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Processo n.º 191/08
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é
recorrente A. e recorridos o Ministério Público e o Banco B., S.A., o relator
proferiu decisão sumária, negando provimento ao recurso, nos termos seguintes:
«[…] 1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é
recorrente A. e recorridos o Ministério Público e Banco B., SA, foi interposto
recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), para apreciação da
inconstitucionalidade da interpretação que, na resolução do conflito entre os
privilégios dos créditos laborais (conferidos no artigo 12.º, alínea a), da Lei
n.º 17/86, de 14 de Junho, e no artigo 4.º da Lei n.º 96/2001, de 20 de Agosto)
e a hipoteca, afastou a aplicação, ao caso, do artigo 751.º do Código Civil e,
constatou a existência de uma lacuna, supriu tal lacuna por aplicação analógica
do regime estabelecido pelo artigo 749.º do Código Civil.
2. Dos autos emergem as seguintes ocorrências, relevantes para a presente
decisão:
− Na sequência da declaração de falência de C., SA, foram, por sentença da 16ª
Vara Cível da Comarca de Lisboa, reconhecidos e graduados diversos créditos,
tendo, relativamente ao imóvel identificado nos autos, sido graduados os
créditos dos trabalhadores da falida em primeiro lugar, seguidos das
contribuições autárquicas e, em terceiro lugar, os créditos do Banco B., SA.
− Inconformados, o credor hipotecário Banco B. e o Ministério Público
interpuseram recurso.
− Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa foi o primeiro recurso julgado
parcialmente procedente e totalmente procedente o segundo, tendo-se decidido,
relativamente ao mesmo prédio, graduar os créditos pela seguinte ordem: 1.
contribuições autárquicas; 2. crédito hipotecário do Banco B.; 3. créditos dos
trabalhadores da falida; 4. demais créditos comuns.
− Inconformada, a credora trabalhadora D. recorreu para o Supremo Tribunal de
Justiça, recurso a que aderiu a credora trabalhadora A..
− Por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, ora recorrido, a revista foi
julgada parcialmente procedente e, em consequência, foi decidido, com relação ao
referido prédio, graduar os créditos dos trabalhadores em segundo lugar,
imediatamente depois do direito de crédito do Banco B., garantido por hipoteca,
e a seguir a estes os créditos decorrentes da contribuição autárquica de 1991 e
1992.
− Ainda inconformada, A. interpôs o presente recurso para o Tribunal
Constitucional.
3. Independentemente da formulação pouco rigorosa do requerimento de
interposição do recurso, resulta claro que a recorrente pretende ver apreciada a
constitucionalidade da interpretação, sufragada na decisão recorrida, segundo a
qual o confronto, em concurso de credores, entre o privilégio imobiliário geral
dos trabalhadores e a hipoteca de terceiro sobre imóveis integrados na massa
falida, não pode ser resolvido por aplicação do artigo 751.º do Código Civil,
porque este normativo se reporta a privilégios imobiliários especiais, mas
antes, por via de uma regra equivalente à do artigo 749.º, n.º 1, do mesmo
Código, e, em consequência, deve ser dada preferência, na graduação dos créditos
reconhecidos em relação aos imóveis integrados na massa falida, aos dos bancos
recorridos, com base em hipoteca, sobre os créditos dos trabalhadores
recorrentes, que gozam do referido privilégio imobiliário geral.
O Tribunal Constitucional já apreciou a questão objecto do presente recurso, por
último, no Acórdão n.º 257/2008 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt),
relatado pelo presente relator, pelo qual se decidiu «não julgar
inconstitucionais as normas do artigo 12.º da Lei n.º 17/86, de 14 de Junho, do
artigo 4.º da Lei n.º 96/2001, de 20 de Agosto, e do artigo 751.º do Código
Civil (na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março), na
interpretação segundo a qual aos privilégios imobiliários gerais conferidos por
aquelas normas aos créditos dos trabalhadores emergentes do contrato individual
de trabalho não é aplicável o regime do artigo 751.º do Código Civil, pelo que
estes créditos não prevalecem sobre os garantidos por hipoteca.»
É este juízo de não inconstitucionalidade que se reitera no presente caso, em
tudo idêntico ao apreciado.
4. Pelo exposto, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC e com os
fundamentos constantes do Acórdão n.º 257/2008, decide-se negar provimento ao
recurso. […]»
2. Notificada desta decisão, a recorrente veio reclamar para a conferência, ao
abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, com os seguintes fundamentos:
«[…]1. O Ex.mo Senhor Relator decidiu “ao abrigo n° 1 do artigo 78º-A da LTC e
com os fundamentos constantes do Acórdão nº 257/2008, negar provimento ao
recurso”.
2. Por entender que o “Tribunal Constitucional já apreciou a questão objecto do
presente recurso, por último, no Acórdão n° 257/20008”... “relatado pelo
presente relator”.
3. Sendo “este juízo de não inconstitucionalidade que se reitera no presente
caso, em tudo idêntico ao apreciado”, escreve.
4. Decisão esta que, no nosso entender, o art. 78º-A da LTC não permite.
5. É certo que no preceito se prevê que o relator profira decisão sumária de não
conhecer do objecto do recurso, se a questão a decidir for simples
“designadamente por a mesma já ter sido objecto da decisão anterior do
Tribunal”.
6. Mas é óbvio que não basta que o Tribunal tenha proferido uma decisão em
determinado sentido, para que o Juiz Conselheiro Relator possa sumariamente não
conhecer de todos e quaisquer recursos que tenham por objecto questão idêntica.
7. Ainda que o Relator seja o mesmo, o que, como é manifesto, é de todo
irrelevante, uma vez que o acórdão não é tirado por um só Juiz — o relator — mas
por uma pluralidade de Juízes que daquele poderão divergir e até obter
vencimento.
8. Seria de todo absurdo que pudesse negar-se sumariamente o conhecimento do
objecto do recurso, se o relator já antes, em outro acórdão, se tivesse
pronunciado, ainda que como relator, contra a matéria objecto do recurso em
análise.
9. Admiti-lo seria permitir que a opinião de um único Juiz, expressa em um
acórdão, vinculasse para todo o sempre o Tribunal Constitucional e todos os seus
Juízes.
10. Seria absurdo, gritantemente absurdo!
11. Pelo que a interpretação do art. 78º-A da LCT só pode ser a que defende o
Senhor Conselheiro Guilherme da Fonseca no Breviário de Direito Processual
Constitucional, p. 67, quando escreve
“Situação em que a questão a decidir será simples é sem dúvida aquela em que a
norma, cuja inconstitucionalidade é objecto de recurso, já foi declarada
inconstitucional com força obrigatória geral”
12. E se o mesmo Autor admite que possa haver lugar a uma decisão sumária quando
“há jurisprudência anterior sobre a mesma matéria, da qual não diverge o
relator”, deve entender-se jurisprudência firmada.
13. Como já atrás dissemos, seria de todo absurdo que um único acórdão anterior
proferido sobre a mesma matéria, pudesse permitir ao relator negar por simples
decisão sumária conhecer o objecto de um outro recurso.
14. Doutrina esta que se vingasse permitiria sumariamente afastar o conhecimento
pelo Tribunal Constitucional do objecto da esmagadora maioria dos recursos,
confinando-o, na prática, a decisões sumárias!
15.Assim se demonstra o total sem sentido a que a interpretação subjacente à
decisão ora reclamada conduziria, e que por isso sempre seria de, in limine, de
rejeitar.
16.Por fim não pode o mandatário da recorrente deixar de rejeitar a acusação
gratuita que na decisão se faz de a formulação do requerimento de interposição
do recurso ser “pouco rigorosa”.
17.Acusação gratuita, reafirmamos, porque não fundada, porque a pretensa “falta
de rigor” não é minimamente concretizada.
18.Repelimo-la, pois.
Concluímos pela total falta de fundamento da decisão sumária, pelo que V.Exªs —
estamos certos — não deixarão de atender a presente reclamação, ordenando o
seguimento do recurso.»
3. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal apresentou
resposta nos seguintes termos:
«1°
A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2°
Na verdade — e ao contrário do erroneamente julgado pelo reclamante — a decisão
reclamada não recusou conhecer do mérito do recurso, negando-lhe antes
provimento com base em anterior precedente jurisprudencial.
3º
Correspondendo inteiramente ao entendimento reiterado do Tribunal Constitucional
a configuração desta situação como envolvendo “questão simples”, atento o
referido precedente.
4º
E podendo naturalmente o recorrente, no âmbito da reclamação para a conferência,
exercer o direito ao contraditório, mostrando que, no caso, se não justificaria
a aplicação do referido precedente jurisprudencial — tarefa que o ora reclamante
não levou obviamente a cabo, com a consistência necessária. »
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. A decisão reclamada – que negou provimento ao recurso com base em anterior
decisão do Tribunal sobre a mesma questão − corresponde ao entendimento
reiterado deste Tribunal sobre a configuração das situações que, ao abrigo do
artigo 78.º, n.º 1, da LTC, podem ser decididas por decisão liminar do relator.
A este respeito lê-se no Acórdão n.º 5/2008 (na linha da jurisprudência já
defendida, nomeadamente, no Acórdão n.º 530/07):
«Por força desta disposição [artigo 78.º, n.º 1, da LTC], pode ser proferida
decisão sumária se o Relator entender que “a questão a decidir é simples,
designadamente por a mesma já ter sido objecto de decisão anterior do Tribunal
ou por ser manifestamente infundada”. Resulta evidente que o legislador apenas
exige que tenha havido decisão anterior – e nem sequer decisões anteriores,
note-se – que tenha apreciado o objecto daquele recurso. Isto significa que,
sempre que haja paralelismo de situações, o relator nem sequer carece de
verificar se há unanimidade de decisões, bastando-se o legislador com a
existência de uma decisão anterior sobre o objecto daquele recurso. Sendo
previsível que na formação que há-de intervir no julgamento do recurso, face a
recente jurisprudência, prevalecerá o sentido da decisão e a fundamentação que o
relator perfilha, não se justifica que o recurso prossiga. O mecanismo da
reclamação e, se for o caso, a intervenção do Plenário por oposição de julgados,
assegurarão o resto.»
No caso em apreço, aliás, o acórdão n.º 257/2008 é referenciado expressamente
como a sentença em que o Tribunal Constitucional apreciara, por último, a
questão de constitucionalidade suscitada no recurso. Com aquela fórmula deixa-se
claro que tal acórdão não diverge de decisões anteriores, de idêntico sentido
(designadamente dos acórdãos n.º 284/2007 e n.º 287/2007). Pode, pois, falar-se,
de uma orientação jurisprudencial firmada, a propósito da questão objecto do
recurso.
Todas estas circunstâncias legitimavam, como aconteceu, que fosse proferida
decisão sumária por remissão para os fundamentos do anterior acórdão do
Tribunal, proferido nesta mesma secção e com a sua actual composição, nada
justificando que o processo prosseguisse para alegações.
O reclamante não contesta que a questão de constitucionalidade que pretende ver
apreciada é a mesma que foi decidida no Acórdão n.º 257/2008, para cuja
fundamentação remete a decisão sumária reclamada, e não aduz qualquer fundamento
novo, não ponderado naquele acórdão.
Consequentemente, é de manter na íntegra a decisão sumária reclamada.
III. Decisão
Pelo exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 23 de Setembro de 2008
Joaquim de Sousa Ribeiro
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos