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Processo n.º 580/08
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. O relator proferiu a seguinte decisão, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da
Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC):
“1. A. Ldª, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da
alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), do
acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Secção do Contencioso Tributário),
pretendendo ver apreciada:
“(…) a inconstitucionalidade dos artigos conjugados, 14.º e 36.º, n.ºs 1, 2 e 3
do Regime de Complementar do Procedimento de Inspecção Periódica, aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 413/98 de 31 de Dezembro, na redacção anterior à Lei n.º
50/2005, de 30 de Agosto e art. 46.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária, aprovada
pelo Decreto-Lei n.º 398/98 de 17 de Dezembro, na interpretação segundo a qual,
os prazos definidos na Lei para a inspecção tributária, apenas relevam no âmbito
do instituto da caducidade do direito à liquidação, não afectando o seu
desrespeito à legalidade da liquidação(…).”
2. A decisão recorrida não aplicou o bloco legal que a recorrente identifica com
o sentido por esta identificado no requerimento de interposição do recurso.
Com efeito, disse-se na decisão recorrida:
“QUANTO À ‘VIOLAÇÃO DE LEI FUNDAMENTAL’:
A recorrente pretende violado, desde logo, o princípio da proporcionalidade, na
tripla dimensão da adequação, necessidade e proporcionalidade stricto sensu e,
bem assim, o princípio da imparcialidade.
Refere, citando LEITE DE CAMPOS, Direito Tributário, p. 237, que “a realização
de acções de fiscalização desnecessárias ou demasiado prolongadas viola o
princípio da necessidade. As exigências desmesuradas ao contribuinte violam o
princípio da proporcionalidade”.
E bem assim, ibidem, p. 229, que “a Administração não pode impor aos
particulares mais do que o mínimo de sacrifício”.
Certo que, para além daquela consequência, em termos de caducidade da
liquidação, a inspecção pode ferir princípios constitucionais, desde logo o da
proporcionalidade, o que implicará, em princípio, a sua anulabilidade.
Seria o caso de uma inspecção que, mesmo não podendo ser prorrogada, por
univalente, se prolongasse, sem qualquer razão justificativa, por, verbi gratia,
todo o período de caducidade.
Contudo, não é correcto o entendimento da recorrente – cfr. n.º XXXII – no
sentido de que a sentença tenha perfilhado posição contrária.
Esta debruçou-se sobre o caso concreto, nos termos factuais fixados no
probatório, em nenhum ponto pretendendo, nomeadamente, que “a Administração
Fiscal pode prolongar o prazo da inspecção indeterminadamente”.
Pois, para além da consequência da predita ilegalidade, restrita, como se disse,
à suspensão do prazo de caducidade da liquidação, podem estar em causa outros
itens legais, e até constitucionais, de comportamento obrigatório para a
Administração.
De outro modo: a prorrogação ilegal da inspecção determina a cessação do efeito
suspensivo do prazo de caducidade da liquidação - que não, nos preditos termos e
a se, a ilegalidade da liquidação – mas esta pode resultar de outros vícios
porventura resultantes da duração da inspecção, como nomeadamente a violação de
princípios constitucionais.
Concretamente: a prorrogação do prazo do procedimento inspectivo, conforme ou
não à lei ordinária, pode ferir, sem dúvida, o princípio constitucional da
proporcionalidade, caso em que acarretará a invalidade da liquidação.
Todavia, a violação de tais princípios não a alicerça a recorrente em quaisquer
pressupostos factuais, o que, aliás, importaria a incompetência do STA para o
conhecimento do recurso – artigo 12º, n.º 5, do Estatuto dos Tribunais
Administrativos e Fiscais.
O que o probatório nos dá conta, a tal propósito, é que a inspecção foi por duas
vezes prorrogada, por igual período de três meses, dada “a necessidade de
diligências adicionais que se deveram ao facto do «elevado volume de operações a
controlar e necessidade de efectuar averiguações cruzadas que até à presente
data não foram finalizadas e ocultação de elevados montantes de rendimentos
tributáveis»”.
Daí, a conclusão da adequação e necessidade da prorrogação.
Certo que a lei limita os procedimentos inspectivos relativos ao mesmo período –
artigo 63.º, n.º 3, da LGT.
“Com esta restrição dos poderes de fiscalização, visa-se assegurar que um mesmo
contribuinte ou obrigado tributário seja sobrecarregado com os incómodos que as
acções de fiscalização externas são susceptíveis de lhe causar” – LEITE DE
CAMPOS, BENJAMIM RODRIGUES e JORGE DE SOUSA, Lei Geral Tributária – comentada e
anotada, Vislis Editores, 1999, p. 216.
Mas não é isso que, nos autos, está em causa.
Do que ora se trata é de uma prorrogação, devidamente fundamentada, da
inspecção.
E cuja inobservância está sancionada pela própria LGT, nos preditos termos.
Não se vê, assim, na orientação ora perfilhada, qualquer violação
constitucional.”
Esta transcrição torna manifesto que o acórdão recorrido adoptou um entendimento
das normas em causa de sentido contrário àquele que o recorrente quer submeter a
fiscalização de constitucionalidade.
Com efeito, admitiu-se expressamente que “além daquela consequência, em termos
de caducidade da liquidação, a inspecção pode ferir princípios constitucionais,
desde logo o da proporcionalidade, o que implicará, em princípio a sua
anulabilidade”. E chegou-se, mesmo, à concretização de que “a prorrogação do
prazo do procedimento inspectivo, conforme ou não à lei ordinária pode ferir,
sem dúvida, o princípio constitucional da proporcionalidade, caso em que
acarretará a invalidade da liquidação”. É o oposto da concepção de que “os
prazos definidos na Lei para a inspecção tributária, apenas relevam no âmbito do
instituto da caducidade do direito à liquidação, não afectando o seu desrespeito
à legalidade da liquidação (…)”.
Consequentemente, não tendo a decisão recorrida feito aplicação da norma
(entendimento normativo) que a recorrente pretende submeter a apreciação de
constitucionalidade, o recurso não pode prosseguir por não se verificar o seu
pressuposto básico [alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC]. Claramente, uma
interpretação normativa oposta àquela que o recorrente lhe atribui.
3. Decisão
Pelo exposto, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decide-se não conhecer
do objecto do recurso e condenar o recorrente nas custas, fixando a taxa de
justiça em 8 (oito) UCs.”
2. A recorrente reclama desta decisão, ao abrigo do n.º 3 do citado artigo
78.º‑A, com a seguinte fundamentação:
“A) De acordo com o entendimento proferido no Acórdão recorrido, a inspecção em
abstracto pode ferir princípios constitucionais, resultando a sua violação de
circunstâncias diferentes do simples desrespeito dos prazos de Inspecção.
B) Tais circunstâncias não foram alegadas pelo ora recorrente em fase alguma do
processo, pelo que se não encontram em causa nos presentes autos de fiscalização
concreta da constitucionalidade.
C) Ainda de acordo com o Acórdão recorrido, na senda da Sentença de 1ª
Instância, a única consequência que resulta da caducidade da inspecção, por
desrespeito do seu prazo ou por ilegalidade da prorrogação, é a cessação do
efeito suspensivo da liquidação.
D) E tanto assim é, que o Acórdão recorrido manteve a Sentença de 1ª Instância.
E) Na opinião da reclamante, a qual tem vindo a defender desde a 1ª Instância, o
simples desrespeito dos prazos de inspecção ou a sua prorrogação ilegal,
acarretam só por si, a ilegalidade da liquidação daquela decorrente.
F) Colidindo o entendimento oposto, com os princípios da legalidade,
proporcionalidade, necessidade e imparcialidade, constitucionalmente
consagrados, razão do recurso interposto.
G) O Acórdão recorrido aplicou os artigos conjugados indicados no requerimento
de interposição de recurso, no sentido cuja apreciação da constitucionalidade se
pretende submeter a esse Tribunal Constitucional.
H) Assim, por se verificarem os pressupostos do recurso interposto, deveria este
ter prosseguido, padecendo a douta Decisão Sumária de erro de julgamento.”
3. A Fazenda Pública (recorrida) pugna pela improcedência da reclamação.
4. A reclamação é improcedente.
Incumbe ao recorrente definir o objecto do recurso de fiscalização concreta de
constitucionalidade, identificando no requerimento de interposição a norma cuja
inconstitucionalidade pretende que o Tribunal aprecie (n.º 1 do artigo 75.º-A da
LTC). O que a recorrente fez nos termos que no n.º 1 da “decisão sumária” se
transcreveram, sendo em função disso que se há-de analisar a correspondência
entre a norma submetida a apreciação de constitucionalidade e a norma
efectivamente aplicada pela decisão recorrida.
Ora, como a decisão reclamada mostra suficientemente, o acórdão recorrido não
interpretou o citado bloco legal no sentido de que a inobservância dos prazos de
acção de fiscalização apenas pode afectar a legalidade do acto tributário pela
via do seu reflexo na caducidade do direito à liquidação. Pelo contrário,
admitiu que a validade da liquidação pode ser afectada por outros vícios
resultantes da duração da inspecção. Mas considerou que nenhum deles se
verificava no caso concreto e que, pelo contrário, resulta do que o “probatório
nos dá conta, a tal propósito” que houve uma “prorrogação, devidamente
fundamentada, da inspecção”. Não houve portanto, segundo o acórdão recorrido,
“desrespeito dos prazos de inspecção ou a sua prorrogação ilegal”, o que retira
viabilidade a toda a construção da reclamante no sentido da verificação dos
pressupostos do recurso.
5. Pelo exposto, indefere-se a reclamação e condena-se o reclamante nas custas,
com 20 (vinte) UCs de taxa de justiça.
Lxa. 29/9/2008
Vítor Gomes
Ana Maria Guerra Martins
Gil Galvão