisão sumária — vide página 8.
22 - Pelo que entendemos que se deverá ter por cumprido o ónus de suscitar a
questão de inconstitucionalidade na sede e em tempo próprio.
23 - Mas ainda que assim não se entenda, de os recorrentes terem cumprido o ónus
de suscitação exigido no artigo 72.°, n.° 2, da LTC, sempre importa chamar à
colação alguma da abundante jurisprudência do Tribunal Constitucional, bem como
alguma da mais relevante doutrina que, particularmente em domínios sensíveis dos
direitos fundamentais, que propende a considerar a admissibilidade do recurso,
por inconstitucionalidade, no quadro excepcional em que se insere a questão dos
autos, ou seja, mesmo quando esta é suscitada depois da decisão final, mas na
primeira oportunidade processual possível.
24 - Com efeito, no presente caso, afigurou-se de todo «insólito» e
«imprevisível», repete-se, a interpretação dada à alínea c) do n.° 1 do art.
150.° do CPC, e plasmada unicamente no acórdão final do T.C.A. Sul de
13/09/2007, aliás, totalmente diversa do entendimento do Ministério Público no
seu parecer, sendo que, anteriormente, o despacho proferido em primeira
instancia sequer alude a esta norma ou expendeu sobre ela qualquer
interpretação.
25 - Com efeito, tal interpretação normativa insólita e inesperada da lei
resultou unicamente do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de
13/09/2007.
26 - Finalmente, discordamos da hipótese de raciocínio colocada pelo Mui Digno
Juiz Conselheiro Relator pois que, efectivamente, conhecendo o Tribunal
Constitucional do recurso e declarando a inconstitucionalidade da interpretação
do art. 150.°, n.° 1, alínea e) do CPC, segundo o qual vale como data da prática
do acto processual a da expedição integral da peça integral e não o inicio da
expedição ou remessa da peça processual, não se manteria inalterado o sentido da
decisão recorrida pois que o acto processual ter-se-ia por praticado dentro do
prazo legal.
27 - Pois que é a interpretação normativa do art. 150.° do CPC que afecta, em
primeiro lugar, os recorrentes.
28 - Na verdade, ao não considerar a peça como tempestivamente expedida, à luz
do art. 150.º do CPC, o Tribunal Central Administrativo Sul, consequentemente,
aplicando os pressupostos da verificação do justo impedimento, julgou não
verificado o mesmo justo impedimento.
29 - Porém para apreciar e julgar não verificado o justo impedimento o Tribunal
tem de decidir, primeiramente, da prática do acto no prazo legal.
30 - E assim é a interpretação normativa restritiva do art. 150.° do CPC, nos
termos em que foi feita pelo TCAS, que os recorrentes não aceitam, pois que,
desde logo, não tivesse o Tribunal procedido com tal interpretação, do n.° 1,
al. c) do art. 150.° do CPC, e não teria, nem poderia, concluir da não
verificação do justo impedimento já que o acto ter-se-ia por praticado
tempestivamente.
31 - E assim, a interpretação normativa que os recorrentes reputam de
inconstitucional constitui a ratio decidendi definitiva da decisão recorrida
pois que a aplicação das regras do art. 146.° do CPC resultam à posteriori face
à interpretação que, no mesmo acórdão, antecede as conclusões da não verificação
do justo impedimento: a extemporaneidade do envio de uma peça processual, por
telecópia, como o Tribunal Central Administrativo Sul começa por equacionar.
32 - Deste modo, a conclusão do acórdão do TCAS que julgou não verificado o
justo impedimento, nos termos do art. 146.°, n.° 1, do CPC, é incindível da
interpretação normativa que os recorrentes reputam de inconstitucional e que
antecede essa questão e análise, e permitiu, através dela, decidindo da
extemporaneidade, concluir da não verificação do justo impedimento: a
interpretação dada ao art. 150.°, n.° 1, alínea c), do CPC segundo a qual vale
como data da prática do acto processual a da expedição integral da peça.
33 - Destarte importa, por isso, clarificar e reconhecer que a norma da alínea
c), do o n.° 1, do art. 150.º, do CPC, só pode ser susceptível da leitura de que
vale como data da prática do acto processual a da expedição, considerando o
sentido do termo “expedição” como do inicio do envio ou remessa da peça caso a
mesma não coincida com o seu termo, para além das 24h e, portanto, à contrario
do termo “recepção” (pelo qual o legislador não optou) - conforme a
interpretação defendida em Acórdão do STA de 22/05/2003 (a que alude o
Ministério Público em parecer, antecedendo o acórdão do T.C.A. Sul), sob pena
de, com o alcance e a leitura que dela fez o acórdão do TCAS, a mesma deve ser
considerada ilegal e inconstitucional, por violação e desconformidade com o
direito à tutela jurisdicional efectiva previsto no n.° 5 do artigo 20.°, com o
princípio da igualdade previsto no n.° 1 do artigo 13.° e com o disposto no n.°
5 do artigo 112.°, todos da Constituição da República Portuguesa. [...]»
3. Notificado o recorrido para responder, este nada disse.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. A decisão sumária reclamada, no sentido do não conhecimento do objecto do
recurso, para além de ter considerado que os reclamantes incumpriam o convite ao
aperfeiçoamento que este Tribunal lhes dirigiu, fundamentou-se em duas razões
principais: no não cumprimento do ónus de suscitação da questão de
constitucionalidade junto do tribunal recorrido (artigo 72.º, n.º 2, da LTC) e
no facto de a interpretação normativa que os reclamantes reputam
inconstitucional não ter constituído a ratio decidendi da decisão recorrida.
A longa reclamação apresentada em nada contraria esta decisão.
No que respeita à suscitação da questão de constitucionalidade, os próprios
reclamantes admitem que só a colocaram no recurso de revista, de carácter
excepcional, interposto para o Supremo Tribunal Administrativo (e não Supremo
Tribunal de Justiça, como erradamente persistem em afirmar na reclamação),
embora pretendam recorrer de uma interpretação adoptada em acórdão do Tribunal
Central Administrativo Sul, que confirmou despacho proferido em primeira
instância. Ora, nenhuma circunstância excepcional justificava que a questão não
devesse ter sido colocada perante o tribunal recorrido (Tribunal Central
Administrativo Sul), sendo certo que, pelas razões referidas na decisão
reclamada, que nos prescindimos de repetir, a interpretação questionada não era
imprevisível e os reclamantes tiveram oportunidade processual de suscitar a
questão de inconstitucionalidade.
O incumprimento do ónus de suscitação é, só por si, razão para não conhecimento
do objecto do recurso.
Sem prejuízo, também não assiste razão aos reclamantes quando invocam que «a
interpretação normativa que reputam inconstitucional constitui a ratio decidendi
definitiva da decisão recorrida». Como resulta da decisão reclamada, na parte
acima transcrita, os próprios reclamantes, ao delimitar o objecto do recurso,
distinguiram a questão da data da expedição da peça processual através de
telecópia da questão, diversa, do justo impedimento.
Ora, o acórdão recorrido não só considerou extemporâneo o envio de peça
processual, por telecópia, iniciado às 23.45 horas do último dia do “prazo de
multa” e continuado, mas não acabado, para além das 00 horas do dia seguinte,
como acrescentou uma segunda razão para fundamentar a extemporaneidade: a de que
nem sequer nesse dia seguinte (dia 10.06.2005, feriado nacional), os recorrentes
«lograram remeter a restante parte das suas alegações (incluindo as respectivas
conclusões) para além da 14ª página, só o fazendo no dia 13» (cfr. fls. 299 e
seguintes dos autos). O que significa que, embora tenha tomado como ponto de
partida uma interpretação do artigo 150.º, n.º 1, alínea c), do CPC, que entende
ser relevante o momento da recepção integral da peça processual, e não o seu
início, o certo é que o tribunal acaba por concluir que, naquele caso, a isso
acrescia o facto de o envio não ter sido completado na sequência dessa primeira
expedição, mas antes só ter sido concluído dias mais tarde, na sequência de um
segundo envio, da parte em falta. Ou seja, o tribunal recorrido acaba por, em
última analise, admitir que mesmo que interpretasse diferentemente o artigo
150.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, no sentido de considerar
relevante a data do início da expedição, sempre soçobraria a pretensão da
recorrente, em virtude de a recepção integral da peça não ser resultado dessa
mesma expedição.
Termos em que se conclui pela manifesta improcedência da reclamação
III. Decisão
Pelo exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 23 de Setembro de 2008
Joaquim de Sousa Ribeiro
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos