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Processo n.º 261/08
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. Relatório
A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao
abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26
de Fevereiro (LTC), contra os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de
19 de Setembro de 2007 e de 16 de Janeiro de 2008, que, respectivamente, negou
provimento a recurso por ele interposto do acórdão das Varas de Competência
Mista de Sintra, de 12 de Maio de 2004, que o condenou, como autor material de
um crime de extorsão, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 223.º,
n.º 1, 22.º, 23.º, 72.º e 73.º do Código Penal, na pena de dois anos de prisão,
e indeferiu arguição de nulidade do anterior acórdão.
No requerimento de interposição de recurso refere o
recorrente:
“1. Este recurso visa a fiscalização concreta da constitucionalidade
dos artigos 125.º, 126.º, n.º 2, alínea e), 127.º, 133.º, n.º 1, alínea a), e
n.º 2, 140.º, n.º 3, 344.º, 97.º, n.º 4, 374.º, n.º 2, 425.º, n.º 4, e 379.º,
n.º 1, alínea c), todos do Código de Processo Penal.
(…)
4. A questão da inconstitucionalidade das normas dos artigos 125.°,
126.°, n.º 2, alínea e), 127.°, 133.°, n.º 1, alínea a), e n.º 2, 140.°, n.º 3,
e 344.°, todos do CPP, foi devida, fundamentada e adequadamente suscitada,
perante a anterior instância decisória, na motivação do recurso interposto do
acórdão final proferido em 1.ª instância, apresentada junto do Tribunal da
Relação de Lisboa e agora perante Vossas Excelências, em cumprimento do disposto
no n.º 2 do artigo 72.° e do n.º 2 do artigo 75.°‑A da Lei de Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, pelo que devem ser
apreciadas e declaradas.
5. A questão da inconstitucionalidade das normas dos artigos 97.°,
n.º 4, 374.°, n.º 2, 425.º, n.º 4, e 379.º, n.º 1, alínea c), todos do CPP, foi
devida, fundamentada e adequadamente suscitada, perante a anterior instância
decisória no requerimento de arguição de nulidade do acórdão proferido em 19 de
Setembro de 2007 pelo Tribunal da Relação de Lisboa e agora perante Vossas
Excelências, em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 72.° e do n.º 2 do
artigo 75.°‑A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional, pelo que devem ser apreciadas e declaradas.
6. A questão da inconstitucionalidade das normas dos artigos 125.°,
126.°, n.º 2, alínea e), 127.º, 133.°, n.º 1, alínea a), e n.º 2, 140.°, n.º 3,
e 344.°, todos do CPP, foi suscitada em recurso interposto perante V. Ex.as nos
dez dias imediatos à prolação do acórdão recorrido de 19 de Setembro de 2007 –
ao mesmo tempo que foi pelo ora recorrente arguida a nulidade do acórdão
proferido –, tendo sido objecto de decisão sumária no processo n.º 987/07, da
2.ª Secção desse Tribunal Constitucional, no sentido de que «a decisão arguida
de nula apenas poderá ser recorrida constitucionalmente conjunta ou
integradamente com a que decida a questão das nulidades», constituindo
pressuposto do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade que a
decisão de que se recorre tenha constituído a última palavra sobre o litígio na
ordem judicial em causa.
7. Porque se verificam os pressupostos previstos no artigo 70.° da
Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, o
arguido/recorrente pretende ver apreciadas, e declaradas, as
inconstitucionalidades que infra se enunciam, tempestiva, oportuna e
adequadamente suscitadas.
Assim,
8. O arguido pretende ver apreciada e declarada a
inconstitucionalidade da interpretação normativa do disposto nos artigos 125.º,
126.º, n.º 2, alínea e), 127.°, 133.°, n.º 1, alínea a), e n.º 2, 140.º, n.º 3,
e 344.º, [todos] do CPP, na interpretação que lhe é dada pelo Tribunal a quo.
9. O Tribunal de primeira instância adoptou interpretação dos
artigos 125.º, 126.º, n.º 2, alínea e), 127.°, 133.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2,
140.º, n.º 3, e 344.º, todos do CPP, a qual foi plenamente acolhida e confirmada
pela posterior decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, no sentido da
admissibilidade como meio de prova bastante para formar a convicção do Tribunal
e fundamentar uma decisão de condenação, das declarações de um co‑arguido
contra outro co‑arguido afectado por essas declarações, quando desacompanhadas
de outros meios de prova, desse modo admitindo que a livre apreciação da prova e
formação da convicção do julgador se possam basear e fundar em meios de prova
não susceptíveis de contraditório por parte dos arguidos, cuja valoração está
proibida ou não é admissível, admitindo‑os e valorando‑os.
10. A interpretação normativa conjugada dos sobreditos normativos
processuais penais efectuada, num primeiro momento, pelo Tribunal de primeira
instância e, posteriormente, pelo Tribunal da Relação de Lisboa – na decisão que
a confirma aderindo aos respectivos fundamentos –, está ferida de
inconstitucionalidade por violação do disposto no artigo 205.º, n.º 1, da CRP e
ainda com os princípios do acusatório, da verdade material, do contraditório, da
presunção da inocência e in dubio pro reo plasmados nos artigos 18.° e 32.°,
n.ºs 1, 2, 5 e 8, da mesma Lei Fundamental, e ainda do artigo 11.º, n.º 1, da
DUDH e artigo 6.º, n.º 2, da CEDH.
11. Interpretação cuja inconstitucionalidade deverá ser declarada,
extraindo‑se todas as legais e constitucionais consequências.
12. O sentido que deveria ter sido adoptado nas decisões proferidas
na interpretação das normas dos artigos 125.º, 126.º, n.º 2, alínea e), 127.º,
133.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, 140.º, n.º 3, e 344°, todos do CPP,
constitucionalmente conforme com as sobreditas normas da Lei Fundamental, é o de
que as declarações prestadas por um co‑arguido em desfavor de outro arguido,
não controladas pela defesa do co‑arguido atingido, nem corroboradas por outras
provas, sobretudo quando prestadas no âmbito de uma colaboração com o tribunal e
tendente à diminuição da ilicitude dos seus comportamentos, bem como à obtenção
de uma suspensão da execução da pena, não podem ser valoradas pelo julgador na
parte em que se referem a factos que afectem outro co‑arguido, constituindo uma
restrição à livre apreciação da prova, impondo‑se assim ao julgador a
desconsideração da parcela de conhecimento dessa forma adquirido, não o levando
aos fundamentos da decisão a tomar em relação ao co‑arguido por elas atingido,
antes servindo tais declarações, no âmbito da co‑arguição, única e simplesmente
como meio de defesa pessoal do arguido ou arguidos que as tiverem prestado.
13. Deve igualmente ser declarada a inconstitucionalidade da
interpretação dada ao artigo 127.º do CPP, num primeiro momento, pelo Tribunal
de primeira instância e posteriormente pelo Tribunal da Relação de Lisboa, na
decisão que a confirma por adesão aos respectivos fundamentos, no sentido de a
livre apreciação da prova e formação da convicção do julgador se poder basear e
fundamentar em meios de prova subtraídos ao contraditório dos co‑arguidos por
eles afectados, por violação do disposto no artigo 205.º, n.º 1, da CRP e ainda
dos princípios do acusatório, da verdade material, do contraditório, da
presunção da inocência e in dubio pro reo plasmados nos artigos 18.º e 32.°,
n.ºs 1, 2, 5 e 8, da CRP, bem como do artigo 11.º, n.º 1, da DUDH e artigo 6.º,
n.º 2, da CEDH, extraindo‑se todas as legais e constitucionais consequências.
14. O arguido pretende ainda ver apreciada e declarada a
inconstitucionalidade da interpretação normativa do disposto nos artigos 97.º,
n.º 4, 374.º, n.º 2, 425.º, n.º 4, e 379.º, n.º 1, alínea c), todos do CPP, na
interpretação que lhe é dada pelo Tribunal a quo.
15. O Tribunal a quo adoptou interpretação normativa dos artigos
97.º, n.º 4, 374.º, n.º 2, 425.º, n.º 4, e 379.º, n.º 1, alínea c), todos do
CPP, no sentido de que o dever de fundamentação das decisões se cumpre com uma
referência genérica e acrítica sobre as matérias levadas ao conhecimento e
apreciação do tribunal ou com a remissão para a fundamentação do acórdão
recorrido.
16. A interpretação normativa conjugada dos sobreditos normativos
processuais penais efectuada pelo Tribunal da Relação de Lisboa está ferida de
inconstitucionalidade por violação do dever de fundamentação das decisões,
consagrado no artigo 205.º, n.º 1, da CRP, o qual exige que o julgador verta nas
decisões que profere os motivos de facto e de direito que a fundamentam, bem
como nelas indique e plasme o exame crítico das provas que serviram para formar
a sua convicção, bem como ainda por violação do disposto no artigo 32.º, n.º 1,
da Lei Fundamental, porquanto a ausência de fundamentação constitui uma
restrição às garantias de defesa, maxime a do direito ao recurso.
17. Interpretação cuja inconstitucionalidade deverá ser declarada,
extraindo‑se todas as legais e constitucionais consequências.
18. O sentido que deveria ter sido adoptado na decisão proferida na
interpretação normativa conjugada das normas dos artigos 97.º, n.º 4, 374.º,
n.º 2, 425.º, n.º 4, e 379.º, n.º 1, alínea c), todos do CPP,
constitucionalmente conforme com as sobreditas normas da Lei Fundamental, é o
de que só a explicitação dos fundamentos da decisão de facto e de direito
permitem a compreensão do percurso efectuado pelo julgador na análise e decisão
das questões que lhe são apresentadas e, consequentemente, a sua sindicância,
por via do recurso, do sujeito pela mesma afectado.
19. Finalmente, pretende o recorrente ver apreciada e declarada a
inconstitucionalidade da interpretação normativa conjugada do disposto nos
artigos 425.º, n.º 4, e 379.º, n.º 1, alínea c), ambos do CPP, na interpretação
que lhe é dada pelo Tribunal a quo.
20. O Tribunal da Relação de Lisboa adoptou interpretação dos
artigos 425.º, n.º 4, e 379.º, n.º 1, alínea c), ambos do Código de Processo
Penal, no sentido de que o tribunal ad quem não tem que se pronunciar sobre
todas as questões que lhe são suscitadas, interpretação essa inconstitucional
por violadora do dever de fundamentação das decisões consagrado no artigo
205.º, n.º 1, da CRP e da norma do artigo 32.º, n.º 1, da CRP.
21. O sentido que deveria ter sido adoptado na decisão proferida na
interpretação das normas dos artigos 425.º, n.º 4, e 379.º, n.º 1, alínea c),
ambos do CPP, constitucionalmente conforme com as sobreditas normas da Lei
Fundamental é o de que todas as questões levadas ao conhecimento do tribunal
sejam por este efectivamente apreciadas e decididas.”
No Tribunal Constitucional, no despacho que determinou a
apresentação de alegações, o relator convidou as partes a pronunciar‑se sobre a
eventualidade de não se conhecer de parte ou mesmo da totalidade do objecto do
recurso, por falta de coincidência entre os critérios normativos efectivamente
aplicados, como ratio decidendi, nos acórdãos recorridos e os critérios
normativos cuja conformidade constitucional o recorrente pretende ver apreciada,
tal como surgem identificados no requerimento de interposição de recurso,
sublinhando os elementos destas identificações que não coincidiriam com os
aplicados nas decisões impugnadas.
O recorrente apresentou alegações, no termo das quais
formulou as seguintes conclusões:
“1. Da leitura da decisão proferida em primeira instância decorre
expressamente que a generalidade dos factos dados como provados respeitantes à
intervenção do arguido A. nos factos em discussão nos presentes autos assentam
nas declarações dos seus co‑arguidos B., C. e D., por si só ou conjugadas com
outros meios de prova que não se apresentaram como suficientes para fundamentar
a convicção do Tribunal quanto àqueles mesmos factos.
2. O Tribunal de primeira instância admite na fundamentação que, com
base única e exclusivamente no depoimento dos co‑arguidos D., C. e E. considerou
assentes os factos levados às alíneas c) e e) da fundamentação de facto, sendo
inequívoca a interpretação por parte daquele Tribunal dos artigos 125.°, 126.°,
n.º 2, alínea e), 127.°, 133.°, n.ºs 1, alínea a), e 2, 140.º, n.º 3, e 344.º do
CPP no sentido da admissibilidade como meio de prova bastante para formar a
convicção do Tribunal e fundamentar uma decisão de condenação das declarações
de um co‑arguido contra outro co‑arguido afectado por essas declarações, quando
desacompanhadas de outros meios de prova.
3. Muito embora no acórdão proferido em primeira instância,
relativamente quer aos factos levados às alíneas a) e b) da fundamentação de
facto, quer aos ocorridos no dia 30 de Dezembro de 1999 e levados às alíneas l),
m), n), o), p), q), r) e t) da fundamentação de facto, se afirme ter sido tida
em consideração na formação da sua convicção, para além das declarações dos
co‑arguidos supra referidos, também o teor do documento de fls. 469 e bem assim
o depoimento da testemunha F., a verdade é que os restantes elementos de prova
referidos no texto do acórdão não permitem coadjuvar as declarações dos
co‑arguidos B., C. e D., ao menos na parte que respeita ao co‑arguido A., que é
quanto aqui nos interessa analisar.
4. Relativamente aos factos levados às alíneas a) e b) da
fundamentação de facto, a veracidade do documento de fls. 469 foi impugnada pelo
arguido, tendo sido o próprio Tribunal a coarctar a defesa deste, sendo óbvio
que, relativamente a tais alíneas, o Tribunal de primeira instância fundou a
sua convicção, uma vez mais, única e exclusivamente nas declarações prestadas
em audiência de julgamento pelos seus co‑arguidos B., C. e D..
5. As conclusões a que o Tribunal a quo em primeira instância chegou
relativamente à intervenção do recorrente nos factos ocorridos no dia 31 de
Dezembro de 1999, levados às alíneas l), m), n), o), q), r) e t) resultam dos
depoimentos dos seus co‑arguidos C., D. e E., apesar de se referir na
fundamentação de facto que o tribunal fundou a sua convicção, para além das
declarações dos co‑arguidos nas declarações da testemunha F., porquanto o
depoimento desta testemunha, conjugado com as declarações dos co‑arguidos C., D.
e E., no que ao recorrente diz respeito e por força da proibição de valoração do
depoimento dos co‑arguidos, não permitia que o tribunal desse como assente a
presença do arguido e muito menos a sua coordenação em tal operação.
6. O acórdão proferido em 19 de Setembro de 2007 pelo Tribunal da
Relação de Lisboa, ao referir simplesmente que o recorrente valora
diferentemente do julgador os depoimentos e demais elementos constantes dos
autos, contendo a decisão recorrida cuidada justificação dos factos que tomou
como assentes, a qual não merece censura e coerente com a prova produzida,
aderiu integralmente, acolheu plenamente a interpretação dos artigos 125.º,
126.º, n.º 2, alínea e), 127.º, 133.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, 140.º, n.º 3,
e 344.º, todos do CPP, adoptada pelo Tribunal de primeira instância, no sentido
da admissibilidade, como meio de prova bastante para formar a convicção do
Tribunal e fundamentar uma decisão de condenação, das declarações de um
co‑arguido contra outro co‑arguido afectado por essas declarações, quando
desacompanhadas de outros meios de prova, desse modo admitindo que a livre
apreciação da prova e formação da convicção do julgador se possam basear e
fundar em meios de prova não susceptíveis de contraditório por parte dos
arguidos, cuja valoração está proibida ou não é admissível, admitindo‑os e
valorando‑os, o mesmo sucedendo com a interpretação dada ao artigo 127.º do CPP
num primeiro momento, pelo Tribunal de primeira instância e posteriormente pelo
Tribunal da Relação de Lisboa, na decisão que a confirma por adesão aos
respectivos fundamentos.
7. O acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 19 de
Setembro de 2007, não obstante ter formalmente apreciado o recurso em matéria
de facto – apenas e só porque ali se refere que aprecia –, não se debruçou sobre
nenhuma das questões suscitadas pelo recorrente e sequer apreciou os também
alegados vícios da decisão recorrida.
8. No acórdão de 16 de Janeiro de 2008, que indeferiu a arguição de
nulidades, aquele mesmo Tribunal conclui que o acórdão arguido de nulo se
pronuncia sobre todas as questões suscitadas e justifica a solução que, por
coincidir com a constante da decisão recorrida, transcrita nos autos, a ela se
reporta, dispensando maior detalhe, pelo que, ao remeter para a decisão
recorrida e o seu bom fundamento, o acórdão arguido de nulo se pronuncia sobre
a condenação dos arguidos e medida da pena, o mesmo sucedendo no [que] respeita
à matéria de facto ao referir‑se no acórdão arguido de nulo que o recorrente
valora diferentemente do julgador os depoimentos e demais elementos constantes
dos autos.
9. As afirmações supra referidas, proferidas no acórdão que decidiu
das nulidades, salvo o devido respeito, constituem prova inequívoca de que o
Tribunal da Relação de Lisboa adoptou interpretação normativa dos artigos 97.º,
n.º 4, 374.º, n.º 2, 425.º, n.º 4, e 379.º, n.º 1, alínea c), todos do CPP, no
sentido de que o dever de fundamentação das decisões se cumpre com uma
referência genérica e acrítica sobre as matérias levadas ao conhecimento e
apreciação do tribunal ou com a remissão para a fundamentação do acórdão
recorrido.
10. Bem como de que o Tribunal da Relação de Lisboa adoptou
interpretação dos artigos 425.º, n.º 4, e 379.º, n.º 1, alínea c), ambos do
CPP, no sentido de que o tribunal ad quem não tem que se pronunciar sobre todas
as questões que lhe são suscitadas, interpretação essa inconstitucional por
violadora do dever de fundamentação das decisões consagrado no artigo 205.º,
n.º 1, da CRP e da norma do artigo 32.º, n.º 1, da CRP.
11. Face ao exposto, não existe qualquer falta de coincidência entre
os critérios normativos efectivamente aplicados, como ratio decidendi, nos
acórdãos recorridos e os critérios normativos cuja conformidade constitucional
o recorrente pretende ver apreciada.
12. Vem o presente recurso interposto do Acórdão proferido pelo
Tribunal da Relação de Lisboa em 19 de Setembro de 2007, o qual julgou
improcedente o recurso interposto pelo recorrente, confirmando a decisão
recorrida – decisão arguida de nula – bem como do acórdão proferido por aquele
mesmo Tribunal em 16 de Janeiro de 2008, o qual julgou improcedentes as
arguições de nulidades do acórdão proferido em 19 de Setembro de 2007.
13. Este recurso visa a fiscalização concreta da constitucionalidade
dos artigos 125.º, 126.º, n.º 2, alínea e), 127.º, 133.º, n.º 1, alínea a), e
n.º 2, 140.º, n.º 3, 344.º, 97.º, n.º 4, 374.º, n.º 2, 425.º, n.º 4,e 379.º, n.º
1, alínea c), todos do Código de Processo Penal.
14. O Tribunal de primeira instância adoptou interpretação dos
artigos 125.º, 126.º, n.º 2, alínea e), 127.º, 133.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2,
140.º, n.º 3, e 344.º, todos do CPP, a qual foi plenamente acolhida e confirmada
pela posterior decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, no sentido da
admissibilidade, como meio de prova bastante para formar a convicção do Tribunal
e fundamentar uma decisão de condenação, das declarações de um co‑arguido
contra outro co‑arguido afectado por essas declarações, quando desacompanhadas
de outros meios de prova, desse modo admitindo que a livre apreciação da prova e
formação da convicção do julgador se possam basear e fundar em meios de prova
não susceptíveis de contraditório por parte dos arguidos, cuja valoração está
proibida ou não é admissível, admitindo‑os e valorando‑os.
15. Da simples leitura da decisão recorrida, a qual adere
integralmente aos fundamentos aduzidos em primeira instância, decorre
expressamente que a generalidade dos factos dados como provados respeitantes à
intervenção do arguido A. nos factos em discussão nos presentes autos assentam
apenas nas declarações dos seus co‑arguidos B., C. e D..
16. O próprio tribunal a quo admite, ao aderir à fundamentação
aduzida em primeira instância, que os factos levados às alíneas c) e e) da
fundamentação de facto foram considerados assentes com base única e
exclusivamente no depoimento dos co‑arguidos D., C. e E..
17. Relativamente aos factos levados às alíneas a) e b) da
fundamentação de facto, quer aos ocorridos no dia 30 de Dezembro de 1999 e
levados às alíneas l), m), n), o), p), q), r) e t) da fundamentação de facto, a
análise dos elementos de prova em que o tribunal a quo fundou a sua convicção
(aderindo integralmente à decisão proferida em primeira instância) permite uma
única e incontornável conclusão: os restantes elementos de prova referidos no
texto do acórdão em primeira instância, que o Tribunal recorrido acolheu
plenamente, não permitem coadjuvar as declarações dos co‑arguidos B., C. e D.,
ao menos na parte que respeita ao co‑arguido A..
18. Relativamente ao documento junto aos autos a fls. 469, o
tribunal não só coarctou a defesa do arguido no sentido de impedir a
demonstração cabal por via de exame pericial relativamente à letra e assinatura
de tal documento, como não valorou as declarações prestadas pelo arguido pelo
facto de este ter exercido o seu direito fundamental ao silêncio quanto à
restante matéria e, com base apenas nas declarações do arguido B., deu como
assente a veracidade do mesmo, pelo que, relativamente aos factos levados às
alíneas a) e b) da fundamentação de facto, o tribunal fundou a sua convicção,
uma vez mais, única e exclusivamente nas declarações prestadas em audiência de
julgamento pelos seus co‑arguidos B., C. e D..
19. Ainda que se admitisse a veracidade do documento de fls. 469 dos
autos, tal documento, conjugado com as declarações do arguido B., que declarou
ter contratado o arguido A. para efectuar cobranças para si, não permitia que o
Tribunal chegasse à conclusão de que o arguido A. se dedicou durante período não
apurado à actividade de cobrador de dívidas difíceis nem que tivesse sido dado
como assente que, no âmbito de tal actividade – a de cobrador de dívidas
difíceis – foi contratado pelo arguido B., sendo inegável que o Tribunal, quer o
de primeira instância, quer o Tribunal da Relação de Lisboa, na decisão
recorrida, chegou a tal conclusão com base apenas no depoimento dos arguidos C.
e D..
20. Relativamente aos factos ocorridos no dia 31 de Dezembro de
1999, levados às alíneas l), m), n), o), q), r) e t) da fundamentação de facto,
não obstante deverem ser dados como provados parte dos factos de que a
testemunha F. foi vítima, não podia ser dada como assente a presença do arguido
e muito menos a sua coordenação em tal operação, pelo que as conclusões a que o
Tribunal a quo chegou relativamente à intervenção do recorrente apenas podem
resultar dos depoimentos dos seus co‑arguidos C., D. e E..
21. Ao dar como suficientemente provados factos relativamente ao
recorrente apenas com apoio no depoimento dos seus co‑arguidos, apesar de
totalmente desapoiado de outros elementos de prova, o Tribunal de primeira
instância adoptou interpretação dos artigos 125.º, 126.º, n.º 2, alínea e),
127.º, 133.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, 140.º, n.º 3, e 344.º, todos do CPP, o
qual foi plenamente acolhido e confirmado pela posterior decisão do Tribunal da
Relação de Lisboa, no sentido da admissibilidade, como meio de prova bastante
para formar a convicção do Tribunal e fundamentar uma decisão de condenação, das
declarações de um co‑arguido contra outro co‑arguido afectado por essas
declarações, quando desacompanhadas de outros meios de prova, desse modo
admitindo que a livre apreciação da prova e formação da convicção do julgador
se possam basear e fundar em meios de prova não susceptíveis de contraditório
por parte dos arguidos, cuja valoração está proibida ou não é admissível,
admitindo‑os e valorando‑os.
22. Os depoimento de todos os co‑arguidos, com especial atenção para
os dos co‑arguidos C., D. e B., porque prestados no âmbito de uma colaboração
com o Tribunal, tendente à diminuição da ilicitude dos seus comportamentos, bem
como à obtenção de uma suspensão da execução da pena – que efectivamente veio a
ser concedida – [são], pela sua própria natureza e contexto em que fo[ram]
prestados, de molde a criar sérias reservas quanto à sua veracidade e
credibilidade, sendo insustentável sequer a ideia de que apenas com fundamento
em tais indícios se possa condenar o seu co‑arguido A., como sucedeu.
23. A lei vedou ao julgador a possibilidade de valorar o depoimento
de co‑arguido, significando que este não pode fundar a sua convicção e
subsequente decisão naquele depoimento, não obstante, ainda assim, a sua livre
convicção sobre a veracidade do seu teor.
24. A valoração do conhecimento probatório dos co‑arguidos, a não
admitir, especialmente quando se traduza em desfavor de outro arguido em
relação a quem é utilizada para fundar a decisão do Tribunal, o que é
justamente o caso dos autos, impõem ao aplicador a desconsideração da parcela
de conhecimento dessa forma adquirido, não o levando aos fundamentos da
decisão, ou seja, impõem a proibição da sua valoração.
25. O arguido B. pretendeu, com as declarações que prestou e com a
junção do documento de fls. 469, demonstrar ter contratado os serviços do
recorrente de modo perfeitamente lícito, assim se descartando da autoria moral
dos factos em discussão nos presentes autos e, relativamente aos co‑arguidos C.,
D. e E., pretenderam os mesmos, não obstante a assunção dos factos, relevar para
o recorrente o papel de mandante.
26. O legislador não erigiu as declarações do arguido como meio de
prova erga omnes, em especial contra os seus co‑arguidos, pois aquelas
declarações não estão ainda sujeitas ao princípio do contraditório.
27. Mesmo que se entenda, sem conceder, que a lei admite como meio
de prova as declarações de co‑arguidos, e lhes atribui um carácter probatório
acrescido a certos casos de confissão, nem por isso se admite que se dê por
certo que as mesmas possam ser consideradas na parte em que se referem a factos
do outro co‑arguido, sobretudo quando esse co‑arguido, no exercício do seu
efectivo direito ao silêncio, não prestou quaisquer declarações a respeito de
tal matéria, verificando‑se nessa parte proibição de produção e,
consequentemente, de valoração.
28. A exigência de haver da parte do julgador uma particular atenção
quando se trata de considerar a informação probatória dos co‑arguidos parece,
pois, absolutamente inegável, face à peculiaridade daquelas declarações, que
podem não ser de todo desinteressadas – e in casu efectivamente não o são.
29. Da análise da motivação dos factos provados e não provados, no
que se inclui necessariamente todos os meios de prova mencionados e
considerados quer na decisão proferida em primeira instância quer no acórdão
recorrido proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa que aderiu aos
fundamentos da primeira, verifica‑se que não existem outros elementos
probatórios que sustentem o depoimento dos co‑arguidos B., C., D. e E., e
permitam concluir pela sua veracidade no que ao recorrente diz respeito.
30. É nula a credibilidade dos depoimentos dos co‑arguidos que não
foram controlados, através do necessário contraditório da defesa dos co‑arguidos
atingidos e tão‑pouco corroborada por outras provas legalmente admissíveis e
valoradas e igualmente sujeitas ao contraditório dos arguidos por elas
atingidos.
31. A interpretação das normas do processo penal em matéria de prova
no sentido de ser suficiente aquela única forma de convencimento do Tribunal
está irremediavelmente ferida de inconstitucionalidade.
32. A imposição e exigência constitucional de um processo penal com
todas as garantias de defesa pressupõe a criação de mecanismos de tutela das
próprias disposições processuais, sendo que a estrutura acusatória do processo
penal consagrada constitucionalmente reclama a igualdade das partes e sua
corresponsabilização na marcha processual, com efeitos preventivos e
dissuasores da violação das disposições processuais.
33. A estrutura acusatória integrada pelo princípio da investigação
é imposta pela própria Constituição, no seu artigo 32.º, n.º 5, da CRP, com o
qual se visa por um lado lograr um processo penal menos formal e,
simultaneamente, conferir aos cidadãos todas as garantias de defesa.
34. A interpretação do disposto nos artigos 133.º, n.ºs 1 e 2,
alínea a), e 140.º, n.º 3, ambos do CPP, efectuada pelo acórdão em recurso, em
sentido absolutamente diverso do que ficou dito, está irremediavelmente ferida
de inconstitucionalidade por violação do disposto nos artigos 18.º e 32.º, n.ºs
1, 2, 5 e 8, e dos princípios do acusatório, da verdade material, do
contraditório, da presunção de inocência e in dubio pro reo, consagrados
naqueles normativos do texto constitucional.
35. A interpretação normativa conjugada dos artigos 125.º, 126.º,
n.º 2, alínea e), 127.º, 133.º, n.º 1, alínea a), e 344.º, todos do CPP,
efectuada, num primeiro momento, pelo Tribunal de primeira instância e,
posteriormente, pelo Tribunal da Relação de Lisboa – na decisão que a confirma
aderindo aos respectivos fundamentos – no sentido da admissibilidade de meios
de prova não susceptíveis de contraditório por parte dos arguidos e cuja
valoração está proibida, ainda no sentido da livre apreciação da prova e
formação da convicção do julgador se poder basear e fundamentar em meios de
prova proibidos ou cuja valoração não é admissível, admitindo‑os e valorando‑os,
está, pois, ferida de inconstitucionalidade por violação do disposto no artigo
205.º, n.º 1, da CRP e ainda com os princípios do contraditório, do acusatório,
da verdade material, da investigação judicial, da presunção de inocência e in
dubio pro reo plasmados nos artigos 18.º e 32.°, n.ºs 1, 2, 5 e 8, da mesma Lei
Fundamental, e ainda do artigo 11.º, n.º 1, da DUDH e do artigo 6.º, n.º 2, da
CEDH.
36. A interpretação normativa efectuada, num primeiro momento, pelo
Tribunal de primeira instância e, posteriormente, pelo Tribunal da Relação de
Lisboa – na decisão que a confirma aderindo aos respectivos fundamentos – do
disposto no artigo 127.º do CPP, no sentido da livre apreciação da prova e
formação da convicção do julgador se poder basear e fundamentar em meios de
prova subtraídos ao contraditório dos co‑arguidos por eles afectados,
admitindo‑os e valorando‑os, está ferida de inconstitucionalidade por violação
do disposto no artigo 205.º, n.º 1, da CRP e ainda dos princípios do
contraditório, da presunção de inocência e in dubio pro reo, da investigação
judicial e da verdade material, consagrado no artigo 32.º, n.ºs 1, 2 e 5, da
mesma Lei Fundamental, e ainda do artigo 11.º, n.º 1, da DUDH e do artigo 6.º,
n.º 2, da CEDH.
37. O sentido que deveria ter sido adoptado nas decisões proferidas
na interpretação das normas dos artigos 125.º, 126.º, n.º 2, alínea e), 127.º,
133.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, 140.º, n.º 3, e 344.º, todos do CPP,
constitucionalmente conforme com as sobreditas normas da Lei Fundamental, é o de
que as declarações prestadas por um co‑arguido em desfavor de outro arguido,
não controladas pela defesa do co‑arguido atingido, nem corroboradas por outras
provas, sobretudo quando prestadas no âmbito de uma colaboração com o Tribunal e
tendente à diminuição da ilicitude dos seus comportamentos, bem como à obtenção
de uma suspensão da execução da pena, não podem ser valoradas pelo julgador na
parte em que se referem a factos que afectem outro co‑arguido, constituindo uma
restrição à livre apreciação da prova, impondo‑se assim ao julgador a
desconsideração da parcela de conhecimento dessa forma adquirido, não o levando
aos fundamentos da decisão a tomar em relação ao co‑arguido por elas atingido,
antes servindo tais declarações, no âmbito da co‑arguição, única e simplesmente
como meio de defesa pessoal do arguido ou arguidos que as tiverem prestado.
38. Termos e fundamentos por que deve ser declarada por V. Ex.as a
inconstitucionalidade da interpretação normativa do disposto nos artigos 125.º,
126.º, n.º 2, alínea e), 127.º, 133.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, 140.º, n.º 3,
e 344.º, todos do CPP, na interpretação que lhe é dada pelo Tribunal a quo.
39. Deve igualmente ser declarada a inconstitucionalidade da
interpretação dada ao artigo 127.º do CPP, num primeiro momento, pelo Tribunal
de primeira instância e posteriormente pelo Tribunal da Relação de Lisboa, na
decisão que a confirma por adesão aos respectivos fundamentos, no sentido de a
livre apreciação da prova e formação da convicção do julgador se poder basear e
fundamentar em meios de prova subtraídos ao contraditório dos co‑arguidos por
eles afectados, por violação do disposto no artigo 205.º, n.º 1, da CRP e ainda
dos princípios do acusatório, da verdade material, do contraditório, da
presunção da inocência e in dubio pro reo, plasmados nos artigos 18.° e 32.°,
n.ºs 1, 2, 5 e 8, da CRP, bem como do artigo 11.º, n.º 1, da DUDH e do artigo
6.º, n.º 2, da CEDH, extraindo‑se todas as legais e constitucionais
consequências.
40. O arguido pretende ainda ver apreciada e declarada a
inconstitucionalidade da interpretação normativa do disposto nos artigos 97.º,
n.º 4, 374.º, n.º 2, 425.º, n.º 4, e 379.º, n.º 1, alínea c), todos do CPP, na
interpretação que lhe é dada pelo Tribunal a quo, inconstitucionalidade essa
que foi devida, fundamentada e adequadamente suscitada, perante o Tribunal da
Relação de Lisboa, no requerimento de arguição de nulidade do acórdão proferido
em 19 de Setembro de 2007 por aquele Tribunal.
41. O Tribunal a quo adoptou interpretação normativa dos artigos
97.º, n.º 4, 374.º, n.º 2, 425.º, n.º 4, e 379.º, n.º 1, alínea c), todos do
CPP, no sentido de que o dever de fundamentação das decisões se cumpre com uma
referência genérica e acrítica sobre as matérias levadas ao conhecimento e
apreciação do tribunal ou com a remissão para a fundamentação do acórdão
recorrido.
42. O acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 19 de
Setembro de 2007, decisão arguida de nula, não obstante ter formalmente
apreciado o recurso em matéria de facto – apenas e só porque ali se refere que
aprecia –, não se debruçou sobre nenhuma das questões suscitadas pelo
recorrente e sequer apreciou os também alegados vícios da decisão recorrida,
«decidindo» o recurso em matéria de facto apresentado pelo recorrente de forma
genérica, abstracta e (a)fundamentada.
43. No acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 16 de
Janeiro de 2008, o qual veio decidir das arguidas nulidades do acórdão
proferido em 19 de Setembro de 2007, indeferindo‑as, entendeu aquele Tribunal
que o acórdão arguido de nulo «se pronuncia de forma clara sobre as questões e
justifica a solução que por coincidir com a constante da decisão recorrida,
transcrita nos autos, a ela se reporta, dispensando maior detalhe».
44. Assim, quanto à condenação dos arguidos, ao referir que «bem
andou a 1.ª instância em condenar o arguido nos termos que acima se referem»,
remetendo sem mais para a decisão recorrida e o seu bom fundamento, entendeu o
Tribunal a quo que o acórdão arguido de nulo se pronuncia, e bem, sobre a medida
da pena, bem como que, no que respeita à matéria de facto, o acórdão arguido de
nulo aprecia‑a correctamente ao referir que o recorrente valora diferentemente
do julgador os depoimentos e demais elementos constantes dos autos e que «a
decisão recorrida (em primeira instância) contém cuidada justificação dos factos
que tomou como assentes, a qual não nos merece censura pois coerente com a prova
produzida e que nos foi dado ouvir (...)», o que igualmente sucede com o alegado
erro na qualificação jurídica, sobre o qual se limita a transcrever o referido –
de resto erradamente – na decisão arguida de nula, que por sua vez remete para
a decisão de 1.ª instância.
45. O Tribunal da Relação de Lisboa adoptou interpretação normativa
dos artigos 97.º, n.º 4, 374.º, n.º 2, 425.º, n.º 4, e 379.º, n.º 1, alínea c),
todos do CPP, no sentido de que o dever de fundamentação das decisões se cumpre
com uma referência genérica e acrítica sobre as matérias levadas ao conhecimento
e apreciação do tribunal ou com a remissão para a fundamentação do acórdão
recorrido.
46. A fundamentação do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de
Lisboa, porque verdadeiramente não apreciou o recurso interposto, no que se
refere à matéria de facto considerada assente em primeira instância, é genérica,
inconcebível e manifestamente insuficiente para sustentar a opção pela sua
improcedência, sendo inadmissível sequer conceber que o facto de no acórdão o
Tribunal não se ter expressamente pronunciado sobre as questões suscitadas pelo
recorrente e ter apreciado o recurso de forma genérica em termos tais que se
permita dizer apenas que o recorrente não tem razão.
47. A interpretação normativa do disposto nos artigos 97.º, n.º 4, e
374.º, n.º 2, do CPP efectuada pelo Tribunal da Relação de Lisboa nos acórdãos
sub judice (decisão arguida de nula e a que decidiu das nulidades), no sentido
de que o dever de fundamentação das decisões se cumpre com uma referência
genérica e acrítica sobre as matérias levadas ao conhecimento e apreciação do
tribunal ou com a remissão para a fundamentação do acórdão recorrido, é
inconstitucional por violação do dever de fundamentação das decisões,
consagrado no artigo 205.º, n.º 1, da CRP, no qual se exige que o julgador verta
nas decisões que profere os motivos de facto e de direito que as fundamentam,
bem como nelas indique e plasme o exame crítico das provas que serviram para
formar a sua convicção.
48. Mas também e ainda por violação do disposto no artigo 32.º, n.º
1, da Lei Fundamental, porquanto a ausência de fundamentação constitui uma
restrição às garantias de defesa, maxime a do direito ao recurso, sendo a
interpretação constitucionalmente conforme daqueles normativos a de que só a
explicitação dos fundamentos da decisão de facto e de direito permitem a
compreensão do percurso efectuado pelo julgador na análise e decisão das
questões que lhe são apresentadas e, consequentemente, a sua sindicância, por
via do recurso, do sujeito pela mesma afectado.
49. No acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, à
semelhança do que sucede com as demais questões suscitadas pelo recorrente,
existe uma total ausência de referência à pena concreta que foi aplicada ao
recorrente.
50. Com a entrada em vigor, em 15 de Setembro de 2007, da Lei n.º
59/2007, de 4 de Setembro, que introduziu profundas alterações no Código Penal –
designadamente a nível das penas, passando a pena de prisão aplicada em medida
não superior a um ano a ser substituída por multa ou por outra não privativa da
liberdade (artigo 43.º), podendo a aplicada em medida não superior a três anos
ser substituída por pena de proibição do exercício de profissão, função ou
actividade, quando o crime tenha sido cometido pelo arguido no respectivo
exercício (artigo 43.º) e, admitindo‑se mesmo a suspensão da execução da pena de
prisão em medida não superior a cinco anos em vez de apenas três (artigo 50.º),
bem como ainda a possibilidade de aplicação da pena de trabalho a favor da
comunidade quando ao agente dever ser aplicada pena de prisão não superior a
dois anos – impunha que os Ex.mos Desembargadores se tivessem pronunciado sobre
a medida de pena aplicada ao recorrente e sua eventual suspensão ou, mesmo,
substituição por outra não detentiva da liberdade.
51. Sendo inadmissível sequer conceber, tal como referido na decisão
que decidiu das nulidades arguidas, que o facto de no acórdão o tribunal não se
ter expressamente pronunciado sobre a reponderação da medida da pena aplicada
ao arguido e eventual suspensão da mesma significa que foi sufragado o
entendimento perfilhado em primeira instância, porquanto tal entendimento teria
de estar expresso e devidamente fundamentado de acordo com o disposto nos
artigos 97.º, n.º 4, e 374.º, n.º 2, do CPP, sob pena de nulidade da decisão
proferida, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do mesmo
diploma.
52. A interpretação normativa efectuada no acórdão recorrido arguido
de nulo, bem como na decisão que decidiu das nulidades, proferidas pelo
Tribunal da Relação de Lisboa, do disposto nos artigos 425.º, n.º 4, e 379.º,
n.º 1, alínea c), do CPP, no sentido de que o tribunal ad quem não tem que se
pronunciar sobre todas as questões que lhe são suscitadas, é inconstitucional
por violação do dever de fundamentação das decisões consagrado no artigo 205.º,
n.º 1, da CRP e ainda das garantias de defesa conferidas ao arguido, maxime do
direito ao recurso consagrado constitucionalmente no artigo 32.º, n.º 1, da CRP.
53. A interpretação normativa conjugada dos sobreditos normativos
processuais penais efectuada pelo Tribunal da Relação de Lisboa está ferida de
inconstitucionalidade por violação do dever de fundamentação das decisões,
consagrado no artigo 205.º, n.º 1, da CRP, o qual exige que o julgador verta nas
decisões que profere os motivos de facto e de direito que a fundamentam, bem
como nelas indique e plasme o exame crítico das provas que serviram para formar
a sua convicção, bem como ainda por violação do disposto no artigo 32.º, n.º 1,
da Lei Fundamental, porquanto a ausência de fundamentação constitui uma
restrição às garantias de defesa, maxime a do direito ao recurso.
54. Interpretação cuja inconstitucionalidade deverá ser declarada
por V. Ex.as, extraindo‑se todas as legais e constitucionais consequências.
55. O sentido que deveria ter sido adoptado nas decisões proferidas
pelo Tribunal da Relação de Lisboa na interpretação normativa conjugada das
normas dos artigos 97.º, n.º 4, 374.º, n.º 2, 425.º, n.º 4, e 379.º, n.º 1,
alínea c), todos do CPP, constitucionalmente conforme com as sobreditas normas
da Lei Fundamental, é o de que só a explicitação dos fundamentos da decisão de
facto e de direito permitem a compreensão do percurso efectuado pelo julgador na
análise e decisão das questões que lhe são apresentadas e, consequentemente, a
sua sindicância, por via do recurso, do sujeito pela mesma afectado.
56. O Tribunal da Relação de Lisboa adoptou interpretação dos
artigos 425.º, n.º 4, e 379.º, n.º 1, alínea e), ambos do CPP, no sentido de que
o tribunal ad quem não tem que se pronunciar sobre todas as questões que lhe são
suscitadas, interpretação essa inconstitucional, por violadora do dever de
fundamentação das decisões consagrado no artigo 205.º, n.º 1, da CRP e da norma
do artigo 32.º, n.º 1, da CRP.
57. O sentido que deveria ter sido adoptado na decisão proferida na
interpretação das normas dos artigos 425.º, n.º 4, e 379.º, n.º 1, alínea c),
ambos do CPP, constitucionalmente conforme com as sobreditas normas da Lei
Fundamental, é o de que todas as questões levadas ao conhecimento do tribunal
sejam por este efectivamente apreciadas e decididas.”
O representante do Ministério Público no Tribunal
Constitucional apresentou contra‑alegações, concluindo:
“1. Não há coincidência entre os critérios normativos aplicados nas
decisões recorridas, como ratio decidendi, e os critérios normativos cuja
conformidade constitucional o recorrente pretende submeter à apreciação do
Tribunal.
2. Não poderá, assim, conhecer‑se do recurso, por falta de
preenchimento de um dos seus pressupostos processuais.”
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. Fundamentação
Cumpre apreciar prioritariamente a questão, suscitada no
despacho liminar do relator e a que aderiu, nas contra‑alegações apresentadas, o
representante do Ministério Público neste Tribunal, do não conhecimento do
recurso “por falta de coincidência entre os critérios normativos efectivamente
aplicados, como ratio decidendi, nos acórdãos recorridos e os critérios
normativos cuja conformidade constitucional o recorrente pretende ver
apreciada, tal como surgem identificados no requerimento de interposição de
recurso”.
Apesar da sua extensão, interessa reproduzir (apenas
quanto aos factos relevantes para a determinação da responsabilidade do ora
recorrente) o teor da decisão da matéria de facto da 1.ª instância e a
respectiva fundamentação, para melhor apreensão dos critérios normativos que aí
terão sido seguidos e que terão sido confirmados pelo acórdão ora recorrido.
“2. FUNDAMENTOS
2.1. FUNDAMENTÁÇÃO DE FACTO
a) O A. dedicou‑se durante período não apurado, entre outras
actividades, à de cobrador de dívidas difíceis.
b) No âmbito de tal actividade, foi contratado pelo arguido B. para
efectuar cobranças junto de credores dos stands automóveis que possuía, um deles
em Abrunheira, Sintra, denominado K.
c) Pelo menos no final de 1999, o arguido A. contactou os arguidos
D. e C. para o acompanharem na realização de uma cobrança, no âmbito de tal
actividade.
d) O arguido E. tinha um veículo BMW de cor branca.
e) Os arguidos D., C. e A. solicitaram ao arguido E. que lhes desse
boleia no dia 30 de Dezembro de 1999, para a prática dos factos que adiante vêm
referidos.
f) Através do G., o arguido B. acordou com o H. na venda a este de
cinco automóveis.
g) No dia 15 de Janeiro de 1999, pelas 00 horas, na Rua …, junto ao
n.º .., em Mem Martins, I. – irmão do H. – foi abordado por indivíduos
encapuçados que o introduziram num veículo automóvel, perguntando‑lhe se era o
H., dizendo‑lhe depois para o H. contactar o J..
h) O G. negociava em automóveis e era amigo do arguido J.. Tinham
negócios relativos a automóveis, um com o outro.
i) Em determinada altura, não apurada, desentenderam‑se.
j) Em data não apurada, deslocaram‑se ao seu stand automóvel
indivíduos que disseram vir da parte do arguido B. para receberem as quantias
em dívida, acabando por se irem embora sem qualquer quantia.
k) O G. recebeu telefonemas advertindo‑o de que tinha que pagar a
quantia que devia ao arguido B..
l) No dia 30 de Dezembro de 1999, cerca das 18 horas, os arguidos
A., D., E. e C. dirigiram‑se ao stand de automóveis do G., em Mem Martins, onde
trabalhava a F., mulher do G..
m) Quando esta saiu de carro, os ditos arguidos seguiram‑na no já
referido BMW branco conduzido pelo arguido E. até junto da residência da
mesma, em Mem Martins.
n) Ali, saindo os arguidos D. e C. da viatura BMW, um dos arguidos –
o C. – abeirou‑se da F. e perguntou a esta se ela era a esposa do G., tendo ela
respondido afirmativamente.
o) Então, o referido C. disse à F. que o marido deveria pagar tudo
o que devia ao engenheiro da K., referindo‑se ao arguido B..
p) Ao mesmo tempo mostrou à F. uma arma que transportava.
q) Nessa altura, a F. estava acompanhada das suas duas filhas, que
ainda se encontravam dentro da viatura.
r) Após, os arguidos foram‑se embora.
s) A F. deixou de estacionar a viatura no local onde habitualmente
estacionava e durante algum tempo passou a andar em estado de alerta, atenta aos
automóveis.
t) Os arguidos D. e C. agiram em comunhão de esforços a mando, por
ordem e com a cooperação do arguido A., que, por sua vez, agiu a solicitação e
por acordo e no interesse do arguido B., com vista a obter o dinheiro por este
reivindicado.
u) O arguido E. agiu em auxílio aos demais arguidos na prática dos
factos supramencionados.
v) Todos os arguido agiram de forma livre, deliberada e consciente,
sabendo que as suas condutas não eram permitidas por lei, só não conseguindo
obter o dinheiro por razões alheias às suas vontades.
w) O arguido A. já foi condenado, no âmbito do processo n.º
7/00.8JBLSB, por factos ocorridos entre 22 de Dezembro de 1999 e final de
Janeiro de 2000, por decisão de 15 de Julho de 2002, transitada em julgado, como
autor da prática de um crime de ofensas à integridade física qualificadas,
previsto e punido pelos artigos 143.º, n.º 1, 146.°, n.ºs 1 e 2, e 132.°, n.º 2,
alínea i), do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão; como autor
da prática de um crime de ameaças, previsto e punido pelo artigo 153.°, n.º 1,
do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão; como autor da prática de um crime
de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 275.º, n.º 3, do
Código Penal, na pena de 10 meses; como autor da prática de um crime de ofensas
à integridade física qualificadas, previsto e punido pelos artigos 143.°, n.º 1,
146.°, n.ºs 1 e 2, e 132.°, n.º 2, alínea i), do Código Penal, na pena de 2 anos
de prisão; como autor da prática de um crime de sequestro, previsto e punido
pelo artigo 158.°, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão; como
autor da prática de um crime de coacção simples, previsto e punido pelos artigos
22.°, 23.° e 154.°, n.ºs 1 e 2, na pena de 10 meses; como autor da prática de
um crime de coacção simples, previsto e punido pelos artigos 22.º, 23.º e 154.º,
n.ºs 1 e 2, na pena de 6 meses, tendo em cúmulo sido condenado na pena única de
5 (cinco) anos de prisão.
(…)
Factos não provados:
(…)
MOTIVAÇÃO DA DECISÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO
A convicção do Tribunal fundou‑se no conjunto da prova produzida em
julgamento.
O arguido A. não prestou declarações quanto aos factos, tendo apenas
pretendido dizer que não foi o autor nem é sua a assinatura do documento de
folhas 469 dos autos. Ora, esta declaração nenhuma relevância teve para o
Tribunal, pela simples razão de que se tratou de uma simples negação
desacompanhada de qualquer outro tipo de esclarecimento em face da mesma, no
âmbito do direito ao silêncio. Ora, sem mais elementos, o Tribunal não pode dar
qualquer relevância a tal declaração.
Os demais arguidos prestaram declarações, tendo nalguns casos
admitido a prática de alguns factos.
Assim, a convicção do Tribunal fundou‑se nas declarações destes
arguidos que falaram e quanto aos aspectos que referiram.
Fundou‑se também nas declarações das seguintes testemunhas:
– I., relativamente aos factos de que foi vítima e por esse motivo;
– H., relativamente aos factos que lhe diziam respeito, quanto aos
negócios com o arguido B..
– G., relativamente aos factos que lhe diziam respeito, quanto aos
negócios com o arguido B..
– F., relativamente aos factos de que foi vítima e por esse motivo.
– L., inspector da Polícia Judiciária que fez a investigação nestes
autos e porque investigou depôs com conhecimento de alguns dos factos ocorridos,
que investigou.
– M., N., O. e P., pessoas próximas e familiares do arguido A., que
depuseram quanto a aspectos de natureza pessoal deste.
– Q., R., S., T. e U., pessoas próximas do arguido B., que depuseram
quanto a aspectos de natureza pessoal deste.
Também relevante para a decisão foi a análise de vários documentos
existentes nos autos nomeadamente os de folhas 469 e ainda os relatórios
sociais juntos a folhas 768, 779, 790, 808 e 811 dos autos.
Examinados foram ainda todos os documentos juntos aos autos pelo
arguido B.. Porém, em face da prova produzida, não foram os mesmos tido em
conta.
Concretamente em relação aos factos provados, a convicção do
Tribunal resultou conjugadamente da análise dos seguintes meios de prova:
Quanto ao facto referido em a), das declarações conjugadas do
arguido B., que declarou ter contratado o arguido A. para efectuar cobranças
para si; das declarações dos arguidos D. e C., os quais foram contactados pelo
arguido A. na situação relativa à F., para praticarem os factos ali descritos e
no âmbito da actividade do arguido A. e do teor do documento de folhas 469;
Quanto ao facto referido em b), das declarações do arguido B. e do
documento de folhas 469 como já referido a propósito do ponto a);
Quanto ao facto referido em c), das declarações conjugadas dos
arguidos D. e C..;
Quanto ao facto referido em d), das declarações conjugadas dos
arguidos E., D. e C.;
Quanto ao facto referido em e), das declarações conjugadas dos
arguidos E., D. e C..
Quanto ao facto referido em f), das declarações do arguido B., bem
como no depoimento das testemunhas H. e G..
Quanto ao facto referido em g), do depoimento do I..
Quanto aos factos referidos em h) e i), do depoimento da testemunha
G. e das declarações do arguido B..
Quanto aos factos referidos em j) e k), do depoimento da testemunha
G..
Quanto aos factos referidos em l) e m), das declarações dos arguidos
D., C. e E. e do depoimento da testemunha F.;
Quanto aos factos referidos em n) e o), das declarações conjugadas
dos arguidos D., C. e do depoimento da testemunha F..
Quanto ao facto referido em p), do depoimento da testemunha F.;
Quanto ao facto referido em q), do depoimento da testemunha F.;
Quanto ao facto referido r), das declarações conjugadas dos arguidos
D., C. e do depoimento da testemunha F..
Quanto ao facto referido em s), do depoimento da testemunha F.;
Quanto ao facto referido em t), do conjunto da prova e meios de
prova referidos. Quanto à participação do arguido B., foi determinante a análise
dos seguintes elementos:
– por um lado, o facto de este arguido ter admitido ter contratado
os serviços do arguido A., para cobranças (se bem que não tenha admitido que
tenha contratado estes serviços em concreto, para obter pagamento do G. – mas
isto afigurou‑se‑nos não credível face ao elemento a seguir mencionado); e
– por outro, a circunstância de que aquando da abordagem feita à F.,
foi mencionado o nome do engenheiro da K., que não podia ser outro senão o
arguido B.. Ora, sendo certo que os arguidos D. e C. não conheciam pessoalmente
nem o G. e F., nem o arguido B., há que concluir que tinham que ter indicações
concretas de onde se dirigir (não podendo eles adivinhar a quem se dirigir).
Tendo em conta que o arguido A. (para quem trabalhavam) era contratado pelo
arguido B., não pode resultar à luz das regras de experiência outra conclusão se
não a de que tinha que ser o arguido B. quem tinha contratado esta cobrança em
particular.
Assim, foram estes elementos conjugados que permitiram ao Tribunal
concluir como fez.
Quanto ao facto referido em u), das declarações conjugadas dos
arguidos D., C. e em parte E..
Quanto ao facto referido em v), do conjunto da prova produzida e
analisada;
Quanto aos factos referidos em w) e x), da certidão junta aos autos
a folhas 946 e seguintes.
(…).”
O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 19 de
Setembro de 2007, ao apreciar o recurso do ora recorrente, na parte em que este
impugnava a decisão da matéria de facto, consignou:
“No que respeita à matéria de facto, importa referir que o
recorrente deve não só especificar os pontos de facto que considera
incorrectamente julgados como precisar as provas que impõem decisão diversa da
recorrida.
Repita‑se: precisar a prova que exige versão diversa da perfilhada
pelo julgador.
Ora, o que se constata nas motivações e conclusões do recorrente é
que este valora diferentemente do julgador os depoimentos e demais elementos
constantes dos autos. Embora esteja no direito de discordar, esse facto não é
conducente à procedência da sua pretensão.
A decisão recorrida contém cuidada justificação dos factos que tomou
como assentes, a qual não nos merece censura pois coerente com a prova
produzida e que nos foi dado ouvir, e a reinterpretação dos depoimentos feita
pelo recorrente não é conducente a impor decisão diversa.
Em suma, improcede em bloco o reexame dos factos pretendido pelo
recorrente.”
Tendo este acórdão afirmado a correcção dos critérios
utilizados na decisão da matéria de facto em 1.ª instância, do teor desta
resulta que nela não foram seguidas os identificados nos dois primeiros pontos
do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.
Na verdade, não foi atribuída aos artigos 125.º, 126.º,
n.º 2, alínea e), 127.°, 133.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, 140.º, n.º 3, e 344.º do
CPP a interpretação “no sentido da admissibilidade como meio de prova bastante
para formar a convicção do Tribunal e fundamentar uma decisão de condenação das
declarações de um co‑arguido contra outro co‑arguido afectado por essas
declarações, quando desacompanhadas de outros meios de prova, desse modo
admitindo que a livre apreciação da prova e formação da convicção do julgador se
possam basear e fundar em meios de prova não susceptíveis de contraditório por
parte dos arguidos, cuja valoração está proibida ou não é admissível,
admitindo‑os e valorando‑os” (sublinhados acrescentados), pois resulta da
fundamentação da decisão de facto a ponderação, para além dos depoimentos dos
co‑arguidos, de outra prova testemunhal e documental, ao que acresce que em
parte alguma se admitiu a valoração de meios de prova não susceptíveis de
contraditório, sendo certo que não se pode considerar “prova não susceptível de
contraditório” a produzida em audiência, na presença do arguido e do seu
defensor, que estes tiveram possibilidade de contraditar, nada tendo a ver com
a impossibilidade de contraditório a circunstância de o recorrente ter optado
por não prestar declarações em audiência de julgamento.
Também não foi aplicada qualquer interpretação do artigo
127.º do CPP, “no sentido de a livre apreciação da prova e formação da convicção
do julgador se poder basear e fundamentar em meios de prova subtraídos ao
contraditório dos co‑arguidos por eles afectados” (sublinhado acrescentado),
pelas razões acabadas de enunciar (não tendo as decisões das instâncias aplicado
este critério, torna‑se dispensável demonstrar que, neste ponto, o que o
recorrente questiona é a concreta decisão judicial de fixação dos factos
provados e não qualquer norma ou interpretação normativa, dotada do mínimo de
generalidade e abstracção).
Quanto a critérios que teriam sido aplicados no acórdão
ora recorrido, também se constata que – apesar da crítica que ele possa merecer
em sede de desenvolvimento da fundamentação, que não cabe ao Tribunal
Constitucional apreciar – nem nela se interpretaram os artigos 97.º, n.º 4,
374.º, n.º 2, 425.º, n.º 4, e 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, “no sentido e que
o dever de fundamentação das decisões se cumpre com uma referência genérica e
acrítica sobre as matérias levadas ao conhecimento e apreciação do tribunal ou
com a remissão para a fundamentação do acórdão recorrido”, nem se interpretaram
os artigos 425.º, n.º 4, e 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, “no sentido de que o
tribunal ad quem não tem que se pronunciar sobre todas as questões que lhe são
suscitadas” (sublinhados acrescentados). Na verdade, o primeiro acórdão
expressamente refere que a decisão de facto recorrida não mereceu censura por se
mostrar “coerente com a prova produzida e que nos foi dado ouvir” e que “a
reinterpretação dos depoimentos feita pelo recorrente não é conducente a impor
decisão diversa”, o que denota uma valoração própria e autónoma por parte da
Relação quer da prova que ouviu, quer do confronto das interpretações dadas aos
depoimentos pela decisão da 1.ª instância e das propugnadas pelo recorrentes. E
quanto ao último ponto, em parte alguma a Relação admite que não tem de se
pronunciar sobre todas as questões que lhe foram colocadas, tendo no acórdão de
16 de Janeiro de 2008 indeferido a arguição de nulidade por omissão de pronúncia
assacada ao acórdão anterior.
Não tendo sido aplicados os critérios normativos
identificados no requerimento de interposição de recurso, tal obsta ao
conhecimento do seu objecto.
3. Decisão
Em face do exposto, acordam em não conhecer do objecto
do presente recurso.
Custas pelo recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em
12 (doze) unidades de conta.
Lisboa, 23 de Setembro de 2008.
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Silva Rodrigues
João Cura Mariano
Joaquim de Sousa Ribeiro
Rui Manuel Moura Ramos