Imprimir acórdão
Processo n.º 291/08
2ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório:
Por despacho n.º 3071/2003 (2ª série) do Secretário de Estado das Obras Públicas
datado de 15 de Janeiro de 2003, publicado no D.R. n.º 38, II série, de 14 de
Fevereiro de 2003, foi declarada de utilidade pública e com carácter de
urgência a expropriação das parcelas de terreno designadas como “n.º 21 e 21A”,
com a área total de 7.942m2 (6.887m2 + 1055m2), a destacar do prédio situado no
lugar de Fojo, freguesia de Labruge, concelho de Vila do Conde, a confrontar
actualmente de Norte e Nascente com domínio público e a Sul e Poente com A.,
prédio esse inscrito na matriz predial sob o artigo rústico n.º 71 da Repartição
de Finanças desta cidade e descrito na CRP de Vila do Conde sob o n.º 22324 do
Livro B-58, necessária à execução da obra IC1 - Porto-Viana do Castelo (IP9).
Por autos de 31/10/02 e 12/03/03 foram concretizadas as posses administrativas
de tais parcelas de terreno pela entidade expropriante.
Por não ter sido possível uma expropriação amigável iniciou-se um processo de
expropriação por utilidade pública (nº 1091/04.0TBVCD, do 2º Juízo Cível do
Tribunal de Vila do Conde), em que é expropriante “B. S.A.”, e expropriados A. e
mulher C..
Efectuadas as respectivas vistorias ad perpetuam rei memoriam, procedeu-se de
seguida à arbitragem nos termos legais, na qual, por unanimidade, o valor total
da indemnização a atribuir aos expropriados foi fixado em € 27.797,00.
Por decisão de 19-4-2004 foi adjudicado à entidade expropriante o direito de
propriedade sobre ambas as parcelas de terreno supra descritas e identificadas.
Da decisão arbitral interpuseram recurso os expropriados, defendendo que as
parcelas aqui em causa, à data da DUP, valiam € 158.840,00.
O processo decorreu os seus ulteriores termos processuais e procedeu-se à
avaliação prevista nos artigos 61º e ss. do Código das Expropriações de 1999 (C.
das Exp.) tendo os peritos indicados pelo tribunal e pelos expropriados
apresentado um único laudo no qual consideraram como justa a indemnização de €
158.840.00. Pela perita da entidade expropriante foi apresentado outro laudo, no
qual indicou como valor justo o de €. 40.249,24.
Em 14-8-2006 foi proferida sentença que decidiu julgar parcialmente procedente o
recurso interposto pelos expropriados e, em consequência, fixar, a título de
indemnização a pagar pela expropriante àqueles o montante global de €
157.938,49,quantia esta a actualizar desde a data de declaração de utilidade
pública (14/02/03) até à decisão final com trânsito dos autos.
Desta sentença foi interposto recurso pela expropriante para o Tribunal da
Relação do Porto que, por acórdão de 21-1-2008, concedeu parcial provimento ao
recurso, tendo fixado a indemnização devida aos expropriados no valor de €
152.379,09.
Deste acórdão foi interposto recurso pela expropriante para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da
LTC, nos seguintes termos:
(…)
“2. No acórdão recorrido decidiu-se que podia considerar-se o jus aedificandi na
avaliação de um terreno integrado na Reserva Agrícola Nacional (RAN), ao abrigo
da parte final do nº 3 do art. 27º do Código das Expropriações (CE/99).
3. Na verdade, nele se escreveu que «(...) as expectativas resultantes do forte
desenvolvimento urbanístico da zona (...) enquadram-se “... nas circunstâncias
objectivas susceptíveis de influir no respectivo cálculo”, a que se refere tal
segmento da norma».
4. Resumindo o entendimento seguido, considerou-se que:
«Assim se valoriza o solo de acordo com o seu aproveitamento económico normal
que possuiria, abstraindo-se da condicionante imposta pelo plano municipal, sob
pena de violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade (CRP = 13º e
17º)».
5. Ora, salvos o devido respeito e melhor opinião, a tese acolhida pelo douto
acórdão é inconstitucional.
Na verdade,
6. do princípio constitucional da justa indemnização decorre, para o legislador,
a necessidade de, ao definir os respectivos critérios de cálculo, tomar em
consideração, quer a “vertente do interesse público” quer o “princípio da
igualdade de encargos” entre os cidadãos;
7. Seguindo de perto a argumentação desenvolvida no douto Acórdão do Tribunal
Constitucional nº 118/2007, dir-se-á que o princípio da igualdade se desdobra
em dois níveis de comparação: no âmbito relação interna e no domínio da relação
externa;
8. No âmbito da relação interna, o princípio da igualdade obriga o legislador a
estabelecer critérios uniformes de cálculo da indemnização, que evitem
tratamentos diferenciados entre os particulares sujeitos a expropriação.
9. No domínio da relação externa, comparam-se os expropriados com os não
expropriados, devendo a indemnização por expropriação ser fixada de tal forma
que impeça um tratamento desigual entre estes dois grupos.
10. Ora, nestes autos como naqueles em que foi proferido o citado douto Acórdão
nº 118/2007, é precisamente em relação a este domínio da relação externa que a
interpretação normativa efectuada pela decisão recorrida coloca em crise aquele
princípio:
«De facto, no caso concreto, os solos integrados na Reserva Agrícola Nacional
são expropriados exclusivamente para construção de uma via de comunicação - uma
das limitadas utilizações que, por força do interesse público, os solos
agrícolas integrados na RAN podem ter, nos termos da alínea d) do n.º 2 do
artigo 9º do Decreto-Lei n.º 196/89, de 14 de Junho.
Por outro lado, as parcelas de terreno circundante mantêm-se igualmente
integradas na RAN, também sem qualquer aptidão edificativa. Assim sendo,
considerar-se como terreno apto para construção [no caso dos autos dir-se-ia:
“como terreno com expectativas de aptidão construtiva”], como tal devendo ser
indemnizado em caso de expropriação destinada a uma das limitadas utilizações
legalmente permitidas, um terreno onde o proprietário não pode construir, por
força da sua integração na RAN, conduz não só à atribuição de uma indemnização
que não corresponde ao seu “justo valor” - para o determinar há que atender ao
valor que o bem terá num mercado onde não entrem em consideração factores
especulativos ou anómalos e o valor de um terreno integrado na RAN está,
necessariamente, condicionado pelo fim específico a que tal solo está destinado
-, mas também a uma intolerável desigualdade em relação a todos os restantes
proprietários de terrenos integrados naquela Reserva que não tenham sido
contemplados com a expropriação».
11. Na verdade, tal como se alegou no recurso de apelação interposto:
«(...) as eventuais expectativas dos expropriados de verem o seu terreno
desafectado da RAN não podem reflectir-se na justa indemnização, tal como se
decidiu, entre outros, no douto Acórdão do Tribunal Constitucional proferido em
20 de Abril de 2004 - Acórdão nº 275/2004, publicado no DR, II Série, de 8 de
Junho:
- a integração de um terreno na RAN «determina, na prática, não só a
impossibilidade de o proprietário nele vir a construir edifícios urbanos, mas
também o fim de qualquer expectativa razoável de desafectação para que tal solo
possa vir a ser destinado à construção imobiliária;
- no caso de expropriação de terrenos integrados na RAN, não há que considerar,
para efeitos de cálculo do valor da indemnização, a pagar ao expropriado,
qualquer potencialidade edificativa que não existe, nem nasce com a
expropriação».
Que essas “supostas” expectativas não podem contribuir para a determinação do
terreno, aliás, resulta da imposição expressa do art. 23º do CE/99, de que a
justa indemnização se reporte ao valor real e corrente do bem «à data da
publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as
circunstâncias e condições de facto existentes naquela data».
No dizer destes Srs. Peritos, como se referiu, apesar de estarem classificados
na RAN, «eram no entanto solos valorizados pelas expectativas resultantes do
forte desenvolvimento urbanístico da zona e pela mudança de destino que solos
com igual classificação receberam» (fls. 132).
Essas ditas “fortes expectativas” têm, no entanto, um nome: ESPECULAÇÃO».
12. Na verdade, o critério fixado no Código das Expropriações para alcançar a
compensação integral do sacrifício patrimonial infligido aos expropriados e para
garantir que estes, em comparação com outros cidadãos, não sejam tratados de
modo desigual e injusto, é o valor real e corrente do bem (art. 23º/1 do CE/99)
- também designado valor venal, valor comum ou valor de compra e venda do bem
expropriado, entendido não em sentido estrito ou rigoroso, mas sim em sentido
normativo (Neste sentido, FERNANDO ALVES CORREIA, «A Jurisprudência do Tribunal
Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública e o Código das
Expropriações de 1999», publicado na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano
132º, nº 3905 e 3906, pág. 233).
13. O valor de mercado normativamente entendido corresponde ao «valor de mercado
normal e habitual, não especulativo, isto é, um valor que se afasta, às vezes
substancialmente, do valor de mercado resultante do jogo da oferta e da procura,
já que está sujeito, frequentes vezes, a correcções, as quais são ditadas por
exigências da justiça» (Cfr. Autor e obra citados).
14. Assim, por violação dos princípios da igualdade (no âmbito da relação
externa) – consagrado no artigo 13º da CRP – e do princípio da justa
indemnização – condensado no seu art. 62º/2 – seria inconstitucional a norma
contida no nº 3 do artigo 27º do Código das Expropriações (1999), quando
interpretada no sentido de o valor dos solos integrados na RAN poder reflectir
quaisquer expectativas de construção.
15. A recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade de tal norma, nessa
interpretação, nas 1ª e 3ª conclusões do recurso de apelação interposto.
16. Pretende-se, assim, que o Tribunal Constitucional aprecie a
inconstitucionalidade da norma contida no nº 3 do artigo 27º do Código das
Expropriações (1999), quando interpretada no sentido de o valor dos solos
integrados na RAN poder reflectir quaisquer expectativas de construção.”
A recorrente apresentou alegações com as seguintes conclusões:
“1ª. Do princípio constitucional da justa indemnização decorre, para o
legislador, a necessidade de, ao definir os respectivos critérios de cálculo,
tomar em consideração, quer a “vertente do interesse público” quer o “princípio
da igualdade de encargos” entre os cidadãos;
2ª. No domínio da relação externa, comparam-se os expropriados com os não
expropriados, devendo a indemnização por expropriação ser fixada de tal forma
que impeça um tratamento desigual entre estes dois grupos.
3ª. É precisamente em relação a este domínio da relação externa que a
interpretação normativa efectuada pela decisão recorrida coloca em crise aquele
princípio, ao decidir que, na avaliação de um terreno integrado na Reserva
Agrícola Nacional (RAN) pode considerar-se o “jus aedificandi”, ao abrigo da
parte final do nº 3 do art. 27º do Código das Expropriações.
4ª. A inclusão do terreno na RAN sujeita o terreno a um único estatuto jurídico
sob o ponto de vista da sua ineptidão construtiva, em função do qual o
legislador conformou o critério que concretiza o valor da justa indemnização
exigida constitucionalmente como contrapartida da expropriação.
5ª. No caso de expropriação de terrenos integrados na RAN, não há que
considerar, para efeitos de cálculo do valor da indemnização a pagar ao
expropriado, qualquer potencialidade edificativa que não existe, nem nasce com a
expropriação.
6ª. O solo da parcela dos autos foi expropriado exclusivamente para construção
de uma via de comunicação – uma das limitadas utilizações que, por força do
interesse público, os solos agrícolas integrados na RAN podem ter, nos termos da
alínea d) do n.º 2 do artigo 9º do Decreto-Lei n.º 196/89, de 14 de Junho.
7ª. Considerar-se como terreno com expectativas de aptidão construtiva, como tal
devendo ser indemnizado em caso de expropriação destinada a uma das limitadas
utilizações legalmente permitidas, um terreno onde o proprietário não pode
construir, por força da sua integração na RAN, conduz não só à atribuição de uma
indemnização que não corresponde ao seu “justo valor” (para o determinar há que
atender ao valor que o bem terá num mercado onde não entrem em consideração
factores especulativos ou anómalos e o valor de um terreno integrado na RAN
está, necessariamente, condicionado pelo fim específico a que tal solo está
destinado), mas também a uma intolerável desigualdade em relação a todos os
restantes proprietários de terrenos integrados naquela Reserva que não tenham
sido contemplados com a expropriação.
8ª. A integração de um terreno na RAN determina, na prática, não só a
impossibilidade de o proprietário nele vir a construir edifícios urbanos, mas
também o fim de qualquer expectativa razoável de desafectação para que tal solo
possa vir a ser destinado à construção imobiliária.
9ª. O critério fixado no Código das Expropriações para alcançar a compensação
integral do sacrifício patrimonial infligido aos expropriados e para garantir
que estes, em comparação com outros cidadãos, não sejam tratados de modo
desigual e injusto, é o valor real e corrente do bem (art. 23º/1 do CE/99) -
também designado valor venal, valor comum ou valor de compra e venda do bem
expropriado, entendido não em sentido estrito ou rigoroso, mas sim em sentido
normativo;
10ª. O “valor de mercado normativamente entendido” corresponde ao «valor de
mercado normal e habitual, não especulativo, isto é, um valor que se afasta, às
vezes substancialmente, do valor de mercado resultante do jogo da oferta e da
procura.
11ª. As eventuais expectativas dos expropriados de verem o seu terreno
desafectado da RAN não podem reflectir-se na justa indemnização por imposição
expressa do nº 1 do art. 23º do Código das Expropriações, nos termos do qual a
justa indemnização deve reportar-se ao valor real e corrente do bem «à data da
publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as
circunstâncias e condições de facto existentes naquela data».
12ª. É inconstitucional a norma contida no nº 3 do artigo 27º do Código das
Expropriações (1999), quando interpretada no sentido de o valor dos solos
integrados na RAN poder reflectir quaisquer expectativas de construção, por
violação dos princípios da igualdade (no âmbito da relação externa) - consagrado
no artigo 13º da CRP - e do princípio da justa indemnização - condensado no seu
art. 62º/2.”
Contra-alegaram os expropriados, tendo concluído nos seguintes termos:
“1- O presente recurso não deverá ser admitido, impugnando-se a decisão de
admissão uma vez que a inconstitucionalidade da norma ou normas não foi
previamente invocada pela recorrente duma forma clara e objectiva.
2- A justa indemnização visa ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém
da expropriação correspondente ao valor real e corrente do bem no mercado.
3- Tal valor deve ser entendido no seu sentido normativo ou seja o valor normal
ou habitual, mas não especulativo.
4- Deve ter-se em conta as mais valias ocasionadas pela situação favorável de um
terreno, pela sua localização numa área limítrofe de construção urbana, bem
como as mais valias decorrentes do aumento do preço dos imóveis por influência
do crescimento demográfico, da evolução económica e da descentralização
industrial.
5- Todos esses factores já existiam ao tempo da declaração de utilidade pública
e não foram criadas artificialmente, nem são produto de qualquer imaginação mais
fértil.
6- Também não foi violado o princípio da igualdade uma vez que não foi utilizado
o arbítrio, não há discriminação injustificada e foi feita uma diferenciação
positiva, tratando de forma desigual situações desiguais.
7- Não foi violado o princípio da igualdade nem na sua vertente interna como
externa.
8- A vingar a tese da recorrente teríamos preços iguais no centro de Lisboa e
numa aldeia de Trás-os-Montes, uma vez que confunde igualdade com igualitarismo.
9- Como escrevia Gonçalo Capitão “Há que não ser cegos e ver a realidade que se
nos depara diante dos nossos olhos” no que se concorda como o plasmado no
Acórdão de 21/10/1989 da Relação do Porto escreveu que “com o alastramento da
cidade do Porto há uma absorção constante das zonas periféricas, pelo que só
ficticiamente estas se podem continuar a considerar rurais, passando a ser
economicamente dominadas pela mesma lei de valor que domina as áreas e zonas de
aglomerado urbano”.
10- O mesmo se diga de muitas outras cidades ou zonas do país.
11- Na justa indemnização deve-se incluir a regra da contemporaneidade da
indemnização e da justa compensação quanto ao ressarcimento dos prejuízos
causados tendo em linha de conta a natureza do solo, os rendimentos, as
culturas, os acessos, a localização e eventuais desvalorizações das partes
sobrantes.
12- Foi tendo em conta estes parâmetros que existiu concordância entre os
peritos nomeados pelo Tribunal e o indicado pela expropriada.
13- Os senhores peritos não tiveram em conta as expectativas de construção mas a
localização privilegiada que tinha o terreno em apreço, apesar de incluído na
RAN.
14- Os recorrentes não lograram fazer prova da inconstitucionalidade contida no
n.º 3 do art. 27 do Código das Expropriações (1999) por violação dos princípios
da igualdade consagrada no art. 13 da CRP e o principio da justa indemnização
condensada nos art. 62 n.º 2.
*
Fundamentação
1. Da
admissibilidade do recurso
A recorrente pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a invocação da
inconstitucionalidade da interpretação do artigo 27.º, n.º 3, do C. das Exp., no
sentido do cálculo do valor dos solos integrados na RAN poder reflectir a
existência de expectativas de construção.
Os recorridos, nas contra-alegações de recurso apresentadas, arguíram a
inadmissibilidade do recurso interposto para o Tribunal Constitucional, alegando
que a inconstitucionalidade do artigo 27.º, n.º 3, do C. das Exp., não foi
apreciada pelo acórdão recorrido, nem essa questão foi suscitada previamente
pela recorrente.
Na verdade, no recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade
interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC – como
ocorre no presente caso –, a sua admissibilidade depende da verificação
cumulativa dos requisitos de a questão de inconstitucionalidade haver sido
suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o
tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a
dela conhecer» (n.º 2, do artigo 72.º, da LTC), e de a decisão recorrida ter
feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas
de inconstitucionais pelo recorrente.
Ora, da leitura das alegações de recurso apresentadas pela expropriante perante
o Tribunal da Relação do Porto verifica-se que consta das conclusões n.º 1 a 3 o
seguinte:
“1ª As eventuais expectativas dos expropriados de verem o seu terreno
desafectado da RAN não podem reflectir-se na justa indemnização, tal como a
própria sentença concluiu e resulta do n.º 1, do artº 23.º, do CE/99.
2ª A majoração de 30% foi considerada no laudo maioritário em virtude dessas
expectativas”, determinando que entrasse no cálculo do “solo para outros fins”
uma expectativa de desafectação do terreno da RAN e seu posterior aproveitamento
construtivo.
3ª Seria inconstitucional, por violação do princípio da igualdade consagrado no
artº 13º da Constituição, a norma contida no n.º 3, do artigo 27.º do Código das
Expropriações, quando interpretada no sentido de o valor dos solos integrados na
RAN poder reflectir quaisquer expectativas de construção.”
Verifica-se, pois, que foi suscitada adequadamente a questão da
inconstitucionalidade da interpretação do n.º 3, do artigo 27.º, da C.R.P., no
sentido do cálculo da indemnização pela expropriação de solos integrados em área
RAN, poder reflectir a existência de expectativas de construção nessa zona.
E o acórdão recorrido sustentou a constitucionalidade desta interpretação
normativa quando, abordando a questão colocada, adoptou a seguinte
argumentação:
“Insurge-se a Apelante contra a consideração do jus aedificandi na avaliação de
um terreno integrado na RAN.
Efectivamente, os Peritos maioritários considerando que o solo expropriado,
apesar de inserido em área de RAN, é valorizado pelas expectativas resultantes
do forte desenvolvimento urbanístico da zona e pela mudança de destino que solos
com igual classificação receberam, acabaram por aplicar um factor que o
valorizou em mais 30%.
Pensamos que a tese maioritária encontra abrigo na parte final do nº 3, do artº.
27º, do C.Exp.
Quer dizer, as expectativas resultantes do forte desenvolvimento urbanístico da
zona (que os Peritos, aliás, ilustram com exemplos concretos como os da …, …. e
…./…) enquadram-se “... nas circunstâncias objectivas susceptíveis de influir
no respectivo cálculo.”, a que se refere tal segmento da norma.
Refere Alípio Guedes in Valorização de Bens Expropriados, p. 93, a propósito
daquele nº 3, do artº. 27º, que: “... embora na redacção esteja subjacente a
natureza agrícola ou florestal do solo, poderá haver possibilidades de
rendimentos de outra natureza... sempre que seja normal a procura desses
serviços na zona onde a parcela expropriada se insere.”
Igual entendimento se descortina, na doutrina, em F. Alves Correia (R.L.J., Ano
132º. nº 3904. de 1/11/99, p. 55), João Ferreira (C.Exprop., anot., 2ª ed.. p.
129), Luís Perestrelo de Oliveira (CE/Anot./1992/p. 95) e Pedro Elias da Costa (
Guia das Expropriações por Utilidade Pública, p. 290 e ss) e, na Jurisprudência,
nos ac.s desta Relação de 28/2/00, 28/3/00 e 10/4/00 in Sumários de
Jurisprudência Temática, Expropriações e Juros, do Tribunal da Relação do Porto,
nº 1, Ano 2001, pág.s 27, 28 e 29, respectivamente.
Assim se valoriza o solo de acordo com o seu aproveitamento económico normal que
possuiria, abstraindo-se da condicionante imposta pelo plano municipal, sob pena
de violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade (CRP = 13º e
17º).”
Foram estas considerações que fundamentaram a decisão do Tribunal da Relação do
Porto de julgar improcedente o recurso quanto à aplicação de um factor de
correcção de 1,3 ao cálculo do valor das parcelas expropriadas, segundo o seu
aproveitamento agrícola, que havia sido efectuada pela decisão da 1ª instância,
pelo que constitui ratio decidendi do acórdão recorrido a interpretação do
artigo 27.º, n.º 3, do C.Exp., no sentido de que as expectativas de construção
resultantes do forte desenvolvimento urbanístico da zona onde se localizam as
parcelas expropriadas, apesar de ser área RAN, integram-se nas circunstâncias
objectivas susceptíveis de influir no cálculo da indemnização prevista naquele
preceito.
Esta interpretação normativa sustentada na decisão recorrida como seu fundamento
está contida na questão de constitucionalidade colocada em termos mais amplos
pela recorrente a este tribunal e suscitada antes, perante o tribunal recorrido,
pelo que deve ser fiscalizada a constitucionalidade daquela interpretação,
restringindo-se assim o objecto do recurso.
2. Do mérito do recurso
2.1. Dos termos da questão
Nesta expropriação litigiosa, em sede de avaliação pericial das parcelas
expropriadas, levada a cabo nos termos do artigo 61.º, e seg., do C. das Exp.,
os peritos indicados pelo tribunal e pelos expropriados, após classificarem o
solo como apto para outros fins e calcularem o seu valor a partir do rendimento
possível de ser obtido com base na sua exploração agrícola (€ 15,44, por m2),
aplicaram-lhe um factor de valorização de 1,3, donde resultou um valor final de
€ 20,00, por m2.
Para justificar a aplicação deste factor de valorização, os referidos peritos
fizeram constar do seu relatório as seguintes considerações:
“A parcela em avaliação, numa extensão de cerca de 196 metros, tal como consta
do Auto de Vistoria “A.P.R.M.” localiza-se à margem de uma estrada, que se
desenvolve sensivelmente paralela ao ICI e que constitui um acesso rodoviário
com pavimento em macadame em mau estado. Tem 4,00 metros de largura e, nesta
estrada passa uma conduta de saneamento.
No PDM, antes do destino que lhe foi conferido pelo empreendimento que motiva a
expropriação, os solos em expropriação estavam classificados em área de Reserva
Agrícola Nacional, abrangida pela Zona de Protecção ao Itinerário Complementar
número um.
Eram no entanto, solos valorizados pelas expectativas resultantes do forte
desenvolvimento urbanístico da zona e pela mudança de destino que solos com
igual classificação receberam.
Com efeito, para além do empreendimento que motiva a expropriação, estão em
curso, numa área envolvente de cerca de 1.000 metros, diversos empreendimentos
de grande dimensão, nomeadamente o da … que ocupa uma área de cerca de 25
hectares e o do … que promoveu a urbanização de uma área superior a 45 hectares,
nos quais, grande parte dos solos ocupados possuem no PDM a mesma classificação
da parcela, ou seja são solos que estavam inseridos em área de reserva agrícola
nacional. Situação equivalente ocorreu com os solos da …, que ocupou solos em
RAN e REN.
Quanto ao empreendimento … julga-se significativo referir resumidamente no que
consiste. Do respectivo programa retira-se que se compõe de uma zona comercial
Outlet-Factory com 100 lojas, de um Retail Park com 15 lojas âncora, tipo …, …,
…, etc., de 20 cinemas multiplex, que com a evolução do projecto passaram para
24, de 30 restaurantes, de um Parque Industrial e Tecnológico, de uma zona de
Escritórios e de 4.000 lugares de estacionamento. Da urbanização relativa ao
empreendimento consta também uma zona de grande dimensão entre a linha do Metro
e a E.N. 13 destinada a habitação.
Do atrás referido, resulta realçada uma realidade por vezes esquecida, que se
consubstancia na noção de que os PDM’s, as RAN’s, as REN’s e todos os
instrumentos de gestão dos solos, são susceptíveis de serem alterados, e são-no
muitas vezes, mesmo durante os seus períodos de vigência. É importante atender
ao desenvolvimento local em cada caso concreto e à sua evolução urbana. A área
de serviço de Vila do Conde dista a Norte cerca de 150 metros de solos
classificados em área industrial, e a Sul cerca de 300 metros de solos
classificados para construção habitacional — tipo II e de solos classificados em
área industrial condicionada.
A Área de Serviço, como é sabido, destina-se ao comércio de combustíveis, lojas
de conveniência, restaurantes e outros negócios afins. Verifica-se ainda no
projecto do empreendimento que existem duas áreas de terreno com cerca de 4.150
m2 cada uma, designadas como “área de reserva”, que à semelhança do que sucede
noutros empreendimentos do mesmo tipo, devem destinar-se a futura construção de
hotéis.
Da análise dos autos retiram-se outros elementos a ter em conta, nomeadamente os
seguintes. O PDM ainda não previa a obra que justifica a expropriação, embora o
devesse ter previsto, e a construção no terreno foi autorizada pelos Serviços da
Reserva Agrícola Nacional. O Município de Vila do Conde já está a considerar a
inserção da área da expropriação para área de construção na revisão do PDM em
curso. Teve-se também em atenção a posição das partes e a jurisprudência do
Tribunal Constitucional que trata a questão da classificação do solo.
Da análise de toda a informação colhida, considerando a legislação aplicável e
tendo também em atenção a posição das partes e jurisprudência do Tribunal
Constitucional que trata a questão da classificação do solo, suscitaram-se aos
peritos dúvidas jurídicas quanto a esta questão, tanto mais que o prédio tem
acesso rodoviário. Socorremo-nos aqui do ensinamento do Dr. Osvaldo Gomes na sua
obra “Expropriações por Utilidade Pública”, na página 205, edição da Texto
Editora. O citado autor refere que, uma vez que a lei manda atender além do
rendimento efectivo possível e a outras circunstâncias objectivas susceptíveis
de influírem no respectivo cálculo (artigo 27° n.° 3, in fine), “Nestas
situações, e embora o terreno em causa não possa ser classificado como solo apto
para construção , e a seguir: “Trata-se, de circunstâncias objectivas
susceptíveis de influírem no valor dos terrenos e que têm necessariamente de
ser consideradas”.
Optou-se por avaliar o solo como para outros fins, considerando-se que o valor
do terreno calculado a partir do rendimento possível de ser obtido com base na
exploração agrícola do solo, deve ser objecto de uma correcção, através da
aplicação de um factor que conduza ao valor real e corrente do solo à data da
DUP. Só assim se fixará a justa indemnização, já que daquele cálculo resultará
inevitavelmente um valor aquém do valor venal do terreno.”
A sentença proferida na 1ª instância apesar de referir que “as alegadas
expectativas a uma futura alteração do PDM de Vila do Conde no sentido da
consagração da aptidão edificativa da parcela expropriada não podem influir no
cálculo da justa indemnização, já que não passam de meras especulações, não
consubstanciando qualquer circunstância ou condição objectiva da parcela à data
da DUP”, aceitou, sem quaisquer considerações justificativas, a aplicação do
factor de correcção proposto pela maioria dos peritos.
Interposto recurso pela expropriante, onde se alertou para a referida
contradição da fundamentação da sentença recorrida, o acórdão do Tribunal da
Relação do Porto que recaiu sobre este recurso considerou provados, além do
mais, os seguintes factos:
“(…)
8 – Tais solos estavam no estando “valorizados pelas expectativas resultantes do
forte desenvolvimento urbanístico da zona e pela mudança de destino que solos
com igual classificação receberam”.
9 – Numa área envolvente de cerca de 1.000 m2 estão em curso diversos
empreendimentos de grande dimensão, nomeadamente o da ... (com uma área de cerca
de 25 hectares) e o da … (que promoveu a urbanização com uma área superior a 45
hectares, da qual consta ainda uma zona de grande dimensão entre a linha do
Metro e a EN13 destinada a habitação), nos quais, grande parte dos solos
ocupados possuem no PDM a mesma classificação da parcela aqui em causa. Situação
equivalente ocorreu com os solos da …, que ocupou solos em RAN e REN.
10 – A área de serviço de Vila do Conde dista a Norte cerca de 150 m de solos
classificados em área industrial e a Sul cerca de 300 m de solos classificados
para construção habitacional tipo II e de solos classificados em área industrial
condicionada.
11 – A área de serviço destina-se ao comércio de combustíveis, lojas de
conveniência, restaurantes e outros negócios afins.
12 – No projecto do empreendimento existem duas áreas de terreno com cerca de
4.150 m2 cada uma, designadas como “área de reserva” que podem destinar-se à
futura construção de hotéis.
13 – O Município de Vila do Conde encontra-se a considerar a inserção da área da
expropriação para área de construção na revisão do PDM em curso.
(…)”
E, tendo em consideração estes factos, relativamente à questão da aplicação do
mencionado factor de correcção no cálculo da indemnização devida pelo acto
expropriativo, concordou com essa aplicação, por entender que entre as
circunstâncias a ponderar no cálculo do valor de um solo integrado na RAN, nos
termos do n.º 3, do artigo 27.º, do C. das Exp., pode incluir-se a existência de
expectativas de construção na zona onde se situam as parcelas expropriadas,
resultantes do forte desenvolvimento urbanístico da zona onde se localizam as
parcelas expropriadas.
É esta interpretação cuja constitucionalidade cumpre verificar.
Os critérios usados pelos tribunais no cálculo da indemnização devida pela
expropriação de solos situados em zonas de utilização condicionada, por
determinação legal, como sucede com as áreas RAN (Reserva Agrícola Nacional),
têm sido objecto de frequentes acusações de violação dos princípios
constitucionais aplicáveis nesta matéria, o que tem exigido a intervenção do
Tribunal Constitucional.
Além da questão da relevância do tipo de aproveitamento do solo visado com o
acto expropriativo na definição dos critérios de cálculo da indemnização devida
pela expropriação (vide, entre outros, os acórdãos do Tribunal Constitucional
n.º 267/97, 20/2000, 247/2000, 243/2001, 121/2002, 219/2001, 155/2002, 172/2002,
245/2003, 333/2003, 346/2003, 347/2003, 557/2003, 275/2004 642/2004, 398/2005,
238/2007, 276/07, 337/2007, todos acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt),
o Tribunal Constitucional também tem apreciado a constitucionalidade dos
critérios de cálculo da indemnização por expropriação de solos integrados em
zonas em que a edificação é proibida, mas que reúnem os requisitos legais da sua
aptidão para a construção e foram adquiridos em data anterior à sua integração
naquelas zonas de utilização condicionada (vide, entre outros, os acórdãos do
Tribunal Constitucional n.º 275/04, 114/05, 145/05, 398/05, 417/06, 118/07,
234/07, 239/07 e 469/07, igualmente acessíveis em
www.tribunalconstitucional.pt).
A questão de constitucionalidade que é colocada neste recurso, apesar de ser
vizinha das que foram apreciadas nos recursos sobre os quais recaíram os
acórdãos acima citados, é uma questão nova.
Aqui não se discute se a finalidade do acto expropriativo, ou o facto do solo
expropriado ter aptidão edificativa e ter sido adquirido em data anterior à sua
integração em zona de utilização condicionada, podem ou devem influir nos
critérios de cálculo da indemnização a arbitrar pela expropriação, mas sim se
entre as circunstâncias a ponderar no cálculo da indemnização pela expropriação
de um solo integrado em área RAN, nos termos do n.º 3, do artigo 27.º, do
C.Exp., pode incluir-se a existência de expectativas de construção, resultantes
do forte desenvolvimento urbanístico da zona onde se localizam as parcelas
expropriadas.
A recorrente acusa esta interpretação de violar o princípio da justa
indemnização, consagrado no artigo 62.º, n.º 2, da C.R.P., e o princípio da
igualdade consagrado no artigo 13.º, da C.R.P., entre expropriados e
não-expropriados.
2.2. Do princípio da justa indemnização
O artº 62.º, n.º 2, da C.R.P., determina que a expropriação por utilidade
pública só pode ser efectuada mediante o pagamento de justa indemnização.
Apesar da Constituição ter remetido para o legislador ordinário a fixação dos
critérios conducentes à fixação da indemnização por expropriação, ao exigir que
esta seja “justa”, impõe a observância dos seus princípios materiais da
igualdade e proporcionalidade, assim como do direito geral à reparação dos
danos, como corolário do Estado de direito democrático (artigo 2.º, da C.R.P.).
Em termos gerais e utilizando definição comum à jurisprudência deste Tribunal,
poder-se-á dizer que a “justa indemnização” há-de tomar como ponto de referência
o valor adequado que permita ressarcir o expropriado da perda do bem que lhe
pertencia, com respeito pelo princípio da equivalência de valores. O valor
pecuniário arbitrado, a título de indemnização, deve ter como referência o valor
real do bem expropriado.
Ora, o critério geral de valorização dos bens expropriados, como medida do
ressarcimento do prejuízo sofrido pelo expropriado, numa sociedade de economia
de mercado como a nossa, é o do seu valor corrente, ou seja o seu valor venal ou
de mercado, numa situação de normalidade económica.
Como escreveu ALVES CORREIA “… a indemnização calculada de acordo com o valor de
mercado, isto é, com base na quantia que teria sido paga pelo bem expropriado se
este tivesse sido objecto de um livre contrato de compra e venda, é aquela que
está em melhores condições de compensar integralmente o sacrifício patrimonial
do expropriado e de garantir que este, em comparação com outros cidadãos não
expropriados, não seja tratado de modo desigual e injusto” (em “O plano
urbanístico e o princípio da igualdade”, pág. 546, da ed. de 1989, da Almedina).
Apesar deste valor de mercado não poder atender a situações especulativas e
poder sofrer algumas correcções impostas por razões de justiça que visam evitar
enriquecimentos injustificados (vide, por exemplo as correcções impostas nas
alíneas do n.º 2, e o n.º 3, do artº 23.º, do Cód. das Exp.), donde resultará um
“valor de mercado normativo”, é ele que deve constituir o critério referencial
determinante da avaliação dos bens expropriados para o efeito de fixação da
respectiva indemnização a receber pelos expropriados.
Foi este o critério geral que foi adoptado pelo legislador ordinário no C. das
Exp.:
“Artigo 23.º (Justa indemnização)
1 – A justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade
expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da
expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu
destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da
publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as
circunstâncias e condições de facto existentes naquela data.
…
5 – Sem prejuízo do disposto nos n. 2 e 3 do presente artigo, o valor dos bens
calculado de acordo com os critérios referenciais constantes dos artigos 26º e
seguintes deve corresponder ao valor real e corrente dos mesmos, numa situação
normal de mercado, podendo a entidade expropriante e o expropriado, quando tal
se não verifique, requerer ou o tribunal decidir oficiosamente, que na
avaliação sejam atendidos outros critérios para alcançar aquele valor.
Procurando evitar alguma subjectividade na determinação deste valor, o
legislador fixou critérios valorativos instrumentais, relativamente a vários
tipos de bens expropriados.
Assim, quanto aos prédios que se considerem que são aptos para fim diverso da
construção dispôs o seguinte:
Artigo 27º - (Cálculo do valor do solo para outros fins)
1 – O valor do solo apto para outros fins será o resultante da média aritmética
actualizada entre os preços unitários de aquisições ou avaliações fiscais que
corrijam os valores declarados efectuadas na mesma freguesia e nas freguesias
limítrofes nos três anos, de entre os últimos cinco, com média anual mais
elevada, relativamente a prédios com idênticas características, atendendo aos
parâmetros fixados em instrumento de planeamento territorial e à sua aptidão
específica.
2 – Para os efeitos previstos no número anterior, os serviços competentes do
Ministério das Finanças deverão fornecer, a solicitação da entidade
expropriante, a lista das transacções e das avaliações fiscais que corrijam os
valores declarados efectuadas na zona e os respectivos valores.
3 – Caso não se revele possível aplicar o critério estabelecido no nº 1, por
falta de elementos, o valor do solo para outros fins será calculado tendo em
atenção os seus rendimentos efectivo ou possível no estado existente à data da
declaração de utilidade pública, a natureza do solo e do subsolo, a configuração
do terreno e as condições de acesso, as culturas predominantes e o clima da
região, os frutos pendentes e outras circunstâncias objectivas susceptíveis de
influir no respectivo cálculo.
Deste preceito resulta que, relativamente aos “solos aptos para outros fins”, o
que abrange as parcelas de prédios rústicos que não se destinem à construção,
adoptou-se como critério instrumental preferencial o cálculo aritmético do
valor médio actualizado entre os preços unitários das aquisições ou avaliações
fiscais que corrijam os valores declarados, efectuados na mesma freguesia, ou
nas freguesias limítrofes nos 3 anos, de entre os últimos 5, com média anual
mais elevada, relativamente a prédios com idênticas características, atendendo
aos parâmetros fixados em instrumento de planeamento territorial e à sua aptidão
específica (artigo 27.º, n.º 1, do C. das Exp.).
Mas, no caso de não poder ser aplicado este critério por falta de elementos, o
que ocorre por sistema, como já previa PEDRO ELIAS DA COSTA (em “Guia das
expropriações por utilidade pública”, pág. 310, da ed. de 2003, da Almedina), o
valor de mercado será encontrado, por aplicação de um segundo critério
instrumental subsidiário complexo que ponderará, em conjunto, os seguintes
elementos do terreno expropriado: os seus rendimentos efectivo ou possível no
estado existente à data da declaração de utilidade pública, a natureza do solo e
do subsolo, a configuração do terreno e as condições de acesso, as culturas
predominantes e o clima da região, os frutos pendentes e ainda quaisquer outras
circunstâncias objectivas susceptíveis de influir no respectivo cálculo (artigo
27.º, n.º 3, do C. das Exp.).
Será que a inclusão entre as circunstâncias susceptíveis de serem ponderadas no
cálculo do valor da indemnização devida pela expropriação de um terreno, da
existência de expectativas de construção em terreno situado em zona RAN,
resultantes do forte desenvolvimento urbanístico da zona onde se localizam as
parcelas expropriadas, inviabiliza que o resultado dessa ponderação seja um
valor justo, na acepção constitucional acima enunciada ?
Note-se que não compete a este Tribunal ajuizar da correcção
infra-constitucional da integração deste elemento na cláusula geral constante da
parte final do n.º 3, do artigo 27.º, do C. das Exp., nem da valoração da
matéria de facto apurada no que respeita à legitimidade ou solidez das referidas
expectativas de construção. Ao Tribunal Constitucional apenas cumpre verificar
se a ponderação deste tipo de expectativas no cálculo da indemnização de um
terreno integrado em área RAN contraria a exigência constitucional de que a
indemnização pela expropriação por utilidade pública desse terreno deve ser
justa.
A Reserva Agrícola Nacional (RAN), como se define no artigo 3.º, do Decreto-Lei
nº 196/89, de 14 de Junho (diploma que estabelece o seu regime jurídico) é o
conjunto das áreas que, em virtude das suas características morfológicas,
climatéricas e sociais, maiores potencialidades apresentam para a produção de
bens agrícolas. Estas áreas são identificadas na carta da RAN, a publicar por
Portaria do Ministério com competência na execução da política agrícola (artigo
5.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 196/89, de 14 de Junho).
Segundo o preâmbulo daquele diploma, é a defesa, que se pretende mais eficaz,
das áreas constituídas por solos de maiores potencialidades agrícolas, ou por
terem sido objecto de importantes investimentos destinados a aumentar a
capacidade produtiva dos mesmos, com a consequente melhoria das condições
sócio-económicas das populações, que a ela se dedicam, que justifica a
afectação de certos terrenos à RAN.
Ali se pode ler:
'Mas se a defesa dessas áreas das agressões várias de que têm sido objecto ao
longo do tempo, designadamente de natureza urbanística constitui uma vertente
fundamental da política agrícola, não é menos verdade que, por si só, é
insuficiente para garantir a afectação das mesmas à agricultura - objectivo
que, em última análise se pretende conseguir'.
Daí que, nos termos do artigo 8º, n.º 1, a) deste diploma, “os solos da RAN
devem ser exclusivamente afectos à agricultura, sendo proibidas todas as acções
que diminuam ou destruam as suas potencialidades agrícolas, designadamente as
seguintes:
a) Obras hidráulicas, vias de comunicação e acessos, construção de edifícios,
aterros e escavações…”
Sendo esse o objectivo do diploma, não deixou ele, porém, de estabelecer algumas
excepções à exclusividade da afectação desses terrenos à agricultura. E, entre
elas, conta-se a utilização de solos integrados na RAN para vias de
comunicação, seus acessos e outros empreendimentos ou construções de interesse
público, desde que não haja alternativa técnica economicamente aceitável para o
seu traçado ou localização (artigo 9.º, n.º 2, d), do Decreto-lei n.º 196/89, de
14 de Junho).
Daqui resulta que a proibição de construir nos referidos solos não é absoluta,
podendo a mesma ser autorizada nestes casos de interesse público.
Além disso, sempre poderá verificar-se uma desafectação dos terrenos integrados
em área RAN, nomeadamente quando se verifique supervenientemente uma das
situações referidas nas alíneas a) e b), do artigo 7.º, do Decreto-lei n.º
196/89, de 14 de Junho.
Considerando a existência destas possibilidades de um terreno situado em área
RAN ser utilizado para construção, podem existir expectativas, alicerçadas em
determinada factualidade, de que aí venha a ser autorizada a realização de
construções.
Ora, a possibilidade de construção, é um elemento de forte valorização
fundiária.
Na verdade, na formação dos preços numa economia de mercado, as expectativas
relativas a acontecimentos futuros são determinantes do comportamento dos
agentes económicos, pelo que constituem um elemento imprescindível na
determinação do valor dos bens, o que, aliás, é especialmente relevante na
formação dos preços da propriedade imobiliária, relativamente às possíveis
alterações do estatuto fundiário, através da projecção de futuras
possibilidades de construção em solo em que actualmente é relativamente proibida
essa utilização.
Não estamos aqui perante uma valorização de um qualquer fenómeno especulativo,
resultante de um aumento artificial dos preços que não corresponde ao valor
corrente de mercado, em situação de normalidade, mas sim perante a consideração
de reais expectativas que não podem deixar de influir na determinação daquele
valor corrente, pelas potencialidades que conferem ao imóvel.
Influindo essas expectativas na determinação do valor corrente de mercado de um
imóvel, em situação de normalidade, e sendo este o valor de referência do
conceito constitucional de uma justa indemnização, constante do artigo 62.º, n.º
2, da C.R.P., a ponderação dessas expectativas no cálculo da indemnização pela
expropriação de um solo classificado como apto para fim diferente da construção
não é, de modo algum, ofensiva daquele princípio.
2.3. Do princípio da igualdade
A recorrente também invoca que a ponderação das referidas expectativas viola o
princípio da igualdade entre expropriados e não-expropriados.
Sem razão óbvia, atento o raciocínio acima explanado, a propósito do princípio
da justa indemnização.
Na verdade, influindo essas expectativas no valor de terrenos inseridos na área
RAN, elas repercutem-se independentemente dos mesmos serem ou não objecto de
expropriação, pelo que ao pagar-se o valor de uma indemnização, por
expropriação, em que se reflectiu a ponderação dessas expectativas, o valor pago
é exactamente o mesmo que tem um imóvel, em idêntica situação, que não foi
objecto de expropriação.
A interpretação questionada do artigo 27.º, n.º 3, do C. das Exp., não viola,
pois, o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º, da C.R.P..
3. Conclusão
Não se verificando que a interpretação normativa segundo a qual entre as
circunstâncias a ponderar no cálculo do valor de um solo integrado na RAN, nos
termos do n.º 3, do artigo 27.º, do C. das Exp., se pode incluir a existência de
expectativas de construção, resultantes do forte desenvolvimento urbanístico da
zona onde se localizam as parcelas expropriadas, viole o disposto nos artigos
62.º, n.º 2, e 13.º, da C.R.P., nem qualquer outro parâmetro constitucional,
deve o recurso interposto ser julgado improcedente.
*
Decisão
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso interposto para o Tribunal
Constitucional por “B., S.A.” do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de
21-1-2008.
*
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta,
tendo em consideração os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do
Decreto-lei n.º 303/98, de 11 de Outubro (artigo 6.º, n.º 1, do mesmo diploma).
Lisboa, 31 de Julho de 2008
João Cura Mariano
Joaquim de Sousa Ribeiro
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel de Moura Ramos