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Processo n.º 723/08
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de reclamação, vindos do Tribunal da Relação de Évora, A.
reclama para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da Lei
da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do
despacho daquele Tribunal, de 22.08.2008, que indeferiu o seu requerimento de
interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.
A reclamação tem o seguinte teor:
«A., já identificado nos autos e neles arguido/recorrente, não podendo
conformar-se com o despacho do Mmo. Desembargador Relator que não admitiu o
recurso por ele interposto para o Tribunal Constitucional, vem do mesmo reclamar
para a conferência, nos termos dos art.ºs 76.° e 77.° da Lei do Tribunal
Constitucional.
Com efeito, no requerimento de interposição de recurso, na 2.ª instância,
aparecem claramente identificadas as peças nas quais foram suscitadas as
inconstitucionalidades normativas.
Termos em que o recurso deve ser recebido, prosseguindo os autos com a
respectiva normal e legal tramitação.»
2. O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional emitiu
parecer, nos termos seguintes:
«A presente reclamação é, a nosso ver, improcedente.
Assim – e desde logo – tendo sido, no Tribunal “a quo”, formulado convite ao
aperfeiçoamento de deficiências ou insuficiências do requerimento de
interposição do recurso de constitucionalidade, incide sobre o recorrente o ónus
de dar cumprimento adequado a tal convite, especificando os elementos formais
que omitira, não lhe sendo possível – sem que incorra na consequência prevista
no artº 75.º-A, nº 7, da Lei n.º 28/82 – ignorar, pura e simplesmente, tal
convite, com o argumento de que se considera inexistir a insuficiência formal
em causa.
De qualquer modo – e mesmo que assim se não entendesse – verifica-se que o ora
reclamante não especificou – nem “durante o processo”, nem sequer no âmbito do
recurso que interpôs para este Tribunal – a específica dimensão normativa do
art.º 213.º, n.º 3, do CPP, que pretendia questionar, e que havia sido
efectivamente aplicada pelo acórdão recorrido: é que, como é evidente, não está
em causa tal preceito, na sua generalidade, mas na particular situação
processual em que “o juiz dispensou a prévia audição do arguido, aqui
recorrente, fundamentando essa opção por tal ser desnecessário, face à
inexistência de elementos novos”.
Cabia, pois, ao recorrente – se pretendesse suscitar, em termos processualmente
adequados, uma questão de constitucionalidade normativa - o ónus de delinear
tal específica dimensão ou interpretação normativa (aliás, tida por não
inconstitucional no ac. n.º 96/99), não se limitando a questionar, em abstracto,
o referido preceito processual penal.»
3. Com relevância para a presente decisão resulta dos autos o seguinte:
− A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora do despacho do
Tribunal Judicial da Comarca de Tavira que reexaminou e manteve a situação de
prisão preventiva à ordem do processo identificado nos autos, com o fundamento
de que se mantinham os pressupostos de facto e de direito que presidiram à sua
decretação e subsequente manutenção nos reexames periódicos posteriormente
efectuados.
− Por acórdão de 20.05.2008, o Tribunal da Relação de Évora negou provimento ao
recurso, mantendo na íntegra o despacho recorrido.
− O arguido suscitou a nulidade deste acórdão, arguição que foi julgada
improcedente por acórdão de 15.07.2008.
− Ainda inconformado, o arguido interpôs recurso destes acórdãos para o Tribunal
Constitucional.
− Por despacho de 31.07.2008, do Tribunal da Relação de Évora, foi convidado, ao
abrigo do disposto no artigo 75.º-A, n.º 5, da Lei do Tribunal Constitucional, a
«identificar de forma precisa, com referência à respectiva numeração, as peças
processuais onde suscitou a questão de inconstitucionalidade.»
− Por despacho de 22.08.2008, do Tribunal da Relação de Évora, foi “indeferido”
o recurso com o seguinte fundamento: «Uma vez que o recorrente não acedeu ao
convite formulado de acordo com o preceituado no n.º 5 do art. 75.º-A da Lei do
Tribunal Constitucional, nos termos do n.º 2 do artigo 76.º dessa mesma lei,
indefiro o recurso por ele interposto através do requerimento de fls. 254.»
− É deste despacho que vem interposta a presente reclamação.
4. O recurso de constitucionalidade foi “indeferido”, no Tribunal da Relação de
Évora, com fundamento no facto de o recorrente não ter dado resposta ao convite
ao aperfeiçoamento que lhe foi endereçado por aquele Tribunal.
O reclamante não nega que ignorou tal convite ao aperfeiçoamento, mas defende a
inexistência das apontadas insuficiências do requerimento (falta de indicação
das peças processuais onde a questão de constitucionalidade foi suscitada).
Como se salienta na resposta do Ministério Público, é sobre o recorrente que
incide o ónus de dar cumprimento adequado ao convite ao aperfeiçoamento,
especificando os elementos formais que omitira, não lhe sendo possível ignorar,
pura e simplesmente, tal convite, com o argumento de que se considera inexistir
a insuficiência formal em causa, sob pena de incorrer na consequência prevista
no artigo 75.º-A, n.º 7, da LTC.
Mas ainda que assim não fosse, sempre se verificaria não estarem reunidos os
pressupostos necessários ao conhecimento do objecto do recurso.
Pelas razões já avançadas no parecer do Ministério Público, não está
aqui em causa a norma do artigo 213.º, n.º 3, do Código de Processo Penal (CPP),
na totalidade das dimensões normativas que comporta, pelo que cabia ao
reclamante enunciar − junto do tribunal recorrido, assim como no âmbito do
presente recurso − o critério normativo daquele preceito, aplicado ao caso
concreto, que reputa inconstitucional.
Ao longo do processo, assim como no âmbito do presente recurso, o
reclamante não logrou expressar tal critério normativo de forma clara e precisa.
Contudo, num esforço de interpretação dos elementos do processo, pode
concluir-se que o reclamante reputa inconstitucional o artigo 213.º, n.º 3, do
CPP, quando interpretado no sentido de permitir o reexame e manutenção da prisão
preventiva sem que seja ouvido o arguido sobre tal solução (cfr. as conclusões
da motivação do recurso junto do Tribunal da Relação de Lisboa e o requerimento
de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional).
Acontece que essa não foi a dimensão normativa do artigo 213.º, n.º
3, do CPP, efectivamente aplicada pelo Tribunal da Relação de Évora, como
resulta da seguinte passagem do acórdão recorrido:
«Não se afigura necessária a audição dos arguidos quanto ao reexame dos
pressupostos de tal medida de coacção (artigo 213.º, n.º 3, do Código de
Processo Penal) face à inexistência de elementos novos nos autos que o
justifiquem, reforçados que ficaram com a condenação de todos os arguidos, em 1ª
instância, em penas de prisão.»
Ou seja, o Tribunal recorrido entendeu não se justificar a audição do arguido
quanto ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva, nos termos do artigo
213.º, n.º 3, do CPP, quando inexistam elementos novos nos autos e tenha já
havido condenação do arguido, em primeira instância, em pena de prisão.
Conclui-se, por isso, que a dimensão normativa do artigo 213.º, n.º 3, do CPP,
que o reclamante reputa inconstitucional não é a interpretação normativa do
preceito que foi efectivamente adoptada na decisão recorrida, o que obsta ao
conhecimento do objecto do recurso (artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC).
5. Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação do despacho que não admitiu o
recurso de constitucionalidade.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 1 de Outubro de 2008
Joaquim de Sousa Ribeiro
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos