Imprimir acórdão
Processo n.º 388/08
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos
do Supremo Tribunal Administrativo, em que são recorrentes A. e Outro e
recorrida EP – Estradas de Portugal, EPE, o relator proferiu decisão sumária de
não conhecimento do objecto do recurso, com os seguintes fundamentos:
«[…] 3. O recurso vem interposto do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo,
de 27.02.2008, que não admitiu o recurso, interposto pelos ora recorrentes, do
acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte que, confirmando uma sentença
do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, julgou procedente a excepção de
prescrição numa acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, que os
recorrentes haviam intentado contra a recorrida.
No acórdão recorrido, o Supremo julgou não verificados os fundamentos do artigo
150.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), que
prevê o recurso de revista excepcional e, consequentemente, não admitiu o
recurso.
4. O presente recurso de constitucionalidade, interposto ao abrigo da alínea b)
do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, não reúne as condições necessárias ao
conhecimento do seu objecto.
Primeiro, porque os recorrentes não deram cumprimento ao convite ao
aperfeiçoamento que lhes foi dirigido, continuando a não indicar a interpretação
normativa alegadamente feita na decisão recorrida e que reputam inconstitucional
(e ilegal).
Segundo, ainda que assim não fosse, o certo é que os recorrentes não suscitaram
perante o tribunal recorrido, assim como não o fazem agora, qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa reportada ao artigo 150.º do CPTA, pois não
enunciam qual a dimensão normativa do preceito (ou seja, independente da
subsunção da norma ao caso concreto), alegadamente adoptada na decisão
recorrida.
5. Pelo exposto, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decide-se não
conhecer do objecto do recurso. […]»
2. Notificado da decisão, o primeiro recorrente veio reclamar para a
conferência, ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, invocando o seguinte:
«[…] Salvo melhor entendimento, a questão suscitada em sede de Recurso para esse
Tribunal, insere-se na questão já largamente admitida do Tribunal Constitucional
tutelar a evitabilidade das decisões surpresa. De facto, o processo sub-judice
decorreu dentro dos limites da legalidade constitucional até que chegou ao TCAN.
Aqui, naturalmente, chegava-se, em princípio, ao patamar da hierarquia dos
Tribunais Administrativos Portugueses, onde a questão de fundo deveria, a favor
ou contra o interesse do Recorrente, ser decidida. Recordando-se, a questão de
direito implícita nos Autos era a da qualificação jurídica não a apreciação da
excepção da prescrição outrossim a propósito de uma errada perspectivação
adjectiva da pretensão dos AA. Estes jamais suscitaram a questão da
Responsabilidade Civil, ao contrário e como se alegou em sede de Recurso para o
TCAN, os AA, peticionaram a condenação da R. na prática de Actos, cuja omissão
implicaria a violação directa de normas constitucionais previstos nos artigos
25°, 26° e 62° da CRP. Ora Exmos Conselheiros essa questão foi de facto
suscitada, não se entende pois que agora se diga que esse problema não foi
alegado. Esta é a questão fundamental, a decidir, ou seja a decisão proferido
pelo STA, que em primeira análise não admite o Recurso violando duplamente o
normativo constitucional. Tese que Exmo Senhor Conselheiro Relator desse
Tribunal continua a perfilhar. Há uma questão de base que nenhum Tribunal se
dignou analisar. Daí a primeira inconstitucionalidade. Mas se tal não bastasse,
o próprio STA, continua, apesar de alegado seguiu na esteira dos Tribunais
hierarquicamente inferiores. Debruça-se sobre a prescrição e insiste em fazer
tábua rasa do pedido formulado. Ora, quando a DECISÃO SUMÁRIA, continua neste
mesmo caminho, é verdadeiramente denegada a justiça, levando essa denegação,
indirectamente à própria legalização do “non facere” da entidade Recorrida, que
clara e objectivamente põe em causa, não só os interesses dos Recorrentes, mas
também da própria segurança estrada, ou seja estão postos em causa valores da
vida social e tão só direitos individuais. Se os acessos à propriedade estão
construídos pela entidade recorrida de tal modo que, a vida, a integridade
física dos utilizadores estraduais são postos em causa naturalmente que estariam
preenchidos os requisitos para que o STA, se pronunciasse. Tal não sucedeu.
Acresce ainda que ao contrário do afirmado na DECISÃO SUMÁRIA entende o
Reclamante que com o seu Requerimento, deu cumprimento ao ordenado ao abrigo do
disposto do artigo 75°, 1, 2, LTC. Aliás apenas se proclama e não se fundamenta
por que razão se entende que o convite não foi preenchido.
Sendo estas as questões substantivas do Recurso apresentado, largamente
expendidos no Requerimento feito a convite do Exmo Senhor Conselheiro Relator
desse Tribunal, com a devida vénia jurídica, parecem que estar preenchidos os
Requisitos para o Julgamento do Recurso, não se aceitando o afirmado na página 2
da DECISÃO SUMÁRIA.
Nestes termos se conclui pelo preenchimento dos requisitos “ad substantiam” para
o conhecimento do objecto do recurso. [...]»
3. A recorrida respondeu nos termos seguintes:
«[…] Conforme já expendido ao longo do processado e que por razões de economia
processual ora se escusa reproduzir, bem decidiu o Ex.mo Juiz Conselheiro
Relator ao não conhecer do objecto do recurso ao abrigo do n.° 1 do art.° 78°-A
da LTC.
Da posição assumida pelos recorrentes salvo o devido respeito por outra e melhor
opinião, não se vislumbra, tal como bem concluiu a Douta decisão sumária ora
posta em crise qual interpretação normativa alegadamente feita na decisão
recorrida e que consideram inconstitucional (e ilegal),
Nem, tão pouco, como também concluiu a antedita decisão os recorrentes
suscitaram perante o tribunal recorrido, qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa reportada ao art.° 150º do CPTA, pois não
enunciam qual a dimensão normativa do preceito (ou seja, independente da
subsunção da norma ao caso concreto), alegadamente adoptada na decisão recorrida
Motivo que levou, e no nosso modesto entender muito bem, a que não se conhecesse
do objecto do recurso.
Ora, o objecto da fiscalização concreta da constitucionalidade são as normas do
ordenamento ordinário e não actos do poder público, como por exemplo as decisões
judiciais (cfr. Ac. N.° 657/2005 desse Douto Tribunal).
Para além do que, um dos requisitos da aplicação da al. b) do n.° 1 do art. 70.º
da LTC, será o de submeter à apreciação desse Tribuna) a desconformidade com a
Lei Fundamental de uma norma aplicada numa decisão judicial, desde que tal
desconformidade tenha tido oportunidade de ser ponderada pelo o tribunal a quo.
Ora, tal não se verificou no acaso em apreço, porquanto os reclamantes não
suscitaram durante o processo e em termos processualmente adequados qualquer
questão de inconstitucionalidade normativa idónea para suportar o recurso
interposto.
Razão pela qual, não deve a reclamação a que ora se responde ser admitida, nem
tão pouco proceder. […]»
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. A decisão sumária reclamada pronunciou-se no sentido do não conhecimento do
objecto do recurso, com fundamento, por um lado, no incumprimento do convite ao
aperfeiçoamento do requerimento de interposição do recurso e, por outro, na não
suscitação de uma questão de constitucionalidade normativa idónea a constituir
objecto do recurso de constitucionalidade.
A reclamação apresentada não infirma esta conclusão.
Resulta evidente da respectiva leitura que a resposta ao convite ao
aperfeiçoamento (fls. 251 dos autos) não esclarece qual a interpretação
normativa do artigo 150.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais
Administrativos (CPTA), alegadamente feita pelo tribunal recorrido e que os
recorrentes reputam inconstitucional.
Além disso, e sem prejuízo, os recorrentes nunca suscitaram perante o tribunal
recorrido nem enunciaram no recurso de constitucionalidade, qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa reportada ao artigo 150.º, n.º 1, do CPTA.
Como se confirma pelo teor da reclamação, o que o reclamante pretende ver
sindicado é o próprio acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que, aplicando
os critérios previstos no artigo 150.º, n.º 1, do CPTA, ao caso sub judicio,
decidiu não admitir o recurso de revista.
Ora, o controlo exercido pelo Tribunal Constitucional tem natureza estritamente
normativa, apenas podendo incidir sobre o resultado interpretativo de
determinada norma, não podendo incidir sobre o juízo subsuntivo de aplicação da
norma ao caso concreto, como aqui acontece.
Termos em que se conclui pela manifesta improcedência da reclamação
III. Decisão
Pelo exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 23 de Setembro de 2008
Joaquim de Sousa Ribeiro
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos