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Processo nº 620/2008
3ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I
Relatório
1. A. vem reclamar para este Tribunal Constitucional do despacho do Juiz
Desembargador Relator no Tribunal da Relação de Guimarães, de 15 de Maio de
2008, que não lhe admitiu o recurso interposto para este Tribunal do acórdão do
mesmo Tribunal da Relação de Guimarães, de 29 de Novembro de 2007, “(u)ma vez
que a este tribunal não foi colocada qualquer questão sobre a
inconstitucionalidade de qualquer norma e também porque se mostra excedido o
respectivo prazo de interposição”.
O acórdão de que o ora reclamante interpôs recurso para o Tribunal
Constitucional revogou a sentença proferida pela 1.ª Instância – que, julgando
procedente a excepção de nulidade do negócio de desconto bancário celebrado
entre as partes, com base em reserva mental conhecida pelo banco declaratário,
julgara totalmente improcedente o pedido formulado pelo banco autor – e condenou
o apelado A. a pagar ao apelante Banco B., S.A., a quantia de 9.200 € (nove mil
e duzentos euros) acrescida de juros no montante de 774, 31 € (setecentos e
setenta e quatro euros e trinta e um cêntimos) e imposto de selo sobre os juros,
à taxa de 4%, que ascendem a 30, 97 € (trinta euros e noventa e sete cêntimos),
bem como os juros vincendos até integral pagamento.
Relatemos o iter processual que se seguiu.
Notificado deste acórdão, deduziu o réu reclamação e, subsidiariamente, interpôs
“recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, nos termos do
conjugadamente disposto nos arts. 732.º-A e 732.º-B do C. P. Civil”, invocando,
no que ora releva:
(…)
ISTO POSTO E SEM PRESCINDIR
II
O douto Acórdão proferido nestes autos manteve inalterada a factualidade que
havia sido declarada assente e foi dada por provada na 1ª Instância.
A decisão que decretou a revogação da sentença proferida no Tribunal “a quo” e
condenou o R. no pagamento das quantias reclamadas pelo banco Apelante
estribou-se na figura jurídica – questão de direito – denominada de “fiduciae
causa”.
Percorrendo o articulado da P.I. apresentada pelo Banco A./Apelante, tanto
quanto é dado ver ao R./Apelado, não consta essa “questão de direito” como
fundamento da respectiva causa de pedir.
O R. na sua contestação, que se encontra a fls. dos autos, naturalmente, também
não se defendeu dessa mesma questão de direito.
Consequentemente na sentença proferida no Tribunal de 1ª Instância também não
houve qualquer espécie de pronúncia relativamente a tal espécie de questão de
direito que se reconduz à figura da “fiduciae causa”.
Relendo agora, por uma vez mais, as alegações de Apelação produzidas pelo banco
apelante, também não se vê que nas mesmas tivesse sido invocada ou até abordada
essa questão de direito.
Aliás, se tal tivesse acontecido, logo se teria de concluir que se tratava de
“questão nova” a qual não poderia ser invocada em via de recurso da sentença
proferida no Tribunal de 1ª Instância.
Como sempre se afirma, “os recursos são meios instrumentais ao reexame de
questões já submetidas à apreciação de Tribunais inferiores e não para proferir
decisões sobre matéria nova, isto é, que não tenha sido submetida à apreciação
do tribunal de que se recorre – arts. 676º n° 1 e 69Oº nº 1 do C.P.C. –” – “vide
gratiae” Ac. do STJ de 24/02/05, in www.dgci.pt
Neste quadro “questões novas são aquelas que não foram apreciadas pelo tribunal
recorrido por lá não terem sido suscitadas nem serem do conhecimento oficioso” –
“vide gratiae” supra citado Acórdão.
Assim orientados, e tendo presente quer a “causa de pedir” constante da P.I. da
acção intentada pelo A. contra o R., bem como tendo presente o próprio teor da
sentenca proferida no tribunal de 1ª instância e ainda tendo presente as
conclusões das alegações de apelação elaboradas pelo mesmo Banco A., deve
reconhecer-se que a supra dita “questão de direito” – transmissão “fiduciae
causa” – não foi invocada, em seu tempo, pelo A., aqui Apelante.
Ora, como também supomos ser pacífico na nossa melhor jurisprudência e decorre
expressamente do disposto na lei,
“o conhecimento do recurso pelo tribunal superior encontra-se limitado pela
decisão recorrida, ficando-lhe vedada qualquer actividade cognitiva
relativamente às questões não colocadas no tribunal «a quo»” – Ac. STJ de
24/09/97: SASTJ, 13º – 150 e segs. –
Salvo o devido respeito, que no caso é muito, parece ao reclamante que o douto
acórdão ao decidir com base naquela nova questão de direito – nunca antes
invocada ou abordada nos autos – não teve em conta a referida restrição do
objecto do recurso, conhecendo daquela forma de questão nova que não era objecto
do mesmo recurso.
Infringiu desse modo e nessa medida o acórdão aqui reclamado o disposto na 2ª
parte da al. d) do nº 1 do art. 668º, aplicável “ex-vi” do art. 716º nº 1 do
CPC.
Assim, o R./Apelado é constrangido a invocar a pertinente nulidade cometida pelo
Tribunal, tal como é constrangido a reclamar que, na procedência da nulidade
aqui invocada, seja alterada e, ou, reformada a decisão que julgou procedente a
apelação, substituindo a mesma por outra que, declarando improcedente o recurso
do banco A., mantenha a decisão proferida em 1ª instância e confirme a integral
absolvição do R./Apelado de tudo quanto do mesmo foi reclamado.
AINDA SEM PRESCINDIR,
III
Ainda a propósito da dita questão nova a que se reconduz a figura da “fiduciae
causa” e para o caso de se ter o entendimento que a mesma, apesar de não ter
sido alegada pelas partes, deverá ser do denominado conhecimento oficioso do
tribunal, importa então atender ao seguinte:
a) Como supra se assinalou, o Banco A. não invocou tal coisa na sua causa de
pedir constante da P.I. junta aos autos;
b) Consequentemente, o R./Apelado dela não se defendeu em momento algum;
c) Este tribunal de 2ª instância, ao “conhecer” de tal “questão – de direito –
nova”, sem previamente dessa intenção dar conhecimento ao R./Apelado, deixou o
mesmo absolutamente surpreendido com a respectiva decisão;
d) Designadamente, não foi dado ao R./Apelado a oportunidade de apresentar a
respectiva defesa no que a tal questão concerne, antes de este tribunal de
recurso sobre a mesma se pronunciar e nela estribar decisão prejudicial aos
sérios e legítimos interesses do mesmo;
e) Ou seja, o R./Apelado não teve oportunidade para, no que a tal questão
directamente concerne, exercer o devido e inalienável direito de defesa e
direito do contraditório;
É manifesto que o princípio constitucional da “proibição da indefesa” consagrado
nos arts. 2º e 20º da Constituição, se deve observar e aplicar ao longo de todo
o processo e em qualquer tribunal, seja de 1ª instância, seja de 2ª instância,
seja até de 3ª instância.
Como tem sido entendimento repetido do Tribunal Constitucional e dos demais
Tribunais Superiores da nossa organização judicial, “embora não expressamente
formulados na constituição para o processo civil, os princípios da igualdade
processual das partes e do contraditório não podem deixar de ser exigências
constitucionais neste domínio, pois tal decorre da própria ideia de Estado de
Direito” – Ac. nº 397/89, BMJ, 387-623 –
Daí que, ainda salvo o devido e merecido respeito, este Tribunal não poderia
avançar para a decisão de julgar procedente o recurso de apelação interposto
pelo Banco Apelante, com base naquela supra referida nova questão de direito sem
previamente facultar ao R./Apelado o exercício do seu inalienável direito de a
propósito da mesma se pronunciar nos termos do disposto nos supra citados
princípios e normas constitucionais e ainda nos termos dos arts. 3º, 3º-A do
CPC.
Ou seja, ao conhecer da referida “questão nova” e com base nela revogar a
decisão proferida na 1ª instância e condenar o R./Apelado no pagamento das
quantias reclamadas pelo A., o tribunal violou as supra citadas normas legais
incorrendo no vício de nulidade que aqui também expressamente se invoca e que,
necessariamente, terá de conduzir à revogação do acórdão proferido e aqui
reclamado – aplicação conjugada das supra citadas normas legais e do art. 716º
nº 1 do CPC –
Por acórdão de 7 de Fevereiro de 2008, o Tribunal da Relação de Guimarães não
atendeu à reclamação apresentada e não admitiu o recurso interposto, podendo
ler-se na respectiva fundamentação, novamente no que ora releva:
(…)
II. Insurge-se depois o Apelado contra a circunstância de este tribunal ter
considerado tratar-se de um negócio fiduciário, questão que não foi suscitada na
1ª instância, nem nas alegações de recurso, não podendo o tribunal conhecer dela
sem dar a oportunidade às partes de sobre ela se pronunciarem, a que acresce que
as declarações negociais do Apelado deveriam ter sido consideradas como não
sérias, o que constitui nulidade de conhecimento oficioso.
Acerca destas questões diremos que o juiz só pode servir-se dos factos
articulados pelas partes, mas não está sujeito às suas alegações no que toca à
indagação, interpretação e aplicação das normas de direito.
A questão que foi colocada a este Tribunal foi a da validade do contrato
celebrado entre o Apelado e o banco e foi apenas sobre essa questão que o
Tribunal se pronunciou; a “fiduciae causa” a que o Apelado se refere não
constitui, ao contrário do que afirma, uma questão nova, mas tão só a forma como
doutrinalmente se designa a situação de facto trazida a juízo, tal como este
Tribunal a entendeu e é certo que nenhuma norma obriga o tribunal a alertar as
partes e a dar-lhes a possibilidade de se pronunciarem acerca da forma como vai
qualificar os factos.
Em relação à declaração negocial do Apelado como declaração não séria, é apenas
evidente que aquele não está de acordo com a decisão deste Tribunal, que assim
as não considerou.
III. Finalmente, para o caso de se não atender a reclamação, vem o Apelado
interpor recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, do acórdão
proferido neste processo.
“A contradição de decisões sobre a mesma questão fundamental de direito para
efeito de admissibilidade de recurso de acórdãos da Relação para o Supremo
Tribunal de Justiça pressupõe a identidade de núcleo fáctico na envolvência das
normas jurídicas aplicáveis” – acórdão do STJ de 18/12/07, www.dgsi.pt.
Tal identidade não se verifica entre o acórdão proferido neste processo e os
citados pelo Apelado, uma vez que nestes, não se prova que o mutuante haja
entregue ao mutuário a quantia mutuada, enquanto naquele se provou que tal
sucedeu, por crédito na conta de que era titular, pelo que se não admite o
recurso interposto.
Desta decisão que não admitiu a interposição de recurso extraordinário para
uniformização de jurisprudência, nos termos do disposto nos artigos 732.º-A e
732.º-B do Código de Processo Civil, reclamou o réu para o Presidente do Supremo
Tribunal de Justiça, tendo, em 11 de Abril de 2008, sido proferido despacho a
indeferir a reclamação, com base nos seguintes fundamentos:
O ora reclamante interpôs recurso para este Supremo Tribunal de Justiça para
uniformização de jurisprudência do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
proferido em 29.11.2007
Estamos assim no âmbito de aplicação do art. 678°, n.° 4, do CPC, na do DL n.°
38/2003, de 8 de Março (art. 21.°, n.° 4, do DL n.° 38/2003 , de 8 de Março, na
redacção do DL n.° 199/2003, de 10 de Setembro).
E o recurso previsto nesta norma continua a ser um recurso ordinário, não tendo
passado a extraordinário com a revisão de 2003.
Esta redacção que lhe foi dada apenas visou estabelecer que o recurso interposto
ao abrigo de tal disposição legal deve seguir “a tramitação normal dos recursos
de revista e de agravo interposto na 2ª instância, consoante os casos, sem
prejuízo de tanto um como outro se ampliarem no seu decurso, preenchido que se
encontrasse o condicionalismo do art. 732°-A” (cf. Amâncio Ferreira, Manual dos
Recursos em Processo Civil, 7ª edição, p. 296).
Donde, face ao disposto no art. 732°-A do CPC, apesar do poder de determinar o
julgamento ampliado de revista caber exclusivamente ao Presidente do Supremo
Tribunal de Justiça, o requerimento por qualquer das partes para julgamento
ampliado só pode ocorrer em plena tramitação do recurso, o que não aconteceu no
caso dos autos.
Depois, tendo a acção o valor de € 10 005,28 (conforme se encontra
narrativamente certificado a fls. 41), não seria admissível recurso para este
Supremo Tribunal, face ao disposto no art. 678°, n.° 1, do CPC, uma vez que a
alçada da Relação era à data da propositura da acção de € 14 963,94.
Com efeito, aquele n.° 4 do art. 678.° do CPC deve interpretar-se em conjugação
com o n.° 1, admitindo-se o recurso nele baseado apenas quando o valor seja
superior ao da alçada da Relação.
Acresce que por outro motivo também o recurso não era admissível ao abrigo do
citado n.° 4 do art. 678.° do CPC, uma vez que na hipótese ajuizada os
acórdãos‑fundamento invocados provêm do Supremo Tribunal de Justiça e não da
Relação como resulta do preceito referido.
Nestes termos, fica prejudicado o conhecimento da alegada oposição de acórdãos,
uma vez que face ao valor da acção irreleva para o conhecimento da presente
reclamação.
Recorreu então o réu para o Tribunal Constitucional. Fê-lo, nos termos do
respectivo requerimento de interposição,
a fim de que este Alto Tribunal declare a inconstitucionalidade da norma
interpretativa criada pelo Tribunal “a quo”, a propósito e estribando-se no art.
664º do C.P.Civil e que foi exarada no douto Acórdão, a qual tem vindo a ser de
aplicação generalizada pelos Tribunais comuns, nos termos da qual, quando em
sede de Recurso, conhece de “questão nova” (questão de Direito) – questão que
não foi alegada por qualquer uma das partes – e com base nela revoga a decisão
proferida pela 1ª Instância, sem previamente facultar ao R./Apelado, o exercício
do seu inadiável direito de, antes de aquela decisão ser proferida e a propósito
da mesma, se pronunciar,
Passando em consequência dessa surpreendente decisão a revogar a Sentença
absolutória proferida na 1ª Instância e, em vez dela, proferindo decisão, com
base em questão de direito antes nunca abordada nos autos, a condenar o Réu no
pagamento de valores antes reclamados pelo Banco autor.
Por violação, entre outros, do princípio Constitucional da “Proibição da
indefesa”, e ainda do “due process of law” ou da “Igualdade de Armas”,
compreendidos na garantia constitucional do “Acesso ao Direito e à tutela
jurisdicional efectiva” contidos, entre outros, nos arts. 2º, 20º e 202º da
Constituição da República Portuguesa.
Tem sido entendimento repetido do Tribunal Constitucional que, “embora não
expressamente formulados na constituição para o processo civil, os princípios da
igualdade processual das partes e do contraditório não podem deixar de ser
exigências constitucionais neste domínio, pois tal decorre da própria ideia de
Estado de Direito” - Ac. nº 397/89, BMJ, 387 – 623 –.
Mas, como se disse, também esse recurso não foi admitido. Daí a presente
reclamação, que se estriba nas seguintes razões essenciais:
(…)
7º
Os autos e aquela concreta vertente da decisão recorrida evidenciam que o
Tribunal da Relação de Guimarães, lançando mão deste particular “critério
normativo”, que extraiu do supra citado preceito legal, validou o mesmo e
tornou-o susceptível de ser generalizado.
8º
Ou seja, daqui para o futuro, e tal como vem sucedendo e generalizando, aquele
enunciado critério normativo que foi extraído – e nós pensamos que mal ... – da
primeira parte do citado art. 664º do CPC, permite que o julgador do tribunal de
2ª instância, conheça de questão de direito nova – não alegada por qualquer uma
das partes – e com base nela revogue a decisão proferida pela 1ª instância, sem
previamente facultar ao recorrido, o exercício do seu inalienável direito de,
antes de aquela decisão ser proferida e a propósito da mesma, se pronunciar.
9º
Por tudo isto se reafirma o entendimento que, o Tribunal da Relação de Guimarães
criou uma “nova norma” ou complexo normativo com o assinalado sentido que,
escusadamente, promove o sucessivo aparecimento de “decisões surpresa”.
10º
Como parece ser entendimento maioritário, “aos tribunais – aqui se incluindo o
Tribunal Constitucional – compete não somente a verificação dos pressupostos de
aplicação da norma, ou do respectivo sentido normativo, mas também a correcção
da interpretação da norma e a observância do princípio da proporcionalidade
nessa aplicação, expressa não apenas no respeito do fim da norma mas também na
correccão da adequação do meio ao resultado, ou seja, do “iter” lógico
seguido... na valoração da situação concreta e da correcção interna dos
raciocínios lógico discursivos que presidiram à sua aplicação ao caso” – in Ac.
N9 233/94 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 27°, pág. 595)-
11º
Cumprindo ainda assinalar que, quando é essencial à resolução da questão de
constitucionalidade, o tribunal não pode deixar de conhecer de certos aspectos
do direito infra – constitucional.
Designadamente,
12º
“... não pode deixar de verificar a justeza das qualificações feitas pelo
tribunal recorrido, quando tal for indispensável para resolução da questão de
constitucionalidade, ou, talvez melhor dizendo, quando a questão de
constitucionalidade coincidir, em maior ou menor dimensão com a questão da
qualificação feita à luz do direito ordinário” – Ac. T.C. nº 279/2000 de
16/05/2000 – in BMJ, ano 2000, n° 497, pág. 83.
13°
Assim, e tendo em conta que a Constituição da República especificamente comete
ao Tribunal Constitucional a função de administrar a justiça em matérias de
natureza jurídico-constitucional,
14°
Em nosso entendimento, sempre salvo o devido e merecido respeito, este Alto
Tribunal deverá pronunciar-se sobre a supra aludida questão normativa, que se
vem generalizando nos nossos tribunais superiores, e que padece dos vícios de
inconstitucionalidade que se lhe assinalou.
15°
Daí que, e ainda salvo o devido e merecido respeito, e como infra melhor se
explicitará, entende o recorrente que no requerimento apresentado nos autos em
14/12/2007 – data de expedição via e-mail – e através do qual deduziu reclamação
do Acórdão e, ao mesmo tempo e subsidiariamente apresentou a interposição de
recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, logo no capítulo II
e III invocou a inconstitucionalidade consistente na não audição prévia do
R./Apelado e aqui reclamante, cumprindo desse modo, quando pela primeira vez foi
confrontado com essa questão de inconstitucionalidade, os pressupostos mínimos
bastantes e suficientes à interposição do respectivo Recurso – ao qual tem
inalienável direito – para este colendo Tribunal – arts. 70º nº 1 al. b) e g),
72º nº 2 e 75º da Lei nº 28/82 de 15 de Novembro na sua actual redacção.
(…)
Por outro lado,
18º
Suscita o MM. Juiz desembargador/relator a questão de a “inconstitucionalidade”
da norma não ter sido colocada anteriormente.
19º
Parece-nos no entanto, salvo melhor e mais douta opinião, e sem prejuízo do já
supra invocado, que nos autos se verifica uma situação do tipo daquelas em que a
jurisprudência do Tribunal Constitucional tem admitido a dispensa do ónus de
suscitação da questão de constitucionalidade durante o processo.
20º
E isto, repete-se na medida em que a norma interpretativa, tirada pela 2ª
instância daquele dispositivo legal, tem carácter surpreendente em função das
alterações legislativas e, até, das mais recentes orientações jurisprudências.
21º
No sentido do aqui propugnado, invoca o Recorrente, entre outros, os Acórdãos nº
181/96, o nº 368/97, publicado no DR. II Série, nº 238 de 14 de Outubro de 1997,
e o Acórdão nº 278/98 de 10 de Março de 1998, publicado no BMJ n.° 475, pág.
185.
22º
Ensina‑nos o Ac. Trib. Const. de 5 de Fevereiro de 1998, BMJ n.° 474, pág. 76:
A inconstitucionalidade de uma norma só se suscita «durante o processo» quando
tal se faz em termos e em tempo de o tribunal recorrido poder decidi-la, só em
casos de todo anómalos e excepcionais, sendo lícito à parte suscitar a
inconstitucionalidade depois de proferida decisão de que pretende recorrer”.
Como, a nosso ver, é o caso dos autos.
23º
E ainda e mais claramente o Ac. do Trib. Const. de 17 de Outubro de 1995 deixou
expresso:
“É inexigível à parte que suscite, antes da prolação da decisão, a
inconstitucionalidade de uma norma com cuja aplicação não podia razoavelmente
contar ou de uma interpretação normativa imprevisível”.
(…)
Por outro lado e ainda sem prescindir,
26°
O Recorrente, aquando da prolação do Acórdão recorrido, logo apresentou, dentro
do respectivo prazo legal, reclamação pedindo a reforma da decisão ali
proferida, nos termos do que vem previsto nos arts. 686° e seguintes do
C.P.Civil, o qual se encontra a fls. – dos autos e aqui por brevidade e economia
processual aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e
legais efeitos.
27°
Subsidiariamente e, por mera cautela de patrocínio, interpôs Recurso para a
fixação de jurisprudência, conforme da dita reclamação também tudo melhor se
alcança.
28°
Na sequência do indeferimento daquela reclamação, assim como da não admissão do
recurso interposto, o Recorrente apresentou Reclamação dirigida ao Presidente do
Tribunal Superior – Supremo Tribunal de Justiça – nos termos do que prescreve o
nº 1 do art. 688° do C.P.Civil, visando a admissão do recurso extraordinário
para uniformização de jurisprudência que antes havia deduzido, conforme tudo
melhor se alcança dos autos.
29°
Tendo sido notificado da decisão proferida pelo Exmo. Senhor Presidente do
Supremo Tribunal de Justiça, nos termos da qual declarou improcedente a
reclamação do despacho que não havia recebido o recurso interposto, por
notificação que lhe foi remetida por esse STJ datada de 14/04/2008.
Assim,
30°
E porque se mostraram esgotados os procedimentos nos Tribunais comuns,
apresentou – dentro do respectivo prazo legal (10 dias) – requerimento de
interposição de Recurso para este Alto Tribunal, o qual foi dirigido ao TRG aos
28/04/2008 – comunicação via e‑mail, confirmada depois por carta registada
emitida aos 29/04/2008, conforme seguramente dos autos tudo melhor se alcança.
31°
Ora, dispõe o n.°1 do art. 686° do C.P.Civil que:
“1. Se alguma das partes requerer a rectificação, aclaração ou reforma da
Sentença, nos termos do artigo 667° e do n.°1 do artigo 669°, o prazo para o
recurso só começa a correr depois de notificada a decisão proferida sobre o
requerimento.”
32°
Por outro lado, dispõe o art. 75° nº 2 do D.L. 28/82 de 15 de Novembro (Lei do
Tribunal Constitucional) com as alterações introduzidas pela Lei n.° 13‑A/98 de
26 de Fevereiro que:
“Interposto recurso ordinário, mesmo que para uniformização de jurisprudência,
que não seja admitido com fundamento em irrecorribilidade da decisão, o prazo
para recorrer para o Tribunal Constitucional conta-se a partir do momento em que
se torne definitiva a decisão que não admita recurso.” - sublinhados nossos –
33º
Foi precisamente o que o recorrente fez, ou seja, interpôs recurso para este
Venerando Tribunal após, mas dentro do prazo de 10 dias de ter sido notificado
da decisão proferida pelo Exmo. Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça
quanto à reclamação por si apresentada – indeferindo essa reclamação e tornando
definitiva a não admissão do recurso extraordinário para uniformização de
jurisprudência no presente caso –
34°
Pelo que, mais uma vez salvo o devido respeito, resulta dos sucessivos passos e
procedimentos processuais acima enunciados e documentados nos autos, bem como
das supra citadas normas legais, que o Recorrente não excedeu o prazo para
apresentar a presente interposição de Recurso para o Tribunal Constitucional, o
qual, por isso, é perfeitamente tempestivo.
Notificado da apresentação desta reclamação, o reclamado Banco B., S.A.,
pronunciou-se no sentido de que a mesma deve ser indeferida e, consequente, este
Tribunal não deve conhecer do objecto do recurso interposto.
Pronunciou‑se o representante do Ministério Público no Tribunal no sentido da
não verificação do pressuposto da admissibilidade do recurso que se traduz na
suscitação prévia da questão de constitucionalidade.
Cumpre apreciar e decidir.
II
Fundamentos
2. Como tem sido entendimento seguido sem discrepâncias por este Tribunal,
tendo em conta o que se preceitua no n.º 4 do artigo 77.º da Lei Tribunal
Constitucional, aquando da apreciação das reclamações a que se refere esse
artigo, incumbirá a este órgão de administração de justiça verificar se se
congregam todos os pressupostos e condições de admissibilidade do recurso, não
se devendo, consequentemente, tão só ater na análise do ou dos fundamentos que
conduziram à prolação do despacho de não admissão.
São pressupostos específicos para o conhecimento do recurso de
constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da
Lei do Tribunal Constitucional (pressupondo-se que a referência à alínea g) do
mesmo n.º, artigo e Lei se deve a lapso do reclamante) que a decisão recorrida
tenha aplicado como ratio decidendi a norma reputada de inconstitucional, que a
questão de constitucionalidade haja sido suscitada “durante o processo” e que se
encontrem esgotados todos os recursos ordinários.
Relativamente aos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo
70.º da Lei do Tribunal Constitucional, a regra é, portanto, a do prévio
esgotamento dos recursos ordinários (n.º 2 do artigo 70.º da referida Lei).
Como se encontra estabelecido no n.º 1 do artigo 75.º da Lei do Tribunal
Constitucional, o prazo de interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional é dez dias, contados da notificação da decisão.
Tendo a decisão pretendida recorrer para este Tribunal sido proferida em 29 de
Novembro de 2007, aquele prazo de dez dias estava há muito ultrapassado quando,
em 28 de Abril de 2008, foi, segundo afirma o reclamante, comunicado via correio
electrónico, o requerimento de interposição do recurso.
E esse parece ter sido um dos fundamentos do despacho de não admissão do recurso
para este Tribunal.
Pode, porém, como invoca o reclamante, questionar-se a aplicação ao caso dos
autos do n.° 2 do artigo 75.° da Lei do Tribunal Constitucional, segundo o qual,
“(i)nterposto recurso ordinário, mesmo que para uniformização de jurisprudência,
que não seja admitido com fundamento em irrecorribilidade da decisão, o prazo
para recorrer para o Tribunal Constitucional conta-se do momento em que se torne
definitiva a decisão que não admite o recurso.” E a Lei do Tribunal
Constitucional equipara a recursos ordinários, nos termos do n.º 3 do artigo
70.º, as reclamações para os presidentes dos tribunais superiores.
Efectivamente, verifica-se que o recorrente reclamou para o Presidente do
Supremo Tribunal de Justiça da decisão que não admitiu a interposição de recurso
para uniformização de jurisprudência. E o Presidente do Supremo Tribunal de
Justiça indeferiu a reclamação apresentada considerando que “tendo a acção o
valor de € 10.005,28 (conforme se encontra certificado a fls. 41), não seria
admissível recurso para este Supremo Tribunal, face ao disposto no art.º 678.º,
n.º 1, do CPC, uma vez que a alçada da relação era à data da propositura da
acção de € 14.963,94.”
O caso dos autos configura, assim, a hipótese prevista no n.° 2 do artigo 75.°
da Lei do Tribunal Constitucional, ou seja, a hipótese de ter sido interposto
recurso ordinário – como, nos termos do despacho do Presidente do Supremo
Tribunal de Justiça proferido a fls. 109 e segs. dos autos, é o recurso previsto
no artigo 678.°, n.º 4, do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei
n.º 38/2003, de 8 de Março (artigo 21.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8
de Março, na redacção do Decreto-Lei n.º 199/2003, de 10 de Setembro) – que não
foi admitido com fundamento em irrecorribilidade da decisão.
Sendo assim, forçoso é concluir que o presente recurso foi interposto dentro do
prazo legal. É que, sendo datado de 11 de Abril de 2008 o despacho do Presidente
do Supremo Tribunal de Justiça que indeferiu a reclamação da decisão não admitiu
o recurso interposto para uniformização de jurisprudência, tendo para
notificação desse despacho sido expedida carta em 14 desse mês [devendo a
notificação postal presumir-se feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou
no primeiro dia seguinte a esse, quando o não seja (artigo 254.°, n.° 3, do
Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 69.º da Lei do Tribunal
Constitucional)], o recurso veio a ser interposto no dia 28 desse mês, ou seja,
no prazo de dez dias (26 e 27 foram, respectivamente sábado e domingo).
3. A presente reclamação não pode, todavia, ser deferida, por não se verificar
um outro pressuposto indispensável para se poder tomar conhecimento do recurso
de constitucionalidade interposto.
Como se disse, para se poder conhecer de um recurso intentado ao abrigo do
disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional,
torna-se necessário, a mais do esgotamento dos recursos ordinários, que a
inconstitucionalidade da norma impugnada tenha sido suscitada “durante o
processo” e que esta norma tenha efectivamente sido aplicada como verdadeira
ratio decidendi pelo tribunal recorrido.
Este último requisito não é mais do que expressão da necessária utilidade da
intervenção do Tribunal Constitucional, em via de recurso, pois, se o sentido
normativo impugnado não corresponder ao sentido com que a norma questionada foi
aplicada na decisão recorrida, não existe interesse processual que justifique o
conhecimento da questão pelo Tribunal Constitucional. Neste caso, qualquer que
fosse a decisão do Tribunal Constitucional sobre a sua constitucionalidade,
manter-se-ia inalterado o decidido pelo tribunal recorrido. Nestas condições, o
Tribunal Constitucional não pode tomar conhecimento do recurso (cfr. os Acórdãos
deste Tribunal n.ºs 454/91, 337/94, 608/95, 577/95, 1015/96, 196/97 e 508/98,
publicados os três primeiros no Diário da República, II série, respectivamente
de 24 de Abril de 1992, 4 de Novembro de 1994 e 19 de Março de 1996, os
seguintes disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt e o último inédito).
Ora, analisando o que se consignou no acórdão do Tribunal da Relação de
Guimarães de 7 de Fevereiro de 2008, decorre da respectiva fundamentação que a
dimensão normativa questionada – referida, nos termos do requerimento de
interposição do recurso, que fixa o respectivo objecto, ao artigo 664.° do
Código de Processo Civil, nos termos da qual, “quando em sede de Recurso,
conhece de «questão nova» (questão de Direito) – questão que não foi alegada por
qualquer uma das partes – e com base nela revoga a decisão proferida pela 1.ª
Instância, sem previamente facultar ao R./Apelado o exercício do seu inadiável
direito de, antes de aquela decisão ser proferida e a propósito da mesma, se
pronunciar, (p)assando em consequência dessa surpreendente decisão a revogar
Sentença absolutória proferida na 1.ª Instância e, em vez dela, proferindo
decisão, com base em questão de direito antes nunca abordada nos autos, a
condenar o Réu no pagamento de valores antes reclamados pelo Banco autor” - não
foi aí aplicada nem expressa nem implicitamente, muito menos como ratio
decidendi. Antes o tribunal a quo considerou que:
Acerca destas questões diremos que o juiz só pode servir-se dos factos
articulados pelas partes, mas não está sujeito às suas alegações no que toca à
indagação, interpretação e aplicação das normas de direito.
A questão que foi colocada a este Tribunal foi a da validade do contrato
celebrado entre o Apelado e o banco e foi apenas sobre essa questão que o
Tribunal se pronunciou; a “fiduciae causa” a que o Apelado se refere não
constitui, ao contrário do que afirma, uma questão nova, mas tão só a forma como
doutrinalmente se designa a situação de facto trazida a juízo, tal como este
Tribunal a entendeu e é certo que nenhuma norma obriga o tribunal a alertar as
partes e a dar-lhes a possibilidade de se pronunciarem acerca da forma como vai
qualificar os factos.
Independentemente da análise do problema de saber se ocorreu ou não suscitação
prévia e processualmente adequada de uma questão de constitucionalidade
normativa, conclui-se, pois, que a dimensão normativa que se pretende submeter à
apreciação do Tribunal Constitucional – referida, repita-se, ao artigo 664.° do
Código de Processo Civil, nos termos da qual “quando em sede de Recurso, conhece
de «questão nova» (questão de Direito) – questão que não foi alegada por
qualquer uma das partes – e com base nela revoga a decisão proferida pela 1.ª
Instância, sem previamente facultar ao R./Apelado o exercício do seu inadiável
direito de, antes de aquela decisão ser proferida e a propósito da mesma, se
pronunciar, (p)assando em consequência dessa surpreendente decisão a revogar
Sentença absolutória proferida na 1.ª Instância e, em vez dela, proferindo
decisão, com base em questão de direito antes nunca abordada nos autos, a
condenar o Réu no pagamento de valores antes reclamados pelo Banco autor” - não
foi aplicada como ratio decidendi pelo Tribunal da Relação de Guimarães, que
afastou explicitamente a existência de pronúncia sobre qualquer questão nova,
considerando que a “fiduciae causa” constitui “tão só a forma como
doutrinalmente se designa a situação de facto trazida a juízo, tal como este
Tribunal a entendeu”.
Ao Tribunal Constitucional a norma que foi, bem ou mal, aplicada pelo tribunal
recorrido como ratio decidendi chega já como um dado, cuja escolha e
interpretação, independentemente de questões de constitucionalidade normativa,
não compete a este Tribunal controlar.
Pelo que, independentemente de quaisquer outras considerações, o Tribunal
Constitucional não pode tomar conhecimento do recurso e a decisão reclamada
merece ser confirmada.
III
Decisão
Nestes termos, acordam em indeferir a presente reclamação. Custas pelo
reclamante, que se fixam em 20 (vinte) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 24 de Setembro de 2008
Maria Lúcia Amaral
Carlos Fernandes Cadilha
Gil Galvão