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Processo nº 526/08
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Guimarães, em que é
recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto o presente
recurso, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei da Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele
Tribunal de 6 de Março de 2008.
2. Em 9 de Julho de 2008 foi proferida decisão sumária, ao abrigo do disposto no
nº 1 do artigo 78º-A da LTC, pela qual se entendeu não tomar conhecimento do
objecto do recurso, com o seguinte fundamento:
«Um dos requisitos do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do nº
1 do artigo 70º da LTC é a suscitação prévia, perante o tribunal que proferiu a
decisão recorrida, da questão de inconstitucionalidade.
No caso dos autos, o recorrente não suscitou perante o tribunal recorrido
qualquer questão de inconstitucionalidade normativa. Designadamente, não
suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade reportada aos artigos 333°,
n° 5, 411°, nºs 6 e 7, do Código de Processo Penal.
Não o fez, manifestamente, quando respondeu à notificação prevista no nº 2 do
artigo 417º do Código de Processo Penal, sendo certo que o Ministério Público
suscitou a questão prévia da rejeição do recurso. Tão-pouco o fez quando
reclamou para a conferência já depois da prolação da decisão agora recorrida. De
todo o modo, neste momento processual o recorrente já não estaria a tempo de
suscitar a questão de inconstitucionalidade que pretendia ver apreciada, uma vez
que a suscitação deve ser feita a tempo de o tribunal recorrido a poder decidir
(Acórdão do Tribunal Constitucional nº 569/94, Diário da República, II Série, de
10 de Janeiro de 1995).
Não se podendo dar como verificado o requisito da suscitação prévia da questão
de constitucionalidade constante do requerimento de interposição de recurso,
cumpre concluir pelo não conhecimento do objecto do recurso interposto, o que
justifica a prolação da presente decisão (artigo 78º-A, nº 1, da LTC)».
3. Notificado desta decisão, o recorrente vem agora reclamar para a conferência,
nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 78º[-A], nº 3, da Lei do
Tribunal Constitucional, utilizando os seguintes fundamentos:
«1°
A Douta decisão sumária proferida a fls.. dos autos profíqua e sabiamente
fundamentada, merece, antes de mais, todo o respeito do recorrente.
2°
Tal decisão, e da qual agora se reclama, assenta em duas posições: a primeira de
que o arguido não suscitou perante o Tribunal recorrido qualquer questão de
inconstitucionalidade reportada aos artigos 333° n.° 5, e 411° n.°s 6 e 7 do
Código de Processo Penal; e a segunda referindo que neste momento processual já
não está o ora reclamante em tempo de suscitar a questão da
inconstitucionalidade já que a mesma deve ser feita a “tempo de o Tribunal
recorrido a poder decidir”.
3º
Ora, quanto à primeira posição defendida, reconhece o Recorrente que a forma
como nas Instâncias colocou a questão de inconstitucionalidade, não foi a mais
feliz terminologicamente, nem, porventura, a totalmente adequada ao cumprimento
dos requisitos de admissibilidade do recurso para este alto Tribunal.
4º
Por isso, não vai agora o recorrente procurar novas desculpas, para além da sua
deficiência e pouco saber.
5º
Mas não deixa de ser verdade que o arguido, ora recorrente, sempre aflorou e
invocou a questão da (in)constitucionalidade subjacente à norma resultanteda
interpretação dada ao disposto nos artigos 333º n.º 5, e 411º n.ºs 6 e 7 do
Código de Processo Penal, designadamente na violação dos direitos de defesa do
arguido, e ainda das mais amplas garantias de defesa, consagradas na
Constituição da República Portuguesa (entre os quais os art.º 32º da C.R.P.)
6º
De facto, o arguido suscitou a questão de inconstitucionalidade junto do
tribunal recorrido, aflorando a questão nos artigos 27º, 28º e 29º da resposta à
posição do Ministério Público, a fls… dos presentes autos:
«27º
Pelo contrário, não sendo de entender assim, poder-se-ão ver comprometidos, aqui
sim, os mais elementares direitos de defesa do arguido, para além de, no modesto
entendimento do recorrente, se deturpar o estabelecido no art.º 411º, n.º 7 do
CPP.
28º
Para além disso, o arguido, que já foi entretanto notificado pessoalmente, corre
o risco de ver ser-lhe vedada a possibilidade de interpor recurso, pois
confiante na interposição que já tinha feito (até confiante no despacho de fls.,
proferido pelo Tribunal a quo, que considerou o recurso admissível, subindo
posteriormente os autos ao Venerando Tribunal da Relação), não interpôs novo
recurso.
29°
Ora, tal entendimento violaria os mais elementares direitos de defesa do arguido
constitucionalmente consagrados, uma vez que impediriam o arguido de se
defender, não por ter interposto um recurso ultrapassado o prazo legal previsto
(e aí sim haveria razão para se declarar a extemporaneidade,) mas por
pretensamente o ter feito antes de iniciar o prazo.»
7º
Posteriormente, foi o arguido notificado da decisão do Tribunal da Relação,
ficando os autos a aguardar o prazo de 10 dias para os efeitos do art,° 417°, n°
8 do Código de Processo Penal (como consta a fls... dos presentes autos).
8°
A essa decisão apresentou o arguido reclamação para a Conferência, aflorando na
mesma a violação de preceitos Constitucionais acima invocados, caso persistisse
a interpretação feita pelo tribunal aos artigos 333º n.° 5, e 411º n.°s 6 e 7 do
Código de Processo Penal.
9°
Assim, foi referido nos artigos 11º, 30°, 31°, 32°, e no ponto 3 das conclusões,
que uma interpretação no sentido de considerar o recurso extemporâneo, com os
fundamentos apresentados, e interpretando a Lei naquele sentido, estaria a
violar os direitos de defesa do arguido e com isso o art° 32º da CRP e os
Princípios Constitucionalmente protegidos:
(…)
10º
No que concerne à norma interpretativa extraída pelas instâncias dos artigos do
Código de Processo Penal supra aludidos, parece até ao recorrente, sempre salvo
o devido e muito merecido respeito, pela decisão recorrida, que a mesma vem ao
arrepio do estabelecido na C.R.P., e inclusive do que tem sido decidido (e bem,
no modesto entender do ora reclamante) por outros Tribunais, como por exemplo o
postulado no Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 22/11/2006,
11º
Desta forma, e com o devido respeito por opinião contrária, considera o ora
reclamante já ter suscitado perante o Tribunal recorrido (Tribunal da Relação de
Guimarães) a questão da inconstitucionalidade e da violação de preceitos
constitucionais com a interpretação dada aos artigos em questão (entre os quais
a violação do art.º 32º da Constituição da República Portuguesa) – ainda que
possa considerar-se que a mesma, porventura, não tenha sido formulada da melhor
maneira -,
12º
podendo o Tribunal recorrido ter decidido em uniformidade com essa reclamação
(tendo-se pronunciado acerca da mesma), e com essa questão da
inconstitucionalidade.
13º
Acresce ainda que o recorrente, tal como já referido, foi surpreendido com as
interpretações normativas dadas sucessivamente pelas instâncias no que tange aos
atacados artigos 333° n.° 5, e 411° n.°s 6 e 7 do Código de Processo Penal, ou,
ao menos das normas que se extraíram nas interpretações dadas àqueles
dispositivos legais,
14°
Tendo atacado a questão da inconstitucionalidade nos moldes acima descritos.
15°
Por isso, mesmo que se considerasse que o recorrente não suscitou da maneira
mais correcta a questão da (in)constitucionalidade das normas acima invocadas,
ou não a suscitou “Previamente”,
16°
o que se compreende dada a deficiente forma como a questão foi sendo colocada ao
longo das alegações nas Instâncias, também aqui, deveria ser admitida a dispensa
do ónus de suscitação da questão da constitucionalidade durante o processo.
17°
Assim sendo, e caso seja realmente considerado que as questões de
inconstitucionalidade não foram correctamente suscitadas, parece-nos, salvo
também melhor e mais douta opinião, que nos autos se verifica uma situação do
tipo daquelas em que a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem admitido a
dispensa do ónus de suscitação da questão de constitucionalidade durante o
processo.
18º
E isto, repete-se na medida em que a norma interpretativa, tirada pelas
instâncias daqueles dispositivos legais, tem carácter surpreendente em função
das alterações legislativas e, até, das orientações jurisprudenciais (veja-se, a
título de Exemplo, o Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 22/11/2006).
19º
Por tudo isto, e sendo de um ou de outro modo, entende o Recorrente que a douta
decisão reclamada deverá ser reformada e, ou, alterada por forma a que seja
determinado a admissão do recurso interposto, bem como determinada a notificação
da recorrente para apresentar neste Tribunal as respectivas alegações.
20º
Quanto à segunda posição, a mesma já foi em parte contraditada nos artigos
anteriores. No entanto,
21º
o arguido gostaria de reafirmar que suscitou a questão da inconstitucionalidade
junto do tribunal recorrido, ainda que de forma deficiente ou menos correcta,
alegando que os seus direitos com assento constitucional seriam violados (por
violação inclusive do art.º 32º da Constituição da República Portuguesa), caso
não lhe fosse aceite o recurso por ser considerado extemporâneo, de acordo com o
então fundamentado,
22º
pelo que foi a mesma suscitada a tempo de o Tribunal da Relação de Guimarães a
poder ter decidido.
23º
Pelo que se requer seja dado provimento à presente reclamação, reformando-se e,
ou, revogando-se a douta decisão sumária que não admitiu o recurso interposto,
substituindo-se esse por uma outra que o admita, com todas as devidas e legais
consequências (…)».
4. Notificado do teor da reclamação, o Ministério Público pronunciou-se pela
forma seguinte:
«1º
A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2°
Na verdade, a argumentação do reclamante em nada abala os fundamentos da decisão
reclamada, no que toca à evidente inverificação dos pressupostos do recurso
interposto».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Nos presentes autos decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, nº 1, da
LTC, não tomar conhecimento do objecto do recurso por não se poder dar como
verificado o requisito da suscitação prévia da questão de constitucionalidade
constante do requerimento de interposição de recurso. Tal questão reportava-se à
interpretação dada pelo Tribunal da Relação aos artigos 333º, nº 5, e 411º, nºs
6 e 7, do Código de Processo Penal, no sentido de que apenas se possa interpor
recurso após notificação pessoal da sentença a arguido julgado na sua ausência,
pois só após esta notificação se inicia o decurso do prazo, pelo que interpondo
antes desta notificação o mesmo será extemporâneo e, por isso, de rejeitar
(mesmo que o arguido tenha entretanto sido notificado).
O reclamante alega, por um lado, que, “ainda que de forma deficiente ou menos
correcta”, suscitou previamente a questão de inconstitucionalidade; e, por
outro, que “foi surpreendido pelas instâncias no que tange aos atacados artigos
333º, nº 5, e 411º, nºs 6 e 7, do Código de Processo Penal”, devendo, por isso,
ser dispensado do ónus da suscitação prévia da questão de constitucionalidade.
O reclamante transcreve passos de peça processual já tida em conta na decisão
reclamada que só confirmam a conclusão a que se chegou nesta decisão: o
recorrente não suscitou, durante o processo, qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa perante o tribunal que proferiu a decisão
recorrida. Isto porque, ao contrário do que sustenta, alegar que os seus
direitos com assento constitucional seriam violados caso não lhe fosse aceite o
recurso por ser considerado extemporâneo, não corresponde à suscitação de uma
questão de inconstitucionalidade normativa.
Por outro lado, a situação dos presentes autos não pode ser reconduzida aos
“casos anómalos” em que o recorrente não teve oportunidade processual para
suscitar a questão de constitucionalidade durante o processo e que, por isso
mesmo, justificam que seja salvaguardado o direito ao recurso de
constitucionalidade, dispensando o recorrente de levantar tal questão antes de
ser proferida a decisão recorrida (cfr., sobre tais casos, Acórdão do Tribunal
Constitucional nº 334/2005, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Desde
logo, porque o Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Guimarães
suscitou a questão prévia da rejeição do recurso, por entender que o recurso
tinha sido interposto fora de tempo, ou seja, antes de ao arguido – julgado na
ausência – ter sido notificada a decisão condenatória (fl. 171 e ss.).
Resta, pois, confirmar a decisão de não conhecimento do objecto do recurso.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 23 de Setembro de 2008
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão