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Processo n.º 552/08
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. A. – notificado do Acórdão n.º 379/2008, de 15 de
Julho de 2008, que indeferiu reclamação por ele deduzida contra o despacho do
Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 9 de Maio de 2008,
que não admitiu recurso por ele interposto, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do
artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada,
por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra os
acórdãos do STJ, de 13 de Março de 2008 e de 17 de Abril de 2008, que,
respectivamente, concedeu parcial provimento, quanto à medida da pena, ao
recurso do arguido e supriu nulidade do anterior acórdão, arguida pelo
Ministério Público – veio arguir a nulidade do referido Acórdão, através de
requerimento do seguinte teor:
“I – Dispõe o artigo 71.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, que
«Os recursos de decisões judiciais para o Tribunal Constitucional são restritos
à questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade suscitada».
II – O mesmo é dizer que (embora se entenda que a questão da
inconstitucionalidade, face à situação específica do arguido/recorrente e a
toda a prova dos autos, foi devidamente suscitada), está também em causa a
ilegalidade da aplicação das normas condenatórias constantes das decisões
proferidas.
III – Que, alheadas da situação concreta, e aplicadas apenas num
enquadramento formalista, frio, impessoal e mesmo pouco humano, feriu,
violando‑os, princípios constitucionais concretos que contendem com a
integridade moral e física das pessoas e com a sua própria saúde e
sobrevivência, consagrados nos artigos 25.º, n.º 1, 64.º, n.º 1, e 66.º, n.º 1,
da Constituição da República Portuguesa.
IV – Princípios esses elementares que são a emanação mais profunda
da defesa da dignidade humana e social consagrada no artigo 13.º, n.º 1, do
mesmo diploma legal.
V – Ora, salvo o devido respeito, e tendo mormente em atenção o teor
da reclamação contra o douto despacho de não admissão do recurso de fls. 1530,
parece-nos que o douto Acórdão de fls. … se orientou apenas numa das
perspectivas e linhas de orientação ali invocadas,
VI – Atendo‑se tão‑só à questão da inconstitucionalidade ou não das
normas aplicadas,
VII – E omitindo injustificadamente a questão da ilegalidade da sua
aplicação, por ferir direitos constitucionalmente consagrados, na perspectiva e
considerando o caso concreto do arguido.
VIII – Parece‑nos, assim, salvo o devido respeito, que no douto
Acórdão de fls. … há omissão de pronúncia que importa suprir e aclarar,
IX – Posto que, nos termos em que o douto Acórdão se pronuncia,
crê‑se que, nesta parte, o mesmo não apreciou a situação concreta suscitada, na
vertente da ilegalidade da aplicação das normas condenatórias constantes das
decisões proferidas, o que poderá contender com a admissão ou não do recurso.
Nestes termos,
Requer a V.as Ex.as, com o douto suprimento desse Venerando
Tribunal, se dignem aclarar e suprir a omissão de pronúncia do douto Acórdão de
fls. …, de 15 de Julho de 2008, em conformidade, com o que se fará justiça.”
O representante do Ministério Público neste Tribunal
respondeu, considerando que “a pretensão deduzida pelo reclamante carece
manifestamente de fundamento”, pois “o acórdão reclamado é perfeitamente claro e
insusceptível de dúvida objectiva, pelo que de nenhum esclarecimento necessita
para o seu conteúdo ser adequadamente apreendido pelo interessado”.
2. Nas reclamações contra despachos de não admissão de
recursos para o Tribunal Constitucional, incumbe a este verificar o cumprimento
dos requisitos legais necessários para a admissibilidade do específico recurso
interposto. Foi isso o que se fez no Acórdão n.º 379/2008, que julgou
improcedente a reclamação com base nas seguintes considerações:
“2. No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a
competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se ao controlo da
inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade
constitucional imputada a normas jurídicas (ou a interpretações normativas,
hipótese em que o recorrente deve indicar, com clareza e precisão, qual o
sentido da interpretação que reputa inconstitucional), e já não das questões de
inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões judiciais, em si
mesmas consideradas.
Por outro lado, tratando‑se de recurso interposto ao abrigo da
alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua
admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão
de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo
processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão
recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo
72.º da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio
decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo
recorrente.
Ora, nem na motivação do recurso interposto para o STJ – tribunal
que proferiu a decisão de que se pretendeu interpor recurso, pelo que essa peça
processual era o local adequado, nos termos do n.º 2 do artigo 72.º da LTC,
para suscitar as questões de inconstitucionalidade que se pretendiam ver
apreciadas –, nem sequer no requerimento de interposição de recurso para o
Tribunal Constitucional, nem ainda na presente reclamação (apesar de estes dois
últimos já serem momentos, à partida, impróprios para o cumprimento do ónus, que
incidia sobre o recorrente, de prévia suscitação da questão de
constitucionalidade), o recorrente logrou suscitar, em termos idóneos, qualquer
questão de inconstitucionalidade normativa. Isto é: o reclamante jamais imputou
a normas de direito ordinário (ou a interpretações dessas normas, minimamente
identificadas) a violação de normas ou princípios constitucionais, tendo‑se
sempre limitado a imputar às decisões judiciais sucessivamente impugnadas, em si
mesmas consideradas, a violação de regras de direito ordinário e,
concomitantemente, de normas constitucionais, o que manifestamente não
constitui modo adequado de suscitação de uma questão de inconstitucionalidade
normativa.
Não tendo o recorrente suscitado qualquer questão desse tipo durante
o processo, o recurso interposto era claramente inadmissível, como bem decidiu
o despacho reclamado.”
Tendo o Acórdão ora arguido de nulo apreciado a questão
que lhe cumpria decidir, é patente não padecer o mesmo de omissão de pronúncia,
sendo questão manifestamente estranha à competência deste Tribunal a apreciação
da “situação concreta suscitada, na vertente da ilegalidade da aplicação das
normas condenatórias constantes das decisões proferidas”.
3. Em face do exposto, indefere‑se a arguição de
nulidade do Acórdão n.º 379/2008.
Custas pelo reclamante, fixando‑se a taxa de justiça em
15 (quinze) unidades de conta.
Lisboa, 29 de Julho de 2008.
Mário José de Araújo Torres
João Cura Mariano
Rui Manuel Moura Ramos