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Processo nº 265/2008
3ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I
Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade vindos do
Tribunal da Relação de Coimbra, em que figuram como recorrente A. e como
recorrido Ministério Público, foi, pela ora relatora, em 23 de Maio de 2008,
proferida decisão sumária que, pela sua extensão, se transcreve apenas no seu
inciso decisório:
III
Decisão
Pelos fundamentos expostos, decide-se, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo
78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional):
a) não julgar inconstitucional a norma do artigo 405º, nº 1 do Código de
Processo Penal, na parte em que atribui aos presidentes dos tribunais de recurso
competência para apreciar as reclamações dos despachos do tribunal recorrido que
não admitem ou retenham um recurso interposto;
b) julgar improcedente o recurso, por manifestamente infundado, quanto à
norma do n.º 4 do artigo 405.º do Código de Processo Penal, na parte em que
considera definitiva a decisão do presidente do tribunal superior que confirma o
despacho de indeferimento;
c) não tomar, no mais, conhecimento do recurso de constitucionalidade;
d) condenar o recorrente em custas, fixando a taxa de justiça
em 7 (sete) unidades de conta de taxa de justiça.
2. A. apresentou então requerimento a arguir a nulidade de tal decisão sumária,
nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 201.º do Código de Processo Civil, com
a seguinte fundamentação:
A., recorrente e Advogado no processo acima referenciado, notificado do despacho
nele prolatado em 23.5.2008, vem dizer e requerer o seguinte:
1. Por força do disposto no art° 78°-B da Lei n° 28/82, de 15 de Novembro (LTC),
compete aos relatores julgar os incidentes suscitados, bem como os demais
poderes previstos na lei.
A questão que o recorrente ora suscita tem, manifestamente, a natureza de um
incidente: arguição da nulidade processual prevista no artigo 201°, n° 1, do
Código de Processo Civil (CPC), com as consequências cominadas no n° 2 do mesmo
artigo. Com efeito,
2. O recorrente, pela leitura do dito despacho, verifica que o processo – que
tem como recorrido o Ministério Público (MP) – não refere a intervenção do seu
representante nesse Tribunal.
Ainda que não fosse recorrido, a intervenção do MP no processo é obrigatória ex
vi o disposto no respectivo Estatuto e no Código de Processo Civil (CPC),
aplicável à tramitação dos recursos para o Tribunal Constitucional ex vi o
disposto no artigo 69° da LTC.
2.1. Explicitando as razões da obrigatoriedade de tal intervenção, invocam-se as
razões de facto e de direito seguintes:
a) o presente processo emerge de reclamação deduzida ao abrigo do disposto no
artigo 405°, n° 1, do Código de Processo Penal;
b) a questão que é objecto da reclamação, é a obstrução ao exercício do
direito de acesso a um tribunal para obter decisão jurisdicional sobre questão
suscitada pelo MP no Tribunal da Comarca de Aveiro, de oposição à admissão do
ofendido em processo instaurado tendo por objecto queixa por denúncia caluniosa,
como Assistente, assegurando a sua própria representação atendendo à sua
qualidade de Advogado;
c) em recurso interposto para o Tribunal da Relação de Coimbra, da decisão do
Juiz de Instrução Criminal de Aveiro que deu acolhimento àquela oposição, o
tribunal ad quem em vez de reapreciar a decisão do tribunal a quo, decidiu, em
9.5.2007: “Nesta conformidade, acordam em conferência os juízes na secção
criminal deste Tribunal da Relação, em rejeitar, por irrecorribilidade da
decisão – cfr. Art° 414° n° 2 e art° 420º n° 1 do CPP – o recurso pelo ofendido
do despacho de 21.11.2006 proferido pelo Magistrado do Ministério Público nos
presentes”;
d) face a tão insólito acto processual, o recorrente arguiu inexistência
jurídica do mesmo;
e) sobre essa arguição, proferiu a Relação de Coimbra o seguinte acórdão:
“Acordam em conferência neste tribunal da Relação em considerar que, nada vindo
requerido pelo recorrente, e não se verificando a inexistência jurídica que
afirma relativamente ao acórdão, sobrepõe-se a quaisquer outras considerações o
auto-esgotamento do poder jurisdicional, subsistindo por isso o acórdão
proferido”;
f) por requerimento de 1.10.2007, o arguente apresentou recurso para o
Supremo Tribunal de Justiça, devidamente motivado;
g) por despacho de 17.10.2007, o Relator na Relação de Coimbra, não admitiu o
recurso;
h) por requerimento de 2.11.2007, o arguente apresentou reclamação para o
PRESIDENTE do Supremo Tribunal de Justiça;
i) seguiram-se, depois, os despachos do Vice-Presidente do STJ, objecto do
recurso para o Tribunal Constitucional;
j) o recorrente nunca foi notificado de qualquer intervenção do MP na
Relação de Coimbra e na Presidência do STJ, apesar de os acórdãos daquela
Relação terem por objecto “despacho de 21.11.2006 proferido pelo Magistrado do
Ministério Público nos presentes” declarado “irrecorrível”;
k) o arguente não recorreu de nenhum despacho “proferido pelo Magistrado do
Ministério Público” no Tribunal da Comarca de Aveiro;
l) dispõe-se no artigo 3° do Estatuto do MP: compete ao MP exercer a acção
penal orientada pelo princípio da legalidade, velar para que a função
jurisdicional se exerça em conformidade com a Constituição e as leis e recorrer
sempre que a decisão tenha sido proferia com violação expressa de lei (cf.
alíneas c), f) e o));
m) dispõe-se no artigo 334º, n°s 1 e 3, do CPC: sempre que, nos termos da
respectiva Lei Orgânica o Ministério Público deva intervir acessoriamente na
causa, ser-lhe-á oficiosamente notificada a pendência da acção, logo que a
instância se considere iniciada, e o Ministério Público é notificado para todos
os actos e diligências, bem como de todas as decisões proferidas no processo,
nos mesmos termos em que o devam ser as partes na causa, tendo legitimidade para
recorrer quando o considere necessário à defesa do interesse público;
n) a obstrução ao exercício do direito de acesso aos tribunais e ao direito
pelas decisões proferidas nos autos, indicia a existência de ilícito criminal –
denegação de justiça e prevaricação – cuja denúncia é obrigatória para todos os
magistrados ex vi o disposto no artigo 242°, n° 1, alínea b), do Código de
Processo Penal.
2.2. Face às razões de facto e de direito acima expostas, é insofismável que
a) a intervenção do MP nos autos, antes de ser proferida qualquer decisão,
b) a notificação ao recorrente das respectivas alegações, parecer ou
promoção, antes de ser proferida qualquer decisão,
são actos impostos por lei, cuja omissão é geradora de nulidade processual, nos
termos do disposto no invocado artigo 201º, n° 1, do CPC.
O suprimento da nulidade processual ora arguida implica a anulação de todo o
processado subsequente em que se inclui o despacho que revelou a sua existência.
Notificado da apresentação desta arguição de nulidade, o Magistrado do
Ministério Público em funções neste Tribunal não respondeu.
Cumpre apreciar e decidir – em conferência, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 3,
da Lei do Tribunal Constitucional, já que se considera a arguição de nulidade de
uma decisão sumária, proferida ao abrigo do disposto no n.º 1 do mesmo artigo,
como equivalente, para este efeito, a uma reclamação da decisão do relator.
II
Fundamentos
3. Sobre reclamação substancialmente idêntica à ora em apreciação, apresentada
pelo mesmo recorrente, pronunciou-se já este Tribunal no Acórdão n.º 283/2006,
disponível em www.tribunalconstitucional.pt, que decidiu indeferir a reclamação,
com base nos seguintes fundamentos:
2. A possibilidade de ser proferida decisão sumária, em recurso, no domínio
processual civil foi justificada da seguinte forma no Preâmbulo do Decreto-Lei
n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro:
“No que se reporta ao julgamento do recurso, amplia-se muito significativamente
o elenco das competências atribuídas ao relator, permitindo-lhe inclusivamente
julgar, singular e liminarmente, o objecto do recurso, nos casos de manifesta
improcedência ou de o mesmo versar sobre questões simples e já repetidamente
apreciadas na jurisprudência. Pretende-se, com tal faculdade, dispensar a
intervenção – na prática, em muitos casos, puramente formal – da conferência na
resolução de questões que podem perfeitamente ser decididas singularmente pelo
relator, ficando os direitos das partes acautelados pela possibilidade de
reclamarem para a conferência da decisão proferida pelo relator do processo.”
Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 704.º do Código de Processo Civil,
introduziu-se uma especificidade no regime de decisão sumária prevista no n.º 2
do artigo 701.º/artigo 705.º do mesmo Código: antes de proferir decisão sumária,
o relator “ouvirá cada uma das partes, pelo prazo de 10 dias” se entender que
não pode conhecer do objecto do recurso.
Acontece que, na Lei do Tribunal Constitucional, a possibilidade de ser
proferida decisão sumária – no sentido de decisão anterior à produção de
alegações (embora não decisão singular) – era anterior, resultando já da Lei n.º
85/89, de 7 de Setembro (rectificada no Diário da República, I Série, de 21 de
Setembro, e de 3 de Novembro desse ano), prevendo-se no n.º 1 do então aditado
artigo 78.º-A que o relator fizesse “uma sucinta exposição escrita do seu
parecer” e mandasse “ouvir cada uma das parte por cinco dias.”
A obrigação de audição das partes no âmbito das decisões sumárias surgiu, pois,
na jurisdição constitucional, daí passando para a civil. Porém, o legislador de
1998 (Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro) decidiu alterar o figurino de tais
decisões sumárias especificamente no recurso de constitucionalidade. Assim, na
versão do referido artigo 78.º-A decorrente dessa intervenção legislativa, a
audição das partes deixou de ser referida nas previsões respeitantes às decisões
sumárias, permitindo-se, porém, ao recorrente, nos termos do n.º 3, reclamar
dessas decisões para a conferência.
É verdade que se poderia defender que a desnecessidade de audição prévia
resultava de, por essa altura, já haver uma previsão idêntica no direito
subsidiariamente aplicável, que tornava dispensável a referência na própria lei
orgânica do Tribunal. A mera consideração das restantes disposições do artigo
78.º-A, resultantes da revisão de 1998, mostra, porém, que essa não é a melhor
interpretação: a reclamação da decisão sumária para a conferência também está
prevista na legislação processual civil, tal como o estão as circunstâncias em
que pode ser proferida decisão sumária, e no entanto a nova redacção do referido
artigo 78.º-A não dispensou, por isso, previsões expressas de idêntico sentido.
E quando esta mesma questão foi suscitada perante o Tribunal, sempre tem este
entendido que a opção do legislador fora a de prever a possibilidade de um
contraditório, caso as partes o entendessem necessário, no momento da reclamação
da decisão para a conferência: assim, logo nos acórdãos n.ºs 19/99, publicado no
Diário da República, II Série, de 11 de Março de 1999, e 80/99, 550/99, 567/99,
223/2001 e 265/2002 (todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Reiterando esse seu constante entendimento, reafirma agora o Tribunal que desde
a alteração legislativa introduzida pela Lei n.º 13-A/98, deixou de haver a
obrigação de audição prévia nas decisões sumárias previstas na Lei do Tribunal
Constitucional, sendo o regime das Decisões Sumárias de que o legislador de 1998
quis dotar o Tribunal Constitucional tendencialmente completo e fechado, não
sendo, por isso, de aplicar subsidiariamente normas de processo civil à sua
tramitação. Este regime, como o Tribunal Constitucional sempre tem entendido
(nas decisões referidas) não viola qualquer norma ou princípio constitucional,
na medida em que sempre é permitida reclamação para a conferência (de que,
aliás, se tem tomado conhecimento mesmo quando não aparece fundamentada, e se
limita a expressar a discordância com a decisão sumária), reclamação, essa, na
qual o recorrente pode expor os motivos pelos quais entende que deve tomar-se
conhecimento do recurso.
O reclamante reedita, na presente reclamação, a mesma argumentação que obteve
resposta no trecho do citado Acórdão n.º 283/2006 e que é essencialmente a
seguinte:
2. O recorrente, pela leitura do dito despacho, verifica que o processo – que
tem como recorrido o Ministério Público (MP) – não refere a intervenção do seu
representante nesse Tribunal.
Ainda que não fosse recorrido, a intervenção do MP no processo é obrigatória ex
vi o disposto no respectivo Estatuto e no Código de Processo Civil (CPC),
aplicável à tramitação dos recursos para o Tribunal Constitucional ex vi o
disposto no artigo 69° da LTC.
No entanto – e perante resposta já dada pelo Tribunal a todos estes argumentos –
nenhuma razão há que justifique a sua repetição, in casu. E, não obstante a
invocação do disposto no (artigo 3.º do) Estatuto do Ministério Público e no
(artigo 334.º, n.ºs 1 e 3 do) Código de Processo Civil, este aplicável ex vi
artigo 69.° da Lei do Tribunal Constitucional, torna-se igualmente evidente que
a intervenção do Ministério Público como parte no presente processo é um aliud
relativamente à intervenção exigida pelo reclamante com base naqueles (preceitos
daqueles) diplomas.
Não foi, assim, cometida qualquer nulidade processual, porque não foi preterido
qualquer acto devido (cfr. artigo 201.º, n.º 1, do Código de Processo Civil),
sendo aplicáveis os fundamentos do citado Acórdão n.º 283/2006.
4. Em todo o caso, a nulidade só poderia ser invocada pelo interessado na
observância da formalidade, conforme prevê o artigo 203º do Código de Processo
Civil, pelo que o requerente não tem legitimidade para deduzir a presente
reclamação.
III
Decisão
Nestes termos, acordam em indeferir a presente reclamação, em confirmar a
decisão sumária reclamada e em condenar o reclamante em custas, que se fixam
em 20 (vinte) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 1 de Outubro de 2008
Maria Lúcia Amaral
Carlos Fernandes Cadilha
Rui Manuel Moura Ramos