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Processo n.º 531/08
1ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
EM CONFERÊNCIA DA 1ª SECÇÃO ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
I.
Relatório:
1.
A. e B. pretenderam recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça do
acórdão da Relação de Lisboa que lhes negara provimento ao agravo; todavia, o
recurso não foi admitido. Do acórdão proferido em 6 de Maio de 2008 sobre
reclamação interposta para a Conferência, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça:
“[...] Cumpria aos recorrentes fazer a prova da oposição de acórdãos e esta
far-se-ia com a junção de certidão – ou documento de valor idêntico – do(s)
acórdão(s) fundamento, documento contendo o texto integral e respectiva nota de
trânsito em julgado.
A prova do pressuposto de admissão do recurso é feita pelo Recorrente e não é o
Tribunal “ad quem” que tem de a suprir.
Diga-se, aliás, que não é suficiente a solução de, com laivos de “facilitismo” e
menor zelo, buscar numa base de dados um qualquer sumário, imprimir o texto e
remetê-lo a juízo.
Por um lado, a base de dados não certifica a autenticidade do texto, antes tendo
o escopo de mera divulgação e referência, ponto de partida para pesquisa e
estudo (veja-se, por exemplo, que o legislador exige para a natureza persuasiva
dos acórdãos uniformizadores de jurisprudência a sua publicação no Diário da
República – n.º 4 do artigo 732.º-B do Código de Processo Civil); de outra banda
um simples sumário (então, de incerta autoria – só agora se exigindo a sua
elaboração ao relator (nº 7 do artº 713 CPC, na redacção do DL nº 303/2007, de
24-8) não escrutinado pelo conclave julgador e, tantas vezes – como até
aconteceu, como acima se disse, num dos acórdãos citados – sem correspondência
precisa com o sentido da decisão) só pode bastar-se como mero apontamento, ou
chamada de atenção, para desenvolvimento de certo descritor; finalmente, só pode
haver oposição entre decisões transitadas e o trânsito em julgado não se presume
- cf. v.g. os artigo 677.º, 668.º e 669.º do Código de Processo Civil.
Ademais, e “in casu”, falar em “grosseira denegação de justiça” é, para além de
utilizar uma adjectivação menos serena, esquecer que quem dá causa a uma
situação como a vertente – com inevitáveis custos a nível da tributação – é
certa ligeireza de métodos dos recorrentes.
Agora insinuam com o artigo 20.º, n.º 1 da Constituição da República (preceito
bastas vezes chamado em desespero de causa) cujo apelo (parecendo sugerir um
ulterior recurso para o Tribunal Constitucional, o qual, e sem risco de excesso
de pronúncia, se dirá de admissibilidade muito duvidosa – não só por se tratar
de questão manifestamente infundada em si, como por intempestivamente suscitada,
por não o ter sido na primeira oportunidade – resposta à notificação do artigo
704.º do Código de Processo Civil – cf. artigos 70.º, n.º 1, b) e 76.º, n.º 2,
“in fine” da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro).
Invocar o artigo 265.º (ou mesmo o artigo 266.º) do Código de Processo Civil, é
despropositado pois não cabe nos poderes oficiosos e de cooperação investigar e
localizar jurisprudência para as partes.
Certo que “o tribunal tem o dever de auxiliar as partes na superação de
eventuais dificuldades que impeçam o exercício de direitos ou faculdades ou o
cumprimento de ónus ou deveres processuais” (Prof. Miguel Teixeira de Sousa, in
“Estudos sobre o Novo Processo Civil”, 67).
Mas tal implica que aquelas aleguem, justificadamente, sérias dificuldades de
obtenção de documentos ou informações que comprometam o exercício do seu direito
ou o cumprimento de um dever processual. Isto é, a parte tem que invocar a
existência de um obstáculo que, por si, embora tenha tentado, não possa
ultrapassar.
Só então surge o dever de auxílio.
Ora, os recorrentes não alegaram quaisquer escolhos para obtenção de certidões
dos acórdãos que citam, nem essas surgem patentes. (Aqui, lhes foi indiferente a
primeira notificação – artigo 704.º do Código de Processo Civil – não
diligenciando pela junção do sugerido), e o Relator, indo além do que
estritamente se lhe impunha, teve o cuidado de verificar o texto integral de um
dos acórdãos citados por sumário, detectando a desconformidade.
Mais não podia fazer sob pena de, para além do dever de auxílio, ficar
indiferente ao da imparcialidade.
3- Pode concluir-se que:
a) Cumpre ao recorrente que alega oposição de julgados como condição de admissão
de recurso, juntar certidão integral do Acórdão fundamento, com a respectiva
nota de trânsito em julgado.
b) Esse pressuposto de admissão do recurso não se basta com o texto extraído de
uma base de dados e muito menos com a mera transcrição do sumário.
c) O Tribunal que admite o recurso não tem que oficiosamente buscar os elementos
para verificar dessa condição, a não ser que a parte alegue e justifique
dificuldade insuperável de os obter. [...]”
2.
Inconformados com esta decisão, A. e B. dela pretendem recorrer para o Tribunal
Constitucional, para o que invocam o disposto “nos artigos 75.º, 70.º, n.º 1,
alínea a)” da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional (LTC).
No seu requerimento de interposição do recurso, sustentam:
“1. Tal como foi alegado anteriormente, consideram os recorrentes que a
interpretação do disposto no art. 754º nº 2 do CPC no sentido de impor aos
recorrentes o ónus da obtenção de certidão judicial dos acórdãos fundamento do
agravo de 2ª instância, e bem assim, a consequente decisão de não conhecimento
do objecto do recurso, além de não ter qualquer consagração legal, ofende o
disposto no art. 20º nº1 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e
traduz-se, na prática, numa grosseira denegação de justiça e na ofensa do
princípio do processo equitativo, na vertente do elementar direito ao recurso.
2. Além da questão do não conhecimento do objecto do recurso pelos fundamentos
supra expostos, releva também, para efeito de apreciação da
inconstitucionalidade, o entendimento das instâncias quanto à questão central
dos agravos: a nulidade da citação dos executados ora recorrentes, por falta de
envio de todos os elementos necessários para o cabal exercício do seu direito de
defesa, nomeadamente a cópia do verso do título executivo, in casu, uma letra de
câmbio.
3. Conforme alegaram os recorrentes, o entendimento das instâncias sobre esta
questão – a saber, que não foi beliscado o direito de defesa dos recorrentes,
porque o verso da livrança estava em branco e tinha apenas um mero autocolante –
viola as mais elementares garantias do processo justo e equitativo, nomeadamente
por ofensa do princípio do contraditório, da igualdade das partes, do acesso ao
direito e da tutela jurisdicional efectiva, com consagração no art. 20º da CRP e
no art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH).”
3.
Contudo, o recurso não lhes foi admitido por despacho proferido em 27 de Maio de
2008 com os seguintes fundamentos:
“Os recorrentes suscitaram a questão da inconstitucionalidade manifestamente
fora de tempo, já que não o fizeram na primeira oportunidade – resposta à
notificação do artigo 704.º do Código de Processo Civil – de acordo com o
disposto nos artigos 70.º, n.º 1, alínea b) e 76.º, n.º 2, “in fine” da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro.
Ademais a inconstitucionalidade suscitada – violação do n.º 1 do artigo 20.º da
Constituição da República – é notoriamente, infundada.
Estas razões já tinham sido acenadas no Acórdão de fls. 216 ss.”.
4.
Sempre inconformados, reclamam deste despacho para o Tribunal Constitucional,
nos termos do disposto no artigo 76.º, n.º 4 da LTC, invocando:
“Vem a presente reclamação apresentada do despacho proferido pelo Supremo
Tribunal de Justiça que não admitiu o recurso interposto para o Tribunal
Constitucional interposto, em 23/05/2008, do acórdão proferido pelo Supremo
Tribunal de Justiça que decidiu não conhecer do objecto do recurso.
Considerou o Mm° Juiz a quo que “Os recorrentes suscitaram a questão da
inconstitucionalidade manifestamente fora de tempo, já que não o fizeram ma
primeira oportunidade – resposta à notificação do artigo 704º do Código de
Processo Civil – de acordo com o disposto nos artigos 70º, nº 1, alínea b) e 76º
nº 2 “in fine” da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
Ademais a inconstitucionalidade suscitada – violação do nº 1 do art. 20º da
Constituição da República Portuguesa – é notoriamente infundada.”
I - Da tempestividade da alegação da inconstitucionalidade, nos termos e para os
efeitos do disposto no art. 70º nº 1 al. b) e 75º-A da Lei do Tribunal
Constitucional
Em 23/05/2008, os ora recorrentes, após a prolação do acórdão proferido pelo
Supremo Tribunal de Justiça que decidiu não conhecer do objecto do recurso,
interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional tendo alegado que:
1. “Tal como foi alegado anteriormente, consideram os recorrentes que a
interpretação do disposto no art. 754º nº 2 do CPC no sentido de impor aos
recorrentes o ónus da obtenção de certidão judicial dos acórdãos fundamento do
agravo de 2ª instância, e bem assim, a consequente decisão de não conhecimento
do objecto do recurso, além de não ter qualquer consagração legal, ofende o
disposto no art. 20º nº1 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e
traduz-se, na prática, numa grosseira denegação de justiça e na ofensa do
princípio do processo equitativo, na vertente do elementar direito ao recurso.
2. Além da questão do não conhecimento do objecto do recurso pelos fundamentos
supra expostos, releva também, para efeito de apreciação da
inconstitucionalidade, o entendimento das instâncias quanto à questão central
dos agravos: a nulidade da citação dos executados ora recorrentes, por falta de
envio de todos os elementos necessários para o cabal exercício do seu direito de
defesa, nomeadamente a cópia do verso do título executivo, in casu, uma letra de
câmbio.
3. Conforme alegaram os recorrentes, o entendimento das instâncias sobre esta
questão – a saber, que não foi beliscado o direito de defesa dos recorrentes,
porque o verso da livrança estava em branco e tinha apenas um mero autocolante –
viola as mais elementares garantias do processo justo e equitativo, nomeadamente
por ofensa do princípio do contraditório, da igualdade das partes, do acesso ao
direito e da tutela jurisdicional efectiva, com consagração no art. 20º da CRP e
no art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH).”
As questões suscitadas pelos recorrentes no requerimento de interposição de
recurso são, pois, as seguintes:
a. se a interpretação do art. 754º nº 2 do CPC no sentido de impor aos
recorrentes o ónus da obtenção de certidão judicial dos acórdãos fundamento do
agravo de 2ª instância, e bem assim, a decisão de não conhecimento do objecto do
recurso, ofende o disposto no art. 20º da CRP;
b. se o entendimento de que a falta de entrega do verso da livrança que
constitui título executivo não prejudica o direito de defesa viola o art. 20º da
CRP e art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH).
Ao contrário do decidido pelo Exmº Conselheiro Relator os recorrentes não
suscitaram as questões supra referenciadas “manifestamente fora de tempo”.
Como tem vindo a ser decidido pelo Tribunal Constitucional, para que se cumpram
os requisitos formais para a interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional, a inconstitucionalidade de qualquer norma ou da sua
interpretação deve ser suscitada durante o processo.
Nem a Lei, nem a jurisprudência firmada pelo Tribunal Constitucional, exigem que
a inconstitucionalidade seja suscitada na primeira intervenção processual.
Neste sentido foi decidido pelo Tribunal Constitucional, em 11/07/2007, no
acórdão nº 399/07, proferido no âmbito do processo no Processo n.º 492/ 07 da 3ª
Secção, disponível em www.tribunalconstitucional.pt:
“Importa, portanto, averiguar se o recurso intentado pelo ora Reclamante, ao
abrigo do disposto no artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal
Constitucional, cumpre os respectivos requisitos específicos a suscitação, pelo
recorrente, de inconstitucionalidade de uma norma durante o processo,
constituindo essa norma fundamento (ratio decidendi) da decisão recorrida, bem
como o prévio esgotamento dos recursos ordinários.
A questão de inconstitucionalidade da norma constante do artigo 400.º, n.º 1,
alínea e) do Código de Processo Penal foi apenas suscitada pelo Reclamante no
requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, portanto, quando o
Tribunal a quo não tinha já possibilidade de se pronunciar sobre a mesma. Ora, a
arquitectura do recurso interposto ao abrigo da referida alínea b), assenta num
juízo de reavaliação, a ser emitido pelo Tribunal Constitucional, versando a
decisão que o tribunal recorrido teve já oportunidade de proferir sobre tal
questão de constitucionalidade normativa. O que significa, portanto, que esta
questão deverá ter sido previamente suscitada, em termos adequados, em momento
anterior ao esgotamento do poder jurisdicional da instância recorrida. Como se
escreveu no Acórdão 15/95 deste Tribunal Constitucional (disponível em
www.tribunalconstitucional.pt),
“A locução ‘durante o processo’ exprime precisamente o desiderato da suscitação
na pendência da causa da questão de constitucionalidade, em termos de essa mesma
questão ser tida em conta pelo tribunal que decide. Essa ideia é, afinal,
corolário da natureza e do sentido da fiscalização concreta de
constitucionalidade das normas e, em especial, do recurso de parte que dela
participa. Aí a questão de constitucionalidade é uma questão incidental, em
estreita relação com o ‘feito submetido a julgamento’ (CRP, art. 207°), só
podendo incidir sobre norma relevantes para o caso. O ‘interesse pessoal na
invalidação da norma’ (G. Canotilho e Vital Moreira) só faz sentido e se
concretiza na medida em que a parte confronte, em tempo, o tribunal que decide a
causa com a controversa validade constitucional das normas que são aí
convocáveis.”
A questão de constitucionalidade deve, portanto, ser suscitada pela parte
interessada antes de esgotado o poder jurisdicional da instância a quo durante o
respectivo processo (veja-se igualmente, nesse sentido, os Acórdãos n.ºs 62/85,
90/85, 90/85 e 450/8 7, publicados, respectivamente, no Diário da República, II
Série, de 31 de Maio de 1985 e 11 de Julho de 1985, e nos Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 10.0 volume, pp. 573 e seguintes). (negrito e sublinhado nossos)
Como se demonstrará, os recorrentes suscitaram durante o processo todas as
inconstitucionalidades que vieram a ser objecto do requerimento de interposição
de recurso para o Tribunal Constitucional.
A primeira questão – da inconstitucionalidade da interpretação do disposto no
art. 754º nº 2 do CPC – foi suscitada na reclamação para a conferência do
Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto no 700º nº 3 do CPC,
apresentada em 17/04/2008 (vide art. 10º, linhas 57 a 62).
E, a segunda questão - a de saber se o entendimento de que a falta de entrega do
verso da livrança que constitui título executivo não prejudica o direito de
defesa viola o art. 20º da CRP e art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos do
Homem (CEDH) - foi suscitada em quase todas as peças processuais, apresentadas
pelos recorrentes durante todo o processo, nomeadamente:
a. linhas números 235, 236, 274 e 275 das alegações de recurso para o Tribunal
da Relação de Lisboa, apresentadas em 22/05/2007;
b. linhas números 182 a 186 do requerimento de reclamação para a conferência do
Tribunal da Relação de Lisboa, apresentado em 8/10/ 2007;
c. linhas números 58, 59, 96 a 100 do requerimento de interposição de recurso de
agravo de 2ª instância, apresentado em 29/11/2007;
d. linhas números 147, 148, 394 a 398, 406, 407, 485 a 491 das alegações de
recurso de agravo de 2ª instância, apresentadas em 18/01/2008;
O poder jurisdicional do Supremo Tribunal de Justiça só se esgotou após a
prolação do acórdão de fls. ..., proferido em 06/05/2008, ou seja, já depois de
todas as supra referidas peças processuais. É, pois, manifesto que todas as
inconstitucionalidades que os recorrentes pretendem agora ver apreciadas foram
suscitadas ao longo de todo o processo e muito antes de esgotado o poder
jurisdicional da instância a quo, pelo que deve ser deferida a presente
reclamação e admitido o recurso interposto para o Tribunal Constitucional.
II - Da alegada manifesta falta de fundamentação das inconstitucionalidades
suscitadas
Entendeu ainda o Exmº Conselheiro Relator que “ademais a inconstitucionalidade
suscitada – violação do nº 1 do art. 20º da CRP – é notoriamente infundada.”
Ora, não podem os recorrentes, concordar com tal entendimento.
Quanto à primeira questão objecto do recurso interposto para o Tribunal
Constitucional, impor aos recorrentes o ónus da obtenção de certidão judicial
dos acórdãos fundamento do agravo de 2ª instância não tem qualquer consagração
legal, nem tampouco apoio quer na doutrina, quer na jurisprudência.
Acresce que os recorrentes sempre identificaram correctamente os acórdãos
fundamento da oposição de julgados, por referência ao respectivo Tribunal, data
de prolação e número convencional por que estão indexados em bases de dados
públicas e oficiais, pertencentes ao Instituto das Tecnologias de Informação na
Justiça (ITIJ) do Ministério da Justiça, disponíveis na Internet em www.dgsi.pt.
Mas mais, os recorrentes juntaram documentos impressos de tais arestos,
extraídos da referida base de dados. E num momento em que se pretende
desburocratizar e evitar actos inúteis privilegiando as comunicações oficiosas e
directas entre todas as entidades públicas, a imposição do ónus da apresentação
de certidões judiciais constitui uma grosseira denegação do direito de justiça.
Tal postura é apenas complacente para com a manutenção da contradição de
julgados sobre questões idênticas, contribuindo de forma inequívoca para o
descrédito do sistema judicial e das próprias reformas do sistema judicial.
Quanto à segunda inconstitucionalidade invocada não deixa de ser surpreendente
que o Tribunal a quo considere que a alegação da inconstitucionalidade da
interpretação feita pelas instâncias inferiores seja “manifestamente infundada”.
É pacífico para todos os intervenientes nestes autos – recorrentes, recorrida,
Tribunal de 1ª instância e Tribunal da Relação de Lisboa – que aos executados,
ora recorrentes, não foi entregue o verso da livrança que constitui título
executivo.
É pacífico na doutrina e jurisprudência que a falta da entrega de cópia integral
do título executivo constitui uma violação das formalidades estabelecidas no
art. 235º do CPC.
É também pacífico na doutrina e jurisprudência que tais formalidades se acham
consagradas para assegurar os direitos de defesa da parte que é chamada a um
processo judicial.
A ofensa do direito de defesa dos recorrentes não é uma questão teórica; bem
pelo contrário, a omissão de informação sobre o teor do verso da livrança dada a
execução prejudicou o exercício do direito de defesa dos ora recorrentes,
impossibilitando a dedução de oposição à execução, nos termos e para os efeitos
do disposto no art. 814º alíneas a) a g) do CPC.
Não conhecendo o verso da livrança, os ora recorrentes não podiam “por mera
adivinhação” saber o que dele constava; nem tampouco podiam assumir que, se não
lhes foi dado conhecimento do teor do verso da livrança, era porque dele nada
constava. Ainda que o verso da livrança estivesse em branco teria que ser dado
conhecimento de tal facto aos executados, pois daí poderiam ser extraídas
conclusões importantes no plano da defesa e exercício do contraditório: é que o
facto de a livrança estar em branco não é nem cartular, nem processualmente
despiciendo.
O facto de a livrança estar em branco indica nomeadamente, que a mesma nunca foi
apresentada a pagamento, pois é ai que tal acto cartular registado.
Daí que a omissão da apresentação da cópia integral do título executivo tenha
impossibilitado a arguição de qualquer vício de que o mesmo padecesse,
nomeadamente, a inexequibilidade por a falta de apresentação a pagamento. E,
portanto, afectou efectivamente o direito de defesa dos ora recorrentes.
Não tendo apresentada cópia integral do título executivo e como os recorrentes
não têm o dom da adivinhação, não puderam defender-se convenientemente, por não
disporem –no prazo para apresentação da defesa –de todos os elementos
necessários para a aferição dos contornos, extensão e até dos vícios do direito
alegado pela exequente e constante do título executivo.
A falta da entrega da cópia integral do título executivo aos executados –ora
recorrentes – constitui a preterição de uma formalidade essencial na realização
da citação dos executados, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 235º
nº 1 do CPC, que afectou realmente o exercício do direito de defesa dos ora
recorrentes.
Consequentemente, o entendimento das instâncias sobre esta questão – a saber,
que não foi beliscado o direito de defesa dos recorrentes, porque o verso da
livrança estava em branco e tinha apenas um mero autocolante – viola as mais
elementares garantias do processo justo e equitativo, nomeadamente por ofensa do
princípio do contraditório, da igualdade das partes, do acesso ao direito e da
tutela jurisdicional efectiva, com consagração no art. 20º da CRP e no art. 6º
da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH)”.
5.
No Tribunal Constitucional, o relator proferiu o seguinte despacho (fls. 258):
Às razões aduzidas no despacho que, no Supremo Tribunal de Justiça, não
admitiu o recurso que os ora reclamantes A. e B. pretendem interpor para o
Tribunal Constitucional, poderá sobrepor‑se a seguinte: no seu requerimento, os
aludidos recorrentes declaram pretender interpor o recurso previsto na alínea a)
do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, recurso que nos termos
desta disposição legal – cabe das decisões dos tribunais que recusem a aplicação
de qualquer norma com fundamento em inconstitucionalidade. Acontece que o
Supremo Tribunal de Justiça, no aresto recorrido, não recusou aplicar qualquer
norma com fundamento em inconstitucionalidade, razão pela qual o recurso nunca
poderá ser admitido.
Os reclamantes responderam, sustentando o seguinte:
“ 1. Por despacho de fls. ..., entendeu esse Tribunal que “.. .no seu
requerimento, os aludidos recorrentes declaram pretender interpor o recurso
previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional,
recurso que – nos termos desta disposição legal – 20 cabe das decisões dos
tribunais que recusem a aplicação de qualquer norma com fundamento em
inconstitucionalidade. Acontece que o Supremo Tribunal de Justiça, no aresto
recorrido, não recusou aplicar qualquer norma com fundamento em
inconstitucionalidade, razão pela qual o recurso nunca poderá ser admitido.”
2. Afigurasse-nos correcto o entendimento do Tribunal de que o Supremo Tribunal
de Justiça não recusou a aplicação de nenhuma norma por a julgar
inconstitucional.
3 O que não se afigura correcto é a intenção de não admissão do recurso pois,
como decorre da análise do requerimento de interposição de recurso, a referência
à alínea a) do art. 70º nº 1 da LTC não pode deixar de ser considerada como um
lapso material.
4. De facto, a referência feita no início do requerimento ao art. 70º nº 1 al.
a) da LTC está em manifesta contradição com toda a fundamentação do referido
requerimento na qual os recorrentes explicam em que medida é que consideram que
a interpretação das diversas disposições legais vertida no douto acórdão do
Supremo Tribunal de Justiça viola normas e princípios constitucionais e não que
apreciasse uma qualquer decisão que tivesse recusado a aplicação de uma norma
com fundamento em inconstitucionalidade.
5. Da análise da fundamentação do requerimento de interposição de recurso
resulta que as inconstitucionalidades foram suscitadas pelo recorrente – e não
pelo Tribunal – e que o foram em tempo tendo o Tribunal a quo persistido em
interpretar as disposições legais supra referidas no sentido que ofende a
Constituição, conforme os recorrentes detalharam na fundamentação do
requerimento de interposição de recurso.
6. Pelo disposto no art. 75º-A no 5 da LTC, caso os recorrentes não indiquem
algum dos elementos previstos no referido artigo, deve o Tribunal convidá-los a
prestar essa indicação no prazo de dez dias.
7. Havendo manifesta contradição entre a referência inicial ao art. 70º nº 1 al.
a) da LTC e toda a fundamentação vertida no requerimento de interposição de
recurso - que aponta claramente para previsão constante do art. 70º nº 1 al. b)
da LTC -, deve, por maioria de razão ser permitido aos recorrentes, no prazo
previsto no art. 75º°-A da LTC, corrigir tal contradição.
Pelo exposto, R. a Vª Exa a rectificação do lapso material que consistiu na
referência ao disposto no art. 70º nº 1 al. a) da LTC, quando toda a
fundamentação do requerimento de interposição de recurso aponta no sentido de
que o recorrente se referia à previsão do art. 70º nº 1 al. b) da mesma LTC.
Consequentemente, deve ser admitido o recurso para o Tribunal Constitucional,
nos termos do disposto no art. 70º nº 1 al. b) da LTC e com os fundamentos
constantes do requerimento de fls. ..., declarando-se, a final, as
inconstitucionalidades normativas supra referidas”.
6.
O representante do Ministério Público lançou, no processo, o seguinte parecer:
A presente reclamação carece manifestamente de fundamento.
Na verdade – e mesmo que se admita, de forma benevolente, a convolação do tipo
do tipo de recurso interposto, “mudando-o” da alínea a) para a alínea b), com
fundamento em pretenso “lapso de escrita”, em que os reclamante são reincidentes
(cfr. fls. 178) – é evidente que o recurso de constitucionalidade interposto
sempre seria inadmissível, já que:
– A decisão recorrida não aplicou obviamente qualquer norma conexionada com a
matéria regulada no art. 235.º do CPC, limitando-se naturalmente a decidir
acerca dos pressupostos do recurso, fundado em pretensa contradição
jurisprudencial.
– Os ora reclamantes não suscitaram atempadamente qualquer questão de
constitucionalidade, apesar de para tal terem tido plena oportunidade, no âmbito
da audição a que se procedeu, nos termos constantes do art. 704.º, n.º 1 do CPC
Cumpre decidir.
II
Fundamentação
7.
Apura-se que A. e B., notificados do acórdão proferido em 6 de Maio de 2008 no
Supremo Tribunal de Justiça, interpuseram, para o Tribunal Constitucional, o
recurso previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da LTC. Todavia, tal
recurso apenas cabe das decisões dos tribunais que recusem a aplicação de
qualquer norma com fundamento em inconstitucionalidade e a verdade é que o
Supremo Tribunal de Justiça não recusou, no aludido acórdão, aplicar qualquer
norma com fundamento em inconstitucionalidade. Sendo manifesto que falta o
pressuposto essencial de admissibilidade do recurso, a pretensão dos reclamantes
não poderá ser admitida.
8.
Confrontados com este obstáculo ao conhecimento do objecto do recurso, os
reclamantes responderam, alegando que a referência à alínea a) do n.º 1 do
artigo 70º da LTC resultou de lapso material pois, efectivamente, pretendiam
interpor o recurso previsto na alínea b) do citado preceito legal, e não o
previsto na alínea a).
Pedem, por isso, que lhes seja permitido rectificar o erro, admitindo-se o
recurso previsto na citada alínea b).
Deve sublinhar-se, para começar, que a jurisprudência constitucional tem um
entendimento rigoroso e exigente do ónus de especificação da alínea do n.° 1 do
artigo 70° da Lei n.° 28/82 com base na qual o recurso é interposto,
considerando que lhe não compete suprir um erro ou vício de qualificação pela
parte. Na verdade, é sobre o recorrente que recai o ónus de indicar, com
precisão, o tipo de recurso que pretende interpor, mediante a identificação da
alínea do nº 1 do artigo 70º da LTC ao abrigo da qual o recurso é interposto
(artigos 75º-A, nº 1, 76º, nº 2, e 78º-A, nº 2, da LTC). Esta indicação deve
fazer-se no requerimento de interposição do recurso, pois é através do
requerimento de interposição que se fixa a espécie e o âmbito do recurso.
A lei não confere ao Tribunal qualquer poder oficioso de convolar para um outro
recurso aquele que o recorrente indicou no requerimento (cf. Acórdãos nºs
77/2000, 348/2002, 468/2003, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt),
ainda que o recorrente tenha aberto durante o processo a via do recurso que,
alegadamente, pretendia interpor.
Em suma, a indicação precisa, no requerimento de interposição, da alínea que
identifica a espécie do recurso que o recorrente pretende interpor é preclusiva,
no sentido de não ser permitido ao recorrente alterar posteriormente essa
menção, por lhe corresponder um tipo específico de procedimento, com requisitos
próprios, apenas verificáveis naquela oportunidade processual.
Ora, a exigência de identificação da espécie de recurso que constitui a via de
acesso ao Tribunal Constitucional determina que, nos casos em que se verifica a
omissão dessa menção, ou ela seja não seja explícita, o Tribunal convide o
recorrente a suprir a falta, sob cominação de o recurso ser 'logo julgado
deserto'. É esta a génese do convite previsto no artigo 75º-A, nºs 5 e 6, da LTC
que, conforme o Tribunal tem ponderado, “rege apenas e expressamente para os
casos de omissão, no requerimento de interposição de recurso, das indicações
impostas nos nºs 1 a 4 do mesmo artigo 75º-A”, o que não se verificou nos
presentes autos.
9.
É, no entanto, oportuno referir que, mesmo que o recurso tivesse sido interposto
ao abrigo da alínea b), como pretendem os reclamantes, ainda assim não poderia
ser admitido por lhe faltar um requisito essencial.
É que devendo neste caso, e nos termos do n.º 2 do artigo 72º da LTC, ocorrer
prévia suscitação da questão de inconstitucionalidade, apura-se que os
reclamantes não levantaram perante o tribunal recorrido, em termos
processualmente adequados, a questão que agora pretendem ver apreciada. Com
efeito, na reclamação apresentada – que originou o acórdão recorrido – não
existe a mínima acusação de desconformidade constitucional imputada à norma que,
conforme é identificada no requerimento de interposição, constitui o objecto do
recurso; a do artigo 754º n.º 2 do Código de Processo Civil. O que existe é a
alegação de que a decisão de impor a apresentação de documentos e de indeferir o
recurso seria inconstitucional.
Ora, os recursos de fiscalização concreta têm natureza normativa, pelo que,
conforme o Tribunal tem repetido exaustivamente, a suscitação da questão de
inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido implica a acusação clara de
desconformidade constitucional a uma norma e não a outras determinações
jurídicas, como são as decisões judiciais.
10.
Resta, pois, concluir pela improcedência da reclamação.
III
Decisão
11.
Em face do exposto, decide-se indeferir a reclamação, mantendo o
despacho de não recebimento do recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 31 de Julho de 2008
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Gil Galvão