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Processo n.º 606/08
2ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
Nos presentes autos de expropriação por utilidade pública em que é expropriante
E.P. —Estradas de Portugal, E.P.E., e expropriados A. e B., foi expropriada uma
parcela de terreno com o número 30, com a área de 19 m2, a destacar de um prédio
sito no Lugar de …, freguesia de Alfena, concelho de Valongo, com a área total
de 884,19 m2, omisso na matriz predial rústica, com a inscrição F-l, G-2 e F-2,
e descrito na Conservatória do Registo Predial de Valongo, freguesia de Alfena,
sob o n. 04077/20020724.
A entidade expropriante entrou na posse administrativa da parcela e realizou-se
uma arbitragem que, avaliando a parcela expropriada, considerou por unanimidade
que a justa indemnização a atribuir aos expropriados à data da declaração de
utilidade pública era de €. 1.146,27.
Uma vez remetido o processo ao Tribunal Judicial de Valongo (n.º 2657/05.7TBVLG,
do 1º juízo), foi proferida em 5 de Maio de 2005 sentença adjudicatória, a qual
adjudicou à entidade expropriante a propriedade e posse da aludida parcela.
Inconformados com a decisão arbitral, vieram os expropriados recorrer da mesma.
Foi proferida sentença em 13-9-2007 que julgou o recurso parcialmente
procedente, tendo fixado a indemnização a pagar pela expropriante aos
expropriados em €. 1.206,50.
Os expropriados recorreram desta sentença, tendo o Tribunal da Relação do Porto,
por acórdão proferido em 27-5-2008, concedido parcial provimento ao recurso,
fixando a indemnização devida em €. 1.685,16.
Desta decisão recorrem os expropriados para o Tribunal Constitucional, ao abrigo
do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, nos seguintes
termos:
“O acórdão da Relação do Porto em causa fixou a indemnização devida em
88,69€/m2.
A fundamentação legal do acórdão baseia-se no disposto no artigo no artigo 26.°,
n.° 4 e seguintes do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.° 168/99, de
18 de Setembro, bem como no disposto na Portaria n.° 311/2003, de 14 de Abril e
no disposto nos art.°s 5º, n.° 2 e 6.° da LBA.
Os expropriados, nas suas alegações de recurso interposto para o Venerando
Tribunal da Relação do Porto, alegou que a sentença recorrida, ao sustentar o
entendimento sufragado pelo peritos nomeados pelo tribunal e pela entidade
expropriante, violava o disposto no artigo 62°, da Constituição da República
Portuguesa (bem como o at° 1310°, do Código Civil e o art.° 23, do Código das
Expropriações), que, numa correcta interpretação e aplicação impunha que se
sufragasse a posição sustentada pelo perito indicado pelos expropriados e se
fixasse o valor da indemnização devida pela parcela expropriada de acordo com o
respectivo valor comum e corrente de mercado, isto é, em 199,52€/m2.
E isso, atendendo a que nos autos se encontravam juntos elementos documentais
suficientes e que faziam prova plena, tais como as certidões ou cópias de
escrituras públicas de compra e venda de lotes de terreno inseridos na mesma
operação de loteamento e numa outra operação de loteamento contígua e cópia
autenticada de um Projecto do Relatório da Acção Inspectiva, datado de 7 de
Dezembro de 2005, que para efeitos de tributação fixou o Valor de 199,52€/m2
para os Vários lotes de terreno para construção resultantes da operação de
loteamento em que se insere o lote sobre o qual foi destacada a parcela
expropriada.
Sem prescindir, alegaram ainda os expropriados nas alegações de recurso para
esta Veneranda Relação, que, ainda que se seguisse o critério de cálculo para
apuramento do valor da parcela expropriada seguido pelos peritos indicados pelo
tribunal e pela entidade expropriante (art.° 26.°, n.°s 1, 5 e seguintes do
Código das Expropriações), os valores e o resultado a atender deveriam ser os
sustentados pelo perito indicado pelos expropriados, que fixam a indemnização a
atribuir em 157,38€/m2, por serem os que mais se aproximam dos valores correntes
e de mercado do bem expropriado, e atento o disposto no art.° 23°, n.° 5, do
Código das Expropriações, aplicável “ex vi” o disposto no artigo 26°, n.° 1 — in
fine -, do Código das Expropriações, segundo o qual “Sem prejuízo do disposto
nos n.°s 2 e 3 do presente artigo, o valor dos bens calculado de acordo com os
critérios referenciais constantes dos artigos 26.° e seguintes deve corresponder
ao valor real e corrente dos mesmos, numa situação normal de mercado(...)”.
E que, a sentença recorrida, ao sufragar a avaliação sustentada pelo peritos
indicados pelo tribunal e pela entidade expropriante, viola o disposto nos
artigos 62.°, da Constituição da República Portuguesa, 1310°, do Código Civil,
23°, n.° 1, 26.° e 23°, n.° 5, do Código das Expropriações, que numa correcta
interpretação e aplicação impunham que se sufragasse a avaliação sustentada pelo
perito indicado pelos expropriados.
Conforme sustentado no Ac. Constitucional n.° 50/90, in DR I-A, de 30/3/90, a
justa indemnização há-de corresponder ao valor adequado que permita ressarcir o
expropriado da perda que a transferência do bem lhe acarreta, devendo ter-se em
atenção a necessidade de respeitar o Pr. da Equivalência de Valores: nem a
indemnização deve ser tão reduzida que o seu montante a torne irrisória ou
meramente simbólica, nem, por outro lado, nela deve atender-se a quaisquer
valores especulativos ou ficcionados, por forma a distorcer, positiva ou
negativamente, a necessária proporção que deve existir entre as consequências da
expropriação e a sua reparação.
O acórdão da Relação ao fixar o valor indemnizatório em 1.685,16€, isto é, em
88,69€ por metro quadrado, fez errada interpretação e errada aplicação do
disposto nos artigos 1310°, do Código Civil, 23.°, n.° 1, 26.° e 23.°, n.° 5, do
Código das Expropriações, e violou o disposto no artigo 62.°, da Constituição da
República Portuguesa, uma vez que, a errada interpretação e aplicação dos
referidos preceitos legais, conduziu à fixação de um valor de indemnização
completamente irrisório atento o valor de mercado do bem à data de publicação da
DUP, que, atentas as transacções comerciais de lotes integrados na mesma
operação de loteamento e numa operação de loteamento contígua, e ainda o
Projecto do Relatório da Acção Inspectiva, datado de 7 de Dezembro de 2005,
ascendia a 199,52€. A que acresce o facto do valor indemnizatório fixado no
acórdão recorrido ser inferior ao valor do custo suportado pelos expropriados
pela aquisição, em 7 de Novembro de 2002, do lote de terreno sobre o qual foi
destacada a parcela expropriada, que, conforme decorre da matéria de facto
provada, ascendeu a 136,66€ por metro quadrado.
Peto que, não se podendo conformar com o douto aresto que procedeu à errada
interpretação e aplicação das aludidas normas, interpretando-as e aplicando-as
de forma manifestamente inconstitucional, vêm interpor recurso do mesmo para o
Tribunal Constitucional, para o que se indica, destarte e nos termos do art.°
75°-A, da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro, o seguinte:
A) O presente recurso é interposto ao abrigo da alínea b), do n.° 1, do art.°
70.º, da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro;
B) Pretende-se que o tribunal aprecie a inconstitucionalidade da interpretação e
aplicação do art.° 26°, n.° 4 e seguintes do Código das Expropriações, aprovado
pela Lei n.° 168/99, de 18/09, bem como do disposto na Portaria n.° 311/2003,
de 14/04 e do disposto nos art.°s 5º, n.° 2 e 6°, da LBA, na medida em que, por
força da interpretação e aplicação dos referidos preceitos e diplomas legais, se
admite a fixação da indemnização em valor manifestamente irrisório, inferior e
desproporcional ao valor corrente e de mercado que o bem expropriado tem na
livre concorrência, considerando o valor que no mercado atingem as coisas
equivalentes, atento o valor que para efeitos fiscais foi fixado pela
Administração para a respectiva tributação e os valores declarados nas
escrituras públicas de compra e venda de lotes da mesma operação de loteamento e
de outra operação de loteamento contígua, antes da publicação da DUP, bem como,
permitiu, ainda, fixar a indemnização em valor manifestamente irrisório,
inferior e desproporcional (cerca de metade) do correlativo valor de custo de
aquisição suportado pelos expropriados pela compra do lote sobre o qual foi
destacada a parcela expropriada em data anterior à da publicação da DUP.
C) Foi violado o Pr. Constitucional da Justa Indemnização e o art.° 62.° da
Constituição da República Portuguesa;
D) A questão da inconstitucionalidade foi expressamente suscitada nas alegações
do recurso de apelação interposto para este Venerando Tribunal da Relação do
Porto.”
Foi proferida decisão sumária em 28-7-2008 de não conhecimento do recurso, com a
seguinte fundamentação:
“No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência
atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se ao controlo da
inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade
constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas
(hipótese em que o recorrente deve indicar, com clareza e precisão, qual o
sentido da interpretação que reputa inconstitucional), e já não das questões de
inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões judiciais, em si
mesmas consideradas.
A distinção entre os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a
interpretação normativa daqueles em que é imputada directamente a decisão
judicial radica em que na primeira hipótese é discernível na decisão recorrida
a adopção de um critério normativo (ao qual depois se subsume o caso concreto
em apreço), com carácter de generalidade, e, por isso, susceptível de
aplicação a outras situações, enquanto na segunda hipótese está em causa a
aplicação dos critérios normativos tidos por relevantes às particularidades do
caso concreto.
Por outro lado, tratando‑se de recurso interposto ao abrigo da alínea b), do n.º
1, do artigo 70.º, da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua
admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de
inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo
processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão
recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2, do artigo
72.º, da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio
decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo
recorrente.
Do requerimento de interposição de recurso verifica-se que os recorrentes não
imputam a qualquer norma ou a qualquer interpretação normativa a ofensa ao
preceito constitucional considerado violado pela decisão recorrida,
pretendendo-se apenas que o Tribunal Constitucional julgue a fixação da
indemnização pela expropriação efectuada pelo acórdão recorrido violadora do
disposto no artigo 62.º, da C.R.P., por ser “manifestamente irrisória, inferior
e desproporcional ao valor corrente e de mercado que o bem expropriado tem na
livre concorrência”.
A inconstitucionalidade invocada é, pois, imputada ao próprio sentido da decisão
recorrida e não a qualquer critério normativo adoptado na decisão recorrida,
com carácter de generalidade, e, por isso, susceptível de aplicação a outras
situações.
Nem sequer se justifica a prolação de um despacho de convite ao recorrente para
enunciar a interpretação normativa contida na decisão recorrida cuja
constitucionalidade pretendia ver apreciada, nos termos do n.º 5, do artigo 75.º
- A, da LTC, uma vez que não se mostra que tenha sido colocada ao tribunal
recorrido qualquer questão de inconstitucionalidade de determinada
interpretação normativa, pelo que, mesmo a ser esta enunciada, em resposta ao
referido convite, sempre estaria ausente o requisito da sua suscitação adequada
perante o tribunal recorrido.
Não sendo admissível no nosso sistema de recurso de constitucionalidade o
chamado “recurso de amparo”, não pode o recurso interposto ser apreciado pelo
Tribunal Constitucional, devendo ser proferida decisão sumária nesse sentido,
nos termos do artigo 78.º - A, n.º 1, da LTC.
Desta decisão reclamou o recorrente, com os seguintes argumentos:
“Salvo o devido respeito, contrariamente ao sustentado pelo Ex.mo Senhor Juiz
Conselheiro Relator, os recorrentes, como se verifica do seu requerimento de
interposição de recurso, em sede de alegações do recurso interposto para o
Venerando Tribunal da Relação do Porto, imputaram à interpretação normativa
feita pelo Ex.mo Senhor Juiz do Tribunal de 1.ª instância dos artigos 1310.º, do
Código Civil, 23.º, n.ºs 1 e 5 e 26.º, do Código das Expropriações, a ofensa do
artº 62.º da Constituição da República Portuguesa, tendo essa interpretação
conduzido e sustentado a fixação da indemnização por expropriação em valores
manifestamente irrisórios, inferiores e desproporcionais ao valor corrente e de
mercado que o bem expropriado tem na livre concorrência, o que consubstancia
evidente e flagrante violação do princípio da justa indemnização ínsito no art.º
62.º, da Constituição da República Portuguesa.
Contrariamente ao sustentado pelo Ex.mo Senhor Juiz Conselheiro Relator, a
inconstitucionalidade invocada é imputada ao sentido e alcance da interpretação
e aplicação dos referidos normativos legais e não apenas e tão só à decisão
judicial de “per si”, o que, com o devido respeito, não se concebe atento o
facto da mesma se fundamentar na errada interpretação e aplicação dos mesmos.
É claro que o sentido da decisão judicial será afectado em resultado do presente
recurso para o Tribunal Constitucional, mas como efeito ou consequência da
errada interpretação e aplicação dos preceitos normativos atento o disposto no
artigo 62.º, da Constituição da República Portuguesa e a garantia constitucional
da JUSTA INDEMNIZAÇÃO.
O que efectivamente está em causa é a inconstitucionalidade da interpretação e
da aplicação dos normativos legais em questão ao abrigo da qual foi fixado um
valor de indemnização injusto pela expropriação da parcela de terreno destacada,
contrariando os Direitos e as Garantias Fundamentais consagrados na nossa
Constituição da República, mormente o indicado art.º 62.º, da CRP.
A inconstitucionalidade da interpretação e aplicação dos referidos normativos
legais, como resulta do requerimento de interposição do presente recurso para
esse Venerando Tribunal Constitucional, foi suscitada de modo processualmente
adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida (TRP), em termos
daquele estar obrigado a dela conhecer.
Salvo o devido respeito, a decisão sumária do Venerando Senhor Juiz Conselheiro
Relator peca por precipitada e demasiado redutora, violando o disposto no art.º
72.º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional.”
*
Fundamentação
O recorrente discorda da decisão reclamada por entender que no seu requerimento
de interposição de recurso impugnou uma interpretação normativa e não o sentido
da decisão recorrida.
Na verdade, conforme se diz na decisão reclamada, no sistema português de
fiscalização de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal
Constitucional cinge‑se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou
seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas
ou a interpretações normativas, e já não das questões de inconstitucionalidade
imputadas directamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas.
Caso se pretenda a fiscalização de constitucionalidade de uma interpretação
normativa sustentada pela decisão recorrida, esta tem de ser indicada
explicitamente, com clareza e precisão, no requerimento de interposição de
recurso, não sendo suficiente, como o Tribunal Constitucional tem repetidamente
afirmado, que vagamente se diga que se pretende impugnar a interpretação
normativa contida na decisão recorrida que conduziu ao seu segmento decisório,
sem a explicitar.
Ora, esta explicitação não ocorreu no requerimento de interposição de recurso,
nem sequer na reclamação em apreço, continuando-se a desconhecer qual o conteúdo
da interpretação normativa que se pretendia submeter à análise do Tribunal
Constitucional.
E conforme se disse na decisão reclamada nem sequer se justificava a prolação de
um despacho de convite ao recorrente para enunciar a interpretação normativa
contida na decisão recorrida cuja constitucionalidade pretendia ver apreciada,
nos termos do n.º 5, do artigo 75.º - A, da LTC, uma vez que não se descortina
que tenha sido colocada ao tribunal recorrido qualquer questão de
inconstitucionalidade de determinada interpretação normativa, pelo que, mesmo a
ser esta enunciada, em resposta ao referido convite, sempre estaria ausente o
requisito da sua suscitação adequada perante o tribunal recorrido constante do
artigo 72.º, n.º 2, da C.R.P..
Assim, deve ser indeferida a reclamação apresentada.
*
Decisão
Pelo exposto indefere-se a reclamação apresentada por A. e B. da decisão sumária
proferida nestes autos em 28-7-2008.
*
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta,
ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º
303/98, de 7 de Outubro (artigo 7.º do mesmo diploma).
*
Lisboa, 7 de Outubro de 2008
João Cura Mariano
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos