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Processo n.º 301/08
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
A – Relatório
1 – A., com os demais sinais dos autos, recorre para o Tribunal
Constitucional ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei
n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual redacção (LTC), pretendendo ver
apreciada a constitucionalidade das normas definidas no respectivo requerimento
de interposição do recurso nos seguintes termos:
“(...)
1. “A norma extraída pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo do artigo
188º, nº 1, do Código de Processo Penal segundo a qual “é no termo de cada
período de escuta, e não logo a seguir a cada conversação telefónica
interceptada, que deve ser elaborado o auto de gravação com indicação pelo órgão
de polícia criminal das passagens relevantes para a prova” é inconstitucional
por violação do disposto nos artigos 18º, nº 2 e 3, e 34º, nº 4, da Constituição
da República Portuguesa” (Cfr. 3º Parágrafo da página 14 da Motivação e Ponto 8
das Conclusões do recurso)
2. “A norma extraída pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo segundo a qual
“após a alteração legislativa de 2000 a maior complexidade na elaboração do auto
de gravação impõe a adopção de critério mais dilatado quanto ao requisito da
imediatividade da sua apresentação” é ainda inconstitucional por violação do
disposto nos artigos 13º, 18º, nºs 2 e 3, e 34º, nº 4, da Constituição da
República Portuguesa” (Cfr. 5º Parágrafo da página 18 da Motivação e Ponto 14
das conclusões do recurso)
3. “A norma extraída pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo do artigo
188º, nº 1, do Código de Processo Penal, segundo a qual o inciso imediatamente
deve ser interpretado “dentro das contingências inerentes à complexidade e
dimensão do processo”, equivalendo, nessa medida, ao “tempo mais rápido
possível” é inconstitucional por violação do disposto nos artigos 18º, nºs 2 e
3, 32º, nº 1, e 34º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa” (Cfr. 4º
Parágrafo da página 25 da Motivação e Ponto 22 das conclusões de recurso).
4. “É, assim, inconstitucional por violação do disposto nos artigos 18º,
nºs 2 e 3 e 34º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa, a norma extraída
pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo do artigo 188º, nº 1 do Código de
Processo Penal, segundo a qual, nos casos em que decida proceder pessoalmente à
integral audição dos suportes magnéticos que lhe hajam sido entregues, fica ao
livre arbítrio do Juiz de Instrução Criminal a determinação do lapso de tempo em
que o teor dessas mesmas conversações telefónicas deva ser conhecido” (Cfr. 3º
Parágrafo da página 32 da Motivação e Ponto 30 das conclusões do recurso).
5. “Deverá também o presente Tribunal julgar inconstitucional, por violação
dos artigos 32º, nºs 2 e 8, 34º, nº 4, e 18º, nºs 2 e 3 da CRP, a norma extraída
pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo dos artigos 187º, nº 1 e 188º, nº 1, do
Código de Processo Penal, segundo a qual “uma vez autorizada a intercepção e
gravação por determinado período, pode ser concedida autorização para a sua
continuação sem que o juiz tome conhecimento do resultado das anteriores
conversações telefónicas interceptadas e gravadas” (Cfr. 40 Parágrafo da página
43 da Motivação e Ponto 49 das conclusões do recurso).
6. “Deve também ser declarada inconstitucional por violação das normas dos
artigos 32º, nº 1 e 8, 18º, nºs 2 e 3 e 34º, nº 4, a norma extraída pelo
Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo do disposto no artigo 188º, nº 3, do Código
de Processo Penal, segundo a qual “nada impõe que a ordem de destruição seja
dada imediatamente após a primeira selecção, podendo o Juiz aditar aos “autos de
gravação” sessões que haja anteriormente considerado irrelevantes para a prova”
(Cfr. 6º Paragrafo da página 47 da Motivação e Ponto 56 das conclusões do
recurso).
2 – Com interesse para a decisão do caso sub judicio, cumpre
relatar:
2.1 – O presente recurso surge interposto do Acórdão do Tribunal da
Relação do Porto que negou provimento ao recurso interposto da decisão
instrutória proferida no 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Gondomar que
pronunciara o arguido pela prática de vinte e seis crimes dolosos de corrupção
passiva para prática de acto ilícito.
2.2 – Nesse recurso, o arguido insurgiu-se contra a decisão
instrutória na parte em que nesta foi indeferido o seu pedido de declaração de
nulidade das escutas telefónicas, colocando ao Tribunal da Relação as seguintes
questões:
“(...)
1. A regra consagrada na primeira parte do artigo 188.º, n.º 1 do Código
de Processo Penal, não foi respeitada no caso sub judice, o que, nos termos do
disposto nos artigos 189.º e 126.º, n.º 3, do mesmo diploma legal, determina a
nulidade das escutas telefónicas ordenadas e, por conseguinte, a proibição da
utilização como prova das transcrições das conversações telefónicas
interceptadas.
2. Do cotejo entre os “autos de gravação” de fls. 205, 206, 298, 230,
231, 266, 267, 268, 278, 298, 299, 305, 321, 339, 343, 348, 364, 365, 397, 404,
407, 417, 427, 489, 492, 494, 525, 533, 567, 629, 676, 677, 708, 743, 756, 782,
886, 945, 1048, 1131, 1186, 1213, 1530, 1069, 1839 e 4172 e as “Promoções” do
Ministério Público de fls. 215, 285, 326, 378, 473, 503, 538, 670, 815, 1009,
1090, 1167, 1263, 1557, 1641, 2278 e 4259, verifica-se que nunca os “autos de
“gravação” relativos a conversações telefónicas mantidas por e através do número
de telemóvel pessoal do Arguido, B. (“alvo” 27199), foram imediatamente levados
ao conhecimento da Meritíssima Juiz do Tribunal de Instrução Criminal de
Gondomar, mediando sempre entre a sua conclusão e a competente remessa, vários
dias, e nalguns casos até mais de um mês;
3. O mesmo sucedeu com as intercepções e gravações de conversações
telefónicas efectuadas por e através do número de telemóvel (“alvo” 20798)
pertencente ao Arguido, C., cujos “autos de gravação” foram sempre remetidos à
Meritíssima Juiz do Tribunal de Instrução Criminal de Gondomar vários dias,
nalguns casos até mais de um mês, depois de terem sido lavrados (Cfr. “autos de
gravação” de fls. 159, 160, 166, 192, 235, 243, 271, 272, 279, 301, 304, 320,
323, 341, 342, 345, 355, 372, 392, 406, 414, 426, 487, 491, 527, 528, 617, 673,
696, 797, 749, 759, 755, 788 e 789, 855, 885, 944, 1047, 1130, 1185, 1212, 1608,
1838, 4171 e 4523 e “Promoções” do Ministério Público de fls. 173, 215, 251,
285, 330, 378, 473, 503, 670, 815,1009, 1090, 1167, 1263, 1557, 1641, 4087, 4259
e 4275).
4. A validade das escutas telefónicas efectuadas foi defendida pelo
Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo com base no entendimento segundo o qual é “no
termo de cada período de escuta e, não logo a seguir a cada conversação
interceptada, que deve ser elaborado o auto de gravação com indicação pelo órgão
de polícia criminal das passagens consideradas relevantes para a prova”.
5. Tal interpretação a que o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo procedeu
do disposto no artigo 188.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, não encontra
qualquer correspondência nem na letra nem no espírito da lei.
6. Considerando que o escopo da lei ou “pensamento legislativo”
subjacente à regra plasmada no artigo 188.º, n.º 1, do Código de Processo Penal,
é o de salvaguardar a menor compressão possível dos direitos fundamentais
coarctados pelas escutas telefónicas através do acompanhamento efectivo e
contínuo das operações que lhe são inerentes pelo Juiz, o critério
interpretativo a adoptar neste caso não pode deixar de ser aquele que justamente
assegure um maior acompanhamento judicial em que se materializa este específico
meio de obtenção de prova.
7. Seguindo o critério interpretativo que “assegure a menor compressão
possível dos direitos fundamentais afectados pela escuta telefónica”,
chegar-se-á necessariamente à conclusão que, no decurso do período pelo qual foi
autorizada a realização de escutas de telefónicas, devem ser apresentados ao
Juiz de Instrução Criminal “autos de gravação” intercalares.
8. Considera também o Recorrente que a norma extraída pelo Meritíssimo
Juiz do Tribunal a quo do artigo 188.º, n.º 1, do Código de Processo Penal,
segundo a qual “é no termo de cada período de escuta, e não logo a seguir a cada
conversação interceptada, que deve ser elaborado o auto de gravação com
indicação pelo órgão de polícia criminal das passagens consideradas relevantes
para a prova”, é inconstitucional por violação do disposto nos artigos 18.º, n.º
2 e 3, e 34.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.
9. Os Projectos de Lei de revisão do Código de Processo Penal que foram
recentemente apresentados na Assembleia da República, em que o Meritíssimo Juiz
a quo se ampara para sustentar a sua posição, levariam necessariamente à
proibição de utilização de grande parte das conversações telefónicas dos
Arguidos, B. e C., porquanto, os respectivos “autos de gravação” foram, quase
todos, levados ao conhecimento da Meritíssima Juiz do Tribunal a quo mais de 17
dias depois de terem sido lavrados (Cfr. artigo 188.º, n.º 3, da Proposta de Lei
n.º 109/X).
10. No que respeita ao espaço de tempo que deve mediar entre o fim da
gravação e a apresentação do respectivo auto, defende o Meritíssimo Juiz do
Tribunal a quo que “após a alteração legislativa de 2000 a maior complexidade na
elaboração do auto impõe a adopção de critério mais dilatado quanto ao requisito
da imediatividade da sua elaboração e apresentação, não sendo exigível a fixação
de um prazo máximo rígido, que sempre se poderia mostrar completamente
desadequado ao condicionalismo do caso concreto” (Cfr. Fls. 22921 da douta
Decisão Recorrida).
11. Entende o Recorrente que também este argumento invocado pelo Meritíssimo
Juiz do Tribunal a quo é totalmente desprovido de sentido, visto que, conforme
resulta claramente do disposto no artigo 188.º, n.º 1 do Código de Processo
Penal, o “requisito da imediatividade” se prende com a remessa do auto ao Juiz
de Instrução Criminal e não, como é por demais evidente, com a sua elaboração
pelos Órgãos de Polícia Criminal.
12. Se é verdade por um lado, que, por força da alteração legislativa de
2000, a elaboração dos “autos de gravação” passou a exigir mais tempo, não é
menos verdade, por outro, que, uma vez lavrados, razão alguma existe para que os
mesmos autos não sejam imediatamente levados ao conhecimento do Juiz, pois que,
tal remessa não implica qualquer outra operação que não seja a mera elaboração
pelo Ministério Público de uma “Promoção” acompanhada os respectivos autos e
suportes magnéticos das gravações.
13. Tanto a interpretação da lei propugnada pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal
a quo quanto a decisão que se baseou nessa mesma interpretação violam o disposto
no artigo 188.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.
14. Além de ilegal, a norma extraída pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo
segundo a qual “após alteração legislativa de 2000 a maior complexidade na
elaboração do auto de gravação impõe a adopção de critério mais dilatado quanto
ao requisito da imediatividade da sua apresentação” é ainda inconstitucional por
violação do disposto nos artigos 13.º, 18.º, nºs 2 e 3, e 34.º, nº 4 da
Constituição da República Portuguesa.
15. Apesar de salientar que “independentemente da interpretação do direito
ordinário vigente que se considere mais correcta, não é legítimo transformar o
regime legal em regime constitucional”, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo
aprecia a validade das escutas, não ao abrigo do disposto no artigo 188.º, n.º 1
do Código de Processo Penal, mas antes e apenas à luz do “acompanhamento
judicial” que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, deve
orientar todas as operações em que se materializam as escutas telefónicas.
16. Sem prejuízo de considerar não houve in casu esses mesmo acompanhamento
judicial, cumpre ao Recorrente salientar que é ao legislador, e não ao
“julgador”, que cabe regulamentar em que moldes devem processar-se as escutas
telefónicas de forma a que exista, a cada momento da sua execução, um
acompanhamento pelo Juiz das operações em que este meio de obtenção de prova se
materializa.
17. O Juiz não pode afastar a aplicação da formalidade imperativamente
prescrita no artigo 188.º, n.º 1 do Código Processo Penal, considerando que as
escutas telefónicas são válidas porquanto se mostra cumprido o desiderato que
subjaz a tal formalidade.
18. Considerar-se válidas escutas telefónicas realizadas em desrespeito pelas
formalidades prescritas no referido preceito normativo por alegadamente ter
havido esse acompanhamento judicial equivaleria, na verdade, em transformar as
regras e princípios jurisprudencialmente enunciados pelo Tribunal Constitucional
num regime legal em preterição daquele que legitimamente se acha consagrado, o
que, em última análise, poderia até consubstanciar uma violação do princípio da
separação de poderes.
19. É também contrário à lei e à CRP o argumento do Meritíssimo Juiz do
Tribunal a quo segundo o qual o inciso “imediatamente” tem de ser interpretado
“dentro das contingências inerentes à complexidade e dimensão do processo”.
20. Seguindo o critério interpretativo acima enunciado, não pode senão
concluir-se que a expressão em causa tem, sob pena de nulidade, de ser
interpretada no seu sentido literal, não podendo o “julgador” afastá-la para
fazer valer um outro prazo de entrega dos “autos de gravação” que, em seu
entendimento, respeite ainda o acompanhamento judicial e “materialmente próximo
da fonte” que o artigo 18.º, n.º s 2 e 3, implicitamente exige em matéria de
restrição de direitos fundamentais.
21. Atentos os direitos de defesa do arguido consagrados no artigo 32.º da
CRP e os direitos fundamentais quer do Arguido quer de terceiros que
necessariamente são coarctados pelas escutas telefónicas, ainda que as
“contingências inerentes à complexidade e dimensão do processo” pudessem, de
alguma forma, explicar os dias, e nalguns casos até mais um mês, que mediaram
entre a conclusão do “auto de gravação” e a sua remessa à Meritíssima Juiz do
Tribunal de Instrução Criminal de Gondomar, sempre teria de concluir-se que são
nulas as intercepções e transcrições das conversações telefónicas dos Arguidos,
C. e A., obtidas com violação das formalidades prescritas no artigo 188.º do
Código de Processo Penal.
22. A norma extraída pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo do artigo 188.º,
n.º 1 do Código de Processo Penal, segundo a qual o inciso imediatamente deve
ser interpretado “dentro das contingências inerentes à complexidade e dimensão
do processo”, equivalendo, nessa medida, “ao tempo mais rápido possível” é
inconstitucional por violação do disposto nos artigos 18.º, n.º s 2 e 3, 32.º,
n.º 1, e 34.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.
23. A tabela elaborada pelo Meritíssimo JIC para demonstrar que houve in casu
um acompanhamento judicial efectivo e próximo da fonte (fls. 22921 a 23023 da
douta decisão recorrida), é omissa quanto às datas que justamente permitem
aferir se foi ou não cumprida a exigência que o artigo 188.º, n.º 1, do Código
de Processo Penal formula, ou seja, as datas das “Promoções” do Ministério
Público, acto processual que levava ao conhecimento do Juiz “os autos de
gravação” acompanhados dos suportes magnéticos das gravações.
24. Não obstante a posição expressa pelo Meritíssimo JIC – enaltecendo a
circunstância de resultar dos vários despachos exarados que a Meritíssima Juiz
do Tribunal de Instrução Criminal de Gondomar procedeu à audição pessoal de
todos os suportes magnéticos das gravações – a verdade é que do confronto entre
as datas das “Promoções” do Ministério Público e as datas dos Despachos que se
lhes seguiram, verifica-se, porém, que, nalguns casos, seria, de todo,
impossível que a Meritíssima Juiz do Tribunal de Instrução Criminal tivesse
conseguido ouvir pessoalmente todos os registos magnéticos que lhe foram
apresentados.
25. Atendendo ao elevado número de arguidos que se encontravam “sob escuta” e
ao tempo que implicaria a audição pessoal de todos os registos magnéticos, para
evitar atrasos excessivos entre as conversações já interceptadas e o seu
conhecimento do teor dessas mesmas conversações, deveria a Meritíssima Juiz do
Tribunal de Instrução Criminal de Gondomar ter-se socorrido do auxílio dos
Órgãos de Polícia Criminal, como, de resto, prevê o artigo 188.º, n.º 4 do
Código de Processo Penal.
26. Na tentativa – nem sempre bem-sucedida – de ouvir pessoalmente todos os
suportes magnéticos das gravações, a Meritíssima Juiz do Tribunal de Instrução
Criminal de Gondomar acabou por levar a um enorme desfasamento entre as
conversações interceptadas e já gravadas e a sua apreciação do teor das mesmas.
27. Nos doutos despachos de fls. 1110 e seguintes, 1266 e seguintes, 1571 e
seguintes, 1648 e seguintes e 1872 e seguintes, a Meritíssima Juiz de Instrução
Criminal pronuncia-se, não sobre a “Promoção” do Ministério Público que mais
recentemente lhe havia sido remetida, mas sobre promoções bem mais antigas,
permanecendo, assim, as comunicações telefónicas dos Arguidos longos períodos de
tempo sem serem judicialmente controladas e apreciadas, o que é desconforme não
só com o regime previsto na lei processual penal, mas também com a própria
Constituição.
28. Deverão, pois, ser declaradas nulas, por violação do disposto no artigo
188.º, n.º 1 do Código de Processo Penal e de harmonia com o que se acha
consagrado nos artigos 34.º, n.º 4 e 18.º, nºs 2 e 3 da CRP, as escutas
telefónicas dos Arguidos, C. e A., porquanto as correspectivas conversações
telefónicas interceptadas foram conhecidas e apreciadas pela Meritíssima Juiz do
Tribunal de Instrução Criminal de Gondomar muito tempo após lhe terem sido
entregues.
29. Se a Meritíssima Juiz do Tribunal de Instrução Criminal de Gondomar não
se socorreu, como podia e deveria ter feito, do auxílio dos Órgãos de Polícia
Criminal, não pode, depois, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo valer-se do
tempo que sempre demora ouvir pessoalmente as gravações para com isso justificar
os graves atrasos registados entre a gravação das conversas interceptadas e o
seu controlo e (falta de) acompanhamento judiciais.
30. É, assim, inconstitucional por violação do disposto nos artigos 18.º, nºs
2 e 3 e 34.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, a norma extraída
pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo do artigo 188.º, n.º 1 do Código de
Processo Penal, segundo a qual, nos casos em que decida proceder pessoalmente à
integral audição dos suportes magnéticos que lhe hajam sido entregues, fica ao
livre arbítrio do Juiz de Instrução Criminal a determinação do lapso de tempo em
que o teor dessas mesmas conversações telefónicas interceptadas deva ser
conhecido.
31. Além de ter não recorrido aos mecanismos que lhe permitiriam acompanhar
continuamente as gravações interceptadas, a Meritíssima Juiz do Tribunal de
Instrução Criminal permitiu ainda que os Órgãos de Polícia Criminal adoptassem
procedimentos que atrasavam gravemente as operações em que se materializam as
escutas telefónicas e que inviabilizavam o acompanhamento judicial a que alude a
jurisprudência do Tribunal Constitucional.
32. Os Órgãos de Polícia Criminal, ao invés de, à medida que fossem sendo
interceptadas comunicações telefónicas, lavrarem um auto e o remeterem logo ao
Ministério Público para que este elaborasse a competente promoção, deixavam
passar longos períodos de tempo sem que procedessem a qualquer gravação, sendo
certo que, depois, num mesmo dia, elaboravam vários “autos de gravação”, os
quais, decorridos que fossem vários dias, nalguns casos até mais de um mês, eram
então e (só então) entregues à Meritíssima Juiz de Instrução Criminal.
33. É ilegal o comportamento dos Órgãos de Polícia Criminal traduzido na
acumulavam de vários autos que eram entregues à Meritíssima Juiz de Instrução
Criminal numa mesma “Promoção”.
34. Como senão bastasse, a partir de Julho/Setembro de 2003, da maioria dos
“autos de gravação”, consta, como data da sua elaboração, não um, mas vários
dias, o que, para além de consubstanciar uma irregularidade nos termos do artigo
94.º, n.º 6 do Código de Processo Penal, viola, ainda, as regras e princípios
legal e constitucionalmente consagrados em matéria de escutas telefónicas.
35. Com estes seus ilegais procedimentos, os Órgãos de Polícia Criminal
levaram a que as conversações telefónicas dos Arguidos permanecessem longos
períodos de tempo sem serem conhecidas e apreciadas pela Meritíssima Juiz do
Tribunal de Instrução Criminal de Gondomar.
36. É que, ao lapso de tempo que sempre mediava entre a intercepção e o
início da gravação, acresce ainda o tempo que tais intercepções demoravam a ser
gravadas e os vários dias, nalguns casos até mais de um mês, que mediavam entre
a conclusão desses autos de gravação e o seu conhecimento pela Meritíssima Juiz
do Tribunal de Instrução Criminal de Gondomar.
37. Em face do que antecede, forçoso é reconhecer-se que não houve no caso
concreto o acompanhamento judicial efectivo e “materialmente próximo da fonte” a
que o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo tantas vezes se refere na fundamentação
da sua douta decisão.
38. São, pois, nulas, por violação do disposto no artigo 188.º, n.º1, do
Código de Processo Penal, todas as escutas telefónicas efectuadas aos números de
telemóvel pessoais dos Arguidos, C. e A., não podendo, por tal razão e conforme
preceituam os artigos 126.º, n. 3 e 32.º, n.º 8 da CRP, do mesmo diploma legal,
ser utilizadas como meio de prova as conversações telefónicas daqueles dois
Arguidos que foram transcritas nos presentes autos no âmbito do inquérito.
39. Conforme se constata pela mera análise dos doutos despachos de fls.312 e
seguintes, 380 e seguintes, fls. 541 e seguintes, fls. 1095 e seguintes, 1648 e
seguintes, que as 5 prorrogações do prazo de intercepção e gravação das escutas
telefónicas ordenadas ao seu número de telemóvel pessoal (“alvo” 21179) foram
ordenadas sem que a Meritíssima Juiz do Tribunal de Instrução Criminal tivesse
tomado conhecimento do teor de todas as conversações anteriormente
interceptadas.
40. O mesmo sucedeu com as escutas telefónicas ordenadas ao número de
telemóvel pessoal (“alvo” 20798) do também aqui Arguido, C., em que 5 das 6
prorrogações do prazo de intercepção e gravação das suas comunicações
telefónicas foram também autorizadas sem que, mais uma vez, a Meritíssima Juiz
do Tribunal de Instrução Criminal tivesse tido a oportunidade de conhecer
previamente o teor das conversações que haviam sido já interceptadas (Cfr.
doutos despachos indicados no ponto anterior).
41. As prorrogações dos prazos de intercepção das comunicações telefónicas
ordenadas sem que a Meritíssima Juiz do Tribunal de Instrução Criminal tivesse
tomado conhecimento do teor de conversações já constantes dos autos violam o
disposto no artigo 188.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o que, por sua
vez, determina a nulidade de todos os despachos de prorrogação de prazos acima
referidos e, por conseguinte, dos “autos de gravação” e transcrições de
conversações telefónicas que se lhes seguiram, como, de resto, resulta da
aplicação em conjugação do disposto nos artigo 189.º e 126.º, n.º 3 do mesmo
diploma legal.
42. Essas mesmas prorrogações violam também o preceituado no n.º 1 do artigo
187.º do mesmo diploma legal, visto que não tendo a Meritíssima Juiz do Tribunal
a quo tomado conhecimento do teor de todas as conversações telefónicas
interceptadas, a decisão de prorrogação dos prazos é tomada, em bom rigor, não
pelo órgão judicialmente competente para o efeito, mas antes pelos Órgãos de
Polícia Criminal e pelo próprio Ministério Público.
43. Apesar de reconhecer que as sucessivas prorrogações dos prazos de
intercepção e gravação das conversações telefónicas dos Arguidos que tiveram
“sob escuta” foram ordenadas sem que previamente tivesse sido judicialmente
conhecido o teor de comunicações anteriormente interceptadas, o Meritíssimo Juiz
do Tribunal a quo decidiu indeferir a nulidade arguida após o encerramento do
inquérito, uma vez que “as conversações que a Meritíssima Juíza de Instrução
Criminal já tinha ouvido e ordenado a sua transcrição quando decidiu proferir os
despachos de prorrogação agora colocados em crise permitiram-lhe concluir no
sentido do grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova na
continuação da intercepção do telefone a que diziam respeito as prorrogações”.
44. Sem conhecer todas as conversas que haviam sido já gravadas, não podia a
Meritíssima Juiz do Tribunal de Instrução Criminal presumir, em face do teor
daquelas que havia já ouvido, que a conduta criminosa iria continuar e que, por
isso, se afigurava plenamente justificada a compressão de direitos fundamentais
do Arguido e de terceiros que as escutas telefónicas sempre acarretam, em prol
dos interesses da investigação criminal.
45. E neste caso a compressão dos direitos dos Arguidos e de terceiros é
particularmente grave pois que, sendo o “auto de gravação” omisso quanto aos
factos que resultavam das conversações telefónicas gravadas, a Meritíssima Juiz
do Tribunal de Instrução Criminal nada sabia quanto ao conteúdo dessas mesmas
conversações telefónicas, pelo que, confiou totalmente no juízo que os Órgãos de
Polícia Criminal e Ministério Público fizeram da necessidade da manutenção das
escutas, dando formalmente o seu consentimento a tal prorrogação mas delegando
materialmente naqueles a decisão em causa.
46. No tocante a este particular, acrescentou também o Meritíssimo Juiz do
Tribunal a quo que “reiteração das condutas era mais ou menos óbvia, nada
havendo nos autos que indiciasse ou permitisse pressupor a cessação daquela
actividade”, sendo certo, que “os campeonatos de futebol em que os escutados
intervinham se prolongavam por toda a época desportiva”.
47. Além colidir com a garantia constitucional da presunção de inocência, tal
entendimento poderia mesmo levar a que se considerasse legitima uma autorização
de um período de escutas correspondente à duração de um campeonato de futebol, o
que, conjugado com a interpretação também defendida na douta decisão recorrida
segundo a qual é no termo do período autorizado que deve ser lavrado o auto de
gravação, conduziria, in extremis, a cerca de 10 meses de escutas telefónicas
sem qualquer acompanhamento judicial.
48. Considera o Recorrente que a douta decisão recorrida viola as regras
imperativamente consagradas nos artigos 187.º, n.º 1, 188.º, 1, 189.º e 126, n.º
3 do Código de Processo Penal, devendo este Venerando Tribunal substituí-la por
outra que declare a nulidade dos despachos acima indicados e, por conseguinte,
dos “autos de gravações” relativos a comunicações telefónicas relativas dos
“alvos” 20798 e 21179 e respectivas transcrições.
49. Deverá também o presente Tribunal julgar inconstitucional, por violação
dos artigos 32.º, nºs 2 e 8, 34.º, n.º 4 e 18.º, n.º s 2 e 3 da CRP, a norma
extraída pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo dos artigos 187.º, n.º 1 e
188.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, segundo a qual “uma vez autorizada a
intercepção e gravação por determinado período, pode ser concedida autorização
para a sua continuação sem que o juiz tome conhecimento do resultado das
anteriores conversações telefónicas interceptadas e gravadas”.
50. O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo indeferiu a arguida nulidade dos
aditamentos efectuados aos “autos de gravação” de fls. 429 e 1130 de “sessões”
que haviam sido já consideradas irrelevantes pela Meritíssima Juiz do Tribunal
de Instrução Criminal de Gondomar e cujos registos magnéticos, contra o que
dispõe o artigo 188.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, não haviam sido
oportunamente destruídos.
51. A parte da douta decisão relativa à apreciação desta questão padece de
uma insanável contradição porquanto o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo
considera, a este propósito, igualmente acertadas e legais as decisões da
Meritíssima Juiz do Tribunal de Instrução Criminal de Gondomar de destruição e
não destruição dos suportes magnéticos das gravações.
52. Ainda a respeito desta questão, defende também o Meritíssimo Juiz do
Tribunal a quo que “o artigo 188.º, n.º 3, do CPP não impõe que a ordem de
destruição seja dada imediatamente após a primeira selecção, nem resulta da lei
que o controlo ou acompanhamento judicial das operações seja posto em causa pelo
facto de se vir a seleccionar mais de um ano depois outras sessões que
anteriormente se considerara irrelevantes”.
53. É certo que o Recorrente se opôs à destruição dos suportes magnéticos que
contivessem gravações de conversações telefónicas suas que, segundo a
Meritíssima Juiz de Instrução Criminal, não eram relevantes para efeitos de
prova, tendo, no entanto, presidido a tal requerimento a legitima intenção de
proceder à audição de tais gravações, verificando se das mesmas resultavam ou
não elementos que pudessem infirmar os factos que lhe viriam a ser imputados na
douta Acusação.
54. Salvo melhor opinião, os registos magnéticos relativos a “sessões”
judicialmente consideradas irrelevantes só poderão permanecer nos autos em
obediência ao princípio do contraditório e às garantias de defesa do Arguido,
sendo certo que, para efeitos de acusação, deverão tanto o Juiz de Instrução
Criminal quanto o próprio Ministério Público “ficcionar” que esses mesmos
suportes foram destruídos por ser essa, de resto, a consequência que
necessariamente resultaria caso tivesse sido cumprida a regra imperativamente
prevista no artigo 188.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
55. Assim, nos termos dos artigos 188.º, n.º 3 do Código de Processo Penal e
32.º da CRP, deverão ser considerados nulos os aditamentos ao “autos de
gravação” de fls.429 e 1130 ordenados pelo Meritíssima Juiz do Tribunal de
Instrução Criminal de Gondomar, não podendo, por conseguinte, as transcrições
correspondentes às “sessões” aditadas ser utilizadas como meio de prova.
56. Deve também ser declarada inconstitucional por violação das normas dos
artigos 32.º, n.º s 1 e 8, 18.º, n.º s 2 e 3 e 34.º, n.º 4, a norma extraída
pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo do disposto no artigo 188.º, n.º 3 do
Código de Processo Penal, segundo a qual “nada impõe que a ordem de destruição
seja dada imediatamente após a primeira selecção, podendo o Juiz aditar aos
“autos de gravação” sessões que haja anteriormente considerado irrelevantes para
a prova”.
57. Na fundamentação expendida na douta decisão recorrida, não encontrou o
Recorrente, qualquer referência às irregularidades dos “autos de gravação”
oportunamente arguidas após o encerramento do inquérito, nem tão pouco as razões
que justificaram o indeferimento (tácito) daquela sua arguição.
58. Em resposta a um requerimento apresentado nesse sentido, veio o
Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo esclarecer que sobre a suscitada
irregularidade dos “autos de gravação” se havia pronunciado a fls. 23051, sendo
certo, porém, que nem naquele ponto nem em qualquer outro se acham explicitados
os fundamentos que determinaram a decisão de indeferimento da irregularidade
oportunamente invocada.
59. Padece, por conseguinte, e no que a esta questão diz respeito, a douta
decisão recorrida do vício de falta de fundamentação, conforme preceituam os
artigos 97.º, n.º 3 e 123.º do Código de Processo Penal, determina a sua
irregularidade.
60. Nenhum dos “autos de gravação” relativos às intercepções das comunicações
telefónicas do Arguido, aqui Recorrente, faz referência ao despacho que ordenou
a realização das escutas, ao lugar onde foram feitas as gravações e “à hora da
sua ocorrência com referência ao momento do respectivo início e conclusão”,
sendo todos eles, por tal razão e conforme preceitua o artigo 94.º, n.º 6 do
Código de Processo Penal, manifestamente irregulares.
61. Mais se refira que dos autos de fls. 305, 398, 404, 407, 417, 427, 489,
492, 1048, 1131, 1186, 1213, 1530, 1069, 1839 e 1472, consta, como data da sua
elaboração, não um, mas vários dias, o que, não permite apurar de forma exacta o
circunstancialismo do tempo em que foram gravadas as intercepções das
comunicações telefónicas do Arguido, B., ora Recorrente, não fazendo fé da
operação de gravação enquanto tal.
Assim, deverá então a decisão recorrida quanto a este ponto ser revogada, nos
termos do disposto no artigo 94.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, por este
Venerando Tribunal, e substituída por outra que declare a invalidade de todos os
“actos de gravação” acima indicados, bem como, das transcrições de conversações
telefónicas que se lhes seguiram”.
2.3 – Respondendo às questões suscitadas pelo recorrente, o Tribunal
da Relação do Porto decidiu negar provimento ao recurso quanto às questões “da
intercepção e gravação das escutas telefónicas e do seu conhecimento pelo juiz
de instrução criminal; da prorrogação dos prazos de intercepção e gravação das
escutas telefónicas; e do aditamento aos autos de gravação de sessões
anteriormente consideradas irrelevantes” e concedeu provimento ao recurso quanto
à alegada omissão de pronúncia relativa à irregularidade dos autos de gravação,
ordenando o seu suprimento pelo Tribunal de 1.ª Instância.
O Acórdão do Tribunal da Relação encontra-se suportado na seguinte
fundamentação:
“(...)
2. DA INTERCEPÇÃO E GRAVAÇÃO DAS ESCUTAS TELEFÓNICAS E DO SEU CONHECIMENTO PELO
JUIZ DE INSTRUÇÃO CRIMINAL:
2.1. Esta questão tem subjacente, à sua apreciação, o disposto em duas
disposições legais:
- o disposto no artigo 34.º, n.º 4 da CRP, que diz:
“é proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas
telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na
lei em matéria de processo criminal”.
- e o disposto no artigo 188.º n.º 1, do CPP, que refere:
“da intercepção e gravação a que se refere o artigo anterior é lavrado auto, o
qual, junto com as fitas gravadas ou elementos análogos, é imediatamente levado
ao conhecimento do juiz que tiver ordenado ou autorizado as operações, com
indicação das passagens das gravações ou elementos análogos considerados
relevantes para a prova”.
No entender do recorrente[1], “ …de acordo com a posição
unanimemente sustentada pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, à
regra processual plasmada naquele preceito normativo subjaz a necessidade de as
escutas telefónicas serem objecto de um acompanhamento judicial próximo e
efectivo ao longo de toda a sua execução “com uma dupla finalidade”: i) fazer
cessar, tão depressa quanto possível, escutas que se venham a revelar
injustificadas ou desnecessárias e ii) submeter a um crivo judicial prévio a
aquisição processual das provas obtidas por esse meio” (Vide, a título meramente
exemplificativo o Acórdão n.º 407/97 do Tribunal Constitucional in
www.dgsi.pt)[2].
…
“ E foi justamente com o intuito de acautelar esse acompanhamento
efectivo e “materialmente próximo da fonte” pelo Juiz que o legislador ordinário
consignou, sob pena de nulidade, que “da intercepção e gravação (...) é lavrado
auto, o qual, junto com as fitas gravadas ou elementos análogos, é imediatamente
levado ao conhecimento do juiz”.
“ Sucede, porém, que aquela regra, consagrada na primeira parte do
artigo 188.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, não foi respeitada no caso sub
judice, o que, nos termos do disposto nos artigos 190.º e 126.º, n.º 3, do mesmo
diploma legal, determina a nulidade das escutas telefónicas ordenadas e, por
conseguinte, a proibição da utilização como prova das conversações
interceptadas”.
O despacho recorrido apreciou e fundamentou desenvolvidamente esta
matéria.
E fê-lo de um modo não só desenvolvido, com uma análise da evolução
histórico-legislativa, mas também de um modo convicto e esclarecedor, com
análise pormenorizada dos elementos do processo.
A questão a apurar traduz-se em definir e delimitar o
conceito de “ imediatamente” referido no artigo 188º, do CPP, o mesmo é dizer,
uma vez que esse artigo não refere[3] prazos, quando é que os autos de
intercepção e gravação das escutas, devem ser apresentados ao Juiz, para
efectivo controlo judicial.
O Tribunal Constitucional tem vindo a apreciar e a conhecer esta
matéria em vários acórdãos, de que se dá conta quer no despacho recorrido, quer
nas alegações do recorrente quer na resposta do Ministério Público.
Por tal facto, não vamos aqui reproduzir toda essa
jurisprudência, fazendo-o apenas na medida do necessário para tornar
compreensível a decisão.
Da evolução legislativa sobre os procedimentos que rodeiam as
escutas, centremo-nos naquela à luz da qual foram feitas as dos presentes autos
e cuja alteração foi introduzida pelo DL nº 320-C/200, de 15 de Dezembro, que
aditou ao nº 1, do então artigo 188º, do CPP, a seguinte expressão[4]:
(“Da intercepção e gravação a que se refere o artigo anterior é
lavrado auto, o qual, junto com as fitas gravadas ou elementos análogos, é
imediatamente levado ao conhecimento do juiz que tiver ordenado ou autorizado as
operações”) “com a indicação das passagens das gravações ou elementos análogos
considerados relevantes para a prova”.
Sobre o conceito ou sentido da expressão “ imediatamente “, “
acompanhamento próximo “ e “ controlo judicial do conteúdo “, escreve-se no ac.
do Tribunal Constitucional nº 4/2006, de 3 de Janeiro[5] :
“O imediatamente, aqui, tem de ser entendido em termos hábeis, pois
que o n.º 2 do artigo 188.º do CPP permite que o órgão de polícia criminal que
proceder à investigação tome previamente conhecimento do conteúdo da comunicação
interceptada a fim de poder praticar os actos cautelares necessários e urgentes
para assegurar os meios de prova, e pode muito bem acontecer que, devido à
extensão das conversações, a sua audição pelo órgão de polícia criminal leve
alguns dias. Além disso, de harmonia com a parte final do n.º 1 da mesma
disposição legal, o auto é apresentado ao juiz com a indicação das passagens das
gravações ou elementos análogos considerados relevantes para a prova, o que
significa que, para dar cumprimento a tal preceito legal, a entidade que tiver
procedido às intercepções deve ouvir previamente as gravações, pois só assim
pode ficar a saber quais as que são relevantes para a prova, o que pode demorar
mais ou menos tempo consoante a extensão das gravações e que tem necessariamente
de ser levado em conta na interpretação do que deve ser a apresentação imediata
ao juiz[6]”.
E mais adiante:
“Ora, já se indicou que o critério interpretativo neste campo não
pode deixar de ser aquele que assegure a menor compressão possível dos direitos
fundamentais afectados pela escuta telefónica. Também já se assentou – e importa
lembrá‑lo de novo – que a intervenção do juiz é vista como uma garantia de que
essa compressão se situe nos apertados limites aceitáveis e que tal intervenção,
para que de uma intervenção substancial se trate (e não de um mero tabelionato),
pressupõe o acompanhamento da operação de intercepção telefónica. Com efeito, só
acompanhando a recolha de prova, através desse método em curso, poderá o juiz ir
apercebendo os problemas que possam ir surgindo, resolvendo‑os e, assim,
transformando apenas em aquisição probatória aquilo que efectivamente pode ser.
Por outro lado, só esse acompanhamento coloca a escuta a coberto dos perigos –
que sabemos serem consideráveis – de uso desviado.
Com isto, não se quer significar que toda a operação de
escuta tenha de ser materialmente realizada pelo juiz. Contrariamente a tal
visão maximalista, do que aqui se trata é, tão‑só, de assegurar um
acompanhamento contínuo e próximo temporal e materialmente da fonte (imediato,
na terminologia legal), acompanhamento esse que comporte a possibilidade real de
em função do decurso da escuta ser mantida ou alterada a decisão que a
determinou.
…
Finalmente, a alteração operada pelo Decreto‑Lei n.º 320‑C/2000 veio
de novo alterar o conteúdo do auto de intercepção e de gravação. Ele deixou de
ser mero auto de registo da efectivação da operação, para dever sempre conter,
não a transcrição das passagens que o órgão de polícia criminal reputasse
relevantes (como entendera o parecer n.º 92/91 da Procuradoria‑Geral da
República), mas a indicação dessas passagens, com o objectivo, que resulta do
artigo 4.º da Lei n.º 27‑A/2000, de limitar o dever de o juiz ouvir as gravações
às passagens indicadas. Desta alteração resultou, por outro lado, que, para
poder fornecer a indicação das passagens das gravações ou elementos análogos
considerados relevantes para a prova, o órgão de polícia criminal tem de passar
a, por sistema, tomar conhecimento do conteúdo das comunicações interceptadas, o
que obviamente posterga o carácter excepcional de que, na redacção anterior,
esse conhecimento tinha (unicamente destinado a prevenir a prática de actos
cautelares necessários e urgentes para assegurar meios de prova). Por outro,
deixando de ser um mero acto de registo de ocorrência, para passar a implicar o
prévio desenvolvimento de actividades, necessariamente morosas, de audição de
gravações (por vezes em língua estrangeira), identificação dos intervenientes e
ponderação da sua relevância para a investigação, é óbvio que a exigência de
“imediatividade” da apresentação do auto tem de ser vista à luz de outros
critérios, diversos dos que estavam presentes quando foram proferidos os Acórdão
nºs 407/97, 347/2001 e 528/2003. Disso mesmo deu conta este Tribunal, logo no
Acórdão n.º 699/2004, quando, ao analisar a admissibilidade de recurso
interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea g), da LTC, por a decisão
então recorrida ter pretensamente feito aplicação da norma do n.º 1 do artigo
188.º do CPP em contradição com os juízos de inconstitucionalidade contidos nos
Acórdãos nºs 407/97, 347/2001 e 528/2003 (os dois primeiros incidindo sobre a
redacção anterior à Lei n.º 59/98 e o terceiro sobre a redacção desta Lei, mas
anterior à do Decreto‑Lei n.º 320‑C/2000), contestou a identidade entre a
dimensão normativa aplicada na decisão recorrida (enquanto posterior a este
decreto‑lei) e a anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal
Constitucional, afirmando: “ao acrescentar a este texto [o do n.º 1 do artigo
188.º do CPP] «com a indicação das passagens das gravações ou elementos análogos
considerados relevantes para a prova», o Decreto‑Lei n.º 320‑C/2000 introduziu
uma alteração relevante para a interpretação da norma de que se trata no
presente recurso, e que não permite a respectiva apreciação ao abrigo de um
recurso interposto ao abrigo do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da
Lei n.º 28/82, se baseado em acórdãos relativos à anterior versão da lei”.
Também a Decisão Sumária n.º 252/2005 não conheceu de recurso interposto ao
abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, tendo por objecto a norma do
n.º 1 do artigo 188.º do CPP, na redacção do Decreto‑Lei n.º 320‑C/2000,
aplicada na decisão recorrida alegadamente em desconformidade com os juízos de
inconstitucionalidade proferidos nos Acórdãos nºs 407/97, 347/2001 e 528/2003
(todos eles reportados a redacções anteriores), por falta de coincidência
normativa, dado que a alteração de redacção ocorrida em 2000 “assume (...) claro
relevo na apreciação da questão de constitucionalidade apreciada”, pois
“introduzindo‑se pela nova redacção um formalismo até então inexistente, o mesmo
é susceptível de condicionar o critério da imediatividade a que se refere o
artigo.
A este propósito há, no entanto, que salientar que os
inconvenientes derivados da maior complexidade e consequente morosidade da
elaboração do auto em causa serão, no todo ou em grande parte, compensados com a
maior rapidez e precisão que o novo sistema permite no que respeita ao acto
judicial de controlo da relevância das gravações e de selecção das que devem ser
transcritas, pelo que não se trata de fazer recair única e exclusivamente sobre
o arguido o ónus da alteração legislativa assinalada enquanto determina uma
alteração do critério da imediatividade anteriormente seguido”[7].
Esta posição do Tribunal Constitucional é um contributo forte para
se fazer uma subsunção jurídica dos elementos dos presentes autos à ideia de
imediatividade que deve prevalecer na interpretação deste conceito.
2.2. Compulsados os elementos dos autos no que ao recorrente
interessa, alvos 20798 e 21179, verificamos que:
a) Os despachos judiciais que autorizaram as escutas telefónicas
fixaram, para estas, prazos entre 30 e 60 dias, nenhum deles fixando prazo para
a apresentação ao juiz, do respectivo auto de gravação;
b) Os autos de gravação e selecção das sessões com
interesse foram sendo apresentadas ao juiz de instrução[8] inicialmente com um
espaço temporal de cerca de 2 a seis dias, posteriormente entre 10 a 15,
atingindo nalguns casos cerca de 30 dias e pontualmente, cerca de 5 vezes,
quanto ao alvo 20798, 35 e 36 dias e quanto ao alvo 21179, cerca de 7, em que
atingiram também 35 a 36 dias, sendo uma delas de 39 dias, tudo conforme mapa
remetido pelo tribunal recorrido a nossa solicitação e junto aos autos a fls.
5929 a 5944.
c) Como já se deixou subentendido na alínea anterior, o
espaço temporal da apresentação dos autos ao JIC foi aumentando a partir do
crescente número de alvos a escutar e do número de gravações a efectuar, o que
passou a verificar-se a partir dos meses de Julho e Agosto de 2003.
d) Em nenhuma das situações foi ultrapassado o prazo fixado para a
execução das escutas telefónicas pelo JIC.
e) A Srª Juíza nas funções de JIC, procedeu à audição de todas as
gravações autorizadas.
A conjugação de todos estes elementos permite-nos ajuizar no sentido
de que houve um controlo judicial apertado e efectivo de todas as escutas
autorizadas, não tendo as mesmas ficado ao livre arbítrio da entidade policial
ou outra.
É verdade que alguns prazos, vistos de per si, isoladamente, quando
estamos a falar de 30 a 40 dias[9], se afiguram algo distantes do conceito de
“imediatamente” referido no artigo 188º do CPP.
Acontece que tal conceito de imediatividade tem de ser,
à luz da legislação e procedimentos em vigor a quando das escutas, adaptado a
cada caso concreto de escutas, nomeadamente de complexidade, mas que nunca
ultrapasse o limite do razoável e pretira direitos fundamentais do arguido.
Como refere o Ministério Público na sua resposta ao
recurso do recorrente, “ o tempo que demorou entre a elaboração dos autos de
gravação, com indicação das sessões relevantes, e a sua apresentação à
Meritíssima Juiz de Instrução Criminal, cumprindo a exigência contida no
advérbio “imediatamente” foi nestes autos o tempo adequado – respeitando a
concordância prática entre as necessidades da investigação e a compressão dos
direitos dos visados – se tivermos em conta o elevado número de Alvos
(telefones) interceptados, a enorme quantidade de conversações de cada Alvo, a
necessidade de elaboração de relatórios parcelares relativos a cada apresentação
de autos de gravação e dos respectivos CDs gravados por forma a facilitar à M.ma
JIC a tarefa de selecção das passagens relevantes (que é afinal o que se
pretende com 188.º, n.º 1, do Código de Processo Penal) e a necessidade de a
M.ma JIC ter tempo razoável para entretanto certificar as inúmeras sessões que
já haviam sido seleccionadas por despachos seus anteriores e transcritas.
Na sua acepção normativa, o termo “imediatamente” aludido no artigo
188.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, destina-se a exigir que os elementos
a submeter a apreciação judicial sejam facultados à autoridade judiciária tão
cedo quanto possível, ou melhor, tão cedo quanto o superior critério definido
pelo juiz, ou seja, tal advérbio apenas se reporta ao tempo que medeia entre a
elaboração do auto de gravação, com a indicação das passagens relevantes e com
os CDs e a sua apresentação ao Juiz e não ao tempo que medeia entre a elaboração
de tal auto e a audição e ordem de transcrição”.
Se atentarmos bem na análise dos mapas de fls. 5929 e
seguintes que registam as datas dos autos de gravação das escutas e as datas da
sua apresentação ao JIC, verificamos que em muitas situações a entidade
encarregada de executar as ditas gravações, optou por apresentar ao Jic, na
mesma data, autos de gravações de datas diferentes, ou seja, foi procedendo a
várias gravações e só findo determinado período de gravação é que a apresentou.
Veja-se, por exemplo, a fls. 5930, em que no dia 20 de Agosto de 2003, foram
apresentadas as gravações dos dias 16, 24 e 31 de Julho e 8 e 18 de Agosto de
2003. E a fls. 5933 e seguintes em que no dia 12 de Dezembro de 2003 foram
apresentadas ao Jic as gravações dos dias 6, 12, 17, 21 e 24 de Novembro e 3 de
Dezembro de 2003[10].
Pelo que faz todo o sentido o afirmado pelo Ministério Público na
sua resposta, ao dizer:
“ Exigir que os órgãos de polícia criminal procedessem às gravações
à medida que fossem fazendo as intercepções e lavrassem logo os respectivos
autos de gravação e os entregassem imediatamente à juiz após a elaboração de
cada um deles, como parece querer sustentar o arguido a fls. 33, seria, isso
sim, um verdadeiro descontrolo das intercepções, não só para a Polícia
Judiciária, mas sobretudo para a Juiz que as autorizou, pois que cada Alvo
tinha, no período autorizado, vários autos de gravação, com dezenas e até
centenas de sessões cada um, e eram vários Alvos (telefones) interceptados. Isso
sim colocaria em perigo os direitos dos arguidos, pois levaria à confusão total
sem garantia do que quer fosse.
…
Por isso a tese defendia pelo arguido a fls. 9 a 14, 23 e 33 da sua motivação de
recurso, de que “imediatamente” terá de ser interpretado no seu sentido literal,
e de que se deveria ter procedido a gravações à medida que fossem interceptadas
as conversações, devendo ser lavrado o respectivo auto de gravação que seria
levado imediatamente ao conhecimento da juiz, traduzir-se-ia numa total anarquia
em termos de controlo judicial das escutas…
O procedimento adoptado de gravar várias conversações interceptadas, num mesmo
CD, elaborar os correspondentes autos de gravação e de juntar vários autos de
gravação para os levar ao conhecimento da Juiz, respeitou a exigência contida na
lei, nos termos em que a interpretou o Tribunal Constitucional nos seus Acórdãos
nºs 426/05, 4/06, onde se admite que tais autos possam ser apresentados
imediatamente após o período autorizado de intercepções (o que neste caso foi
mais que cumprido pois foram apresentados autos intercalares).
Por outro lado, tal procedimento foi o mais adequado a um efectivo controlo das
operações pois permitiu à juiz ter tempo para ir tomando conhecimento das
gravações, ir ordenando as transcrições e ir verificando a conformidade das
conversas entretanto transcritas, ao mesmo tempo que permitiu aos órgãos de
polícia criminal levar a cabo, de forma organizada, as suas tarefas de gravação,
elaboração de autos, sugestão de passagens a transcrever e transcrição das já
ordenadas, contribuindo tudo para um melhor respeito pelos direitos das pessoas
cujas conversas estavam a ser interceptadas…”.
Poderá o recorrente desabafar senão mesmo retorquir que tanto lhe assiste razão,
que o legislador[11] veio agora fixar o prazo de 15 dias para o órgão de polícia
criminal levar ao conhecimento do MP, de 15 em 15 dias, a partir do início da
primeira intercepção efectuada, dos suportes técnicos das gravações que, por sua
vez, no prazo máximo de 48 horas, deverá levá-los ao conhecimento do Juiz.
Ora, a fixação destes prazos era um imperativo legal para, de uma vez por todas,
acabar com as ainda indefinições e várias interpretações do conceito de “
imediatamente “, que dava causa a tanto recurso.
E, numa matéria tão sensível como esta, em que está em causa uma restrição a um
direito individual tão fundamental, as certezas nunca são demais.
Mas, o próprio legislador teve necessidade de definir um prazo já considerado “
alargado “[12], pois o conceito de “ imediatividade” tem de levar em conta a
dificuldade e o tempo para elaboração dos autos de gravação, contando com
processos complexos e alvos vários, sem retirar a eficácia pretendida à
investigação.
Pelo que, tal como estava definido o processamento das escutas e seu controlo
judicial, apesar de em relação a algumas gravações se ter ultrapassado o limite
de 17 dias para a sua apresentação ao Jic, não significa que se esteja perante a
nulidade pretendida e alegada pelo recorrente.
Não só porque tal prazo não estava definido na lei, como essencialmente, o
processamento das escutas em causa, atendendo ao seu número e complexidade,
foram conhecidas pelo juiz em tempo considerado razoável, para este efectivar um
controlo judicial de facto como ocorreu na prática, estando salvaguardados os
direitos do recorrente.
Com certeza que, doravante, as regras serão diferentes, porque melhor definidas.
Mas tal facto não é fundamento para a anulação das escutas entretanto feitas
nestes autos, ao recorrente, nos termos em que o foram.
Improcede, assim, nesta parte, a pretensão do recorrente.
3. DA PRORROGAÇÃO DOS PRAZOS DE INTERCEPÇÃO E GRAVAÇÃO DAS CONVERSAÇÕES
TELEFÓNICAS.
O recorrente coloca o acento tónico desta questão no facto de ter havido
autorização de prorrogações do prazo de intercepção e gravação das suas
comunicações telefónicas sem que a Meritíssima Juiz do Tribunal de Instrução
Criminal tivesse tomado conhecimento do teor de todas as conversações
anteriormente interceptadas.
Decidiu-se no tribunal recorrido:
“ Ainda assim importa acrescentar que as conversações que a Meritíssima Juíza de
Instrução Criminal já tinha ouvido e ordenado a sua transcrição quando decidiu
proferir os despachos de prorrogação agora colocados em crise permitiram-lhe
concluir no sentido do grande interesse para a descoberta da verdade ou para a
prova na continuação da intercepção do telefone a que diziam respeito as
prorrogações.
E isto porque a reiteração das condutas era mais ou menos óbvia, nada havendo
nos autos que indiciasse ou permitisse pressupor a cessação daquela actividade
(é pelo menos a conclusão a que se chega quando analisados os autos de
transcrição). Não se olvide que os campeonatos de futebol em que os escutados
intervinham se prolongavam por toda a época desportiva, sendo que tudo isto,
associado à particular forma de actuação daqueles, conduzia à inevitável
conclusão de que continuava a haver fortes razões para crer que tais condutas se
iriam prolongar pelo menos até ao fim de tais campeonatos de futebol (o que só
iria ocorrer em Maio de 2004).
Por outro lado, dos autos (das sessões efectivamente escutadas, que é certo não
foram todas) resultava já aquando dos despachos de prorrogação que os
utilizadores dos telefones sob intercepção falavam uns com os outros, quer entre
telefones interceptados, quer através de telefones fixos ou móveis não
interceptados, para telefones interceptados, pelo que ao ouvir as sessões
telefónicas referentes a uns facilmente se concluía que havia fortíssimas razões
para crer que a prorrogação das intercepções de uns e outros telefones era
necessária para os efeitos a que alude a parte final do n.º 1 do art. 187º do
CPP.
Quero com tudo isto dizer que apesar da Meritíssima Juíza de Instrução ter
prorrogado prazos de intercepção na ocasião em que ainda não mandara transcrever
todas as sessões que lhe haviam sido no mesmo momento apresentadas, o certo é
que o resultado das sessões anteriormente escutadas permitia-lhe ter fortes
razões para crer que continuava a haver grande interesse para a descoberta da
verdade ou para prova na continuação da intercepção do telefone a que dizia
respeito a prorrogação.
Não foram assim, e também por isto, violadas as disposições legais constantes
dos arts 187º e 188º do CPP, tal como não se verifica qualquer violação do
princípio da proporcionalidade, consagrado no art. 18º da CRP, uma vez que a
quantidade de crimes a investigar e a comprovada reiteração das condutas
criminosas dos intervenientes legitimava, de forma não desproporcional, a
compressão do seu direito à palavra, à reserva da intimidade da vida privada, da
correspondência e das telecomunicações – cfr. art. 34º da CRP”.
Está, em nosso entender, mais que justificado e fundamentado o facto de ter
havido prorrogações de prazos de intercepção sem que, num caso ou outro,
tivessem sido ainda ouvidas as escutas imediatamente anteriores.
Mas, para além da interligação que existia nas várias escutas, como resulta dos
autos, devido ao número de escutas a decorrer, por vezes era materialmente
impossível à Srª Juíza de instrução, ouvir, “ em tempo útil”, ou seja, antes da
necessidade de prorrogação do prazo, todas as escutas.
Cessar abruptamente uma escuta para a retomar dias depois, não beneficiava de
modo algum a investigação, podendo mesmo contribuir para a sua frustração ou
inêxito.
Como bem anota, em nosso entender, o Ministério Público na sua resposta,
“ O que a data dos despachos, em que a Meritíssima Juiz de Instrução criminal
manda transcrever as passagens relevantes, revela é que foi nessa data que a
Meritíssima Juiz concluiu a análise (e por isso o conhecimento) de todas as
gravações que lhe foram apresentadas, o que significa que nos dias situados
entre a apresentação de tais autos de gravação e CDs e a prolação de tais
despachos (e não apenas nas datas dos despachos) a Meritíssima Juiz foi
analisando e seleccionado as passagens relevantes, tomando, ao longo desses
dias, e não apenas no último dia em que proferiu o despacho, conhecimento do
conteúdo das gravações apresentadas, tarefa que só concluiu quando datou e
assinou os despachos em que mandou transcrever aquelas que entendeu relevantes
para a prova.
…
Ou seja, muito embora a Meritíssima Juiz de Instrução tenha prorrogado prazos de
intercepção na ocasião em que ainda não mandara transcrever as sessões que lhe
foram, no mesmo momento, apresentadas, o que é certo é que todo o manancial
probatório das sessões anteriormente escutadas permitia-lhe ter fortes razões
para crer que continuava a haver grande interesse para a descoberta da verdade
ou para prova na continuação da intercepção do telefone a que dizia respeito a
prorrogação”.
A posição do despacho recorrido é inteiramente esclarecedora e merece a nossa
concordância, não havendo necessidade de lhe acrescentar ou fundamentar mais o
que quer que seja.
Pelo que também esta questão do recorrente será julgada improcedente.
4. DO ADITAMENTO AOS AUTOS DE GRAVAÇÃO DE SESSÕES ANTERIORMENTE CONSIDERADAS
IRRELEVANTES.
Insurge-se o recorrente contra o facto de ter havido aditamentos aos autos de
gravação de sessões anteriormente consideradas irrelevantes, não tendo sido
cumprido logo na altura, o disposto no artigo 188º, nº 3, ordenando a sua
destruição.
A decisão instrutória apreciou a questão começando por citar a jurisprudência do
Tribunal Constitucional que no Acórdão nº 426/2005, de 25 de Agosto, decidiu:
“deve ser facultado à defesa (e também à acusação) a possibilidade de requerer a
transcrição de mais passagens do que as inicialmente seleccionadas pelo juiz,
quer por entenderem que as mesmas assumem relevância própria, quer por se
revelarem úteis para esclarecer ou contextualizar o sentido de passagens
anteriormente seleccionadas”.
E continua:
“ …o art. 188º, n.º 3 do CPP não impõe que a ordem de destruição seja dada
imediatamente após a primeira selecção, nem resulta da lei que o controlo ou
acompanhamento judicial das operações seja posto em causa pelo facto de se vir a
seleccionar mais de um ano depois outras sessões que anteriormente se
considerara irrelevantes.
O que se pretende com o controlo ou acompanhamento judicial das operações é
propiciar que seja determinada a interrupção da intercepção logo que a mesma se
revele desnecessária, desadequada ou inútil e fazer depender a aquisição
processual da prova assim obtida de um “crivo” judicial quanto ao seu carácter
não proibido e à sua relevância.
E é este controlo judicial que não é colocado em causa com a posterior selecção
de uma passagem considerada anteriormente sem interesse.
…
No caso dos autos a selecção inicial das passagens relevantes para a prova foi
efectuada de facto pela Meritíssima Juíza de Instrução Criminal, que decidiu não
mandar destruir as restantes porque poderiam vir a assumir relevância, ainda que
em conjugação com outros elementos de prova.
Posteriormente, já depois de ter sido analisada a prova que veio a ser
posteriormente obtida através da apreensão de documentos nas buscas efectuadas
em 20/04/2004 e após terem sido levadas a cabo as perícias ordenadas,
inquirições e interrogatórios, bem como analisado o teor das transcrições já
efectuadas, chegou-se à conclusão de que havia interesse para a prova na
transcrição de outras sessões anteriormente não mandadas transcrever.
Nada na lei proíbe uma tal actuação, nem tal é sinónimo de falta de controlo
judicial das intercepções telefónicas efectuadas, tanto mais que se tratou de
uma situação excepcional, isto se tivermos em conta o número global de passagens
seleccionadas.
No sentido do que acabo de deixar dito deve ler-se o citado (e seguido de perto)
Acórdão n.º 4/2006 do Tribunal Constitucional, que concluiu de forma igual ou
idêntica à agora exposta.
Sucede porém que nos presentes autos foi de facto ordenada a destruição de
algumas escutas sem que tenha sido dada a possibilidade aos arguidos de terem
acesso ao seu conteúdo. Por via disto, alguns houve que consideraram existir uma
nulidade das escutas telefónicas resultante da violação do n.º 3 do art. 188º do
CPP (quando interpretado no sentido de que só podem ser mandadas destruir
sessões das escutas telefónicas depois de ser facultado aos arguidos o conteúdo
das mesmas para, querendo, exercerem o seu direito de defesa) e que uma
interpretação da referida norma com sentido diverso é inconstitucional, por
violar os art. 32º, n.º 1, 34º, n.º 1 e 4 e 18º, n.º 2 da CRP “[13].
Esta questão foi igualmente objecto de apreciação pelo Acórdão do Tribunal
Constitucional nº 660/06, proferido em 28.11.2006, no âmbito do processo nº
729/2006, o qual julga “inconstitucional, por violação do art. 32°, n.º 1 da
CRP, a norma do art. 188°, n.º 3 do CPP, na interpretação segundo a qual permite
a destruição de elementos de prova obtidos mediante a intercepção de
telecomunicações, que o órgão de polícia criminal e o Ministério Público
conheceram e que são considerados irrelevantes pelo juiz de instrução, sem que o
arguido deles tenha conhecimento e sem que se possa pronunciar sobre a sua
relevância”.
Depois de o Senhor Juiz recorrido ter manifestado a sua discordância pessoal com
o teor do mesmo, aderindo sim à posição da Exmª Conselheira Maria Fernanda Palma
que lavrou desenvolvido voto de vencido, concluiu na decisão recorrida de acordo
com aquela posição:
“…analisado o ordenamento constitucional e infraconstitucional vigente em
Portugal é lícito concluir que embora o Juiz de Instrução possa decidir não
destruir as escutas invocando o facto de poderem ter interesse para a prova
(quer de quem investiga, quer de quem se defende), se inversamente decidir
destruir algumas, tal decisão, para além de ser legal – já que o art. 188º, n.º
3 do CPP não impõe o momento da destruição –, também não viola os direitos de
defesa do arguido, e por isso não é inconstitucional (art. 32º, n.º 1 CRP)”.
Por sua vez, na sua resposta, também o MP começa por citar a jurisprudência do
Tribunal Constitucional que no já referido Acórdão nº 426/2005, de 25 de Agosto,
mais decidiu:
“… em rigor, essa selecção dos elementos a transcrever é necessariamente uma
primeira selecção, dotada de provisoriedade, podendo vir a ser reduzida ou
ampliada. Assiste, na verdade, ao arguido, ao assistente e às pessoas escutadas
o direito de examinarem o auto de transcrição, exame que se deve entender não só
ser apenas destinado a conferir a conformidade da transcrição com a gravação e
exigir a rectificação dos erros de transcrição detectados ou de identificação
das vozes gravadas, mas também para reagir contra transcrições proibidas (por
exemplo, de conversações do arguido com o defensor) ou irrelevantes.
Inversamente, deve ser facultado à defesa (e também à acusação) a possibilidade
de requerer a transcrição de mais passagens do que as inicialmente seleccionadas
pelo juiz, quer por entenderem que as mesmas assumem relevância própria, quer
por se revelarem úteis para esclarecer ou contextualizar o sentido de passagens
anteriormente seleccionadas.”
Responde ainda o Ministério Público:
“ Ora, se não merece censura constitucional a não desmagnetização da passagens
consideradas inicialmente sem interesse para a prova, tal só pode querer
significar que podem vir a revelar-se com interesse posteriormente, quer para
quem investiga, quer para quem exerce o seu direito de defesa.
Pelo que, a alegada nulidade das escutas resultante do facto de terem sido
seleccionadas sessões telefónicas mais de um ano depois da primeira selecção,
com aditamento aos autos de gravação de fls. 429 e 1130, não colhe apoio legal
nem constitucional.
…
Ora, para além de a selecção inicial das passagens relevantes para a prova ter
sido, de facto efectuada pela Meritíssima Juiz de Instrução Criminal, ela mesma
decidiu não mandar destruir as restantes porque poderiam vir a assumir
relevância em conjugação com outros elementos de prova, ou seja, acautelou desde
logo a possível relevância. Ou seja, a Meritíssima Juiz não julgou desde logo
essas passagens irrelevantes. Acautelou a sua possível relevância.
E de facto isto veio a verificar-se, já que, após ter sido analisada a prova que
veio a ser posteriormente obtida através de apreensão de documentos nas buscas
efectuadas em 20/04/2004 e em datas posteriores, e após terem sido levadas a
cabo as perícias ordenadas, inquirições e interrogatórios, bem como ao ser
conjugada toda essa análise com o teor das transcrições já efectuadas, chegou-se
à conclusão de que havia interesse para a prova na transcrição de outras sessões
anteriormente não mandadas transcrever”.
Este entendimento da questão tem o nosso completo acordo.
Como resulta dos autos, o recorrente censura a posição do juiz de instrução por
não ter destruído logo as partes das sessões que não foram consideradas
relevantes a quando da sua primeira audição.
Por sua vez, outros arguidos no processo censuram o mesmo juiz por ter procedido
à destruição de algumas sessões de gravações!
É mais que justificado afirmar, adaptando aqui um ditado português: censurado
por fazer, censurado por não fazer!
Mas não só a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem vindo de encontro à
posição adoptada pela juiz de instrução e, consequentemente, à da decisão
recorrida, como o legislador veio agora consagrar expressamente, na nova
redacção do artigo 188º do Código de Processo Penal, a possibilidade de
aditamentos desta natureza[14], bem como veio regular a guarda das gravações até
momentos posteriores: até ao trânsito em julgado da decisão quanto aos suportes
técnicos referentes a conversações não transcritas (nº 12 do art. 188º ) ou
junto ao processo, em envelope lacrado, só podendo ser utilizados em caso de
interposição de recurso extraordinário, quanto aos suportes técnicos que não
forem destruídos nos termos dos números anteriores (nº 13, do art. 188º ).
Por todos os fundamentos expostos, improcederá também esta pretensão do
recorrente.
(...)”.
2.4 – Discordando do decidido, o arguido interpôs nos termos supra
referidos o presente recurso de constitucionalidade, tendo o mesmo sido admitido
pelo Tribunal da Relação.
2.5 – Já neste Tribunal Constitucional, foi proferido pelo relator o
seguinte despacho:
“A., melhor identificado nos autos recorre para o Tribunal Constitucional, ao
abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro, na sua actual redacção, pretendendo ver fiscalizada a
constitucionalidade das seguintes normas:
a) “(...) norma extraída pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a
quo do artigo 188º, nº 1, do Código de Processo Penal segundo a qual “é no termo
de cada período de escuta, e não logo a seguir a cada conversação telefónica
interceptada, que deve ser elaborado o auto de gravação com indicação pelo órgão
de polícia criminal das passagens relevantes para a prova” é inconstitucional
por violação do disposto nos artigos 18º, nº 2 e 3, e 34º, nº 4, da Constituição
da República Portuguesa”;
b) “(...) norma extraída pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo segundo a qual
“após a alteração legislativa de 2000 a maior complexidade na elaboração do auto
de gravação impõe a adopção de critério mais dilatado quanto ao requisito da
imediatividade da sua apresentação” é ainda inconstitucional por violação do
disposto nos artigos 13º, 18º, nºs 2 e 3, e 34º, nº 4, da Constituição da
República Portuguesa”;
c) “(...) norma extraída pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo do artigo 188º,
nº 1, do Código de Processo Penal, segundo a qual o inciso imediatamente deve
ser interpretado “dentro das contingências inerentes à complexidade e dimensão
do processo”, equivalendo, nessa medida, ao “tempo mais rápido possível” é
inconstitucional por violação do disposto nos artigos 18º, nº s 2 e 3, 32º, nº
1, e 34º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa”;
d) “(...) norma extraída pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo do artigo 188º,
nº 1 do Código de Processo Penal, segundo a qual, nos casos em que decida
proceder pessoalmente à integral audição dos suportes magnéticos que lhe hajam
sido entregues, fica ao livre arbítrio do Juiz de Instrução Criminal a
determinação do lapso de tempo em que o teor dessas mesmas conversações
telefónicas deva ser conhecido”, por violação do disposto nos artigos 18º, nºs 2
e 3 e 34º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa;
e) “(...) norma extraída pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo dos artigos
187º, nº 1 e 188º, nº 1, do Código de Processo Penal, segundo a qual “uma vez
autorizada a intercepção e gravação por determinado período, pode ser concedida
autorização para a sua continuação sem que o juiz tome conhecimento do resultado
das anteriores conversações telefónicas interceptadas e gravadas”, por violação
dos artigos 32º, nºs 2 e 8, 34º, nº 4, e 18º, nºs 2 e 3 da CRP; e,
f) “(...) norma extraída pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo do disposto no
artigo 188º, nº 3, do Código de Processo Penal, segundo a qual “nada impõe que a
ordem de destruição seja dada imediatamente após a primeira selecção, podendo o
Juiz aditar aos “autos de gravação” sessões que haja anteriormente considerado
irrelevantes para a prova”, por violação das normas dos artigos 32º, nº 1 e 8,
18º, nº s 2 e 3 e 34º, nº 4, da CRP.
***
Constituem requisitos essenciais do recurso interposto ao abrigo da
alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, da LTC, que o tribunal recorrido tenha
aplicado como ratio decidendi uma norma cuja inconstitucionalidade tenha sido
suscitada de forma adequada durante o processo.
Nestes termos, notifique o recorrente e o recorrido para, no prazo
legal, alegar e contra-alegar, respectivamente, bem como para se pronunciarem,
querendo, sobre a possibilidade do Tribunal não tomar conhecimento das questões
de constitucionalidade constantes das alíneas a), d), e) e f), supra referidas,
com base no eventual entendimento de o Tribunal recorrido não ter aplicado, como
ratio decidendi, as normas aí impugnadas; bem, ainda, como da questão aqui
identificada pela alínea b), neste caso sob o eventual pretexto de o recorrente
não ter controvertido a constitucionalidade de uma norma ancorada num preceito
de direito positivo, sendo que a identificação da base legal à qual se imputa a
norma cuja constitucionalidade se pretende ver apreciada constitui um momento
insuprível do controlo de constitucionalidade, na medida em que importa saber se
essa base legal elegida para a fiscalização de constitucionalidade se apresenta
como idónea a suportar esse sentido (cf., neste sentido, o Acórdão n.º 416/03,
publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 57º vol., p. 279)”.
2.6 – Na sequência, o recorrente apresentou as suas alegações de
recurso e formulou as seguintes conclusões:
“(...)
I. A norma extraída do artigo 188°, nº 1, do Código de
Processo Penal, segundo a qual é “no termo de cada período de escuta, e não logo
a seguir a cada conversação telefónica interceptada que deve ser elaborado o
auto de gravação com indicação pelo órgão de polícia criminal das passagens
relevantes para a prova” é inconstitucional, por violação do disposto nos
artigos 18°, nº 2 e 3, e 34°, nº 4, da Constituição da República Portuguesa.
II. Entende o Recorrente que, contrariamente à questão
prévia que o Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Relator suscitou, a posição da
primeira instância foi sufragada pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto
precisamente com base na aplicação da norma acima enunciada;
III. Considera, pois, o Arguido que a aludida interpretação
normativa constitui a “ratio decidendi” da decisão recorrida, sendo certo que aí
se diz expressamente que o procedimento adoptado em primeira instância respeitou
a exigência contida na lei nos termos em que a interpretou o Tribunal
Constitucional nos seus Acórdãos nºs 426/05, 4/96, onde se sustentou
precisamente que os autos podem ser apresentados após o “período autorizado de
intercepções”.
IV. Sucede que a norma extraída quer pelo Juiz de Instrução
Criminal quer pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto do artigo 188°, nº 1,
do Código de Processo Penal, na versão que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei nº
320-C/2000, é manifestamente inconstitucional, por violar os artigos 18°, nº 2 e
3, e 34°, nº 4, da Constituição da República Portuguesa.
V. Apesar de o artigo 188°, nº 1, do Código de Processo
Penal, na versão anterior à actualmente vigente, não ser suficientemente
esclarecedor quanto ao momento a partir do qual o auto de gravação deve ser
lavrado e “imediatamente” levado ao conhecimento do Juiz de Instrução Criminal,
o escopo das formalidades prescritas no aludido preceito consiste em acautelar
que as operações de escutas telefónicas sejam efectiva e continuadamente
acompanhadas pelo Juiz de Instrução Criminal, de modo a que escutas
injustificadas ou desnecessárias sejam feitas cessar tão depressa quanto
possível (evitando a desnecessária compressão dos direitos fundamentais à
palavra, à reserva da intimidade privada e à inviolabilidade das
telecomunicações) e a que a aquisição das provas obtidas por esse meio seja
submetida a um crivo judicial prévio.
VI. Atendendo aos direitos fundamentais cuja restrição ao
mínimo o “pensamento legislativo” subjacente à regra plasmada no artigo 188°, nº
1, do Código de Processo Penal visou garantir, o critério interpretativo a
adoptar não pode deixar de ser aquele que assegure um maior acompanhamento
judicial das operações em que se materializa este especifico meio de obtenção de
prova (conforme tem sustentado a jurisprudência do Tribunal Constitucional),
VII. Critério interpretativo este que terá, necessariamente de
passar pela conclusão de que, no decurso do período pelo qual foi autorizada a
realização de escutas de telefónicas, devem ser apresentados ao Juiz de
Instrução Criminal “autos de gravação” intercalares, procedimento que assegura
um maior acompanhamento das operações de escutas do que a mera elaboração de um
só auto no “termo do período autorizado” (o que poderia significar a realização
de escutas durante três meses sem que as mesmas fossem objecto de qualquer
controlo judicial).
VIII. Caso contrário, a regra do artigo 188°, nº 1 do Código de
Processo Penal perderia todo o seu efeito útil, pois, nos casos em que o prazo
inicialmente concedido para as escutas não fosse objecto de prorrogação, não
haveria qualquer acompanhamento judicial contínuo, efectivo e “materialmente
próximo da fonte”, mas apenas, um controlo a posteriori.
IX. O Acórdão nº 4/2006 do Tribunal Constitucional, invocado
no aresto recorrido, não só merece a discordância do Recorrente como é contrário
à posição defendida em muitos outros arestos proferidos por este mesmo Tribunal
(vide, a título meramente exemplificativo Acórdãos nºs 407/97, 347/2001,
528/2003, 379/2004, 324/2006, in www.dgsi.pt) e cujas conclusões perpassam todas
as alterações legislativas ao aludido normativo, porquanto estas influência
alguma tiveram quanto ao esclarecimento da questão da obrigatoriedade da
apresentação de autos intercalares.
X. Por outro lado, caso fosse aplicável ao presente
processo a actual redacção do artigo 188º do Código de Processo Penal, seria
proibida a utilização de grande parte das conversações telefónicas dos Arguidos
B. e C., atenta a redacção do no nº 3 do artigo 188º introduzida pela Lei nº
48/2007, de 29 de Agosto, porquanto, os respectivos autos de gravação foram
levados à Meritíssima Juiz do Tribunal a quo mais de 17 dias depois de terem
sido lavrados.
XI. Ainda que não aplicáveis ao presente processo, as normas
que se acham consignadas no actual artigo 188º do Código de Processo Penal,
constituem mais um precioso contributo para que este Tribunal forme a sua
convicção quanto à inconstitucionalidade da interpretação normativa em que se
estriba a decisão que declarou válidas as escutas telefónicas efectuadas aos
números de telefone pessoais dos Arguidos C. e A., na medida em que na sua base
esteve o labor deste Tribunal que tantas vezes se pronunciou sobre a
(in)constitucionalidade das diferentes dimensões interpretativas do normativo em
apreço e apelou a que fosse assegurado o acompanhamento judicial próximo e
efectivo das escutas telefónicas.
C.
XII. Quanto à questão colocada no Despacho de dia 9 de Abril de 2008,
sobre se a base legal indicada é idónea a suportar o sentido interpretativo cuja
inconstitucionalidade se invocou, cumprirá esclarecer que, pese embora a
alteração legislativa de 2000, a interpretação normativa que aqui se pretende
ver apreciada foi extraída pelo Tribunal a quo do referido artigo 188°, nº 1, do
Código de Processo Penal, sendo também com base na regra de que a complexidade
“na elaboração do auto de gravação impõe a adopção de critério mais dilatado
quanto ao requisito da imediatividade da sua apresentação” que o Tribunal a quo
valida as escutas efectuadas, em desrespeito pelo teor literal do artigo.
XIII. Acresce que, apesar de os Órgãos de Polícia Criminal terem
passado a ter de investir mais tempo na elaboração do competente “auto de
gravação”, com a exigência da indicação das passagens da gravação consideradas
relevantes, a verdade é que o advérbio “imediatamente” se reporta, não à
elaboração do auto, mas antes à sua remessa ao Juiz de Instrução Criminal.
XIV. Assim, razão alguma existe que possa justificar o facto de,
uma vez lavrados, os “autos de gravação” não terem sido imediatamente levados ao
conhecimento da Meritíssima Juiz do Tribunal de Instrução Criminal de Gondomar,
pois tal envio não implicava qualquer outra operação que não fosse a mera
elaboração pelo Ministério Público de uma promoção acompanhada dos respectivos
autos e dos suportes magnéticos das gravações.
XV. Deste modo, afastar-se a aplicação do inciso “imediatamente”
em prol da “adopção de critério mais dilatado” consubstancia uma interpretação
inconstitucional na medida em que dificulta o acompanhamento efectivo e
“materialmente próximo da fonte” que, de acordo com a posição unanimemente
defendida pelo Tribunal Constitucional, deve ser feito pelo Juiz em matéria de
escutas telefónicas, implicando ainda a permanência de conversações já
interceptadas e gravadas durante longos períodos de tempo sem serem
judicialmente conhecidas.
XVI. A falta de imediação judicial pode também conduzir a uma
devassa, muito para além do constitucionalmente permitido, dos direitos
escutados com a divulgação pública, conforme, como é sabido, também aqui
sucedeu, das conversações telefónicas interceptadas.
XVII. Pelo exposto, não pode senão ser considerada inconstitucional,
por violação do disposto nos artigos 13°, 18°, nºs 2 e 3, e 34°, nº 4, da
Constituição da República Portuguesa, a norma extraída pelo Tribunal a quo do
artigo 188°, nº 1, do Código de Processo Penal segundo a qual “após a alteração
legislativa de 2000 a maior complexidade na elaboração do auto de gravação impõe
a adopção de critério mais dilatado quanto ao requisito da imediatividade da sua
apresentação” é ainda inconstitucional.
D.
XVIII. A interpretação do artigo 188°, nº 1, do Código de Processo
Penal, nos termos da qual, “o inciso imediatamente deve ser interpretado “dentro
das contingências inerentes à complexidade e dimensão do processo”, equivalendo,
nessa medida, ao “tempo mais rápido possível” é inconstitucional por violação do
disposto nos artigos 18°, nºs 2 e 3, 32°, nº 1, e 34°, nº 4, da Constituição da
República Portuguesa.
XIX. Sobre esta mesma questão já se pronunciou, por diversas
vezes, o Tribunal Constitucional, considerando que a complexidade do processo e
a eventual escassez de meios técnicos e humanos a que o douto Acórdão recorrido
faz apelo não pode implicar a preterição das formalidades imperativamente
prescritas em matéria de escutas telefónicas, atentos os direitos de defesa do
arguido que expressamente são consagrados no artigo 32º da CRP, bem como os
direitos fundamentais quer do Arguido quer de terceiros coarctados com as
escutas telefónica.
XX. Aliás, tal como no caso apreciado no Acórdão nº 407/97,
fazer equivaler o advérbio “imediatamente” ao mais rápido tempo possível veio a
significar longos períodos de tempo sem que o teor das conversações
interceptadas e gravadas fossem objecto de controlo judicial, tendo o próprio
Venerando Tribunal a quo reconhecido, na decisão sub judice, que os 30 a 40 dias
que nalguns casos mediaram entre a elaboração do auto de gravação e a sua
remessa ao Juiz de Instrução Criminal, no presente processo, se afiguram
distantes do conceito de “imediatamente”.
XXI. Atento o exposto, o ónus das dificuldades técnicas e da
complexidade do processo não pode, em caso algum, correr por conta do Arguido,
devendo, em tais circunstâncias, sacrificar-se a prossecução da investigação e
punição do crime em prol dos direitos fundamentais dos Arguidos e todas as
demais pessoas que, por essa via, são também escutadas.
E.
XXII. Deverá considerar-se inconstitucional, por violação do disposto nos
artigos 18°, nºs 2 e 3 e 34°, nº 4 da Constituição da República Portuguesa, a
norma extraída pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal de Instrução Criminal de
Gondomar e confirmada pelo Tribunal a quo, do artigo 188°, nº 1 do Código de
Processo Penal, segundo a qual, “nos casos em que decida proceder pessoalmente à
integral audição dos suportes magnéticos que lhe hajam sido entregues, fica ao
livre arbítrio do Juiz de Instrução Criminal a determinação do lapso de tempo em
que o teor dessas mesmas conversações telefónicas interceptadas deva ser
conhecido”.
XXIII. Desde logo, respondendo ao convite que lhe foi endereçado pelo
Exmo. Senhor Juiz Relator, caberá ao Recorrente referir que também a
interpretação normativa acima enunciada constitui ratio decidendi do Acórdão
recorrido, na medida em que o Venerando Tribunal da Relação do Porto alicerça a
sua posição no facto de a Meritíssima Juiz de Instrução Criminal ter procedido à
audição de todas as gravações interceptadas (fls. 26939) e na ilação de que “tal
procedimento foi o mais adequado a um efectivo controlo das operações” (fls.
26942).
XXIV. Semelhantes elementos apontam para uma conclusão decisória segunda
a qual existiu um acompanhamento judicial das operações em que se materializam
as escutas pela audição pessoal das mesmas, não obstante não ter sido
rigorosamente respeitado o inciso imediatamente consagrado no artigo 188°, nº 1,
do Código de Processo Penal.
XXV. No que concerne à inconstitucionalidade da interpretação ora em
apreço, saliente-se, desde logo, que atendendo ao elevado número de arguidos que
se encontravam “sob escuta” e ao tempo que necessariamente implicaria a integral
audição das mesmas, deveria a Meritíssima Juiz de Instrução Criminal ter
“lançado mão” do mecanismo previsto no artigo 188, nº 4, do Código de Processo
Penal (criado justamente para agilizar o acompanhamento próximo e efectivo das
escutas telefónicas pelo Juiz) ao invés de promover um enorme desfasamento entre
as conversações interceptadas e já gravadas e a sua apreciação do teor das
mesmas (como resulta dos despachos de fls. 1110 e seguintes, 1266 e seguintes,
1571 e seguintes, 1648 e seguintes e 1872 e seguintes, nos quais a Meritíssima
Juiz de Instrução Criminal pronuncia-se, não sobre a “Promoção” do Ministério
Público que mais recentemente lhe havia sido remetida, mas sobre promoções bem
mais antigas).
XXVI. Aliás, o próprio Tribunal Constitucional, já considerou por várias
vezes que a audição pessoal pelo Juiz da totalidade das gravações não é o único
método constitucionalmente admissível de se efectivar o acompanhamento judicial
das operações em que se materializam as escutas telefónicas.
XXVII. Ora, se a Meritíssima Juiz do Tribunal de Instrução Criminal de
Gondomar não se socorreu, como podia e deveria ter feito, daquele auxílio, não
pode o Tribunal a quo valer-se do tempo que sempre demora ouvir pessoalmente as
gravações para com isso justificar os graves e excessivos atrasos registados
entre a gravação das conversas interceptadas e o seu controlo e (falta de)
acompanhamento judiciais.
XXVIII. Dando aqui por reproduzido o que se aduziu em pontos anteriores da
presente peça processual sobre os direitos fundamentais atingidos pelas escutas
telefónicas e sobre a necessidade de ponderação entre essa restrição e os fins
da investigação criminal, não poderá a interpretação da norma ora posta em crise
deixar de ser considerada inconstitucional atenta (também) a violação do
princípio da proporcionalidade que nesta matéria deverá reger.
F.
XXIX. Deverá ainda este Tribunal julgar inconstitucional, por violação
dos artigos 32°, nºs 2 e 8, 34°, nº 4 e 18°, nºs 2 e 3 da CRP, a norma extraída
pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo dos artigos 187°, nº 1 e 188°, nº 1 do
Código de Processo Penal, segundo a qual uma vez autorizada a intercepção e
gravação por determinado período, pode ser concedida autorização para a sua
continuação sem que o juiz tome conhecimento do resultado das anteriores
conversações telefónicas interceptadas e gravadas”.
XXX. Com efeito, é na aludida interpretação do artigo 188°, nº 1 do
Código de Processo Penal que o Tribunal a quo – conquanto reconhece
expressamente que as sucessivas prorrogações dos prazos de intercepção e
gravação das conversações telefónicas dos Arguidos que tiveram “sob escuta”
foram ordenadas sem que previamente a Meritíssima Juiz do Tribunal de Instrução
Criminal de Gondomar tivesse tomado conhecimento de comunicações anteriormente
interceptadas – se alicerça para indeferir a nulidade das escutas.
XXXI. E tanto assim é que no douto Acórdão recorrido se citam, a esse
propósito, os excertos do douto Despacho de Pronúncia em que tal interpretação é
desenvolvida e explicada, acrescentando-se apenas, e na esteira do que havia já
sido propugnado pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal de Instrução Criminal de
Gondomar, que “todo o manancial probatória das sessões anteriormente escutadas
permitia” ao Juiz que ordenou as escutas “ter fortes razões para crer que
continuava a haver grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova
na continuação da intercepção do telefone a que dizia respeito a prorrogação”.
XXXII. Uma vez que a Meritíssima Juiz do Tribunal de Instrução Criminal de
Gondomar não tinha ainda tomado conhecimento do teor de todas as conversações
telefónicas interceptadas, limitou-se a acolher o que lhe havia sido sugerido
pelo Ministério Público, dando uma autorização meramente formal, e não válida e
devidamente fundamentada, às requeridas prorrogações dos prazos das escutas.
XXXIII. O legislador ordinário, na densificação do artigo 34°, n°4 da CRP
procurou dotar a realização das operações inerentes às escutas telefónicas de um
conjunto de formalidades que permitissem ao Juiz de Instrução Criminal exercer
um controlo efectivo e “materialmente próximo da fonte” deste especifico meio de
prova, o que implica que a prorrogação do prazo pelo qual foi inicialmente
autorizada a realização de escutas telefónicas seja seguida da tomada de
conhecimento, pelo Juiz de Instrução Criminal do teor de todas as conversações
telefónicas já interceptadas e gravadas pelos Órgãos de Polícia Criminal.
XXXIV. Sem conhecer todas as conversas que haviam sido já gravadas, não podia
a Meritíssima Juiz do Tribunal de Instrução Criminal presumir, em face do teor
daquelas que havia já ouvido, que a conduta criminosa iria continuar e que, por
isso, se afigurava plenamente justificada a prorrogação de prazo de intercepção
e gravação das comunicações telefónicas dos Arguidos.
XXXV. Além de consubstanciar uma inconstitucional e, nessa medida,
inadmissível restrição dos direitos das pessoas “escutadas”, o entendimento
propugnado pelo Tribunal a quo em prol da validade dos despachos de prorrogação
e intercepção que se lhe seguiram colide, além de com os direitos acima
referidos, com a garantia da presunção de inocência, na medida em que
poder-se-ia ter dado o caso de qualquer dos Arguidos decidir, a dada altura, não
mais continuar a actividade que estava a ser investigada no âmbito do inquérito,
o que o Juiz de Instrução sempre ignoraria se não conhecesse o teor das
conversações telefónicas interceptadas e já gravadas.
XXXVI. Ora, sendo o “auto de gravação” omisso quanto aos factos que
resultavam das conversações telefónicas gravadas e não tendo sequer a
Meritíssima Juiz de Instrução Criminal recorrido aos Órgãos de Polícia Criminal
para saber, ainda que de forma resumida, o teor das conversações telefónicas
interceptadas e gravadas, nada poderia saber quanto ao conteúdo dessas mesmas
conversações telefónicas, pelo que se limitou a confiar no juízo que os Órgãos
de Polícia Criminal e o próprio Ministério Público fizeram acerca da necessidade
da manutenção das escutas.
XXXVII. Por outro lado, é também destituído de sentido o argumento de segundo o
qual a circunstância de os campeonatos de futebol em que os Arguidos intervinham
se prolongar por toda a época desportiva levar a presumir que a actividade
criminosa continuaria até que terminasse aquele evento desportivo, pois tal, no
extremo, legitimaria 10 meses de escutas telefónicas sem qualquer acompanhamento
judicial.
XXXVIII. Foi já firmada jurisprudência neste Tribunal no
sentido de que a interpretação do artigo 188°, nº 1 do Código de Processo Penal
nos termos da qual, uma vez autorizada a intercepção e gravação por determinado
período, pode ser concedida autorização para a sua continuação sem que o juiz
tome conhecimento do resultado das anteriores conversações é inconstitucional.
XXXIX. Acresce ainda que no mesmo Despacho (fls. 1095 e seguintes) em que
foram decididas novas prorrogações dos prazos das escutas ao seu telemóvel
pessoal e ao do Arguido, C., a Meritíssima do Tribunal de Instrução Criminal de
Gondomar entendeu não autorizar a prorrogação requerida relativamente às escutas
de outros Arguidos, alegando, justamente que não podia tomar tal decisão
porquanto não havia ainda conhecido de todas as conversações telefónicas
anteriormente gravadas.
XL. É, pois, firme convicção do Arguido que outra decisão não
poderá este Tribunal adoptar que não seja a de considerar inconstitucional, por
violação dos artigos 32°, nºs 2 e 8, 34°, nº 4 e 18°, nºs 2 e 3 da CRP, a norma
que Tribunal a quo extraiu dos artigos 187°, nº 1 e 188°, nº 1 do Código de
Processo Penal, para julgar válidas as escutas telefónicas realizadas durante as
prorrogações que foram ordenadas sem que previamente tivessem sido judicialmente
conhecidas o teor das conversações interceptadas e já gravadas.
(...)”.
2.7 – Por seu turno, o representante do Ministério Público
contra-alegou concluindo que:
“(...)
1. Porque o recorrente nas alegações apresentadas neste Tribunal nada disse
quanto à questão de constitucionalidade que vinha enunciada na alínea f) do
despacho do Excelentíssimo Senhor Relator que delimitou o objecto do recurso,
não deve tal questão integrar esse mesmo objecto.
2. Por não estarem reunidos todos os requisitos e pressupostos, não deverá
conhecer-se do objecto do recurso relativamente às questões de
constitucionalidade referidas nas alíneas a), b), d) e e) daquele mesmo
despacho.
3. A conhecer-se, e uma vez que as normas em causa na dimensão efectivamente
aplicada não violam qualquer princípio ou preceito constitucional, não devem as
mesmas ser julgadas inconstitucionais.
4. Desde que se verifique que tenha havido um controlo judicial eficaz das
interferências nas comunicações – como sucedeu no caso dos autos – a norma do
artigo 188º, nº 1, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual
o inciso imediatamente deve ser interpretado “dentro das contingências inerentes
à complexidade e dimensão do processo”, equivalendo nessa medida “ao tempo mais
rápido possível” não é inconstitucional.
5. Termos em que não deverá proceder o presente recurso”.
Cumpre agora julgar.
B – Fundamentação
3 – Em primeiro lugar, importa considerar a “questão prévia” relativa ao não
conhecimento do recurso de constitucionalidade quanto às seguintes normas: [a)]
“norma extraída pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo do artigo 188º, nº 1, do
Código de Processo Penal segundo a qual é no termo de cada período de escuta, e
não logo a seguir a cada conversação telefónica interceptada, que deve ser
elaborado o auto de gravação com indicação pelo órgão de polícia criminal das
passagens relevantes para a prova”; [b)] “norma extraída pelo Meritíssimo Juiz
do Tribunal a quo segundo a qual após a alteração legislativa de 2000 a maior
complexidade na elaboração do auto de gravação impõe a adopção de critério mais
dilatado quanto ao requisito da imediatividade da sua apresentação”; [c)] “norma
extraída pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo do artigo 188º, nº 1 do Código
de Processo Penal, segundo a qual, nos casos em que decida proceder pessoalmente
à integral audição dos suportes magnéticos que lhe hajam sido entregues, fica ao
livre arbítrio do Juiz de Instrução Criminal a determinação do lapso de tempo em
que o teor dessas mesmas conversações telefónicas deva ser conhecido”; [d)]
“norma extraída pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo dos artigos 187º, nº 1 e
188º, nº 1, do Código de Processo Penal, segundo a qual uma vez autorizada a
intercepção e gravação por determinado período, pode ser concedida autorização
para a sua continuação sem que o juiz tome conhecimento do resultado das
anteriores conversações telefónicas interceptadas e gravadas”; e, finalmente,
[e)] “norma extraída pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo do disposto no
artigo 188º, nº 3, do Código de Processo Penal, segundo a qual nada impõe que a
ordem de destruição seja dada imediatamente após a primeira selecção, podendo o
Juiz aditar aos “autos de gravação” sessões que haja anteriormente considerado
irrelevantes para a prova”.
Como se deixou consignado no despacho que equacionou a possibilidade do Tribunal
não tomar conhecimento do recurso quanto a essas normas, a questão decidenda diz
respeito a saber se as normas supra transcritas sob as alíneas a), c), d) e e)
foram, ou não, aplicadas como ratio decidendi do acórdão recorrido, e, quanto à
norma referida em b), se a questão de constitucionalidade foi adequadamente
suscitada pelo facto do recorrente não ter controvertido perante o tribunal a
quo a constitucionalidade de uma norma ancorada num preceito de direito
positivo.
Começando pela análise do primeiro fundamento, importa começar por referir que
um dos pressupostos determinantes da admissibilidade do recurso interposto ao
abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, consiste na
exigência de que a norma constitucionalmente censurada tenha constituído ratio
decidendi do juízo recorrido, pois só nessa circunstância terá a decisão do
Tribunal Constitucional a possibilidade de projectar-se no caso sub judicio,
sendo certo que, como se afirmou no Acórdão n.º 112/84, o Tribunal
Constitucional, enquanto “(...) órgão jurisdicional, nunca age, nem pode aceitar
agir, como se fosse um órgão consultivo em matéria jurisdicional (...), toda e
qualquer apreciação e declaração de inconstitucionalidade de uma norma não pode
deixar de produzir efeito no caso sub judice; não pode, e não deve, com efeito,
o Tribunal Constitucional, pronunciar-se sobre «pleitos puramente teóricos ou
académicos» (cf. Acórdão n.º 149 da Comissão Constitucional)”, o que sucederia,
inequivocamente, em todas as situações onde a formulação de um juízo de
constitucionalidade sobre determinada norma não se viesse a repercutir na
decisão recorrida porque o critério legal em crise não foi, afinal, aplicado ao
caso concreto como ratio decidendi do juízo proferido.
3.1 – Perscrutados os fundamentos da decisão recorrida, pode verificar-se que a
“norma (...) do artigo 188º, nº 1, do Código de Processo Penal segundo a qual é
no termo de cada período de escuta, e não logo a seguir a cada conversação
telefónica interceptada, que deve ser elaborado o auto de gravação com indicação
pelo órgão de polícia criminal das passagens relevantes para a prova”, não foi
aplicada, na dimensão normativa questionada, como ratio decidendi do acórdão do
Tribunal da Relação do Porto.
Tal proposição é confirmada pelo excerto da decisão relativo à matéria
circunstancialmente em causa, podendo aí ler-se o seguinte:
“(...)
Se atentarmos bem na análise dos mapas de fls. 5929 e seguintes que registam as
datas dos autos de gravação das escutas e as datas da sua apresentação ao JIC,
verificamos que em muitas situações a entidade encarregada de executar as ditas
gravações, optou por apresentar ao Jic, na mesma data, autos de gravações de
datas diferentes, ou seja, foi procedendo a várias gravações e só findo
determinado período de gravação é que a apresentou. Veja-se, por exemplo, a fls.
5930, em que no dia 20 de Agosto de 2003, foram apresentadas as gravações dos
dias 16, 24 e 31 de Julho e 8 e 18 de Agosto de 2003. E a fls. 5933 e seguintes
em que no dia 12 de Dezembro de 2003 foram apresentadas ao Jic as gravações dos
dias 6, 12, 17, 21 e 24 de Novembro e 3 de Dezembro de 2003.
Pelo que faz todo o sentido o afirmado pelo Ministério Público na
sua resposta, ao dizer:
“ Exigir que os órgãos de polícia criminal procedessem às gravações
à medida que fossem fazendo as intercepções e lavrassem logo os respectivos
autos de gravação e os entregassem imediatamente à juiz após a elaboração de
cada um deles, como parece querer sustentar o arguido a fls. 33, seria, isso
sim, um verdadeiro descontrolo das intercepções, não só para a Polícia
Judiciária, mas sobretudo para a Juiz que as autorizou, pois que cada Alvo
tinha, no período autorizado, vários autos de gravação, com dezenas e até
centenas de sessões cada um, e eram vários Alvos (telefones) interceptados. Isso
sim colocaria em perigo os direitos dos arguidos, pois levaria à confusão total
sem garantia do que quer fosse.
…
Por isso a tese defendia pelo arguido a fls. 9 a 14, 23 e 33 da sua motivação de
recurso, de que “imediatamente” terá de ser interpretado no seu sentido literal,
e de que se deveria ter procedido a gravações à medida que fossem interceptadas
as conversações, devendo ser lavrado o respectivo auto de gravação que seria
levado imediatamente ao conhecimento da juiz, traduzir-se-ia numa total anarquia
em termos de controlo judicial das escutas…
O procedimento adoptado de gravar várias conversações interceptadas, num mesmo
CD, elaborar os correspondentes autos de gravação e de juntar vários autos de
gravação para os levar ao conhecimento da Juiz, respeitou a exigência contida na
lei, nos termos em que a interpretou o Tribunal Constitucional nos seus Acórdãos
nºs 426/05, 4/06, onde se admite que tais autos possam ser apresentados
imediatamente após o período autorizado de intercepções (o que neste caso foi
mais que cumprido pois foram apresentados autos intercalares)”.
Daqui resulta, pois, que apesar dos autos de gravação não terem sido elaborados
após cada conversação interceptada, o certo é que foram realizados antes do
termo de cada período autorizado e levados ao conhecimento do juiz através da
apresentação de autos intercalares.
De resto, como faz notar o representante do Ministério Público junto deste
Tribunal, é paradigmática a resposta dada por esta entidade na resposta à
motivação do recurso interposto para a Relação na parte em que controverte a
alegada inconstitucionalidade denunciando que “nos presentes autos nada disso se
passou, dado que os referidos autos de intercepção e gravação, sempre foram
apresentados ao Juiz de Instrução Criminal, com os CDs, em períodos que andaram,
no início entre 2 a 6 dias (quando havia poucos alvos interceptados), depois, à
volta dos 10 a 15 dias e, nalguns casos, à volta dos 30 dias (quando já havia
muitos mais alvos interceptados), sendo certo que nestes casos de maior dilação
os prazos de autorização de intercepção eram de 60 a 90 dias”.
Não se olvidará, decerto, que a decisão em causa considera admissível que os
autos de intercepção e gravação possam ser apresentados após o período
autorizado das intercepções. Contudo, atenta a realidade valorada em juízo, essa
menção, apenas releva enunciativamente – a maiori ad minus – ao nível da
configuração dos limites de validade da actuação judicial, ficando a norma
aplicada aquém desse critério, sendo incontornável que esse arrimo metodológico
acaba por precipitar-se num concreto resultado interpretativo, que, pela sua
autonomia normativa e em face do pedaço de realidade nele vertido, não pode
considerar-se coincidente com norma erigida em objecto do recurso de
constitucionalidade, nele se afirmando um critério diferenciado em função do
momento em que os autos foram realizados e levados ao conhecimento do juiz.
Por essa razão, qualquer que fosse o julgamento em matéria de
constitucionalidade o mesmo não teria a virtualidade de implicar a alteração do
juízo da Relação, que sempre se manteria incólume à decisão do Tribunal
Constitucional uma vez que a interpretação questionada do artigo 188.º, n.º 1,
do Código de Processo Penal, no sentido de que os autos de gravação podem ser
elaborados após o termo de cada período de escutas, não corresponde à ratio
decidendi sufragada pelo Tribunal da Relação, na medida em que, como se valorou,
os autos foram elaborados antes do termo desse período.
Assim sendo, não se conhecerá do recurso de constitucionalidade quanto a tal
norma.
3.2 – Mutatis mutandis, o mesmo poderá dizer-se em relação à “norma extraída
pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo do artigo 188º, nº 1 do Código de
Processo Penal, segundo a qual, nos casos em que decida proceder pessoalmente à
integral audição dos suportes magnéticos que lhe hajam sido entregues, fica ao
livre arbítrio do Juiz de Instrução Criminal a determinação do lapso de tempo em
que o teor dessas mesmas conversações telefónicas deva ser conhecido”.
De modo a superar o carácter prolixo da formulação literal da norma supra
referida, considerem-se as alegações do recorrente na parte pertinente à questão
(conclusões XXIII a XXVIII):
“(...) Desde logo, respondendo ao convite que lhe foi endereçado pelo Exmo.
Senhor Juiz Relator, caberá ao Recorrente referir que também a interpretação
normativa acima enunciada constitui ratio decidendi do Acórdão recorrido, na
medida em que o Venerando Tribunal da Relação do Porto alicerça a sua posição no
facto de a Meritíssima Juiz de Instrução Criminal ter procedido à audição de
todas as gravações interceptadas (fls. 26939) e na ilação de que “tal
procedimento foi o mais adequado a um efectivo controlo das operações” (fls.
26942).
Semelhantes elementos apontam para uma conclusão decisória segunda a qual
existiu um acompanhamento judicial das operações em que se materializam as
escutas pela audição pessoal das mesmas, não obstante não ter sido rigorosamente
respeitado o inciso imediatamente consagrado no artigo 188°, nº 1, do Código de
Processo Penal.
No que concerne à inconstitucionalidade da interpretação ora em apreço,
saliente-se, desde logo, que atendendo ao elevado número de arguidos que se
encontravam “sob escuta” e ao tempo que necessariamente implicaria a integral
audição das mesmas, deveria a Meritíssima Juiz de Instrução Criminal ter
“lançado mão” do mecanismo previsto no artigo 188, nº 4, do Código de Processo
Penal (criado justamente para agilizar o acompanhamento próximo e efectivo das
escutas telefónicas pelo Juiz) ao invés de promover um enorme desfasamento entre
as conversações interceptadas e já gravadas e a sua apreciação do teor das
mesmas (como resulta dos despachos de fls. 1110 e seguintes, 1266 e seguintes,
1571 e seguintes, 1648 e seguintes e 1872 e seguintes, nos quais a Meritíssima
Juiz de Instrução Criminal pronuncia-se, não sobre a “Promoção” do Ministério
Público que mais recentemente lhe havia sido remetida, mas sobre promoções bem
mais antigas).
Aliás, o próprio Tribunal Constitucional, já considerou por várias vezes que a
audição pessoal pelo Juiz da totalidade das gravações não é o único método
constitucionalmente admissível de se efectivar o acompanhamento judicial das
operações em que se materializam as escutas telefónicas.
Ora, se a Meritíssima Juiz do Tribunal de Instrução Criminal de Gondomar não se
socorreu, como podia e deveria ter feito, daquele auxílio, não pode o Tribunal a
quo valer-se do tempo que sempre demora ouvir pessoalmente as gravações para com
isso justificar os graves e excessivos atrasos registados entre a gravação das
conversas interceptadas e o seu controlo e (falta de) acompanhamento judiciais.
Dando aqui por reproduzido o que se aduziu em pontos anteriores da presente peça
processual sobre os direitos fundamentais atingidos pelas escutas telefónicas e
sobre a necessidade de ponderação entre essa restrição e os fins da investigação
criminal, não poderá a interpretação da norma ora posta em crise deixar de ser
considerada inconstitucional atenta (também) a violação do princípio da
proporcionalidade que nesta matéria deverá reger”.
Daqui se depreende que, na óptica do recorrente, a norma cuja
constitucionalidade se pretende ver sindicada acaba por radicar num juízo
conclusivo consequencialmente formulado a partir do facto do juiz de instrução
ter decidido pela audição pessoal da totalidade das gravações sem mobilizar,
para tal, o expediente previsto no artigo 188.º, n.º 4, do Código de Processo
Penal, extraindo a partir daí a inconstitucionalidade do n.º 1 desse mesmo
preceito legal.
Em face de tal argumentação e do correspondente recorte da questão de
constitucionalidade, resulta claro que a norma em causa não foi aplicada como
ratio decidendi pelo acórdão recorrido.
Uma primeira razão, especificamente atinente ao controvertido período temporal,
prende-se com o facto do Tribunal a quo ter excluído a realidade em causa da
esfera da aplicação da hipótese prevista na norma impugnada considerando que
essa norma se refere ao lapso temporal circunscrito entre a elaboração do auto
de gravação e a sua apresentação ao juiz e “não ao tempo que medeia a elaboração
de tal auto e a audição e a ordem de transcrição”, o que apenas pode significar
que o controlo material da esfera temporal em que estas operações são
realizadas, com ou sem coadjuvação dos órgãos de policia criminal, terá
forçosamente de ser fundado na norma que se refere à realização dos referidos
actos e ao modus em que os mesmos podem ter lugar, não podendo ignorar-se que o
pressuposto em que se estriba a imputação da inconstitucionalidade se refere
expressamente às condições em que se desenvolve a mencionada actividade
jurisdicional e que se encontram estabelecidas nos nºs 3 e 4 do artigo 188.º do
Código de Processo Penal.
Por esse motivo, a ratio decidendi sufragada pela Relação não poderia
considerar-se referida ao n.º 1 desse preceito.
Por outro lado e em todo o caso, atendendo à valoração presente no acórdão
recorrido, não se vislumbra que a decisão haja sufragado a possibilidade de
deixar ao “livre arbítrio” do juiz a determinação do momento em que este deva
tomar conhecimento do teor das conversações gravadas, sendo notório, face ao
circunstancialismo emergente dos autos, que esse lapso temporal não resultou de
qualquer subjectividade do decidente, mas fora determinado por factores
objectivos, tais com a complexidade das operações em causa e a densidade do
controlo sobre elas exercido.
Não se ignora, relativamente a este último aspecto, que o recorrente contestou o
facto do juiz não ter “lançado mão” do mecanismo previsto no artigo 188, nº 4,
do Código de Processo Penal, que admite a possibilidade do “juiz pode[r] ser
coadjuvado, quando entender conveniente, por órgão de policia criminal (...)”,
optando, ao invés, por proceder à audição pessoal de todas as gravações
autorizadas.
Todavia, cumpre anotar que o recorrente não sindicou sub species constitutionis
a validade desse critério que serve de base normativa justificadora da referida
opção e a partir do qual se julgou adequado o procedimento de controlo das
operações.
Destarte, em face do exposto, não se tomará conhecimento do recurso de
constitucionalidade na parte em questão.
3.3 – Considere-se agora a hipótese relativa à “norma (...) dos artigos 187º, nº
1 e 188º, nº 1, do Código de Processo Penal, segundo a qual uma vez autorizada a
intercepção e gravação por determinado período, pode ser concedida autorização
para a sua continuação sem que o juiz tome conhecimento do resultado das
anteriores conversações telefónicas interceptadas e gravadas”.
Sobre essa matéria, o Tribunal da Relação pronunciou-se do seguinte modo:
“(...)
O recorrente coloca o acento tónico desta questão no facto de ter havido
autorização de prorrogações do prazo de intercepção e gravação das suas
comunicações telefónicas sem que a Meritíssima Juiz do Tribunal de Instrução
Criminal tivesse tomado conhecimento do teor de todas as conversações
anteriormente interceptadas.
Decidiu-se no tribunal recorrido:
“Ainda assim importa acrescentar que as conversações que a Meritíssima Juíza de
Instrução Criminal já tinha ouvido e ordenado a sua transcrição quando decidiu
proferir os despachos de prorrogação agora colocados em crise permitiram-lhe
concluir no sentido do grande interesse para a descoberta da verdade ou para a
prova na continuação da intercepção do telefone a que diziam respeito as
prorrogações.
E isto porque a reiteração das condutas era mais ou menos óbvia, nada havendo
nos autos que indiciasse ou permitisse pressupor a cessação daquela actividade
(é pelo menos a conclusão a que se chega quando analisados os autos de
transcrição). Não se olvide que os campeonatos de futebol em que os escutados
intervinham se prolongavam por toda a época desportiva, sendo que tudo isto,
associado à particular forma de actuação daqueles, conduzia à inevitável
conclusão de que continuava a haver fortes razões para crer que tais condutas se
iriam prolongar pelo menos até ao fim de tais campeonatos de futebol (o que só
iria ocorrer em Maio de 2004).
Por outro lado, dos autos (das sessões efectivamente escutadas, que é certo não
foram todas) resultava já aquando dos despachos de prorrogação que os
utilizadores dos telefones sob intercepção falavam uns com os outros, quer entre
telefones interceptados, quer através de telefones fixos ou móveis não
interceptados, para telefones interceptados, pelo que ao ouvir as sessões
telefónicas referentes a uns facilmente se concluía que havia fortíssimas razões
para crer que a prorrogação das intercepções de uns e outros telefones era
necessária para os efeitos a que alude a parte final do n.º 1 do art. 187º do
CPP.
Quero com tudo isto dizer que apesar da Meritíssima Juíza de Instrução ter
prorrogado prazos de intercepção na ocasião em que ainda não mandara transcrever
todas as sessões que lhe haviam sido no mesmo momento apresentadas, o certo é
que o resultado das sessões anteriormente escutadas permitia-lhe ter fortes
razões para crer que continuava a haver grande interesse para a descoberta da
verdade ou para prova na continuação da intercepção do telefone a que dizia
respeito a prorrogação.
Não foram assim, e também por isto, violadas as disposições legais constantes
dos arts 187º e 188º do CPP, tal como não se verifica qualquer violação do
princípio da proporcionalidade, consagrado no art. 18º da CRP, uma vez que a
quantidade de crimes a investigar e a comprovada reiteração das condutas
criminosas dos intervenientes legitimava, de forma não desproporcional, a
compressão do seu direito à palavra, à reserva da intimidade da vida privada, da
correspondência e das telecomunicações – cfr. art. 34º da CRP”.
Está, em nosso entender, mais que justificado e fundamentado o facto de ter
havido prorrogações de prazos de intercepção sem que, num caso ou outro,
tivessem sido ainda ouvidas as escutas imediatamente anteriores.
Mas, para além da interligação que existia nas várias escutas, como resulta dos
autos, devido ao número de escutas a decorrer, por vezes era materialmente
impossível à Srª Juíza de instrução, ouvir, “ em tempo útil”, ou seja, antes da
necessidade de prorrogação do prazo, todas as escutas.
Cessar abruptamente uma escuta para a retomar dias depois, não beneficiava de
modo algum a investigação, podendo mesmo contribuir para a sua frustração ou
inêxito.
Como bem anota, em nosso entender, o Ministério Público na sua resposta,
“ O que a data dos despachos, em que a Meritíssima Juiz de Instrução criminal
manda transcrever as passagens relevantes, revela é que foi nessa data que a
Meritíssima Juiz concluiu a análise (e por isso o conhecimento) de todas as
gravações que lhe foram apresentadas, o que significa que nos dias situados
entre a apresentação de tais autos de gravação e CDs e a prolação de tais
despachos (e não apenas nas datas dos despachos) a Meritíssima Juiz foi
analisando e seleccionado as passagens relevantes, tomando, ao longo desses
dias, e não apenas no último dia em que proferiu o despacho, conhecimento do
conteúdo das gravações apresentadas, tarefa que só concluiu quando datou e
assinou os despachos em que mandou transcrever aquelas que entendeu relevantes
para a prova.
…
Ou seja, muito embora a Meritíssima Juiz de Instrução tenha prorrogado prazos de
intercepção na ocasião em que ainda não mandara transcrever as sessões que lhe
foram, no mesmo momento, apresentadas, o que é certo é que todo o manancial
probatório das sessões anteriormente escutadas permitia-lhe ter fortes razões
para crer que continuava a haver grande interesse para a descoberta da verdade
ou para prova na continuação da intercepção do telefone a que dizia respeito a
prorrogação”.
A posição do despacho recorrido é inteiramente esclarecedora e merece a nossa
concordância, não havendo necessidade de lhe acrescentar ou fundamentar mais o
que quer que seja.
Pelo que também esta questão do recorrente será julgada improcedente”.
Este discurso denuncia claramente que a norma supra transcrita não foi aplicada
pelo tribunal a quo na dimensão normativa impugnada, não constituindo, como tal,
ratio decidendi do juízo firmado relativamente à matéria em crise, daí
resultando que o Tribunal jamais admitiu a possibilidade de prorrogação dos
prazos de intercepção no desconhecimento do resultado das anteriores
conversações interceptadas e gravadas, uma vez que o pressuposto assumido nesta
sede foi justamente o de firmar os despachos de prorrogação no resultado das
sessões escutadas na medida em que daí resultavam “fortes razões para crer que
continuava a haver grande interesse para a descoberta da verdade ou para prova
na continuação da intercepção do telefone a que dizia respeito a prorrogação”.
E o facto do Tribunal a quo ter admitido como possível a prorrogação dos prazos
de intercepção sem que, pontualmente, tivessem sido ouvidas as escutas
imediatamente anteriores não se afigura susceptível de alterar o sentido
normativo do critério aplicado, metamorfoseando-o na dimensão normativa
contestada pelo recorrente.
Na verdade, mesmo considerando esse dado, a decisão não deixa quaisquer dúvidas
de que os despachos de prorrogação se baseiam no efectivo conhecimento das
escutas anteriores, ainda que se excluam as “sessões que (...) foram, no mesmo
momento, apresentadas, é certo que todo o manancial probatório das sessões
anteriormente escutadas” permitiu ao Tribunal a prolação dos referidos despachos
a partir desse sustentáculo.
De resto, o próprio recorrente tem noção desta realidade, como resulta do
material alegatório que aportou aos presentes autos de recurso, pois aí
considera, a propósito da invalidade da presente norma, que o juiz de instrução
não poderá proferir despacho de prorrogação sem previamente tomar conhecimento
de todas as conversações previamente gravadas.
No entanto, como é perceptível, essa exigência de sentido não é coincidente com
a específica dimensão normativa que se controvertera perante o Tribunal a quo e
que o recorrente fez aportar aos presentes autos de recurso de
constitucionalidade.
E essa divergência não é irrelevante, nela se consubstanciando um distinto
critério normativo, não podendo fazer-se equivaler a “norma (...) dos artigos
187º, nº 1 e 188º, nº 1, do Código de Processo Penal, segundo a qual uma vez
autorizada a intercepção e gravação por determinado período, pode ser concedida
autorização para a sua continuação sem que o juiz tome conhecimento do resultado
das anteriores conversações telefónicas interceptadas e gravadas”, à norma
segundo a qual uma vez autorizada a intercepção e gravação por determinado
período, pode ser concedida autorização para a sua continuação sem que o juiz
tome conhecimento do resultado de todas as anteriores conversações.
Ora, considerando estas distintas dimensões normativas, conclui-se, com
meridiana clareza, que a Relação não aplicou como ratio decidendi a norma dos
artigos 187.º, n.º 1, e 188.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, no sentido
normativo cuja inconstitucionalidade foi controvertida pelo recorrente,
alicerçando, ao invés, a sua decisão num outro critério que sempre seria aqui
insindicável por corresponder a um inadmissível alargamento do objecto do
recurso.
3.4 – Quanto à “norma extraída pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo do
disposto no artigo 188º, nº 3, do Código de Processo Penal, segundo a qual nada
impõe que a ordem de destruição seja dada imediatamente após a primeira
selecção, podendo o Juiz aditar aos “autos de gravação” sessões que haja
anteriormente considerado irrelevantes para a prova”, constata-se que o
recorrente nada alegou neste Tribunal, daí resultando, consequentemente, o
abandono dessa questão com a inerente restrição do objecto do recurso tal como o
mesmo surge delimitado nas respectivas conclusões, razão pela qual não se
conhecerá dessa questão (artigo 684.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).
3.5 – Por fim, importa ainda considerar a questão prévia de não conhecimento do
objecto do recurso quanto à “norma extraída pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a
quo segundo a qual após a alteração legislativa de 2000 a maior complexidade na
elaboração do auto de gravação impõe a adopção de critério mais dilatado quanto
ao requisito da imediatividade da sua apresentação”.
Tal questão colocou-se por se haver entendido que o recorrente não controverteu
perante o Tribunal a quo a constitucionalidade de uma norma ancorada num
preceito de direito positivo.
Ora, como é consabido, a indicação do concreto preceito legal sob cuja veste a
norma aparece no nosso sistema jurídico é um elemento essencial para o
conhecimento da questão de constitucionalidade, não podendo ter-se por
adequadamente suscitada uma questão de constitucionalidade sem uma tal
identificação, em virtude de, no nosso sistema de fiscalização concreta de
constitucionalidade, apenas, poderem constituir objecto do recurso normas
jurídicas que estejam recortadas em disposições ou preceitos que resultem do
exercício de um poder normativo (conceito funcional de norma).
Em conformidade com o exposto, as exigências postuladas para a adequada
suscitação de uma questão de constitucionalidade normativa tornam apodíctico que
se individualize, perante o Tribunal a quo, um critério que se tenha
positivamente suportado por referência ao direito objectivo, a partir do qual se
desvela a concreta dimensão normativa que se pretende ver apreciada.
A este respeito, escreveu-se no Acórdão n.º 90/05, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt, o seguinte, que aqui se reitera:
“[…] só pode apresentar-se como sendo interpretação de uma determinada norma
jurídica, mesmo quando ela seja lida conjugadamente com outra ou outras normas
jurídicas, um sentido que seja referível ao seu teor verbal: é que, o intérprete
não pode considerar ‘o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um
mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso’ e deve
presumir ‘que o legislador […] soube exprimir o seu pensamento em termos
adequados’”
E no Acórdão n.º 531/05, disponível no mesmo site, disse-se, dentro da mesma
linha, o seguinte, que aqui também se renova:
“[…] em sede de recurso de constitucionalidade, “a norma sujeita a
fiscalização aparece sob a veste de um texto, de um preceito ou disposição
(artigo, base, número, parágrafo, alínea) e é a partir dessa forma verbal que
ela há-de ser encontrada, através dos métodos hermenêuticos” (Jorge Miranda,
Manual de Direito Constitucional, Coimbra Editora, vol. VI, 2ª edição, 2005, p.
166). Não pode, pois, no caso vertente, em que não houve sequer indicação do
preceito legal em causa, ter-se por observado o ónus de suscitação de uma
questão de inconstitucionalidade”.
Assim se concluindo que a identificação da base legal à qual se imputa a
norma cuja constitucionalidade se pretende ver apreciada é, pois, um momento
insuprível do controlo de constitucionalidade, na medida em que importa saber se
essa base legal elegida para a fiscalização de constitucionalidade se apresenta
como idónea a suportar esse sentido (cf. Neste sentido, o Acórdão n.º 416/03,
publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 57º vol., p. 279).
Não se podendo considerar a questão de constitucionalidade adequadamente
suscitada, a indicação da norma em causa nas alegações de recurso perante o
Tribunal Constitucional é manifestamente extemporânea e determina o não
conhecimento do objecto do recurso nesta parte.
4 – Delimitado o objecto do recurso, fica o mesmo circunscrito à norma do artigo
188.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, nos termos da qual o inciso
“imediatamente” deve ser interpretado dentro das contingências inerentes à
complexidade e dimensão do processo, que o recorrente considera contrária ao
disposto nos artigos 18.º, nºs 2 e 3, 32.º, n.º 1, e 34.º, n.º 4, da
Constituição da República Portuguesa.
A presente questão de constitucionalidade incide sobre um problema
que está na origem de diversos arestos deste Tribunal.
Num dos seus arestos mais recentes, o Tribunal Constitucional teve
oportunidade de se pronunciar, sistemática e detalhadamente, sobre o regime das
escutas telefónicas em processo penal, considerando em particular as implicações
jusfundamentais pressupostas pela exigência constante do artigo 188.º, n.º 1, do
Código de Processo Penal (cf. o Acórdão n.º 4/2006, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt).
A pertinência das considerações aí expendidas, justificam que aqui
se assumam os fundamentos discursivos dessa decisão, da qual se passa a
transcrever o seguinte:
“[...] interessará recordar a evolução do quadro legal relativo à
efectivação de escutas telefónicas no âmbito do processo criminal, com menção da
jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a matéria, o que foi objecto de
desenvolvido tratamento no recente Acórdão n.º 426/2005, de que se retomarão as
passagens essenciais.
Na versão originária do CPP, o artigo 187.º condicionava
a intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas a: (i)
ordem ou autorização por despacho judicial; (ii) estarem em causa crimes: 1)
puníveis com pena de prisão de máximo superior a três anos; 2) relativos ao
tráfico de estupefacientes; 3) relativos a armas, engenhos, matérias explosivas
e análogas; 4) de contrabando; ou 5) de injúrias, de ameaças, de coacção e de
intromissão na vida privada, quando cometidos através de telefone (o Decreto-Lei
n.º 317/95, de 28 de Novembro, substituiu a expressão “intromissão na vida
privada”, usada no artigo 180.º da versão originária do Código Penal, por
“devassa da vida privada e perturbação da paz e sossego”, em conformidade com as
designações dos ilícitos previstos nos artigos 192.º e 190.º, n.º 2, do Código
Penal revisto pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março); e (iii) haver razões
para crer que a diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da
verdade ou para a prova (n.º 1). Proibia-se, porém, a intercepção e a gravação
de conversações ou comunicações entre o arguido e o seu defensor, salvo se o
juiz tivesse fundadas razões para crer que elas constituíam objecto ou elemento
do crime (n.º 3). As formalidades das operações eram estabelecidas no artigo
188.º, que determinava que: (i) da intercepção ou gravação fosse lavrado auto, o
qual, juntamente com as fitas gravadas ou elementos análogos, devia ser
imediatamente levado ao conhecimento do juiz que ordenara ou autorizara as
operações (n.º 1); (ii) o juiz, se considerasse os elementos recolhidos, ou
alguns deles, relevantes para a prova, fá-los-ia juntar ao processo, ou, caso
contrário, ordenava a sua destruição, ficando todos os participantes nas
operações ligados por dever de sigilo relativamente àquilo de que tivessem
tomado conhecimento (n.º 2); (iii) o arguido e o assistente, bem como as pessoas
cujas conversações tiverem sido escutadas, podiam examinar o auto para se
inteirarem da conformidade das gravações e obterem, à sua custa, cópia dos
elementos naquele referidos (n.º 3), excepto se, tratando-se de operações
ordenadas no decurso do inquérito ou da instrução, o juiz tivesse razões para
crer que o conhecimento do auto ou das gravações pelo arguido ou pelo assistente
podia prejudicar as finalidades do inquérito ou da instrução (n.º 4). Nos termos
do artigo 189.º, todos os requisitos e condições referidos nos artigos 187.º e
188.º eram estabelecidos sob pena de nulidade, e o artigo 190.º estendia o
disposto nos três artigos anteriores às conversações ou comunicações
transmitidas por qualquer meio técnico diferente do telefone.
As normas contidas nos referidos artigos 187.º, n.º 1, e
190.º foram apreciadas, em sede de fiscalização preventiva da
constitucionalidade, pelo Tribunal Constitucional, que, no Acórdão n.º 7/87, não
se pronunciou pela sua inconstitucionalidade, por entender que, “face à natureza
e gravidade dos crimes a que se aplicam (...) se afigura que tais restrições [ao
direito à intimidade da vida privada e familiar”, consagrado no artigo 26.º, n.º
1, da CRP] não infringem os limites da necessidade e proporcionalidade exigidos
pelos citados números [nºs 2 e 3] do artigo 18.º da Constituição”.
A regulamentação legal da matéria em causa na versão
originária do CPP, pelo seu relativo laconismo, suscitou diversas dúvidas de
interpretação e de aplicação: qual o prazo de duração das escutas; quem tem
legitimidade para as requerer ao juiz; qual o relacionamento entre órgão de
polícia criminal, magistrado do Ministério Público e juiz de instrução; se a
proibição do n.º 3 do artigo 187.º é extensível a conversações com pessoas que,
para além do defensor, estejam legitimadas a recusar depoimento em nome de
outros tipos de sigilo profissional (artigo 135.º) ou que, em geral, possam
recusar-se a depor como testemunhas (artigo 134.º); qual o conteúdo do auto de
intercepção e gravação; qual a oportunidade de efectivação da transcrição e da
destruição; como se efectiva o acesso do arguido, do assistente e das pessoas
escutadas ao auto e às gravações; se a nulidade referida no artigo 189.º
respeita a nulidade da prova ou a nulidade processual e se, neste caso, é
sanável ou insanável, etc.
Foi neste contexto que foi emitido o Parecer
(complementar) n.º 92/91, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da
República, de 17 de Setembro de 1992 (cuja fundamentação foi integralmente
transcrita no n.º 2.4. do citado Acórdão n.º 426/2005), cuja doutrina foi
sintetizada nas seguintes conclusões:
“1.ª – Da intercepção e gravação das comunicações telefónicas ou
similares é lavrado um auto (artigo 188.º, n.º 1, do Código de Processo Penal –
CPP);
2.ª – O referido auto deve inserir a menção do despacho judicial que
ordenou ou autorizou a intercepção e da pessoa que a ela procedeu, a
identificação do telefone interceptado, o circunstancialismo de tempo, modo e
lugar da intercepção, bem como o conteúdo da gravação necessária à decisão
judicial sobre o que deverá ou não constar do processo penal respectivo;
3.ª – A transcrição do conteúdo da gravação a que se refere a alínea
anterior deverá abranger a integralidade dos elementos da comunicação telefónica
ou similar interceptada que a entidade responsável pelas operações considere de
interesse para a descoberta da verdade ou para a prova dos crimes previstos no
artigo 187.º, n.º 1, do CPP;
4.ª – O conteúdo da gravação, que àquela entidade se revelar
destituído de interesse para a descoberta da verdade ou para a prova dos crimes
referidos na conclusão anterior, deverá ser mencionado naquele auto, tão só de
modo genérico com a mera referência à sua natureza ou tema, sob a égide do
respeito do direito à intimidade da vida privada dos cidadãos;
5.ª – Lavrado o referido auto, é imediatamente levado ao
conhecimento do juiz que tiver ordenado ou autorizado a intercepção telefónica
ou similar (artigo 188.º, n.º 1, do CPP);
6.º – O juiz, por despacho, ordenará a junção ao processo dos
elementos relevantes para a prova e a destruição dos irrelevantes, incluindo a
desmagnetização das «cassetes» ou bandas magnéticas (artigo 188.º, n.º 2, do
CPP);
7.ª – O juiz, se o entender necessário à prolação da decisão
referida na conclusão segunda, poderá ordenar a transcrição mais ampla ou
integral da parte objecto da menção referida na conclusão 4.ª;
8.ª – Os participantes nas operações de intercepção, gravação,
transcrição e eliminação de elementos recolhidos ficam vinculados ao dever de
sigilo quanto àquilo de que em tais diligências tomaram conhecimento (artigo
188.º, n.º 2, do CPP);
9.ª – As «cassetes» ou as bandas magnéticas cujo conteúdo seja
inserido nos autos devem a estes ser apensos ou, se isso se tornar impossível,
guardadas depois de seladas, numeradas e identificadas com o processo respectivo
(artigos 10.º, nºs 1 e 2, do Código Civil, e 101.º, n.º 3, do CPP);
10.ª – O arguido, o assistente e as pessoas escutadas podem examinar
o referido auto a fim de controlarem a conformidade dos elementos recolhidos e
objecto de aquisição processual com os registos de som respectivos, e desses
elementos constantes do auto obterem cópias (artigo 188.º, n.º 3, do CPP);
11.ª – O arguido e o assistente não podem proceder ao exame referido
na conclusão anterior se a intercepção telefónica ou similar ocorrer no decurso
do inquérito ou da instrução e o juiz decidir que o conhecimento por eles do
auto ou das gravações é susceptível de prejudicar a respectiva finalidade
(artigo 188.º, n.º 4, do CPP).”
Foi ainda na vigência da redacção originária do artigo
188.º do CPP que o Tribunal Constitucional proferiu o Acórdão n.º 407/97, que
constitui a sua primeira decisão sobre questão de constitucionalidade suscitada
a propósito dessa norma, embora centrada (como os posteriores Acórdãos nºs
347/2001, 528/2003, 379/2004 e 223/2005) na interpretação do conceito de
“imediatamente” reportado à apresentação, ao juiz que tiver ordenado ou
autorizado a operação, do auto de intercepção e gravação, juntamente com as
fitas gravadas ou elementos análogos. Após referências aos parâmetros
constitucionais pertinentes e ao direito comparado, o Acórdão n.º 407/97 fundou
o seu juízo de inconstitucionalidade, por violação do disposto no n.º 6 (actual
n.º 8) do artigo 32.º da CRP, da norma do n.º 1 do artigo 188.º do CPP – “quando
interpretado em termos de não impor que o auto da intercepção e gravação de
conversações ou comunicações telefónicas seja, de imediato, lavrado e levado ao
conhecimento do juiz, de modo a este poder decidir atempadamente sobre a junção
ao processo ou a destruição dos elementos recolhidos, ou de alguns deles, e bem
assim, também atempadamente, a decidir, antes da junção ao processo de novo auto
da mesma espécie, sobre a manutenção ou alteração da decisão que ordenou as
escutas” – nas seguintes considerações:
“Trata-se aqui de precisar o conteúdo constitucionalmente viável do
trecho do artigo 188.º, n.º 1, do CPP, onde surge a expressão «imediatamente».
Ora, partindo do pressuposto consubstanciado na proibição de ingerência nas
telecomunicações, resultante do n.º 4 do artigo 34.º da Lei Fundamental, a
possibilidade de ocorrer diversamente (de existir ingerência nas
telecomunicações), no quadro de uma previsão legal atinente ao processo criminal
(a única constitucionalmente tolerada), carecerá sempre de ser compaginada com
uma exigente leitura à luz do princípio da proporcionalidade, subjacente ao
artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, garantindo que a restrição do direito
fundamental em causa (de qualquer direito fundamental que a escuta telefónica,
na sua potencialidade danosa, possa afectar) se limite ao estritamente
necessário à salvaguarda do interesse constitucional na descoberta de um
concreto crime e punição do seu agente.
Nesta ordem de ideias, a imediação entre o juiz e a recolha da prova
através da escuta telefónica aparece como o meio que melhor garante que uma
medida com tão específicas características se contenha nas apertadas margens
fixadas pelo texto constitucional.
O actuar desta imediação, potenciadora de um efectivo controlo
judicial das escutas telefónicas, ocorrerá em diversos planos, sendo um deles o
que pressupõe uma busca de sentido prático para a obrigação de levar
«imediatamente» ao juiz o auto da intercepção e «fitas gravadas ou elementos
análogos», de que fala a lei.
13. Vejamos, a este propósito, o discurso interpretativo subjacente
à decisão recorrida. De sublinhar nesta, desde logo, a afirmação de que o artigo
188.º, n.º 1, do CPP, ao não fixar um prazo certo, «acaba por relativizar muito
as coisas». Há que reter esta ideia que torna patente a existência de um espaço
aberto à procura de um sentido, enfim, de um espaço aberto à interpretação.
Não obstante, mais adiante, a decisão recorrida parece apontar para
uma impossibilidade de alcançar o sentido da expressão «imediatamente» no
contexto normativo em causa (ao dizer a fls. 102: «Não sabemos. Não dispomos de
qualquer critério para decidir sobre isso. Nem sequer é possível estabelecer e
assentar num critério de razoabilidade a tal propósito»).
Ora, já se indicou que o critério interpretativo neste campo não
pode deixar de ser aquele que assegure a menor compressão possível dos direitos
fundamentais afectados pela escuta telefónica. Também já se assentou – e importa
lembrá-lo de novo – que a intervenção do juiz é vista como uma garantia de que
essa compressão se situe nos apertados limites aceitáveis e que tal intervenção,
para que de uma intervenção substancial se trate (e não de um mero tabelionato),
pressupõe o acompanhamento da operação de intercepção telefónica. Com efeito, só
acompanhando a recolha de prova, através desse método em curso, poderá o juiz ir
apercebendo os problemas que possam ir surgindo, resolvendo-os e, assim,
transformando apenas em aquisição probatória aquilo que efectivamente pode ser.
Por outro lado, só esse acompanhamento coloca a escuta a coberto dos perigos –
que sabemos serem consideráveis – de uso desviado.
Com isto, não se quer significar que toda a operação de escuta tenha
de ser materialmente realizada pelo juiz. Contrariamente a tal visão
maximalista, do que aqui se trata é, tão-só, de assegurar um acompanhamento
contínuo e próximo temporal e materialmente da fonte (imediato, na terminologia
legal), acompanhamento esse que comporte a possibilidade real de em função do
decurso da escuta ser mantida ou alterada a decisão que a determinou.
14. Refere-se ainda o Acórdão a dificuldades práticas que a situação
é susceptível de criar («Sabemos, isso sim, que a Polícia Judiciária como muitos
outros departamentos do Estado, nos quais se incluem os tribunais, seguramente
carece, cronicamente, de meios técnicos e humanos que lhe não permitem cumprir,
muitas vezes, as suas tarefas em tempo normal»), moldando, no que não deixa de
ter um certo sentido correctivo, o conceito de «imediatamente» («usado por um
legislador excessivamente preocupado com a aceleração processual, porém
esquecido das grandes lacunas e dos grandes estrangulamentos do sistema») ao que
qualifica de entendimento «em termos hábeis». A saber: aquele em que
«imediatamente» equivale a «no tempo mais rápido possível». Ora, o «mais rápido
possível» significou aqui longos períodos de tempo em que as escutas não foram
acompanhadas (igual a controladas) pelo juiz e, mais ainda, espaços muito
significativos de tempo em que as escutas já haviam terminado e o processo
continuava sem ter qualquer conhecimento do seu teor (vejam-se as conclusões 2.ª
e 4.ª de fls. 4 verso, tendo-se presente que as datas aí indicados obtêm
confirmação nos autos).
É a teorização interpretativa que sufraga esta situação que de modo
algum se pode ter por conforme ao disposto no artigo 34.º, n.º 4, da
Constituição, lido à luz do princípio da proporcionalidade. Se é certo que se
não podem ignorar, pura e simplesmente, os aspectos práticos de uma situação,
designadamente as dificuldades técnicas que esta ou aquela opção interpretativa
possa ocasionar, não é menos verdade que o ónus dessas dificuldades técnicas,
num processo crime, sempre correrá por conta do Estado (a quem compete
ultrapassá-las), jamais por conta do arguido.
Poder-se-ia aqui relembrar o dilema, já relatado, do Juiz Holmes,
sobre o «mal maior» e o «mal menor». Obviamente que no processo criminal de um
Estado de direito democrático, face a «dificuldades técnicas», o «mal menor»
sempre será a hipotética impunidade de eventuais criminosos.
15. Trata-se, pois, de fixar a interpretação constitucionalmente
conforme do artigo 188.º, n.º 1, do CPP no segmento em que se insere a expressão
«imediatamente», sendo certo ser tal expediente possível ainda nos limites da
interpretação.
Assim sendo, «imediatamente» não poderá, desde logo, reportar-se
apenas ao momento em que as transcrições se mostrarem feitas (pois ficaria
aberto o caminho à existência de largos períodos de falta de controlo judicial à
escuta sempre que a transcrição se atrasasse). Em qualquer dos casos,
«imediatamente», no contexto normativo em que se insere, terá de pressupor um
efectivo acompanhamento e controlo da escuta pelo juiz que a tiver ordenado,
enquanto as operações em que esta se materializa decorrerem. De forma alguma
«imediatamente» poderá significar a inexistência, documentada nos autos, desse
acompanhamento e controlo ou a existência de largos períodos de tempo em que
essa actividade do juiz não resulte do processo.
Em qualquer caso, tendo em vista os interesses acautelados pela
exigência de conhecimento imediato pelo juiz, deve considerar-se
inconstitucional, por violação do n.º 6 do artigo 32.º da Constituição, uma
interpretação do n.º 1 do artigo 188.º do CPP que não imponha que o auto de
intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas seja, de
imediato, lavrado e levado ao conhecimento do juiz, de modo a este poder decidir
atempadamente sobre a junção ao processo ou a destruição dos elementos
recolhidos, ou de alguns deles, e bem assim, também atempadamente, a decidir,
antes da junção ao processo de novo auto de escutas posteriormente efectuadas,
sobre a manutenção ou alteração da decisão que ordenou as escutas.
É esta, exposta com a minúcia possível, a interpretação conforme à
Constituição. A ela importa vincular o intérprete – «juiz incluído» como este
Tribunal tem repetidamente referido em situações onde faz uso deste recurso
interpretativo.
Sublinhar-se-á apenas, como nota final, que as consequências a
retirar da interpretação da norma com o sentido apontado se encontram já fora do
âmbito da intervenção do Tribunal Constitucional, situando-se claramente no
domínio de intervenção do Tribunal recorrido.”
Considerou, assim, o Tribunal Constitucional que a
especial danosidade da intromissão traduzida pela intercepção telefónica impunha
uma intervenção substancial do juiz no decurso da mesma, através de um
acompanhamento contínuo e próximo temporal e materialmente da fonte,
acompanhamento esse que comportasse a possibilidade real de, em função do
decurso da escuta, ser mantida ou alterada a decisão que a determinou,
sublinhando, contudo, que o exigente critério assumido não significava “que toda
a operação de escuta tenha de ser materialmente realizada pelo juiz”, posição
que corresponderia a uma “visão maximalista”, que o Tribunal não subscreveu.
2.3. A nível legislativo, a primeira alteração a
assinalar foi a levada a cabo pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, que alterou a
redacção, entre outros, dos artigos 188.º e 190.º do CPP.
Estas alterações não constavam da Proposta de Lei n.º
157/VII, que esteve na génese daquela Lei, antes resultaram de propostas de
alteração apresentadas pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista (cf. Código
de Processo Penal – Processo Legislativo, vol. II, tomo II, ed. Assembleia da
República, Lisboa, 1999, pp. 114-115), que viriam a ser aprovadas por
unanimidade (obra citada, p. 107), tendo as relativas ao artigo 188.º sido
justificadas, na Declaração de Voto dos Deputados do Partido Socialista relativa
à votação final global dessa iniciativa legislativa, nos seguintes termos (obra
citada, p. 153):
“As alterações levam em conta o parecer da Procuradoria-Geral da
República n.º 92/91 (complementar), as dificuldades práticas da «vida
judiciária», o n.º 4 do artigo 18.º da Lei de Segurança Interna e o acórdão do
Tribunal Constitucional n.º 407/97 (Diário da República, II Série, de 18 de
Julho de 1997), que anulou as escutas porque a transcrição não foi imediata.
Tornava-se necessário clarificar: quem selecciona os elementos a
transcrever; se o agente de investigação pode ter contacto com a conversa (uma
vez que a operação é feita por técnico de telecomunicações, mas não pode
excluir-se a presença da polícia, sob pena de a diligência não ter sentido ou
eficácia); o que é que o juiz ouve (sabendo-se que, não ouvindo, manda
transcrever a totalidade dos registos, o que é excessivamente moroso, oneroso e
inútil); e esclarecer o procedimento.
O n.º 1 do artigo refere que da intercepção é lavrado auto (mas não
distingue entre auto de intercepção e auto de transcrição, sendo certo que
importa clarificar que são duas coisas diferentes). Assim, fica claro que uma
coisa é o auto de intercepção (n.º 1) e outra o auto de transcrição (n.º 3).
O n.º 2 permite que a polícia ouça e possa intervir de imediato, por
exemplo, para fazer uma apreensão de droga combinada telefonicamente e «apanhar
o flagrante».
Os nºs 3 e 4 tornam claro que é o juiz quem selecciona, que é o
responsável pelo conteúdo da transcrição, mas que é auxiliado materialmente pela
polícia, o que é importante em termos de execução.”
As modificações operadas pela Lei n.º 59/98 no artigo
188.º do CPP consistiram:
– no aditamento de um novo n.º 2, do seguinte teor: “O
disposto no número anterior não impede que o órgão de polícia criminal que
proceder à investigação tome previamente conhecimento do conteúdo da comunicação
interceptada a fim de poder praticar os actos cautelares necessários e urgentes
para assegurar os meios de prova”;
– na passagem do primitivo n.º 2 a n.º 3, dispondo
agora, na sua primeira parte, que “Se o juiz considerar os elementos recolhidos,
ou alguns deles, relevantes para a prova, ordena a sua transcrição em auto e
fá-lo juntar ao processo;.”, enquanto anteriormente apenas dizia que o juiz “...
fá-los juntar ao processo;”; mantendo-se inalterada a segunda parte: “caso
contrário, ordena a sua destruição, ficando todos os participantes nas operações
ligados por dever de segredo relativamente àquilo de que tenham tomado
conhecimento”;
– no aditamento de um novo n.º 4, do seguinte teor:
“Para efeitos do disposto no número anterior, o juiz pode ser coadjuvado, quando
entender conveniente, por órgão de polícia criminal, podendo nomear, se
necessário, intérprete. À transcrição aplica-se, com as necessárias adaptações,
o disposto no artigo 101.º, nºs 2 e 3.”;
– na passagem do primitivo n.º 3 a n.º 5, com
especificação de que o auto cujo exame é facultado ao arguido, ao assistente e
às pessoas escutadas, “para se inteirarem da conformidade das gravações e
obterem, à sua custa, cópias dos elementos naquele referidos”, é “o auto de
transcrição a que se refere o n.º 3” (a redacção originária referia-se a
“examinar o auto”, sem mais); e
– na eliminação do primitivo n.º 4 (que ressalvava “do
disposto no número anterior o caso em que as gravações tiverem sido ordenadas no
decurso do inquérito ou da instrução e o juiz que as ordenou tiver razões para
crer que o conhecimento do auto ou das gravações, pelo arguido ou pelo
assistente, poderia prejudicar as finalidades do inquérito ou da instrução”;
trata-se de eliminação algo enigmática, pois nada no debate parlamentar foi
referido para a justificar ou sequer enunciar).
No artigo 190.º, a extensão originária da aplicabilidade
do disposto nos artigos 187.º, 188.º e 189.º “às conversações ou comunicações
transmitidas por qualquer meio técnico diferente do telefone” foi complementada
com o seguinte aditamento: “designadamente correio electrónico ou outras formas
de transmissão de dados por via telemática, bem como à intercepção das
comunicações entre presentes”.
2.4. A segunda alteração legislativa com especial
relevância para as questões que constituem objecto do presente recurso resultou
do Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro, que aditou ao n.º 1 do artigo
188.º do CPP (“Da intercepção e gravação a que se refere o artigo anterior é
lavrado auto, o qual, junto com as fitas gravadas ou elementos análogos, é
imediatamente levado ao conhecimento do juiz que tiver ordenado ou autorizado as
operações”) a expressão: “com a indicação das passagens das gravações ou
elementos análogos considerados relevantes para a prova”.
Este inciso final corresponde à utilização da
autorização legislativa concedida pela Lei n.º 27-A/2000, de 17 de Novembro, que
autorizou o Governo a rever o Código de Processo Penal, com o sentido e extensão
definidos nos artigos seguintes (artigo 1.º), entre os quais, segundo o artigo
4.º: “Permite-se que o juiz possa limitar a audição das gravações às passagens
indicadas como relevantes para a prova, sem prejuízo de as gravações efectuadas
lhe serem integralmente remetidas”. Esta norma não constava da Proposta de Lei
n.º 41/VIII (Diário da Assembleia da República, VIII Legislatura, 1.ª Sessão
Legislativa, II Série-A, n.º 59, de 15 de Julho de 2000, pp. 1891-1898), tendo
surgido no texto de substituição elaborado pela Comissão de Assuntos
Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, e aí aprovada por unanimidade
(Diário da Assembleia da República, VIII Legislatura, 2.ª Sessão Legislativa, II
Série-A, n.º 10, de 23 de Outubro de 2000, pp. 218-224), tal como no Plenário
(Diário citado, I Série, n.º 13, de 20 de Outubro de 2000, p. 498).
Para terminar a recensão do quadro legal aplicável,
resta referir que a Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, que estabeleceu um regime
especial de recolha de prova, quebra do segredo profissional e perda de bens a
favor do Estado relativa, entre outros, aos crimes de associação criminosa,
lenocínio e lenocínio e tráfico de menores, estes quando praticados de forma
organizada (artigo 1.º, nºs 1, alíneas f) e h), e 2), estatuiu no seu artigo 6.º
(Registo de voz e de imagem):
“1 – É admissível, quando necessário para a investigação de crimes
referidos no artigo 1.º, o registo de voz e de imagem, por qualquer meio, sem
consentimento do visado.
2 – A produção desses registos depende de prévia autorização ou
ordem do juiz, consoante os casos.
3 – São aplicáveis aos registos obtidos, com as necessárias
adaptações, as formalidades previstas no artigo 188.º do Código de Processo
Penal.”
2.5. No que concerne à jurisprudência do Tribunal
Constitucional, há a assinalar, para além do já citado Acórdão n.º 407/97, a
prolação dos Acórdãos nºs 347/2001, 528/2003, 379/2004 e 223/2005 e da Decisão
Sumária n.º 324/2004, todos incidindo sobre a questão da “imediatividade” da
apresentação ao juiz do auto de intercepção e gravação prevista no artigo
188.º, n.º 1, do CPP (o primeiro Acórdão reportado à redacção anterior à Lei n.º
59/98, o segundo à redacção dada por esta Lei, os dois últimos quer à redacção
anterior quer à posterior ao Decreto-Lei n.º 320-C/2000, e a Decisão Sumária a
esta última redacção), e ainda os Acórdãos nºs 411/2002 (que julgou
inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da CRP, a interpretação
normativa que torna inaplicável ao prazo de arguição de nulidade respeitante a
escutas telefónicas ocorrida durante o inquérito o que vem consagrado no artigo
120.º, n.º 3, alínea c), do CPP [até ao encerramento do debate instrutório] e
aplicável o estabelecido no artigo 105.º do mesmo Código [dez dias a contar da
notificação da acusação, terminando antes do fim do prazo para requerer a
instrução]) e 198/2004 (que não julgou inconstitucional a norma do artigo 122.º,
n.º 1, do CPP, entendida como autorizando, face à nulidade/invalidade de
intercepções telefónicas realizadas, a utilização de outras provas, distintas
das escutas e a elas subsequentes, quando tais provas se traduzam nas
declarações dos próprios arguidos, designadamente quando tais declarações sejam
confessórias).
Nos três primeiros Acórdãos citados (o quarto – Acórdão
n.º 223/2005 – incidiu sobre uma situação de incumprimento do Acórdão n.º
379/2004), o Tribunal Constitucional reiterou o critério decisório definido no
Acórdão n.º 407/97, que conduziu, nos casos em cada um desses arestos
apreciados, à emissão de similares juízos de inconstitucionalidade.
No Acórdão n.º 347/2001 – que julgou inconstitucional,
por violação das disposições conjugadas dos artigos 32.º n.º 8, 34.º, nºs 1 e 4,
e 18.º, n.º 2, da CRP, a norma constante do artigo 188.º, n.º 1, do CPP, na
redacção anterior à que foi dada pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, quando
interpretada no sentido de não impor que o auto da intercepção e gravação de
conversações e comunicações telefónicas seja, de imediato, lavrado e levado ao
conhecimento do juiz e que, autorizada a intercepção e gravação por determinado
período, seja concedida autorização para a sua continuação sem que o juiz tome
conhecimento do resultado da anterior –, após se sumariarem as ideias-chave do
Acórdão n.º 407/97, consignou-se:
“Ora, no caso dos autos, a norma do artigo 188.º, n.º 1, do CPP, com a
interpretação acolhida no acórdão impugnado, não se isenta do mesmo vício de
inconstitucionalidade.
Na verdade, fazer equivaler o inciso «imediatamente» ao «tempo mais
rápido possível», em termos de «cobrir» situações como a de o auto de
transcrição ser apresentado ao juiz meses depois de efectuadas a intercepção e
gravação das comunicações telefónicas, mesmo tendo em conta a gravidade do crime
investigado e a necessidade daquele meio de obtenção da prova, restringe
desproporcionadamente o direito à inviolabilidade de um meio de comunicação
privada e faculta uma ingerência neste meio para além do que se considera ser
constitucionalmente admissível.
Ficar no desconhecimento do juiz, durante tal lapso de tempo, o teor
das comunicações interceptadas, significa o desacompanhamento próximo e o
controlo judiciais do modo como a escuta se desenvolve, o que se entendeu no
citado Acórdão n.º 407/97 – como aqui se entende – colidir com os interesses
acautelados pela exigência de conhecimento imediato pelo juiz. E impede, ainda,
a destruição, em tempo necessariamente breve, dos elementos recolhidos sem
interesse relevante para a prova, a que, só por si, não obsta a fixação pelo
juiz de um prazo para a intercepção, no termo da qual esta deve findar.
Por outro lado, autorizar novos períodos de escuta, a mero
requerimento do Ministério Público, sem que a autorização seja precedida do
conhecimento judicial do resultado da intercepção anterior, continua a
significar a mesma ausência de acompanhamento e de controlo por parte do juiz, o
que pode até traduzir-se em longos períodos (um dos postos telefónicos foi
interceptado desde 3 de Novembro de 1995 a 15 de Novembro de 1996 e o outro
desde 3 de Abril de 1996 a 12 de Novembro de 1996 e de novo entre 31 de Março de
1997 a 5 de Setembro de 1997) de utilização deste meio de obtenção de prova na
disponibilidade total dos órgãos de investigação.
É certo que, tal como a decisão recorrida no Acórdão n.º 407/97, o
acórdão impugnado faz apelo às dificuldades práticas – a reconhecida carência de
meios técnicos e humanos – para justificar o entendimento dado ao referido
inciso «imediatamente», num quadro de exigências de repressão da criminalidade
grave, praticada por redes altamente organizadas.
A esse argumento se respondeu, ainda no Acórdão n.º 407/97, em
termos que também aqui se acolhem, que tais dificuldades constituem, num
processo crime, ónus do Estado de Direito democrático, ónus que não pode estar a
cargo do arguido, ainda que, no limite, isso signifique deixar impunes alguns
criminosos. Não é de todo admissível num Estado de Direito democrático,
caracterizado pela publicização do ius puniendi, fazer reverter contra o arguido
o ónus da escassez de meios e dificuldades na obtenção de prova para o condenar.
Note-se que na nova redacção dada ao artigo 188.º (em especial, no
n.º 3) pela Lei n.º 59/98 (actualmente pelo Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de
Dezembro) se procurou obviar às alegadas dificuldades de transcrição imediata
dos elementos recolhidos, pois esta só será judicialmente ordenada depois de o
juiz considerar tais elementos relevantes para a prova.
Resta acrescentar que o Tribunal Constitucional tem apenas poderes
para verificar a constitucionalidade de normas, pelo que lhe está vedado
«declarar inválidos todos os actos que dependerem das intercepções telefónicas
realizadas, conforme os artigos 122.º e 189.º do CPP», como o recorrente
pretende.
Isto significa que é ao tribunal recorrido que compete reformar a
sua decisão em conformidade com o presente juízo de constitucionalidade,
extraindo dele as consequências pertinentes ao nível do direito
infraconstitucional e do concreto processo crime em causa.”
A validade da jurisprudência assim definida foi
reafirmada no Acórdão n.º 528/2003 – que julgou inconstitucional, por violação
das disposições conjugadas dos artigos 32.º, n.º 8, 34.º, nºs 1 e 4, e 18.º, n.º
2, da CRP, a norma constante do artigo 188.º, n.º 1, do CPP, na redacção
anterior à que foi dada pelo Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro,
quando interpretada no sentido de não impor que o auto da intercepção e gravação
de conversações e comunicações telefónicas seja, de imediato, lavrado e levado
ao conhecimento do juiz –, o qual, após transcrição da fundamentação relevante
dos Acórdãos nºs 407/97 e 347/2001, acrescentou:
“Agora apenas se referirá que, mais recentemente, o Tribunal Europeu dos
Direitos do Homem voltou a ter oportunidade para reiterar a sua jurisprudência
em matéria de escutas telefónicas. Tal aconteceu, nomeadamente, nos casos PG e
JH v. Reino Unido (acórdão de 25 de Setembro de 2001) e Prado Bugallo v. Espanha
(acórdão de 18 de Fevereiro de 2003). Neste último acórdão, aquele Tribunal
voltou a sublinhar a necessidade de preenchimento, pelas legislações nacionais,
das condições exigidas pela sua jurisprudência, designadamente nos acórdãos
Kruslin v. França e Huvig v. França, para evitar os abusos a que podem conduzir
as escutas telefónicas. Referiu-se, então, nomeadamente, à necessidade de
definição das infracções que podem dar origem às escutas, à fixação de um limite
à duração de execução da medida, às condições de estabelecimento dos autos das
conversações interceptadas, bem como às precauções a tomar para comunicar
intactas e completas as gravações efectuadas, de modo a permitir um possível
controlo pelo juiz e pela defesa.
Assim sendo, verifica-se que a jurisprudência do Tribunal
Constitucional atrás referida, que, como se salientou já, mantém inteira
validade e a que aqui integralmente se adere, conduz a que, também no caso dos
autos, tenha de considerar-se inconstitucional a interpretação do n.º 1 do
artigo 188.º do Código de Processo Penal, na redacção anterior à que lhe foi
dada pelo Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro, que foi acolhida pela
decisão recorrida. Com efeito, entender que situações como as que ocorreram no
presente processo – em que os autos de intercepção e gravação de conversações
telefónicas que tinham sido entretanto autorizadas só foram levados ao
conhecimento do juiz que as ordenou 38 dias depois de elas terem tido início –
são ainda abrangidas pela expressão imediatamente colide frontalmente com os
interesses que se pretendem acautelar com aquela exigência, na medida em que
impede o seu acompanhamento próximo pelo juiz.
Resta apenas acrescentar, de modo semelhante ao que se fez nos
acórdãos deste Tribunal citados supra, que o Tribunal Constitucional somente tem
poderes para verificar a constitucionalidade de normas, situando-se já fora do
âmbito da sua intervenção retirar as consequências da interpretação da norma com
o sentido apontado. Isto significa que é ao tribunal recorrido que compete
reformar a sua decisão em conformidade com o presente juízo de
constitucionalidade, extraindo dele as consequências pertinentes ao nível do
direito infraconstitucional e do concreto processo crime em causa.”
Por seu turno, o Acórdão n.º 379/2004 – que julgou
inconstitucional, por violação das disposições conjugadas dos artigos 32.º, n.º
8, 43.º, nºs 1 e 4, e 18.º, n.º 2, da CRP, a norma constante do artigo 188.º,
n.º 1, do CPP, quer na redacção anterior quer na posterior à que foi dada pelo
Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro, quer quando interpretada no
sentido de uma intercepção telefónica, inicialmente autorizada por 60 dias,
poder continuar a processar-se, sendo prorrogada por novos períodos, ainda que
de menor duração, sem que previamente o juiz de instrução tome conhecimento do
conteúdo das conversações, quer na interpretação segundo a qual a primeira
audição, pelo juiz de instrução criminal, das gravações efectuadas pode ocorrer
mais de três meses após o início da intercepção e gravação das comunicações
telefónicas –, após sumariar as três decisões anteriormente referidas,
acrescentou:
“Ora, verifica-se que esta jurisprudência do Tribunal
Constitucional, para cuja fundamentação se remete e se dá aqui por reproduzida,
mantém inteira validade para o caso em apreço, o que leva a que se considere
inconstitucional a norma constante do artigo 188.º, n.º 1, do Código de Processo
Penal, interpretada no sentido de a intercepção telefónica, inicialmente
autorizada por 60 dias, poder continuar a processar-se, sendo prorrogada por
dois novos períodos (de 30 dias cada um), sem que previamente o juiz de
instrução controle e tome conhecimento do conteúdo das conversações, por
violação dos artigos 32.º, n.º 8, 34.º, nºs 1 e 4, e 18.º, n.º 2, da
Constituição, bem como a mesma norma, na interpretação segundo a qual a primeira
audição da gravação das escutas telefónicas pelo juiz de instrução pode ocorrer
durante o aludido segundo período de prorrogação.”
Foi a jurisprudência delineada nos Acórdãos nºs 407/97,
347/2001, 528/2003, e 379/2004 que a Decisão Sumária n.º 324/2004, sem
considerações complementares, invocou para julgar inconstitucional, por violação
das disposições conjugadas dos artigos 32.º, n.º 8, 43.º, nºs 1 e 4, e 18.º, n.º
2, da CRP, a norma constante do n.º 1 do artigo 188.º do CPP, na redacção que
lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro, quando
interpretada no sentido de que a primeira audição, pelo juiz de instrução
criminal, das gravações efectuadas pode ocorrer seis meses após o início da
intercepção e gravação das comunicações telefónicas.
Da explanação da jurisprudência do Tribunal
Constitucional (o texto integral dos Acórdãos e Decisão Sumária anteriormente
citados está disponível em www.tribunalconstitucional.pt), cujos traços
essenciais foram logo desenhados pelo Acórdão n.º 407/97, resulta que se
entendeu constitucionalmente justificado que a admissibilidade da intromissão
nas comunicações telefónicas fosse não só alvo de prévia autorização judicial,
mas também objecto de acompanhamento judicial ao longo da sua execução. O que se
exige é, pois, um “acompanhamento próximo” e um “controlo do conteúdo” das
conversações, com uma dupla finalidade: (i) fazer cessar, tão depressa quanto
possível, escutas que se venham a revelar injustificadas ou desnecessárias; e
(ii) submeter a um “crivo” judicial prévio a aquisição processual das provas
obtidas por esse meio (cf. JOSÉ MANUEL DAMIÃO DA CUNHA, “A jurisprudência do
Tribunal Constitucional em matéria de escutas telefónicas”, Jurisprudência
Constitucional, n.º 1, Janeiro-Março 2004, pp. 50-56). Mas – repete-se – o
exigente critério assumido não significa “que toda a operação de escuta tenha de
ser materialmente realizada pelo juiz”, posição que corresponderia a uma “visão
maximalista”, que o Tribunal não subscreveu.
2.6. Da exposição precedente já resultam claramente
evidenciadas as dúvidas e perplexidades que o regime legal das escutas
telefónicas tem suscitado. Mas se, ao nível da jurisprudência constitucional,
elas incidiram quase exclusivamente sobre o tempo de acompanhamento judicial da
execução da operação (sobre o modo desse acompanhamento apenas incidiu o citado
Acórdão n.º 426/2005, que não julgou inconstitucional a norma do artigo 188.º,
nºs 1, 3 e 4, do CPP, “interpretado no sentido de que são válidas as provas
obtidas por escutas telefónicas cuja transcrição foi, em parte, determinada pelo
juiz de instrução, não com base em prévia audição pessoal das mesmas, mas por
leitura de textos contendo a sua reprodução, que lhe foram espontaneamente
apresentados pela Polícia Judiciária, acompanhados das fitas gravadas ou
elementos análogos”), já a nível da doutrina e da prática judiciária elas têm
também incidido sobre os requisitos da autorização da operação, reportados ao
artigo 187.º do CPP, quer na perspectiva da adequação do “catálogo” de crimes
enunciado no seu n.º 2, quer no que concerne a uma clara definição das pessoas
cujas conversações podem ser colocadas sob escuta, quer quanto à ausência de uma
definição legal da duração das escutas. Designadamente no que respeita à
execução da operação, é indefinida a forma de articulação entre órgão de polícia
criminal, Ministério Público e juiz, registam‑se oscilações quanto à definição
do conteúdo do auto (ou dos autos) a elaborar e tem sido salientado o
inconveniente da imediata destruição das gravações que o juiz reputou
irrelevantes, por assim se eliminar irreversivelmente o aproveitamento de
passagens que eventualmente seriam consideradas importantes quer pela acusação,
quer pela defesa (cf. indicações bibliográficas constantes do n.º 2.9. do
Acórdão n.º 426/2005).
Em resultado dessas perplexidades e reflexões, as
iniciativas legislativas relativas à revisão do Código de Processo Penal
apresentadas na última Legislatura – Projecto de Lei n.º 424/IX, apresentado
pelo Bloco de Esquerda, Proposta de Lei n.º 149/IX e Projecto de Lei n.º 519/IX,
apresentado pelo Partido Socialista (Diário da Assembleia da República, II
Série-A, IX Legislatura, 2.ª Sessão Legislativa, n.º 50, de 3 de Abril de 2004,
pp. 2214-2219, e 3.ª Sessão Legislativa, n.º 17, de 20 de Novembro de 2004, pp.
21-40, e n.º 20, de 3 de Dezembro de 2004, pp. 6-118, respectivamente) –
propugnam, designadamente: (i) a elevação de 3 para 5 anos do máximo da pena de
prisão aplicável aos crimes que consentem a autorização de escutas; (ii) a
restrição da admissibilidade destas apenas quando não existir outro meio lícito
para atingir a descoberta da verdade ou se revelar de superior interesse, face
aos demais meios de prova, para esse objectivo; (iii) a definição das pessoas
cujas conversações podem ser interceptadas; (iv) a instauração de regimes
especiais atenta a qualidade dos escutados; (v) a exigência de especial
fundamentação do despacho autorizador das escutas; (vi) o estabelecimento de
limites temporais para a execução das escutas e respectivas prorrogações; (vii)
o alargamento dos casos de proibição de transcrições. Quanto aos limites
temporais, a Projecto de Lei n.º 519/IX (PS) propugnava que o despacho judicial
que autorizasse ou ordenasse a intercepção fixasse “o prazo máximo da sua
duração, que, com dilação de cinco dias após a data da prolação, não pode
ultrapassar trinta dias, prorrogáveis no limite até cinco vezes, reconhecida em
cada caso essa necessidade, e desde que cumpridas, em cada período autorizado,
as formalidades exigíveis para a operação”, não podendo o tempo da intercepção
ultrapassar, “em nenhum caso, o prazo máximo em concreto admitido para a duração
do inquérito ou da instrução” (artigo 187.º, n.º 3); enquanto a Proposta de Lei
n.º 150/IX previa que o referido despacho, além de fundamentado, fixasse “o
prazo de duração máxima das operações, por um período não superior a três meses
a contar da sua prolação, sendo renovável por períodos idênticos até ao
encerramento do inquérito, desde que se mantenham os respectivos pressupostos de
admissibilidade” (artigo 187.º, n.º 5).
No que especificamente respeita ao acompanhamento
judicial da operação, o Projecto de Lei n.º 424/IX (BE) propõe: (i) a fixação do
prazo máximo de 24 horas para ser levado ao conhecimento do juiz o auto de
intercepção e gravação, com as fitas gravadas e a indicação das passagens
consideradas relevantes para a prova; (ii) a supervisão de todo o processo,
especialmente a transcrição em auto, pelo Ministério Público; (iii) a
conservação das gravações não transcritas até ao trânsito em julgado da decisão
final, podendo o arguido requerer a sua audição em sede de julgamento ou de
recurso para contextualizar as conversações transcritas. A Proposta de Lei n.º
150/IX estabelece, designadamente, que: (i) os autos de intercepção e gravação,
com as fitas, são levados ao conhecimento do juiz, de 15 em 15 dias, com
indicação por parte do Ministério Público das passagens consideradas relevantes
para a prova; (ii) o Ministério Público é ouvido pelo juiz antes de este
seleccionar os elementos a consignar em suporte autónomo e a transcrever em
auto; (iii) as fitas e elementos análogos são conservados até ao trânsito em
julgado da decisão final, tendo a eles acesso o arguido para efeitos de selecção
de mais excertos que entenda relevantes. Por último, o Projecto de Lei n.º
519/IX (PS) prevê que seja o juiz o fixar o período findo o qual o auto com as
fitas é levado ao seu conhecimento, acompanhado ou da indicação das passagens e
dos dados considerados relevantes para a prova ou mesmo da respectiva
transcrição provisória, cabendo ao juiz determinar a transformação desta
transcrição provisória em definitiva ou, se não considerar os elementos nela
contidos como relevantes, determinar a sua eliminação.
2.7. Grande parte das questões referenciadas no
precedente número têm por suporte a apreciação da adequação do sistema legal
actualmente vigente entre nós com as exigências que nesta matéria têm sido
estabelecidas pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem,
face ao disposto no artigo 8.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que
proclama o direito de qualquer pessoa ao respeito da sua vida privada e
familiar, do seu domicílio e da sua correspondência (n.º 1) e proíbe ingerências
da autoridade pública no exercício desse direito, excepto se essa exigência
estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade
democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança
pública, para o bem-estar económico do país, a defesa da ordem e a prevenção
das infracções penais, a protecção da saúde ou da moral, ou a protecção dos
direitos e das liberdades dos outros (n.º 2).
Na síntese apresentada por IRENEU CABRAL BARRETO (“A
Investigação criminal e os direitos humanos”, Polícia e Justiça – Revista do
Instituto Superior de Polícia Judiciária e Ciências Criminais, III Série, n.º 1,
Janeiro-Junho de 2003, pp. 43‑85, em especial pp. 57-63; e “A jurisprudência do
novo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem”, Sub Judice – Justiça e Sociedade,
n.º 28, Abril-Setembro 2004, pp. 9-32, em especial pp. 20-21; cf. ainda, do
mesmo autor, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada, 3.ª edição,
Coimbra, 2005, anotações I-3.3 e II-4. e 6.4. ao artigo 8.º, a pp. 184, 196 e
199; e JOÃO RAMOS DE SOUSA, “Escutas telefónicas em Estrasburgo: O activismo
jurisprudencial do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem”, Sub Judice, citada,
pp. 47-55 ):
“A jurisprudência de Estrasburgo, tendo em conta a gravidade da ingerência na
vida das pessoas que representa a escuta telefónica, precisou que não basta uma
lei a prever essa possibilidade.
Para prevenir o risco de arbítrio que o uso desta medida poderia acarretar,
entende-se que uma tal lei deve conter uma série de garantias mínimas:
– definir as categorias de pessoas susceptíveis de serem colocadas em escutas
telefónicas;
– a natureza das infracções que podem permitir essa escuta;
– a fixação de um limite de duração dessa medida;
– as condições do estabelecimento de processos verbais de síntese consignando as
conversas interceptadas;
– as precauções a tomar para comunicar, intactos e completos, os registos
realizados, para o controlo do juiz e da defesa;
– as circunstâncias nas quais pode e deve proceder-se ao apagamento ou
destruição das fitas magnéticas, nomeadamente após uma absolvição ou o
arquivamento do processo.”
Como refere GÉRARD COHEN-JONATHAN (“La Cour européenne
des droits de l’homme et les écoutes téléphoniques”, Revue Universelle des
Droits de l’Homme, vol. 2, n.º 5, 31 de Maio de 1990, pp. 185–191), impõe-se a
existência de uma lei que preveja a possibilidade de autorização de escutas, lei
que deve ser acessível e precisa, e que se estabeleçam garantias adequadas,
desde logo definindo com precisão quais as autoridades competentes para ordenar
ou autorizar as escutas, quais os crimes cuja gravidade justifica o uso deste
meio de produção de prova e o grau de suspeita exigível, não podendo a
ingerência ser meramente exploratória. Depois, o acompanhamento da operação
há-de ocorrer em três estádios: no momento da ordem ou da autorização, no
decurso da operação e após o seu termo, possibilitando às pessoas colocadas sob
escuta o direito de acesso às gravações e respectivas transcrições, o direito à
eliminação das passagens irrelevantes ou interditas e o direito à destruição ou
restituição dos respectivos suportes.
Mas para além das “escutas judiciárias”, são ainda
admissíveis “escutas administrativas”, determinadas pelo poder executivo visando
objectivos de segurança interna e externa, as quais devem oferecer igualmente
garantias adequadas que afastem o risco de utilização abusiva, garantias que
serão naturalmente diferentes das previstas para as “escutas judiciárias”, mas
que sempre exigirão a possibilidade de recurso aos tribunais, embora apenas a
posteriori. Essas garantias passam, nalguns países, pela intervenção de
entidades independentes, por vezes de origem parlamentar, que acompanham a
actuação do executivo (cf. o Acórdão Klass, de 1978, em que o Tribunal Europeu
considerou suficientes os recursos judiciais a posteriori previstos no direito
alemão em caso de intercepção de conversações determinada pelo Governo alemão,
para defesa da ordem e segurança numa sociedade democrática e para evitar
infracções, sem controlo judicial prévio, e a decisão da Comissão Europeia dos
Direitos do Homem, de 10 de Maio de 1985, relativa ao Luxemburgo, ambos citados
no artigo de GÉRARD COHEN‑JONATHAN).
De particular relevância para o presente recurso (em
que, como se verá, a recorrente reclama a imediata destruição das gravações
tidas por irrelevantes pelo juiz de instrução) reveste-se a constante chamada de
atenção, por parte do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, para a necessidade
de as legislações nacionais tomarem precauções no sentido de assegurar “a
comunicação intacta e completa das gravações efectuadas, para efeito de controlo
pelo juiz e pela defesa” e estabelecerem as circunstâncias em que se pode operar
o apagamento ou a destruição das gravações, designadamente após o arquivamento
definitivo do processo ou o trânsito em julgado da condenação final (cf. n.º 34
do Acórdão Huvig, de 24 de Abril de 1990; n.º 35 do Acórdão Kruslin, da mesma
data; n.º 59 do Acórdão Valenzuela Contreras, de 30 de Julho de 1998; e n.º 30
do Acórdão Prado Bugallo, de 18 de Fevereiro de 2003).
2.8. A análise de ordenamentos jurídicos de países cujas
normas constitucionais relevantes na matéria são similares às portuguesas revela
que o legislador ordinário tem moldado de modo diversificado o regime das
escutas telefónicas, designadamente no que respeita à intervenção do juiz, quer
na fase de autorização, quer na fase de acompanhamento da operação (cf. MARIO
CHIAVARIO e outros, Procedure Penali d’Europa, 2.ª edição, Milão, 2001).
Na Bélgica, de acordo com as Leis de 10 de Junho de 1998
e de 10 de Janeiro de 1999, a regra é a da autorização pelo juiz de instrução,
mas, em casos de urgência, a escuta pode ser determinada pelo Ministério
Público, embora sujeita a validação judicial. Só se procede à transcrição das
passagens consideradas relevantes, mas mantêm-se intactas as gravações, podendo
as partes consultá-las e requerer a transcrição de passagens inicialmente tidas
por irrelevantes (ob. cit., pp. 75-76).
Na França, segundo os artigos 100.º e seguintes do
Código de Processo Penal, alterados pela Lei de 10 de Julho de 1991, a ordem de
intercepção é dada pelo juiz de instrução, o qual, porém, pode delegar num
oficial de polícia judiciária o acompanhamento da operação. As gravações só são
destruídas no termo de prescrição do procedimento criminal (ob. cit., pp.
139-140).
Na Alemanha também é de regra a autorização pelo juiz,
mas, em caso de urgência, a intercepção pode ser determinada pelo Ministério
Público, sujeita a validação judicial. A ordem de intercepção implica o poder de
registo. No julgamento, o juiz pode optar entre a audição das gravações ou a
leitura das transcrições (ob. cit., p. 204).
Diversamente, na Inglaterra, as escutas são determinadas
pelo Ministro do Interior ou pelas autoridades policiais, com mandado
ministerial, não tendo o juiz qualquer poder de controlo sobre as intercepções,
existindo possibilidade de recurso para uma comissão integrada por advogados
nomeados pelo Governo, que verifica o cumprimento das condições legais da
intercepção (ob. cit., pp. 258-259).
Na Itália, a regra é a de que compete ao juiz de
instrução autorizar as intercepções, mas em caso de urgência elas podem ser
ordenadas pelo Ministério Público, com subsequente validação judicial (ob. cit.,
pp. 321-322). As comunicações interceptadas são registadas em acta, aí sendo
transcrito, ainda que sumariamente, o conteúdo da comunicação interceptada
(artigo 268.º do Código de Processo Penal italiano). O registo da intercepção e
a acta são transmitidos imediatamente ao Ministério Público, que os deposita na
secretaria, sendo de seguida dado conhecimento ao defensor, que pode escutar os
registos e examinar os actos, e só então, face às posições assumidas pelas
partes interessadas quanto à admissibilidade e relevância das comunicações
interceptadas, é que o juiz de instrução manda suprimir os registos cuja
utilização é legalmente vedada e admite os que não são manifestamente
irrelevantes (artigo 268.º, n.º 6, do mesmo Código) – cf. J. A. MOURAZ LOPES, A
Tutela da Imparcialidade Endoprocessual no Processo Penal Português, Coimbra,
2005, pp. 145-146, nota 388.
Em Espanha, face à natureza genérica que, mesmo após a
modificação introduzida pela Lei Orgânica n.º 4/1998, de 25 de Maio de 1988, aos
artigos 553.º e 559.º da Ley de Enjuiciamiento Criminal – que se limitam a
permitir que o juiz autorize, por decisão fundamentada, pelo prazo máximo de
três meses, susceptível de prorrogação por períodos similares, a vigilância de
comunicações telefónicas de pessoas relativamente às quais existam indícios de
responsabilidade criminal –, tem sido sobretudo obra da jurisprudência a
definição das condições de admissibilidade das interferências nas comunicações.
A jurisprudência do Tribunal Constitucional espanhol, para utilizar a síntese
feita no fundamento jurídico 5.º da Sentença n.º 171/99, tem consignado que “uma
medida restritiva do direito ao segredo das comunicações só pode considerar-se
constitucionalmente legítima na perspectiva deste direito fundamental se, em
primeiro lugar, está legalmente prevista com suficiente precisão – princípio da
legalidade formal e material (...); se, em segundo lugar, é autorizada por
autoridade judicial no âmbito de um processo (...); e, em terceiro lugar, se se
realiza com estrita observância do princípio da proporcionalidade; é dizer, se a
medida é autorizada por ser necessária para alcançar um fim constitucionalmente
legítimo, como – entre outros –, para a defesa da ordem e prevenção de delitos
qualificáveis como infracções puníveis graves, e é idónea e imprescindível para
a investigação dos mesmos (...), e existem indícios sobre o facto constitutivo
do delito e sobre a conexão com o mesmo por parte das pessoas investigadas.
(...) A execução da intervenção telefónica deve ater-se aos estritos termos da
autorização tanto quanto aos limites materiais da mesma como às condições da sua
autorização (...) e, finalmente, deve levar-se a cabo sob controlo judicial”.
2.9. Recortado o parâmetro constitucional atendível
(2.1.), historiada a evolução legislativa do regime das escutas e perplexidades
que suscitou e suscita (2.2., 2.3., 2.4. e 2.6.), recordada a pertinente
jurisprudência do Tribunal Constitucional (2.2. e 2.5.) e do Tribunal Europeu
dos Direitos do Homem (2.7.) e feita sumária referência a sistemas jurídicos
próximos (2.8.), cumpre, finalmente, enfrentar as questões de
constitucionalidade que vêm suscitadas no presente recurso.
Continuando a trilhar o mesmo percurso já seguido no
Acórdão n.º 426/2005, importa salientar que não está em causa a correcção, ao
nível da interpretação e aplicação do direito ordinário, das interpretações
normativas acolhidas pelo acórdão recorrido, mas tão-só apurar se essas
interpretações, aceites como um dado da questão, são constitucionalmente
conformes.
Do relato da evolução legislativa resulta uma oscilação
quanto ao número e conteúdo do “auto de intercepção e gravação”. A circunstância
de a versão originária do artigo 188.º do CPP aludir a um único auto e de ser o
exame desse auto pelo arguido, pelo assistente e pelas pessoas escutadas que
lhes possibilitaria inteirarem-se da conformidade das gravações e obterem cópia
dos elementos referidos no auto, levou a que se entendesse, designadamente no
parecer n.º 92/91 (complementar), de 17 de Setembro de 1992, do Conselho
Consultivo da Procuradoria-Geral da República, que esse auto não devia conter
apenas o registo do acto de intercepção, mas inclusivamente o conteúdo das
conversações interceptadas, por transcrição das tidas por relevantes e menção
genérica das consideradas destituídas de interesse.
A intervenção legislativa consumada pela Lei n.º 59/98
visou afastar esse entendimento, tornando clara a existência de dois autos – um
relativo ao acto de intercepção e gravação e outro de transcrições –, sendo ao
auto de transcrição que é facultado o acesso por parte do arguido, do assistente
e das pessoas escutadas, para efeitos de controlo da fidelidade das mesmas.
Simultaneamente veio prever-se, de forma expressa, a possibilidade de
conhecimento, a título excepcional, do conteúdo das comunicações por parte do
órgão de polícia criminal antes do seu conhecimento pelo juiz, e a possibilidade
de o juiz, na sua tarefa de selecção dos elementos que, por considerados
relevantes para a prova, deviam ser transcritos, ser coadjuvado por órgão de
polícia criminal.
Finalmente, a alteração operada pelo Decreto-Lei n.º
320-C/2000 veio de novo alterar o conteúdo do auto de intercepção e de gravação.
Ele deixou de ser mero auto de registo da efectivação da operação, para dever
sempre conter, não a transcrição das passagens que o órgão de polícia criminal
reputasse relevantes (como entendera o parecer n.º 92/91 da Procuradoria-Geral
da República), mas a indicação dessas passagens, com o objectivo, que resulta do
artigo 4.º da Lei n.º 27-A/2000, de limitar o dever de o juiz ouvir as gravações
às passagens indicadas. Desta alteração resultou, por outro lado, que, para
poder fornecer a indicação das passagens das gravações ou elementos análogos
considerados relevantes para a prova, o órgão de polícia criminal tem de passar
a, por sistema, tomar conhecimento do conteúdo das comunicações interceptadas, o
que obviamente posterga o carácter excepcional de que, na redacção anterior,
esse conhecimento tinha (unicamente destinado a prevenir a prática de actos
cautelares necessários e urgentes para assegurar meios de prova). Por outro,
deixando de ser um mero acto de registo de ocorrência, para passar a implicar o
prévio desenvolvimento de actividades, necessariamente morosas, de audição de
gravações (por vezes em língua estrangeira), identificação dos intervenientes e
ponderação da sua relevância para a investigação, é óbvio que a exigência de
“imediatividade” da apresentação do auto tem de ser vista à luz de outros
critérios, diversos dos que estavam presentes quando foram proferidos os Acórdão
nºs 407/97, 347/2001 e 528/2003. Disso mesmo deu conta este Tribunal, logo no
Acórdão n.º 699/2004, quando, ao analisar a admissibilidade de recurso
interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea g), da LTC, por a decisão
então recorrida ter pretensamente feito aplicação da norma do n.º 1 do artigo
188.º do CPP em contradição com os juízos de inconstitucionalidade contidos nos
Acórdãos nºs 407/97, 347/2001 e 528/2003 (os dois primeiros incidindo sobre a
redacção anterior à Lei n.º 59/98 e o terceiro sobre a redacção desta Lei, mas
anterior à do Decreto-Lei n.º 320-C/2000), contestou a identidade entre a
dimensão normativa aplicada na decisão recorrida (enquanto posterior a este
decreto-lei) e a anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal
Constitucional, afirmando: “ao acrescentar a este texto [o do n.º 1 do artigo
188.º do CPP] «com a indicação das passagens das gravações ou elementos análogos
considerados relevantes para a prova», o Decreto-Lei n.º 320-C/2000 introduziu
uma alteração relevante para a interpretação da norma de que se trata no
presente recurso, e que não permite a respectiva apreciação ao abrigo de um
recurso interposto ao abrigo do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da
Lei n.º 28/82, se baseado em acórdãos relativos à anterior versão da lei”.
Também a Decisão Sumária n.º 252/2005 não conheceu de recurso interposto ao
abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, tendo por objecto a norma do
n.º 1 do artigo 188.º do CPP, na redacção do Decreto-Lei n.º 320-C/2000,
aplicada na decisão recorrida alegadamente em desconformidade com os juízos de
inconstitucionalidade proferidos nos Acórdãos nºs 407/97, 347/2001 e 528/2003
(todos eles reportados a redacções anteriores), por falta de coincidência
normativa, dado que a alteração de redacção ocorrida em 2000 “assume (...) claro
relevo na apreciação da questão de constitucionalidade apreciada”, pois
“introduzindo-se pela nova redacção um formalismo até então inexistente, o mesmo
é susceptível de condicionar o critério da imediatividade a que se refere o
artigo”.
A este propósito há, no entanto, que salientar que os
inconvenientes derivados da maior complexidade e consequente morosidade da
elaboração do auto em causa serão, no todo ou em grande parte, compensados com a
maior rapidez e precisão que o novo sistema permite no que respeita ao acto
judicial de controlo da relevância das gravações e de selecção das que devem ser
transcritas, pelo que não se trata de fazer recair única e exclusivamente sobre
o arguido o ónus da alteração legislativa assinalada enquanto determina uma
alteração do critério da imediatividade anteriormente seguido.
A segunda nota que importa salientar é a de que,
independentemente da interpretação do direito ordinário vigente que se considere
mais correcta, não é legítimo transformar o regime legal em regime
constitucional. Isto é: não é lícito considerar toda e qualquer violação ao
regime legal como uma violação da Constituição. Como inicialmente se salientou,
o n.º 4 do artigo 34.º da CRP permite, embora com carácter de excepcionalidade,
a ingerência das autoridades públicas nas telecomunicações, impondo directamente
como limitação tratar-se de matéria de processo criminal e submetendo-a a
reserva de lei (mas não a sujeitando explicitamente a reserva de decisão
judicial, como fizera no precedente n.º 2 quanto à entrada no domicílio dos
cidadãos), requisitos estes que se mostram no caso preenchidos: as intercepções
foram determinadas no âmbito de um processo criminal visando a investigação de
ilícitos que constam da enumeração legal dos crimes relativamente aos quais é
lícito o uso deste meio de obtenção de prova (artigo 187.º, n.º 1, alínea a), do
CPP), ao que acresce que todas elas foram previamente objecto de autorização
judicial e que, em todas elas (diversamente do que ocorria no caso em que foi
proferido o Acórdão n.º 426/2005), o juiz de instrução procedeu à audição
pessoal das gravações, antes de proceder à selecção das que considerava
relevantes e determinar a sua transcrição e aquisição processual.
Neste contexto, a eventual inconstitucionalidade das
interpretações normativas impugnadas, todas elas reportadas aos termos em que se
terá processado o acompanhamento judicial da execução da operação, apenas pode
assentar em violação do princípio da proporcionalidade aplicável às restrições
dos direitos, liberdades e garantias (artigo 18.º, nºs 2 e 3, da CRP).
No citado Acórdão n.º 407/97 e posterior jurisprudência
deste Tribunal que reiterou a doutrina nele definida, sustentou-se que a
especial danosidade social desta intromissão nas comunicações implicava, não
apenas um controlo judicial do desencadear da operação (não estando ora em causa
saber se esse controlo tem de ser sempre prévio ou pode ser de validação de
determinação do Ministério Público ou de órgãos de polícia criminal, como é
admitido noutros ordenamentos jurídicos), mas um acompanhamento judicial da
própria execução da operação. Acompanhamento este que deve ser contínuo e
próximo temporal e materialmente da fonte, mas que não implica necessariamente
“que toda a operação de escuta tenha de ser materialmente executada pelo juiz”,
como uma “visão maximalista” exigiria.
Há que fazer uma interpretação desse requisito
jurisprudencial funcionalmente adequada à sua razão de ser. E os propósitos
visados consistem, como se assinalou, em propiciar que seja determinada a
interrupção da intercepção logo que a mesma se revele desnecessária, desadequada
ou inútil, e, por outro lado, fazer depender a aquisição processual da prova
assim obtida a um “crivo” judicial quanto ao seu carácter não proibido e à sua
relevância.
[...]
Um dos aspectos mais criticados do actual sistema legal
consiste no facto de a lei não prever expressamente um prazo máximo de duração
das escutas nem esclarecer se o auto de gravação só deve ser elaborado no termo
do período autorizado ou se há lugar à apresentação de autos “intercalares”. No
presente caso, os diversos despachos judiciais fixaram prazos de 60 dias e só
dois se referiram às datas de apresentação dos autos de gravação: o de 31 de
Janeiro de 2003 (reproduzido no de 11 de Fevereiro de 2003) determinou que,
antes de findar o referido período de 60 dias, deveria ser, de imediato, dado
conhecimento do auto lavrado, com indicação das passagens relevantes para a
prova, acompanhadas das respectivas fitas magnéticas gravadas ou elementos
análogos de consulta; e o de 18 de Setembro de 2003, determinou que esses autos
fossem lavrados de 20 em 20 dias.
Entende-se que os apontados prazos de 60 dias de duração
máxima das escutas não se pode considerar como implicando um intolerável
descontrolo judicial da operação, mesmo que acoplados ao entendimento de que, se
nada for judicialmente determinado em sentido contrário, é no termo de cada
período de escuta, e não logo a seguir a cada conversação interceptada, que deve
ser elaborado o auto de gravação com indicação, pelo órgão de polícia criminal,
das passagens consideradas relevantes para a prova.
A este propósito recorde-se que o Projecto de Lei n.º
519/IX preconizava que o prazo máximo de duração das escutas fosse de 30 dias
(com dilação de 5 dias após a data da prolação da autorização), prorrogáveis até
5 vezes (artigo 187.º, n.º 3), competindo ao juiz fixar o período findo o qual o
auto com as fitas gravadas é levado ao seu conhecimento, acompanhado ou da
indicação das passagens e dos dados considerados relevantes para a prova ou
mesmo da respectiva transcrição provisória (artigo 188.º, n.º 1). E a Proposta
de Lei n.º 150/IX previa que a duração máxima fosse de 3 meses, renovável por
períodos idênticos até ao encerramento do inquérito (artigo 187.º, n.º 5),
devendo os autos de intercepção e gravação, com as fitas, ser levados ao
conhecimento do juiz, de 15 em 15 dias, com indicação, por parte do Ministério
Público, das passagens consideradas relevantes (artigo 188.º, n.º 1).
Relativamente ao espaço de tempo entre o fim da gravação
(ou de fases dela) e a apresentação do respectivo auto, já se salientou que,
após a alteração legislativa de 2000, a maior complexidade na elaboração do auto
impõe a adopção de critério mais dilatado quanto ao requisito da imediatividade
da sua elaboração e apresentação, não sendo exigível a fixação de um prazo
máximo rígido, que sempre se poderia mostrar completamente desadequado ao
condicionalismo do caso concreto.
De qualquer forma, os prazos registados nos presentes
autos, quer entre os períodos de intercepções e as datas de elaboração dos
correspondentes autos, quer entre estas datas e as datas de apresentação ao
juízes de instrução criminal, quer entre estas últimas e as audições pessoais a
que estes juízes procederam em caso algum se mostram de tal forma dilatadas que
se possa questionar o respeito pela exigência do referido acompanhamento
judicial.
[...]”.
Como pode constatar-se o Tribunal, ao reflectir o regime legal
constante do artigo 188.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, assumiu nesse
aresto, na esteira de anteriores decisões sobre a matéria, que as exigências
constitucionais pertinentes impõem, sempre e em todo o caso, um acompanhamento
judicial efectivo e próximo das operações em causa, assumindo, quanto ao
requisito da “imediatividade”, que o mesmo possa, salvaguardada aquela
determinação, assumir uma certa geometria variável em face dos
“condicionalismo[s] do caso concreto”.
Semelhante proposição conclusiva impõe-se no caso sub judicio.
De facto, não pode olvidar-se que a concreta realização do direito por mediação
de uma norma legal pressupõe como prius metodológico a consideração do caso
concreto, aqui residindo o ponto de partida para a determinação do sentido
jurídico-normativo da norma mobilizanda. Por esse motivo, a ponderação
valoradora das exigências legais não pode abster-se de considerar as
particulares especificidades do caso concreto como condição determinante da
adequação problemática do critério convocado para dirimir o problema jurídico
concreto (A. Castanheira Neves, Metodologia jurídica. Problemas fundamentais,
Coimbra, 1993).
O que assume particular relevo metodológico quando, como no caso presente, a
norma em causa não estabelece um prazo máximo e rígido, suscitando uma
actividade mediadora que terá forçosamente de atender ao condicionalismo
concretamente em causa.
Nesse pressuposto, a valoração dos factores implicados pela complexidade das
operações – quais sejam, como relata o Acórdão recorrido, “o elevado número de
Alvos (telefones) interceptados, a enorme quantidade de conversações de cada
Alvo, a necessidade de elaboração de relatórios parcelares relativos a cada
apresentação de autos de gravação e dos respectivos CDs gravados por forma a
facilitar à M.ma JIC a tarefa de selecção das passagens relevantes (que é afinal
o que se pretende com 188.º, n.º 1, do Código de Processo Penal)” – constitui
uma dimensão inarredável para aferir do cumprimento da exigência legal, sendo
absolutamente compreensível que o lapso temporal a imputar ao requisito da
imediatividade seja forçosamente diferenciado em função desses factores, o que,
só por si, em nada compromete o “efectivo controlo das operações” e o
acompanhamento judicial da realização das escutas telefónicas, devendo mesmo
aceitar-se que a aferição do momento de apresentação dos autos de gravação em
face das circunstâncias do caso acaba inclusivamente por ser reclamada pelo
investimento que o conteúdo dos autos de gravação representa em sede de controlo
jurisdicional das escutas telefónicas e, bem assim, dos próprios direitos dos
arguidos.
C – Decisão
5 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide:
a) Não tomar conhecimento do objecto do recurso quanto às normas referidas
nos pontos 3.1. a 3.5.; e, quanto ao demais,
b) Negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 25 UCs.
Lisboa, 23.09.2008
Benjamim Rodrigues
João Cura Mariano
Joaquim de Sousa Ribeiro
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos
[1] Apenas se transcreve a parte inicial, sendo certo que o recorrente
desenvolve, ao longo da sua motivação, estes fundamentos.
[2] Esta fundamentação está subjacente na decisão recorrida – v. fls. 22896
[3] Ao tempo em que foram efectuadas as escutas.
[4] Que para melhor percepção, se sublinhará.
[5] No qual se faz uma resenha de toda a jurisprudência anterior sobre a
matéria, como já vinha acontecendo com outros acórdãos.
[6] Citando a decisão recorrida do Tribunal da Relação.
[7] Jurisprudência referenciada na decisão recorrida – v. fls. 22904.
[8] Referimo-nos ao momento de apresentação ao juiz e não à data do auto de
transcrição, pois estes dois momentos podem não coincidir, como efectivamente
não coincidem, pois nos presentes autos, a Sra. Juíza procedeu à audição das
respectivas gravações, o que implicou, necessariamente, entre o momento da
apresentação dos autos e gravações até ao momento da ordem e elaboração do auto
de transcrição, hiatos de alguns ou vários dias, sendo certo que para efeitos de
apreciação do controlo judicial das escutas, é aquele primeiro momento que
interessa.
A situação tornou-se mais morosa e complexa, quer com o avolumar do número de
alvos a escutar quer com o consequente número de gravações a ouvir.
[9] Anota-se que no que ao recorrente respeita, em caso algum o prazo chegou aos
75 dias como a dado momento é referido no despacho recorrido a fls. 23023 e que
o MP corrige na sua resposta.
[10] Realça-se o facto de na data de 12 de Dezembro de 2003 não só terem sido
entregues as gravações de vários dias referentes ao alvo 20798, como no mesmo
dia 12 de Dezembro de 2003 foram também entregues os autos e gravações de vários
dias referentes ao alvo 21179 – v. fls. 5941 e 5942. Mas se extrapolarmos os
alvos em causa neste recurso e verificarmos os dados constantes do mapa
apresentado pelo Ministério Público na sua resposta que acaba por reflectir os
elementos constantes no mapa que integra a decisão recorrida, constatamos que,
com data de 12 de Dezembro de 2003, foram ainda apresentados outros autos e
gravações referentes a outros alvos e dias de gravação, num total de cerca de
86. E o que se afirma quanto a esta data, repete-se a tantas outras datas, como
seja a imediatamente seguinte, dia 12 de Janeiro de 2004, em que foram
apresentados 44.
[11] Nas alterações ao artigo 188º e outros do CPP, dadas pela Lei nº 48/2007,
de 29 de Agosto.
[12] Na prática, entre o início da gravação e a apresentação dos suportes
técnicos ao juiz, quer os iniciais, quer os subsequentes, poderão decorrer 17
dias.
[13] Situação que o próprio recorrente refere na sua motivação de recurso.
[14] V. nº 10 do citado art. 188º.