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Processo n.º 519/08
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
Por acórdão de 9 de Julho de 2007 (a fls. 40 a 47), o Tribunal da Relação de
Guimarães rejeitou, por manifesta improcedência, o recurso interposto pela
arguida A. do despacho proferido na sessão de julgamento, realizada no dia 28 de
Fevereiro de 2007, com o seguinte teor: “Por força das alterações do artigo
105.º do RGIT, introduzidas pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, que
aprovou o Orçamento de Estado para 2007, notifique-se a Direcção de Finanças do
Porto, Serviços de Inspecção Tributária, para dar cumprimento ao disposto no
artigo 105.º, n.º 4, alínea b) do RGIT”.
Notificada deste acórdão a arguida A. (a fls. 51 a 53) arguiu a nulidade do
mesmo, ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do Código de Processo
Penal, arguição que o Tribunal da Relação de Guimarães veio a indeferir por
acórdão de 8 de Outubro de 2007 (fls. 64 a 69).
Deste acórdão recorreu a arguida A. para o Supremo Tribunal de Justiça (fls. 73
e seguintes), recurso que veio a ser admitido por despacho de fls. 90.
O Procurador-Geral Adjunto junto do Supremo Tribunal de Justiça emitiu parecer
(a fls. 98/99) no sentido da rejeição do recurso interposto e motivado pela
arguida A., defendendo que o mesmo só por lapso foi admitido, tendo em vista
que, não conhecendo a final do objecto do processo, a decisão de 8 de Outubro de
2007 é insusceptível de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (artigo
432.º, n.º 1, b) por referência ao artigo 400.º, n.º 1, al. c), do Código de
Processo Penal).
Notificada, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 417.º do
Código de Processo Penal, a arguida A. apresentou resposta na qual alega o
seguinte:
“ […]
2. A recorrente, notificada do acórdão da Relação de Guimarães de 9 de Julho de
2007, proferido no âmbito do recurso interposto pela mesma do despacho que foi
emitido na audiência de julgamento realizada a 28 de Fevereiro, que ordenava a
notificação da Direcção de Finanças do Porto, Serviços da Inspecção Tributária,
para dar cumprimento ao disposto no art. 105, n.º 4, alínea b) do RGIT, arguiu a
nulidade desse acórdão,
3. porquanto considerou que, não se tendo pronunciado esse acórdão sobre “...a
extinção do procedimento criminal, em obediência do disposto nos artigo 32.º n.º
1 da CRP e 262.° n.º 1 do CPP...”, é nulo nos termos do disposto na alínea c),
do n.º 1, do artigo 379.° do CPP.
4. Na verdade, não pode o Tribunal de recurso, sob pena de nulidade por omissão
de pronúncia, deixar de conhecer as questões que lhe são suscitadas.
5. Contudo, a Relação de Guimarães, no seu acórdão de 8 de Outubro de 2007,
entende que não foi cometida qualquer nulidade, ou seja, que a Relação no
acórdão proferido em 9 de Julho de 2007 “… tratou todas as questões suscitadas
pela recorrente no seu recurso, não tendo sido cometida qualquer nulidade.”
6. Foi deste último acórdão proferido pela Relação de Guimarães, que considerou
não existir qualquer nulidade, que a recorrente interpôs recurso para este
Supremo Tribunal.
7. De acordo com o disposto no artigo 399.° do CPP é, como princípio geral,
permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja
irrecorribilidade não estiver prevista na lei.
8. E, em geral e sem prejuízo de disposições específicas, dispõe o artigo
seguinte, nas diversas alíneas do seu n.º 1 que
“1 — Não é admissível recurso:
a) De despachos de mero expediente;
b) De decisões que ordenam actos dependentes da livre resolução do tribunal;
c) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que não conheçam, a final,
do objecto do processo;
d) De acórdãos absolutórios proferidos, em recurso, pelas relações, que
confirmem decisão de 1ª instância;
e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não
privativa da liberdade;
f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que
confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8
anos;
g) Nos demais casos previstos na lei.”
9. Ora, não está excluída a recorribilidade no presente caso, uma vez que a
situação em apreço não se enquadra em nenhuma das alíneas do artigo 400.° do
CPP.
10. Nem se diga que é aplicável, in casu, a alínea c) do n.º 1 deste artigo, uma
vez que a decisão proferida pela Relação no último dos acórdãos, não foi
proferida em recurso, antes tendo conhecido de uma questão nova.
11.O acórdão proferido pela Relação de Guimarães em 8 de Outubro de 2007 não é
um acórdão proferido “em recurso”.
12. O acórdão proferido “em recurso” é o acórdão proferido pela Relação em 9 de
Julho de 2007.
13. Neste recurso interposto agora para este Supremo Tribunal de Justiça, a
recorrente não pretende que seja apreciada a mesma questão que foi apreciada
pelo acórdão da Relação de 9 de Julho de 2007.
14. Antes pretende seja analisada uma questão completamente nova — a questão da
nulidade do Acórdão da Relação de 9 de Julho de 2007 por omissão de pronúncia.
15. Sobre esta matéria pronunciou-se a Relação de Guimarães através do acórdão
de 8 de Outubro de 2007, e tal pronúncia não é uma pronúncia em sede de recurso.
16.A questão suscitada pela recorrente, da nulidade do acórdão proferido pela
Relação de Guimarães em 7 de Julho de 2007, e apreciada pela mesma Relação no
acórdão de 8 de Outubro de 2007 é uma questão nova e independente da questão que
foi apreciada pela Relação no primeiro dos acórdãos proferidos,
17. e a Relação ao apreciá-la, aprecia-a em primeira instância e não em sede de
recurso.
18. Uma decisão proferida em recurso é uma decisão que reaprecia uma decisão
proferida por um Tribunal pertencente a um grau inferior da respectiva
hierarquia.
19. No entanto, se a Relação conhece ex novo da existência ou não de nulidades,
está a decidir em primeira instância,
20. Trata-se de uma questão suscitada pela primeira vez no próprio Tribunal da
Relação.
21. Estamos assim perante uma situação em que a irrecorribilidade não está
prevista no artigo 400.º do CPP, aplicando-se a regra geral do artigo 399.º do
mesmo Código, sendo a decisão recorrível.
22. Atendendo ao preceituado na alínea b), do n.º 1, do artigo 432.º do C.P.P.
“1. Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: b) Das decisões que não sejam
irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º
proferidas pelas relações em primeira instância.”
23. Assim, tem de ser garantido à recorrente o duplo grau de jurisdição, sob
pena de serem manifestamente violadas as garantias de defesa do arguido.
24. De resto, a interpretação da norma contida na alínea c), do artigo 400.º do
CPP, no sentido de que são irrecorríveis as decisões proferidas pela Relação, em
processo que subiu em recurso, mas que decide uma questão nova, ou seja, uma
questão pela primeira julgada, será manifestamente inconstitucional por violar
as garantias de defesa do arguido a que se refere o artigo 32°, n.º 1 da C.R.P.
25. Ao rejeitar-se o recurso por inadmissibilidade, está a coarctar-se o duplo
grau de jurisdição e a plenitude das garantias de defesa da arguida, em clara
violação do disposto no n.º 1 do artigo 32.º da C.R.P.
26. Inconstitucionalidade essa que se invoca para todos os efeitos legais.
27. O princípio do contraditório, em processo penal, conforme decorre da
Constituição da República Portuguesa e bem assim da Convenção Europeia dos
Direitos do Homem, significa que o arguido tem o direito de intervir no processo
e de se pronunciar e contraditar todos os elementos de prova ou argumentos
jurídicos trazidos ao processo, abrangendo todos os actos susceptíveis de
afectar a sua posição.
28. O contraditório é um princípio constitucional e legal, e de forma alguma
pode ser contornado.
29. E o direito ao recurso é uma das mais importantes dimensões das garantias de
defesa e exercício do contraditório em processo penal.
30. Em matéria penal, o direito de defesa pressupõe a existência de um duplo
grau de jurisdição, na medida em que o direito ao recurso integra o núcleo
essencial das garantias de defesa constitucionalmente asseguradas, nomeadamente
nos artigos 20°, n.º 1, e 32°, n.º 1, ambos da CRP.
31. Não pode ser vedado à arguida o reexame da questão da nulidade do acórdão
proferido pela Relação de Guimarães em 9 de Julho de 2007, que apenas foi
analisado em primeira instância pela mesma Relação no acórdão proferido em 8 de
Outubro de 2007.
32. O recurso interposto para este Supremo Tribunal de Justiça foi pois bem
admitido.
33. Concluindo, o recurso deve ser admitido e julgado procedente, assim se
fazendo a inteira e sã justiça.
[…]”
Por acórdão de 21 de Maio de 2008 (a fls. 119 a 127), o Supremo Tribunal de
Justiça rejeitou o recurso por inadmissibilidade.
Pode ler-se no texto do acórdão, para o que agora releva, o seguinte:
“ […]
Questão Prévia
Desde logo há que colocar uma questão prévia que tem que ver com a
irrecorribilidade do decidido pela Relação.
A questão foi decidida pela Relação de Guimarães na sequência do recurso que a
recorrente interpôs de despacho do Exmo. Juiz da 1ª instância.
Estabelece o artigo 432°, alíneas a) e b), do CPP, intocadas na nova versão dada
pela Lei n.º 48/2007, que se recorre para o STJ: de decisões das relações
proferidas em primeira instância — alínea a); de decisões que não sejam
irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400º
alínea b).
De acordo com o art. 400°, nº 1, alínea c), do CPP, na redacção introduzida pela
Lei nº 59/98, de 25 de Agosto, não é admissível recurso “De acórdãos proferidos,
em recurso, pelas relações, que não ponham termo à causa”.
Actualmente, com a redacção dada pela Lei 48/07, de 25 de Agosto, a expressão
foi substituída por “De acórdãos preferidos, em recurso, pelas relações que não
conheçam, a final, do objecto do processo”.
É abundante a jurisprudência do STJ a propósito da interpretação a dar à
expressão “por termo à causa” e da irrecorribilidade das denominadas decisões
interlocutórias ou intercalares, quer o recurso tenha sido interposto para a
Relação de forma autónoma ou isolada, ou no seio de recurso da decisão final.
[…]
Abordando a questão noutra perspectiva, da Constituição da República não se
retira a plena recorribilidade de todos os actos praticados pelo juiz ao longo
do processo penal ainda que sejam susceptíveis de afectar o arguido, tendo a
questão sido abordada em alguns arestos do Tribunal Constitucional.
[…]
No acórdão 597/2000, de 20-12-2000, no processo 643/00, DR, II Série, de
25-01-2001, foi julgada inconstitucional a interpretação do artigo 400°, n.º l,
alínea c), segundo a qual não são susceptíveis de recurso para o STJ os acórdãos
proferidos, em recurso, pelas Relações que versem sobre questões de direito
processual penal.
No caso apreciado no acórdão citado estava em causa rejeição do recurso, não
chegando a ser censurada pelo Tribunal da Relação a sentença condenatória em
pena de prisão efectiva, tendo nesse caso o acórdão recorrido ditado o termo do
processo, fazendo transitar a condenação da 1.ª instância, estando-se face a
decisão final.
No nosso caso, há diferenças substanciais ao nível do circunstancialismo e da
fundamentação; a decisão da Relação de Guimarães não pôs termo ao processo, não
é uma decisão final, o que de resto acontece com a decisão da 1ª instância.
No presente caso, trata-se de uma decisão que não põe termo à causa, isto é, que
não conhece do objecto do recurso.
A decisão de que se pretende recorrer é um acórdão proferido em recurso pela
Relação, que não pôs termo à causa, nada tendo decidido em definitivo, versando
uma questão de ordem adjectiva, de mera ordenação funcional do processo, que não
contem qualquer injunção para a arguida, que é preliminar de uma outra a tomar
na 1.ª instância e que será diversa consoante a resposta que venha a ser dada na
sequência da notificação ordenada, seguindo-se a tramitação subsequente, sendo
de qualificar como decisão interlocutória.
Para sustentar a recorribilidade do acórdão defende a recorrente que o que está
em reexame é o acórdão da Relação que apreciou a arguição de nulidade do 1°
acórdão e que o mesmo seria proferido em 1ª instância.
O acórdão que se debruça sobre a invocação de nulidade de acórdão anterior tem
apenas por objecto apreciar, averiguar, indagar se se verifica a nulidade
invocada, julgando procedente ou improcedente a arguição, mantendo-se na íntegra
neste último caso a solução do antecedente acórdão, estando-se perante decisão
confirmativa, que tem como consequência a manutenção plena, a subsistência total
do acórdão sobre que incidiu a arguição de nulidade, actuando ainda o Tribunal
da Relação em instância de recurso.
Como resulta do n.º 2 do artigo 670º do CPC, aqui aplicável por força do artigo
4° do CPP, sendo deferida a pretensão, a decisão de deferimento considera-se
complemento e parte integrante da sentença, podendo recorrer a parte prejudicada
com a alteração da decisão – n.º 4.
Do acórdão confirmativo, que certifica a validade do decidido, não há recurso,
pois que não põe termo ao processo.
A seguir-se o raciocínio da recorrente, interposto recurso de acórdão final de
tribunal colectivo para este Supremo Tribunal, sendo reexaminada a matéria de
direito e proferida decisão, arguida que fosse nulidade, o Supremo ao
pronunciar-se sobre a mesma actuaria em lª instância...
As decisões das relações proferidas em 1ª instância a que se refere a alínea a)
do artigo 432° do CPP são as decisões referidas nas alíneas a), b) e e), do n.º
2, do artigo 12°, do CPP, e outras, como as proferidas no âmbito do processo
especialíssimo de mandado de detenção europeu.
A arguição de nulidade não corresponde à colocação de uma questão nova,
consistindo antes na expressão de uma manifestação de discordância relativamente
ao modo como foi abordada ou não foi analisada uma questão, um aspecto que se
entende deveria ter merecido outro tipo de análise, por se estar perante omissão
de pronúncia, e que demanda necessariamente uma nova leitura, apreciação da
decisão já proferida pelo próprio órgão que a produziu, não revestindo carácter
inovador, pois nesse caso ficaria arredada a sua cognição.
Na omissão de pronúncia há ausência de posicionamento ou decisão pelo tribunal
em relação a questão em que a lei impõe que o juiz tome posição expressa. Com a
sua invocação não se pretende obter uma decisão nova, mas antes a clarificação
da anterior; na perspectiva do arguente, a correcção que conduza à completude,
que em seu entender, se não verifica na decisão assumida.
A arguição de nulidade dirige-se a acórdão que incidiu sobre despacho
interlocutório, regulador da marcha processual, que não consubstancia uma
decisão de fundo, uma apreciação de mérito, que não tem a natureza de decisão
final.
Com a utilização do argumento da recorrente estaria descoberta a via para
contornar o obstáculo da irrecorribilidade à luz do artigo 400º, n.º 1, alínea
c), do CPP, o que manifestamente não pode ser.
Por outro lado, como se referiu, o 2° grau de jurisdição está garantido e
efectivado.
Sendo aquela decisão irrecorrível, deve o recurso ser rejeitado, nos termos dos
artigos 420°, nº 1, e 414°, nº 2, do CPP.
Não vincula este STJ o despacho que admitiu/manteve o recurso — artigo 414°, nº
3, do CPP.
[…]”
Deste acórdão recorreu a arguida A. para o Tribunal Constitucional (a fls. 130)
apresentando requerimento com o seguinte teor:
“ […]
Pelo presente pretende o recorrente a apreciação da inconstitucionalidade da
norma constante da alínea c) do artigo 400.º do CPP, aplicado na decisão
recorrida, quando esta declara inadmissível o recurso, por violação do disposto
no artigo 32.º, n.º 1, da CRP. Tal inconstitucionalidade foi suscitada logo que
pela primeira vez (com possibilidade de resposta) se colocou a questão da
irrecorribilidade da decisão da relação que indeferiu a arguição de nulidade do
acórdão que conheceu do objecto do recurso para ela interposto, ou seja, na
resposta ao parecer do Min. Público oferecida já neste Supremo Tribunal.
[…]”
O recurso de constitucionalidade foi admitido, por despacho de fls. 134.
Por decisão sumária de 15 de Julho de 2008 (a fls. 137 e seguintes), não se
tomou conhecimento do recurso de constitucionalidade interposto por A., pelos
seguintes fundamentos:
“Tendo o presente recurso de constitucionalidade sido interposto ao abrigo da
alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, constitui
seu pressuposto processual a suscitação pelo recorrente, durante o processo, da
questão de inconstitucionalidade da norma ou interpretação normativa submetida à
apreciação deste tribunal.
Nos termos do art. 72.º, n.º 2, da mesma Lei, deve a questão de
inconstitucionalidade ter sido suscitada de modo processualmente adequado
perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar
obrigado a dela conhecer.
Ora, da leitura da resposta apresentada perante o tribunal recorrido, acima
transcrita na parte que para agora releva, retira-se que a recorrente não
suscitou, perante o tribunal recorrido, a questão de inconstitucionalidade
normativa que submete à apreciação do Tribunal Constitucional.
Na verdade, nessa resposta, a recorrente não imputa a inconstitucionalidade, por
violação do n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, à
interpretação que identifica no requerimento de interposição do presente recurso
de constitucionalidade – a norma constante da alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º
do Código de Processo Penal quando esta declara inadmissível o recurso –, mas
sim à interpretação da norma contida nesse mesmo preceito legal no sentido de
que são irrecorríveis as decisões proferidas pela Relação, em processo que subiu
em recurso, mas que se pronuncia sobre uma questão nova, ou seja, uma questão
pela primeira vez julgada.
Não cumpriu portanto a recorrente o ónus de suscitação a que se referem os
artigos 70.º, n.º1, alínea b), e 72.º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional.
A isto acresce que, ainda que se entenda que o presente recurso tem por objecto
a interpretação normativa cuja inconstitucionalidade foi suscitada perante o
tribunal recorrido, não se encontra preenchido outro dos pressupostos
processuais do recurso previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do
Tribunal Constitucional – a aplicação, na decisão recorrida, da norma ou
interpretação normativa cuja conformidade constitucional se pretende que o
Tribunal Constitucional aprecie.
Percorrendo o texto da decisão recorrida, constata-se facilmente que a
interpretação cuja inconstitucionalidade foi suscitada perante o tribunal
recorrido não foi aplicada, pois nela não se expressa o entendimento de que são
irrecorríveis as decisões proferidas pela Relação, em processo que subiu em
recurso, mas que se pronunciou sobre uma questão nova.
Pelo contrário, o que o tribunal recorrido considerou foi que o Tribunal da
Relação quando aprecia a arguição de nulidade de um seu acórdão anterior actua
em instância de recurso e que a “arguição de nulidade não corresponde à
colocação de uma questão nova” pois com a “sua invocação não se pretende obter
uma decisão nova, mas antes a clarificação da anterior.
Assim sendo, não se poderá tomar conhecimento do presente recurso de
constitucionalidade, por falta de preenchimento dos seus pressupostos
processuais”.
Notificada da decisão sumária, A. dela reclamou para a conferência, nos termos
do artigo 78º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, sustentando o
seguinte (fls. 151 e seguintes):
“[…]
2. Salvo o devido respeito, a recorrente discorda por completo da posição
defendida pelo Exmo. Juiz Conselheiro Relator.
3. Na verdade, ao contrário do que defende o Exmo. Juiz Conselheiro Relator, a
recorrente cumpriu devidamente o ónus de suscitação da inconstitucionalidade a
que se referem os artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2 da Lei do
Tribunal Constitucional.
Vejamos…
4. A recorrente considera que a interpretação da norma contida na alínea c), do
artigo 400.º do CPP, no sentido de que considera irrecorríveis as decisões
proferidas pela Relação, em processo que subiu em recurso, mas que decide uma
questão nova, ou seja, uma questão pela primeira julgada pela Relação, é
manifestamente inconstitucional por violar as garantias de defesa do arguido,
constitucionalmente consagradas no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da
República Portuguesa.
5. A recorrente logo que confrontada com a interpretação que reputa de
inconstitucional arguiu tal vício.
6. Mais concretamente, a recorrente argui tal vício no item 24 da resposta ao
parecer do Ministério Público, apresentada junto do Supremo Tribunal de Justiça,
no âmbito dos autos de recurso n.º 106/08, que correu seus termos na 3.ª Secção
desse tribunal.
7. E fê-lo de forma a que o Tribunal se pudesse pronunciar sobre a
inconstitucionalidade de tal interpretação, tal como prescreve o artigo 72.º,
n.º 2 da Lei do Tribunal Constitucional.
8. No requerimento de interposição de recurso para este Tribunal a apresentado
pela recorrente pode ler-se:
“(…) Pelo presente a recorrente pretende a apreciação da inconstitucionalidade
da norma constante na alínea c) do artigo 400.º do CPP, aplicado na decisão
recorrida, quando esta declara inadmissível o recurso, por violação do disposto
no artigo 32.º da CRP. Tal inconstitucionalidade foi suscitada logo que pela
primeira vez (com possibilidade de resposta) se colocou a questão da
irrecorribilidade da decisão da relação que indeferiu a arguição de nulidade do
acórdão que conheceu do objecto do recurso por ela interposto, ou seja, na
resposta ao parecer do Min. Público oferecida já neste Supremo Tribunal.”
9. Conclui no entanto o Exmo. Juiz Conselheiro Relator que “(…) da leitura da
resposta apresentada perante o tribunal recorrido, (…) retira-se que a
recorrente não suscitou, perante o tribunal recorrido, a questão da
inconstitucionalidade normativa que submete a apreciação do Tribunal
Constitucional (…),
10. Porquanto entende que “Na verdade, nessa resposta, a recorrente não imputa a
inconstitucionalidade, por violação do n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da
República Portuguesa, à interpretação que identifica no requerimento de
interposição do presente recurso de constitucionalidade – a norma constante da
alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal quando esta
declara inadmissível o recurso –, mas sim à interpretação da norma contida nesse
mesmo preceito legal no sentido de que são irrecorríveis as decisões proferidas
pela Relação, em processo que subiu em recurso, mas que se pronuncia sobre uma
questão nova, ou seja sobre uma questão pela primeira vez julgada.”
11. Salvo melhor opinião, quando a recorrente refere que “(…) pretende a
apreciação da inconstitucionalidade da norma constante na alínea c) do artigo
400.º do CPP, aplicado na decisão recorrida, quando esta declara inadmissível o
recurso, por violação do disposto no artigo 32.º da CRP.”,
12. Significa que pretende seja apreciada, in casu, a apreciação da
inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual “são irrecorríveis as
decisões proferidas pela Relação, em processo que subiu em recurso, mas que se
pronuncia sobre uma questão nova, ou seja sobre uma questão pela primeira vez
julgada”.
13. Assim, não se vislumbra de que forma se pode concluir que a recorrente não
cumpriu o disposto nos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2 da lei do
Tribunal Constitucional uma vez que a recorrente, conforme se pode ler na peça
processual – resposta ao parecer do Ministério Público junto do Supremo Tribunal
de Justiça –, suscitou a questão da inconstitucionalidade de “modo
processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida.”
14. Por outro lado, a recorrente indicou no requerimento de interposição de
recurso para este Tribunal a norma cuja constitucionalidade pretendia fosse
apreciada e o sentido interpretativo que considera inconstitucional, bem como
indicou a peça processual em que suscitou a questão da inconstitucionalidade.
15. Tal é exigido pelos n.º 1 e 2 do artigo 75.º A da Lei do Tribunal
Constitucional que prescrevem que: “1 - O recurso para o Tribunal Constitucional
interpõe-se por meio de requerimento, no qual se indique a alínea do n.º 1 do
artigo 70.º ao abrigo da qual o recurso é interposto e a norma cuja
inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie. 2 -
Sendo o recurso interposto ao abrigo das alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo
70.º, do requerimento deve ainda constar a indicação da norma ou princípio
constitucional ou legal que se considera violado, bem como da peça processual em
que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade.”
16. Assim, ainda que se entendesse que a recorrente não especificou clara e
exaustivamente, no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional, o sentido interpretativo que considera inconstitucional, tal
como fez na resposta ao parecer do Ministério Público junto do supremo Tribunal
de Justiça, sempre poderia o Exmo. Juiz Conselheiro Relator ter lançado mão do
disposto no n.º 5 do artigo 75.º A da Lei do Tribunal Constitucional que prevê
que “Se o requerimento de interposição de recurso não indicar algum dos
elementos previstos no presente artigo, o juiz convidará o recorrente a prestar
essa indicação no prazo de 10 dias.”
17. Assim, não pode deixar de se apreciar o vício suscitado pela recorrente, por
uma questão puramente formal, para a qual a própria Lei do Tribunal
Constitucional consagra um mecanismo de salvaguarda dos direitos e interesses
dos recorrentes.
18. O que resulta dos autos é precisamente que a recorrente suscitou e enquadrou
devidamente a questão de constitucionalidade normativa que pretendia ver
apreciada e expressamente deixou consignadas quais as normas legais que o
tribunal interpretava de forma não consentânea com os ditames constitucionais.
19. Não há fundamento válido para que o Tribunal Constitucional não aprecie as
questões de constitucionalidade suscitadas pela recorrente.
II – QUESTÃO DE FUNDO:
20. O Exmo. Juiz Conselheiro Relator refere ainda o seguinte:
“A isto acresce que, ainda que se entenda que o presente recurso tem por
objecto a interpretação normativa cuja constitucionalidade foi suscitada perante
o tribunal recorrido, não se encontra preenchido outro dos pressupostos
processuais do recurso previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do
Tribunal Constitucional – a aplicação na decisão recorrida da norma ou
interpretação normativa cuja conformidade constitucional se pretende que o
Tribunal Constitucional aprecie.
Percorrendo-se o texto da decisão recorrida, constata-se facilmente que a
interpretação cuja inconstitucionalidade foi suscitada perante o tribunal
recorrido não foi aplicada, pois nela não se expressa o entendimento de que são
irrecorríveis as decisões proferidas pela Relação, em processo que subiu em
recurso, mas que se pronunciou sobre uma questão nova.
Pelo contrário, o que o tribunal considerou foi que o Tribunal da Relação quando
aprecia a arguição de uma nulidade de um acórdão anterior actua em instância de
recurso e que “a arguição de nulidade não corresponde à colocação de uma questão
nova” pois com a “sua invocação não se pretende obter uma decisão nova, mas
antes a clarificação da anterior.”
21. No entanto, também quanto a este aspecto discordamos da posição assumida
nesta decisão sumária de que agora reclamamos.
22. O que mais uma vez se denota nesta posição que o Exmo. Juiz Conselheiro
Relator adere a uma perspectiva puramente formal da questão e não a analisa na
sua substância.
23. A questão de inconstitucionalidade suscitada pela recorrente é a
interpretação da alínea c) do artigo 400.º do CPP no sentido de que não é
admissível recurso de um acórdão proferido pela Relação que desconhece a
arguição de uma nulidade do processo suscitada na própria Relação.
24. Ou seja, a interpretação do artigo 400.º alínea c) do CPP no sentido de que
são irrecorríveis as decisões da Relação que julguem uma nulidade no processo.
25. No entendimento da recorrente, tal interpretação é inconstitucional pois
viola a garantia de um grau de recurso consagrada no artigo 32., n.º 1, da
Constituição Portuguesa que estatui que “O processo criminal assegura todas as
garantias de defesa, incluindo o recurso.”
26. A norma da alínea c) do artigo 400.º do CPP prevê que “Não é admissível
recurso: c) de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que não conheçam,
a final, do objecto do processo;”.
27. O cerne da questão aqui está em saber o que deve entender por “acórdão
proferido, em recurso, pelas relações”.
28. Importa ter presente que a recorrente recorreu para o Supremo Tribunal de
Justiça da decisão da Relação que considerou que não existia qualquer nulidade,
por omissão de pronúncia do acórdão proferido pela Relação de Guimarães, no
âmbito dos presentes autos, em 9 de Julho de 2007.
29. Trata-se portanto, da arguição de uma nulidade, nos termos do disposto na
alínea c), do n.º 1, do artigo 379.º do CPP, por omissão de pronúncia, uma vez
que nesse acórdão a Relação não se pronunciou sobre a questão suscitada pela
recorrente no seu recurso sobre “ (…) a extinção do procedimento criminal, em
obediência do disposto nos artigo 32.º n.º 1 da CRP e 262.º n.º 1 do CPP( …)”.
30. A Relação de Guimarães, quando no seu acórdão de 8 de Outubro de 2007,
entende que não foi cometida qualquer nulidade, ou seja, que a Relação no
acórdão proferido em 9 de Julho de 2007 “…tratou todas as questões suscitadas
pela recorrente no seu recurso, não tendo sido cometida qualquer nulidade.”,
está a decidir uma questão nova e não a reapreciar uma questão anteriormente
suscitada.
31. Este acórdão da Relação não é um acórdão proferido “em recurso”, uma vez que
a questão da nulidade (omissão de pronúncia) apreciada não é a mesma questão que
foi apreciada no acórdão proferido por aquela Relação em 9 de Julho de 2007.
32. As questões de nulidade, in casu, nulidade por omissão de pronúncia, são
questões absolutamente novas.
33. Assim, quando a Relação aprecia essa questão da nulidade tal apreciação não
é uma apreciação em sede de recurso, mas em primeira instância.
34. O que a Relação faz ao pronunciar-se sobre a verificação de nulidade por
omissão de pronúncia ou não, é a apreciação de uma questão anterior nova
suscitada pela primeira vez junto do Tribunal da Relação, e que até ao momento
não foi nem poderia ter sido suscitada.
35. Não se trata, como refere o Exmo. Juiz Conselheiro Relator, de uma
“clarificação”.
36. A Relação ao apreciar a questão da omissão de pronúncia não está a
clarificar o que quer que seja, mas antes a decidir uma questão nova nesse
momento suscitada.
37. Assim, perante isto é garantido constitucionalmente à recorrente a
sindicância de uma decisão proferida e apreciada pela primeira vez num segundo
grau de jurisdição.
38. Isto mesmo prevê o artigo 32.º n.º 1, da Constituição da República
Portuguesa.
39. Daí que a recorrente defende que “a interpretação da norma contida na alínea
c), do artigo 400.º do CPP, no sentido de que são irrecorríveis as decisões
proferidas pela Relação, em processo que subiu em recurso, mas que decide uma
questão nova, ou seja, uma questão pela primeira julgada, será manifestamente
inconstitucional por violar as garantias de defesa do arguido a que se refere o
artigo 32.º, n.º 1, da C.R.P.”
40. A não ser assim está claramente a coarctar-se o duplo grau de jurisdição e a
plenitude das garantias de defesa da arguida, em clara violação do disposto no
n.º 1 do artigo 32.º da C.R.P.
41. No âmbito do processo penal, o direito de defesa pressupõe a existência de
um duplo grau de jurisdição, na medida em que o direito ao recurso integra o
núcleo essencial das garantias de defesa constitucionalmente asseguradas,
nomeadamente nos artigos 20°, nº 1, e 32°, nº 1, ambos da CRP.
42. Ao não se admitir o recurso daquela decisão da Relação está a limitar-se
irrazoavelmente o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça.
43. Não se trata, como entendeu o Supremo Tribunal de Justiça e o Exmo. Senhor
Juiz Conselheiro Relator nesta decisão sumária de garantir um terceiro grau de
jurisdição, mas antes um segundo grau de jurisdição.”
O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional respondeu
à reclamação nos seguintes termos (fls. 163):
“O representante do Ministério Público, neste Tribunal, notificado, nos autos à
margem referenciados da reclamação apresentada, vem dizer que esta não logra
abalar o essencial da fundamentação da decisão sumária proferida a fls. 137 a
147, pelo que deverá esta ser mantida indeferindo-se aquela”.
Cumpre apreciar.
II. Fundamentação
Na decisão sumária ora reclamada não se tomou conhecimento do objecto do
presente recurso por duas ordens de razões.
A primeira – que assentou no pressuposto de que esse objecto é constituído pela
norma constante da alínea c) do n.º 1 do artigo 400º do Código de Processo
Penal, quando esta declara inadmissível o recurso – é a falta de cumprimento,
pela recorrente, do ónus de suscitação a que se referem os artigos 70º, n.º 1,
alínea b), e 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional.
A segunda – que, subsidiariamente, assentou no pressuposto de que esse objecto
é, antes, constituído pela norma constante da alínea c) do n.º 1 do artigo 400º
do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual são irrecorríveis
as decisões proferidas pela Relação, em processo que subiu em recurso, mas que
se pronuncia sobre uma questão nova, ou seja, uma questão pela primeira vez
julgada – é a não aplicação, na decisão recorrida, da norma ou interpretação
normativa cuja conformidade constitucional se pretende que o Tribunal
Constitucional aprecie.
Relativamente ao primeiro fundamento de não conhecimento do objecto do recurso
de constitucionalidade, sustenta a recorrente, em síntese, que a decisão sumária
reclamada identificou mal esse objecto e que era possível depreender, da leitura
do requerimento de interposição do recurso, que esse objecto só podia coincidir
com a questão de inconstitucionalidade que havia sido suscitada durante o
processo: ou seja, a questão da inconstitucionalidade da norma constante da
alínea c) do n.º 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal, na interpretação
segundo a qual são irrecorríveis as decisões proferidas pela Relação, em
processo que subiu em recurso, mas que se pronuncia sobre uma questão nova, ou
seja, uma questão pela primeira vez julgada. Como tal, não fazia sequer sentido
afirmar que essa questão não havia sido suscitada durante o processo ou que o
ónus de suscitação não havia sido cumprido.
Não repugna admitindo como possível a argumentação da reclamante quanto a este
ponto, dado que o requerimento de interposição do recurso de
constitucionalidade, ao remeter para uma certa peça processual, ainda pode ser
interpretado, na parte em que procede à delimitação do objecto desse recurso,
como devendo ser integrado por essa peça processual, de qualquer modo, subsiste
um segundo fundamento de não conhecimento do recurso de constitucionalidade,
cuja impugnação improcede.
Quanto a esse segundo fundamento, afirma a reclamante, em síntese, que a norma
constante da alínea c) do n.º 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal, na
interpretação segundo a qual são irrecorríveis as decisões proferidas pela
Relação, em processo que subiu em recurso, mas que se pronuncia sobre uma
questão nova, ou seja, uma questão pela primeira vez julgada (a norma que
constitui o objecto do presente recurso) foi, ao contrário do que se lê na
decisão sumária, aplicada na decisão recorrida. E isto porque, no caso dos
autos, a Relação, ao apreciar uma arguição de nulidade, decidira uma questão
nova, e o Supremo Tribunal de Justiça considerou essa decisão irrecorrível.
Sucede, porém, que o Tribunal Constitucional não tem competência, como decorre
do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal
Constitucional, para sindicar os pressupostos de facto ou as qualificações de
que partiu o tribunal recorrido para aplicar determinada norma (por exemplo, a
qualificação como “nova” de uma questão relativa a uma nulidade por omissão de
pronúncia), restringindo-se tal competência à apreciação da conformidade
constitucional ou legal de normas, tal como foram aplicadas por esse tribunal.
Ora, não possuindo o Tribunal Constitucional competência para aferir se, no caso
dos autos, a Relação apreciou uma questão nova, e declarando o tribunal
recorrido – como se refere na decisão sumária reclamada – que o Tribunal da
Relação, quando aprecia a arguição de nulidade de um seu acórdão anterior, actua
em instância de recurso, bem como que a “arguição de nulidade não corresponde à
colocação de uma questão nova”, pois com a “sua invocação não se pretende obter
uma decisão nova, mas antes a clarificação da anterior”, é patente que o
tribunal recorrido não aplicou a norma constante da alínea c) do n.º 1 do artigo
400º do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual são
irrecorríveis as decisões proferidas pela Relação, em processo que subiu em
recurso, mas que se pronuncia sobre uma questão nova, ou seja, uma questão pela
primeira vez julgada, já que esta interpretação pressupõe explicitamente a
novidade da questão.
Ou seja, o Tribunal recorrido recolhido não rejeitou o recurso com fundamento na
interpretação normativa que a recorrente agora questiona, mas antes com base no
entendimento de que a decisão que recaiu sobre a arguição de nulidade é ainda
uma decisão em sede de recurso jurisdicional, que integra a decisão reclamada,
em caso de deferimento, ou valida o seu conteúdo dispositivo, em caso de
indeferimento.
Deste modo, improcede a argumentação da reclamante quanto ao segundo fundamento
de não conhecimento do recurso de constitucionalidade, que consistiu na não
aplicação, na decisão recorrida, da interpretação normativa que constitui o
objecto do recurso.
III. Decisão
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, indefere-se a presente reclamação,
mantendo-se a decisão de não conhecimento do objecto do recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 22 de Outubro de 2008
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
Gil Galvão