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Processo n.º 572/08
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. Relatório
Por transacção homologada por sentença do Tribunal do
Trabalho de Vila Real, de 22 de Fevereiro de 1994 (acta de fls. 100), a A., SA,
aceitou pagar ao autor B., irmão de C., vítima mortal de acidente de trabalho,
a pensão anual e vitalícia de 89 532$00, com início em 17 de Abril de 1991 [a
referência ao ano de 1981, constante da acta, deve‑se a manifesto lapso, pois o
acidente ocorreu em 16 de Abril de 1991]. Foi dado como provado que o referido
autor (nascido em 20 de Agosto de 1973 – cf. certidão de fls. 41) “é débil
mental, totalmente incapaz de um exercício profissional regular, produtivo e
automatizado, pelo que trabalha apenas de vez em quando, não sendo capaz de, por
si só, prover ao seu sustento” (alínea I) da especificação, a fls. 92 verso) e
que o sinistrado contribuía com regularidade para o seu sustento (acta de fls.
100).
Por requerimento apresentado em 20 de Março de 2007, a
C., SA, sucessora da A., SA, alegando que o beneficiário da pensão já não era
menor (tendo, à data do requerimento, 33 anos) e que o seu estado de saúde
sofrera uma evolução favorável, em razão do que a sua capacidade aquisitiva se
encontrava totalmente recuperada, veio requerer que se procedesse a exame médico
do beneficiário da pensão, ao abrigo do disposto nos artigos 147.º e seguintes
do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 480/99, de 9 de
Novembro [O referido artigo 147.º, sob a epígrafe Revisão da pensão dos
beneficiários legais, prevê, no seu n.º 1, que “Quando o beneficiário legal
requeira a revisão da respectiva pensão com fundamento em agravamento ou
superveniência de doença física ou mental que afecte a sua capacidade de ganho,
o incidente corre por apenso ao processo a que disser respeito, observando‑se o
disposto no artigo 145.º”, preceito que regula o incidente de revisão de
incapacidade do sinistrado].
Esta pretensão foi indeferida por despacho do Tribunal
do Trabalho de Vila Real, de 11 de Abril de 2007, por se entender que a tal se
opunha o disposto na Base XXII, n.º 2, da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965,
uma vez que se encontravam já transcorridos dez anos sobre a fixação da pensão
[dispõe essa Base: “1 – Quando se verifique modificação da capacidade de ganho
da vítima proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou
doença que deu origem à reparação, ou quando se verifique aplicação de prótese
ou ortopedia, as prestações poderão ser revistas e aumentadas, reduzidas ou
extintas, de harmonia com a alteração verificada. 2 – A revisão só poderá ser
requerida dentro dos dez anos posteriores à data da fixação da pensão e poderá
ser requerida uma vez em casa semestre, nos dois primeiros anos, e uma vez por
ano, nos anos imediatos. 3 – (…).”].
A seguradora interpôs recurso desta decisão para o
Tribunal da Relação do Porto, que, por acórdão de 14 de Abril de 2008, lhe
concedeu provimento, tendo, para o efeito, recusado, com fundamento em
inconstitucionalidade, por violação do artigo 13.º da Constituição da República
Portuguesa (CRP), a aplicação da norma constante do n.º 2 da Base XXII da Lei
n.º 2127, interpretada no sentido de consagrar um prazo absolutamente
preclusivo de 10 anos, contados a partir da data da fixação inicial da pensão,
para a revisão da pensão devida por acidente de trabalho, revisão essa pedida
pelas entidades responsáveis pelo pagamento das pensões. Nesse acórdão, após
referir os Acórdãos n.ºs 147/2006 e 59/2007 do Tribunal Constitucional – que
julgaram inconstitucional, “por violação do direito do trabalhador à justa
reparação, consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição, a norma
do n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, interpretada no
sentido de consagrar um prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a
partir da data da fixação inicial da pensão, para a revisão da pensão devida ao
sinistrado por acidente de trabalho, com fundamento em agravamento
superveniente das lesões sofridas, nos casos em que desde a fixação inicial da
pensão e o termo desse prazo de 10 anos tenha ocorrido alguma actualização da
pensão, por se ter dado como provado o agravamento das lesões sofridas pelo
sinistrado” –, transcrever a fundamentação do primeiro e reproduzir o teor da
referida Base XXII, o Tribunal da Relação do Porto expendeu o seguinte:
“Acontece, no entanto, que nem sempre a lei que regula os acidentes
de trabalho previu um prazo preclusivo para que se pudesse requerer a revisão
da incapacidade, nem ele foi sempre de 10 anos.
Na verdade, para além de a revisão não ser prevista [como acontecia
na Lei n.º 83, de 24 de Julho de 1913], lei existiu em que não se encontrava
fixado qualquer prazo [cf. o artigo 33.º do Decreto n.º 4288, de 22 de Maio de
1918], outra existiu em que o prazo era de apenas 5 anos [cf. o artigo 24.º da
Lei n.º 1942, de 27 de Julho de 1936] e, por outro lado, encontra‑se actualmente
vigente lei que manteve aquele prazo de 10 anos [artigo 25.º, n.º 2, da Lei n.º
100/97, de 13 de Setembro], admitindo-se, por último, que no futuro a revisão
seja passível de requerimento independentemente da observância de qualquer prazo
[cf. artigo 58.º da Proposta de Lei n.º 88/X]. Na verdade, como de algum modo já
perpassa da fundamentação do Acórdão do Tribunal Constitucional, acima
transcrita, para a qual remete o Acórdão invocado pela agravante, o legislador
erigiu à categoria de direito – constitucional – dos trabalhadores a assistência
e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença
profissional, acrescentando a alínea f) ao n.º 1 do artigo 59.º da Constituição
da República, o que apenas ocorreu na sua quarta revisão, implementada pela Lei
Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro [cf. o artigo 33.º, n.º 3].
Ora, não restringindo a Constituição aquela protecção a qualquer
prazo, também não pode o direito ordinário fazê‑lo, sob pena de este violar
aquela.
Daí a declaração de inconstitucionalidade da Base XXII, n.º 2, da
Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, operada pelos arestos acima referidos. Daí
também que no futuro o legislador certamente não se mostrará indiferente a esta
evolução do nosso direito constitucional, bem como da apontada jurisprudência
do Tribunal Constitucional, parecendo já manifestação dessa atitude a redacção
constante do artigo 58.º, n.º 2, da Proposta de Lei n.º 88/X, proposta de
regulamento da matéria de acidentes de trabalho e doenças profissionais de
acordo com o Código do Trabalho, que não prevê qualquer prazo para que se possa
requerer a revisão da incapacidade.
Face a esta evolução do nosso direito constitucional, o aplicador do
direito também não poderá ficar indiferente, pelo que terá de fazer uma leitura
da norma ínsita naquela Base XXII, n.º 2, como se nenhum prazo aí estivesse
fixado, uma vez que a Constituição não estabeleceu qualquer espartilho no que
respeita à assistência e justa reparação, maxime, quanto a prazos para o
exercício do direito de revisão da incapacidade, sendo certo que foi
considerado pelo Tribunal Constitucional que o estabelecimento do prazo de 10
anos não tem qualquer fundamento racional, dados os valores materiais em
presença.
Ora, reconhecido aos sinistrados e aos beneficiários legais de
acidentes de trabalho o direito de requerer a revisão da incapacidade em caso de
agravamento, recidiva ou recaída das lesões, independentemente de ter
decorrido, ou não, o prazo de 10 anos sobre a data da fixação da pensão, por
identidade de razão e dado o princípio da igualdade ínsito no artigo 13.º da
Constituição da República, igual direito tem de ser reconhecido às entidades
responsáveis pelo pagamento das pensões, seguradoras ou entidades empregadoras,
nos casos de melhoria das lesões.
Daí que também aqui se afirme a inconstitucionalidade da norma
constante da Base XXII, n.º 2, da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, pelo
que o despacho impugnado deve ser revogado e substituído pelo presente acórdão
em que se ordena a admissão e prosseguimento da legal tramitação do requerido
incidente de revisão, assim procedendo as conclusões do recurso.”
É contra esta decisão que, pelo representante do
Ministério Público junto do Tribunal da Relação do Porto, vem interposto o
presente recurso, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional,
aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela
Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), pretendendo ver apreciada a
inconstitucionalidade, por violação do artigo 13.º da CRP, da norma constante do
n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, “interpretada no sentido de consagrar um
prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a partir da data da
fixação inicial da pensão, para a revisão da pensão devida ao sinistrado por
acidente de trabalho, revisão essa pedida pelas entidades responsáveis pelo
pagamento das pensões – seguradoras ou entidades patronais – nos casos de
melhoria das lesões”.
Neste Tribunal, o representante do Ministério Público
apresentou alegações, concluindo:
“1.º – Não pode, neste momento, inferir‑se com segurança da
jurisprudência constitucional, face nomeadamente ao teor do Acórdão n.º
147/2006, que seja materialmente inconstitucional toda a norma constante da Base
XXII, n.º 2, da Lei n.º 2127, enquanto prescreve um prazo de caducidade de 10
anos para a dedução do incidente de revisão da pensão – apenas decorrendo de
tal jurisprudência que será violador da Lei Fundamental a vigência de tal prazo,
nos casos em que já tiverem ocorrido actualizações intercalares da pensão,
durante o referido período de 10 anos.
2.º – Mesmo que, porventura, se admita a extensão de tal julgamento
de inconstitucionalidade, de modo a abarcar todo aquele regime normativo –
considerando constitucionalmente inadmissível a vigência do referido prazo de
caducidade, mesmo nos casos em que não houve qualquer actualização no período de
10 anos, contados da fixação originária da pensão – é evidente que – fundando‑se
tal julgamento de inconstitucionalidade na violação do direito fundamental do
trabalhador sinistrado à justa reparação, não são extensíveis os seus
fundamentos relativamente ao responsável pelo acidente e respectiva seguradora.
3.º – Não podendo invocar‑se – como alegada base para uma absoluta
parificação da situação das partes na relação jurídica – o princípio da
igualdade, nos casos em que é a própria Lei Fundamental que reforça o estatuto
de um dos interessados, atribuindo‑lhe um direito fundamental à justa reparação
das consequências lesivas do acidente de trabalho.
4.º – Termos em que deverá proceder o presente recurso.”
A seguradora recorrida contra‑alegou, propugnando a
confirmação do acórdão recorrido.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. Fundamentação
2.1. Como resulta do precedente relatório, quer o
despacho do Tribunal do Trabalho de Vila Real, de 11 de Abril de 2007, quer o
acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 14 de Abril de 2008 (ora recorrido),
que o revogou, não questionaram a aplicabilidade do disposto na Base XXII, n.º
2, da Lei n.º 2127 ao pedido de revisão da pensão por acidente de trabalho de
que é titular, não o sinistrado vítima do acidente, mas um seu familiar no caso
de acidente mortal.
É, porém, questionável a aplicabilidade do regime da
Base XXII às pensões atribuídas a familiares da vítima mortal de acidente de
trabalho ao abrigo da Base XIX da mesma Lei, designadamente por estarem
“afectados de doença física ou mental que lhes reduza sensivelmente a capacidade
de trabalho”, quer face ao teor literal daquela Base (que, no seu n.º 1,
circunscreve as situações que abrange aos casos em que “se verifique
modificação da capacidade de ganho da vítima proveniente de agravamento,
recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou
quando se verifique aplicação de prótese ou ortopedia”), quer face à razão de
ser do sistema instituído.
Na verdade, no regime da Lei n.º 2127, o direito à
reparação por acidentes de trabalho, para além de prestações em espécie e
pagamento de indemnizações por incapacidades temporárias e de diversas
despesas, só originava o pagamento de pensões: (i) para o sinistrado, em caso
de incapacidade permanente (absoluta ou parcial), nos termos da Base XVI, n.º 1,
alíneas a), b) e c) [que dispunha: “1 – Se do acidente resultar redução na
capacidade de trabalho ou ganho da vítima, esta terá direito às seguintes
prestações: a) Na incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer
trabalho: pensão vitalícia igual a 80 por cento de retribuição‑base, acrescida
de 10 por cento por cada familiar em situação equiparada à que legalmente
confere direito a abono de família, até ao limite de 100 por cento da mesma
retribuição; b) Na incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual:
pensão vitalícia compreendida entre metade e dois terços da retribuição‑base,
conforme a maior ou menos capacidade funcional residual para o exercício de
outra actividade compatível; c) Na incapacidade permanente e parcial: pensão
vitalícia correspondente a dois terços da redução sofrida na capacidade geral de
ganho”]; (ii) para os familiares da vítima, se do acidente tiver resultado a
morte, nos termos da Base XIX, que dispunha:
“1. Se do acidente resultar a morte, os familiares da vítima
receberão as seguintes pensões anuais:
a) Viúva, se tiver casado antes do acidente: 30 por cento da
retribuição‑base da vítima até perfazer 65 anos, e 40 por cento a partir desta
idade ou no caso de doença física ou mental que afecte sensivelmente a sua
capacidade de trabalho;
b) Viúvo, se tiver casado antes do acidente e estiver afectado de
doença física ou mental que lhe reduza sensivelmente a capacidade de trabalho,
ou se for de idade superior a 65 anos à data da morte da mulher, enquanto se
mantiver no estado de viuvez: 30 por cento da retribuição‑base da vítima;
c) Cônjuge divorciado ou judicialmente separado à data do acidente,
com direito a alimentos: a pensão estabelecida nas alíneas anteriores e nos
mesmos termos, até ao limite do montante dos alimentos;
d) Filhos legítimos ou legitimados, incluindo os nascituros, nas
condições da lei civil, até perfazerem 18 anos, ou 21 e 24 enquanto
frequentarem, com aproveitamento, respectivamente, o ensino médio ou superior, e
os afectados de doença física ou mental que os incapacite para o trabalho: 20
por cento da retribuição‑base da vítima se for apenas um, 40 por cento se forem
dois e 50 por cento se forem três ou mais, recebendo o dobro destes montantes,
até ao limite de 80 por cento do salário da vítima, se forem órfãos de pai e
mãe;
e) Ascendentes e quaisquer parentes sucessíveis até aos 18 anos, ou
21 e 24 enquanto frequentarem, com aproveitamento, respectivamente, o ensino
médio ou superior, ou sem limite de idade quando afectados de doença física ou
mental que os incapacite sensivelmente para o trabalho, desde que a vítima
contribuísse, com carácter de regularidade, para a sua alimentação: a cada um 10
por cento da retribuição‑base da vítima, não podendo o total das pensões exceder
30 por cento.
2. Se não houver cônjuge ou filhos com direito a pensão, os parentes
incluídos na alínea e) do número anterior, e nas condições nela referidas,
receberão, cada um, 15 por cento da retribuição‑base da vítima, até perfazerem
65 anos, e 20 por cento a partir desta idade ou no caso de doença física ou
mental que os incapacite sensivelmente para o trabalho, não podendo o total das
pensões exceder 80 por cento da retribuição‑base da vítima, para o que se
procederá a rateio, se necessário.
3. Se a viúva passar a segundas núpcias, receberá, por uma só vez, o
triplo da pensão anual. Se tiver porte escandaloso, perderá o direito à pensão.
4. (…)
5. (…).”
A redacção desta Base foi alterada pela Lei n.º 22/92,
de 14 de Agosto, tendo passado a dispor:
“1 – Se do acidente de trabalho ou da doença profissional resultar a
morte, os familiares da vítima receberão as seguintes pensões anuais:
a) Cônjuge – 30% da remuneração base da vítima até perfazer a idade
de reforma por velhice e 40% a partir daquela idade ou no caso de doença física
ou mental que afecte sensivelmente a sua capacidade de trabalho;
b) Cônjuge divorciado ou separado judicialmente à data do acidente e
com direito a alimentos – o valor da pensão estabelecida na alínea a) até ao
limite do quantitativo dos alimentos judicialmente fixado;
c) Filhos, incluindo os nascituros, até perfazerem 18 ou 22 e 25
anos, enquanto frequentarem, respectivamente, o ensino secundário ou curso
equiparado ou o ensino superior, e os afectados de doença física ou mental que
os incapacite para o trabalho – 20% da retribuição base da vítima se for apenas
um, 40% se forem dois, 50% se forem três ou mais, recebendo o dobro destes
montantes, até ao limite de 80% da retribuição da vítima, se forem órfãos de pai
e mãe;
d) Ascendentes e quaisquer parentes sucessíveis, estes até aos 18 ou
22 e 25 anos, enquanto frequentarem, respectivamente, o ensino secundário ou
curso equiparado ou o ensino superior, ou sem limite de idade quando afectados
de doença física ou mental que os incapacite sensivelmente para o trabalho,
desde que a vítima contribuísse com regularidade para o seu sustento – a cada,
10% da retribuição base da vítima, não podendo o total das pensões exceder 30%
desta.
2 – Se não houver cônjuge ou filhos com direito a pensão, os
parentes incluídos na alínea d) do número anterior, e nas condições nela
referidas, receberão, cada um, 15% da retribuição base da vítima, até
perfazerem a idade da reforma por velhice, e 20% a partir desta idade ou no caso
de doença física ou mental que os incapacite sensivelmente para o trabalho, não
podendo o total das pensões exceder 80% da retribuição base da vítima, para o
que se procederá a rateio, se necessário.
3 – O cônjuge sobrevivo que contraia casamento tem direito a
receber, por uma só vez, o triplo do valor da pensão anual.
4 – (…)
5 – (…).”
Como se referiu no recente Acórdão n.º 410/2008, na base
da atribuições das pensões previstas na referida Base XIX “estava o propósito de
compensar esses familiares do prejuízo decorrente da perda de rendimentos
derivada da morte do trabalhador sinistrado, exigindo‑se, nuns casos (…), a
prova de que o sinistrado falecido lhes prestava alimentos, e, noutros casos
(…), presumindo‑se legalmente essa prestação”.
Diferentemente do carácter vitalício das pensões devidas
ao sinistrado no caso de incapacidades permanentes (que só seriam extintas, nos
termos da Base XXII, se, em incidente de revisão, se viesse a apurar melhoria
das lesões em termos de deixar de existir incapacidade permanente), as pensões
a que os familiares tinham direito só assumiam esse carácter vitalício no caso
de os beneficiários serem cônjuges ou ascendentes do sinistrado; quanto aos
filhos e outros parentes sucessíveis, a pensão extinguir‑se‑ia quando
perfizessem 18 anos ou 21 e 24, enquanto frequentarem, com aproveitamento,
respectivamente, o ensino médio ou superior (redacção originária da Lei n.º
2127; na redacção da Lei n.º 22/92: quando perfizessem 18 anos ou 22 e 25 anos,
enquanto frequentarem, respectivamente, o ensino secundário ou curso equiparado
ou o ensino superior), mas já seria tendencialmente vitalícia se os filhos e
outros parentes sucessíveis estivessem afectados de doença física ou mental que
os incapacitasse (ou os incapacitasse sensivelmente) para o trabalho.
Para este efeito, assume especial relevância o disposto
no artigo 55.º (“Incapacidade dos beneficiários de pensões por morte”) do
Decreto n.º 360/71, de 21 de Agosto (que regulamentou a Lei n.º 2127):
“1 – Consideram‑se sensivelmente afectados na sua capacidade de
trabalho, para os fins previstos na Base XIX, os familiares da vítima que
sofram doença física ou mental que lhes reduza definitivamente a sua capacidade
geral de ganho em mais de 0,75.
2 – Tem‑se por definitiva a incapacidade de ganho mencionada no
número anterior quando seja de presumir que a doença não terá evolução
favorável nos três anos subsequentes à data do seu reconhecimento.
3 – Surgindo dúvidas sobre a incapacidade referida nos números
antecedentes, será esta fixada pelo tribunal.”
As regras destes n.ºs 1, 2 e 3 foram reproduzidas nos
n.ºs 4, 5 e 6 do artigo 49.º da Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, cujo artigo 20.º
manteve essencialmente o regime de atribuição de pensões por morte de
sinistrado do trabalho constante da anterior lei.
Destes elementos resulta que, enquanto nas pensões de
que é titular o próprio sinistrado (casos de incapacidades permanentes), o
carácter absoluto (“para todo e qualquer trabalho” ou “para o trabalho
habitual”) ou parcial da incapacidade, e, na parcial, o respectivo grau, tem
directa repercussão na determinação do próprio montante da pensão, nas pensões
de que sejam titulares outros parentes sucessíveis da vítima mortal de acidente
de trabalho com fundamento em estarem afectados de doença física ou mental que
os afecte sensivelmente para o trabalho (e verificada a condição de a vítima
contribuir, com carácter de regularidade, para a sua alimentação) não existe
qualquer ligação directa entre a variação da gravidade da doença e a
determinação do montante da pensão: verificada aquela afecção, a pensão
corresponde a 10% da retribuição‑base da vítima, não variando consoante a
maior ou menor gravidade da doença.
Neste contexto, o disposto na questionada Base XXII da
Lei n.º 2127 surge como especificamente vocacionado, não só pelo seu teor
literal, mas também por elementos lógicos, para a revisão do grau de
incapacidade do sinistrado, com directa repercussão na determinação do montante
da pensão a que tem direito, e já não para o apuramento da extinção da situação
de doença física ou mental que afectasse sensivelmente a capacidade de trabalho
dos familiares de vítima mortal de acidente de trabalho. [A nível do direito
processual laboral registou‑se a seguinte evolução: (i) o incidente de revisão
da incapacidade regulado nos artigos 142.º a 144.º do Código de Processo do
Trabalho (CPT) de 1963 (aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 45 497, de 20 de Dezembro
de 1963) respeitava apenas a revisão da incapacidade da vítima de acidente de
trabalho ou de doença profissional; (ii) o CPT de 1981 (aprovado pelo
Decreto‑Lei n.º 272‑A/81, de 30 de Setembro), a par do incidente de revisão da
incapacidade do sinistrado ou doente (artigos 147.º a 149.º), veio dispor, no
n.º 1 do artigo 150.º, que “quando o beneficiário da pensão por morte requeira a
revisão com fundamento em superveniência de doença física ou mental que afecte a
sua capacidade de ganho, observar‑se‑á o disposto no artigo 155.º” (artigo que
determinava o processamento por apenso ao processo a que disser respeito), e no
n.º 2 do mesmo artigo 150.º que “se o aumento da pensão depender de facto que só
possa ser provado documentalmente, o juiz, feita a prova e ouvida a parte
contrária, se o entender, decidirá sem mais formalidades”, regulando o artigo
154.º o incidente destinado à declaração da caducidade do direito a pensões “em
razão da idade, morte ou segundas núpcias”; (iii) o actual CPT, aprovado pelo
Decreto‑Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro, reproduz essencialmente, nos artigos
147.º e 152.º, o disposto, respectivamente, nos artigo 150.º e 154.º do CPT de
1981, com aditamento, no artigo 152.º, de referência à caducidade do direito à
pensão em razão de “união de facto”, mas continuando a não prever expressamente
a perda do direito à pensão por cessação da situação de doença física ou mental
que afectasse sensivelmente a capacidade de ganho do familiar de vítima mortal
de acidente de trabalho, titular da pensão.]
Seja como for, tem o Tribunal Constitucional de aceitar
como um dado da questão de constitucionalidade que lhe compete apreciar a
interpretação normativa acolhida na decisão recorrida e esta foi – se correcta,
se incorrectamente, não cumpre aqui analisar – a de que o determinado no n.º 2
da Base XXII da Lei n.º 2127 é aplicável ao pedido de revisão de pensão de
familiar (irmão) de vítima mortal de acidente de trabalho, que contribuía
regulamente para a sua alimentação, pensão que lhe fora atribuída por ele
padecer de doença mental que o incapacitava sensivelmente para o trabalho.
2.2. O acórdão recorrido recusou a aplicação da norma
que entendeu aplicável ao caso por a reputar violadora do princípio da
igualdade, tomando como termo de comparação a norma, que emanaria dos juízos de
inconstitucionalidade constantes dos Acórdãos n.ºs 147/2006 e 59/2007 deste
Tribunal, segundo a qual não está sujeito ao prazo preclusivo de 10 anos,
contados a partir da data da fixação inicial da pensão, o pedido de revisão da
pensão devida ao sinistrado por acidente de trabalho, com fundamento em
agravamento superveniente das lesões sofridas.
Anteriormente a essas decisões, o Tribunal
Constitucional teve oportunidade de se pronunciar sobre a norma do n.º 2 da Base
XXII da Lei n.º 2127 no Acórdão n.º 155/2003 (Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 55.º vol., p. 701), tendo emitido juízo de não
inconstitucionalidade das dimensões normativas aí em causa, com a seguinte
fundamentação:
“A questão de constitucionalidade em causa no presente recurso
cinge‑se (…) à norma da primeira parte do n.º 2 do Base XXII da Lei n.º 2127,
que só permite o requerimento de revisão das prestações devidas por acidente de
trabalho nos dez anos posteriores à data da fixação da pensão. Segundo o
recorrente, tal norma violaria o princípio da igualdade numa dupla perspectiva:
(i) em comparação com os sinistrados que, tendo requerido uma primeira revisão
dentro dos primeiros dez anos, ficariam habilitados, segundo certo entendimento
jurisprudencial, a requerer indefinidamente sucessivas revisões, desde que
formuladas, cada uma delas, antes de decorrido um decénio sobre a precedente
revisão; e (ii) ao não conferir tratamento diferenciado aos casos em que a
pensão é fixada na menoridade do sinistrado, em situações em que não é possível
aferir, com exactidão, quais as sequelas futuras da incapacidade.
2.2. Como este Tribunal tem repetidamente afirmado, «o princípio da
igualdade, como parâmetro de apreciação da legitimidade constitucional do
direito infraconstitucional, impõe que situações materialmente semelhantes sejam
objecto de tratamento semelhante e que situações substancialmente diferentes
tenham, por sua vez, tratamento diferenciado»; mas «tal não significa (...) que
não exista uma certa margem de liberdade na conformação legislativa das várias
soluções concretamente consagradas, e até que não se reconheça a possibilidade
de o legislador consagrar, em face de uma dada categoria de situações, uma
solução que se afaste da solução prevista para outras constelações de casos
semelhantes», desde que seja «identificável um outro valor, também ele com
ressonância constitucional, que imponha ou, pelo menos, justifique e torne
razoável a diferenciação» (cf. Acórdão n.º 113/2001, no Diário da República, II
Série, n.º 96, de 24 de Abril de 2001, pág. 7247, e em Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 49.º volume, pág. 435).
A possibilidade de revisão das prestações devidas por acidentes de
trabalho quando o estado de saúde do sinistrado conheça evolução, quer no
sentido do agravamento, quer no da melhoria, modificando‑se a sua capacidade de
ganho, foi prevista, pela primeira vez, no artigo 33.º do Decreto n.º 4288, de
22 de Maio de 1918. O artigo 24.º da Lei n.º 1942, de 27 de Julho de 1936,
introduziu a exigência de o requerimento da revisão das pensões por
incapacidade permanente, com fundamento em modificação na capacidade geral de
ganho da vítima do acidente, ser formulado «durante o prazo de cinco anos, a
contar da data da homologação do acordo ou do trânsito em julgado da sentença»
e «desde que, sobre a data da fixação da pensão ou da última revisão, t[ivessem]
decorrido seis meses, pelo menos».
A Lei n.º 2127, na sua Base XXII, permitiu a revisão das várias
«prestações» (incluindo, assim, as reparações em espécie) e não apenas das
«pensões por incapacidade permanente», alargou de cinco para dez anos o prazo
durante o qual a revisão pode ser requerida e possibilitou a sua formulação
«uma vez em cada semestre, nos dois primeiros anos, e uma vez por ano, nos anos
imediatos».
O regime dessa Lei, com adaptações de pormenor, foi reproduzido no
novo regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais,
constante da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, cujo artigo 25.º dispõe:
«1. Quando se verifique modificação da capacidade de ganho do
sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou
doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de
prótese ou ortótese, ou ainda de formação ou reconversão profissional, as
prestações poderão ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, de
harmonia com a alteração verificada.
2. A revisão só poderá ser requerida dentro dos 10 anos posteriores
à data da fixação da pensão, uma vez em cada semestre, nos dois primeiros anos,
e uma vez por ano, nos anos imediatos.
3. Nos casos de doenças profissionais de carácter evolutivo não é
aplicável o disposto no número anterior, podendo requerer-se a revisão em
qualquer tempo; mas, nos dois primeiros anos, só poderá ser requerida uma vez no
fim de cada ano.»
Os condicionamentos temporais estabelecidos na Lei n.º 2127 e
mantidos na Lei n.º 100/97 surgiram da «verificação da experiência médica
quotidiana de que os agravamentos como as melhorias têm uma maior incidência
nos primeiros tempos (daí a fixação dos dois anos em que é possível requerer
mais revisões), decaindo até decorrer um maior lapso de tempo (que o legislador
fixou generosamente em dez anos)» (cf. Carlos Alegre, Regime Jurídico dos
Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais, Coimbra, 2000, pág. 128).
Neste contexto, não se reveste de flagrante desrazoabilidade o
entendimento do legislador ordinário de que, dez anos decorridos sobre a data
da fixação da pensão (que pressupõe a prévia determinação do grau de
incapacidade permanente que afecta o sinistrado), sem que se tenha registado
qualquer evolução justificadora de pedido de revisão, a situação se deva ter
por consolidada. Diferente seria a situação de, nesse lapso de tempo, terem
ocorrido pedidos de revisão, que determinaram o reconhecimento judicial da
efectiva alteração da capacidade de ganho de vítima, com a consequente
modificação da primitiva determinação do grau de incapacidade, o que indiciaria
que a situação não se poderia ter por consolidada. Não ocorreria, assim,
violação do princípio da igualdade na primeira perspectiva assinalada. Com
efeito, mesmo a aceitar‑se como correcto – questão sobre a qual não cumpre
tomar posição – o entendimento jurisprudencial, invocado pelo recorrente,
segundo o qual os sinistrados que requereram uma primeira revisão dentro dos
primeiros dez anos podiam requerer sucessivas revisões, desde que formuladas,
cada uma delas, antes de decorrido um decénio sobre a precedente revisão, ele
respeitaria a situações diversas daquelas em que decorrera por completo o prazo
de dez anos desde a data da fixação da pensão sem que tivesse sido requerida
qualquer revisão. Existiria, no primeiro grupo de situações, um factor de
instabilidade, que não ocorreria no segundo grupo, o que não permitiria
considerar como constitucionalmente ilegítima a apontada diferenciação de
regimes.
Já mereceria melhor ponderação a questionada violação do princípio
da igualdade na segunda perspectiva apontada. Na verdade, se o prazo de dez anos
sem formulação de pedidos de revisão pode ser considerado como suficiente para
reputar como consolidado o juízo sobre o grau de incapacidade permanente,
quando este juízo respeita a um sinistrado adulto, já seria questionável se esse
prazo continuaria a ser suficiente nos casos em que o acidente e a fixação da
incapacidade respeitam a um menor, ainda na adolescência (como aconteceu com o
recorrente, que sofreu o acidente quando tinha 14 anos de idade), em plena fase
de crescimento físico, isto é, com formação corporal longe de estar completa e
em que, por isso, são mais plausíveis alterações no grau de incapacidade. Isto
é, seria questionável se, atenta a diferenciação das situações de facto, não se
imporia ao legislador, por respeito ao princípio da igualdade, introduzir
diferenciações de regime jurídico.
Acontece, porém, que, no presente caso, o recorrente não apenas não
apresentou o pedido de revisão da pensão no prazo de dez anos posterior à data
da fixação da pensão (data que as instâncias, nestes autos, têm reportado à data
do trânsito em julgado do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, ponto que
não é incontroverso, havendo quem reporte tal data à data da alta definitiva ou
da cura clínica, à data do exame médico-legal ou à data do despacho
homologatório do acordo ou da sentença que fixou a pensão – cf. Carlos Alegre,
obra citada, pág. 128), como nem sequer o fez nos dez anos posteriores à data
em que atingiu a maioridade, só o formulando em 29 de Outubro de 1996, quando já
tinha 39 anos de idade (nasceu em 22 de Junho de 1957). Ora, nunca um hipotético
juízo de inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade, que este
Tribunal Constitucional pudesse emitir relativamente ao prazo do pedido de
revisão de pensões fixadas na menoridade do sinistrado poderia ter o alcance de
fazer dilatar aquele prazo até à idade em que o recorrente a formulou, pelo
que, atento o carácter instrumental do recurso de constitucionalidade, não há
interesse em apreciar a existência de fundamento para a eventual prolação desse
juízo.”
O Acórdão n.º 147/2006 (Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 64.º vol., p. 669) – que julgou inconstitucional, por violação
do direito do trabalhador à justa reparação, consagrado no artigo 59.º, n.º 1,
alínea f), da CRP, a norma do n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto
de 1965, “interpretada no sentido de consagrar um prazo absolutamente
preclusivo de 10 anos, contados a partir da data da fixação inicial da pensão,
para a revisão da pensão devida ao sinistrado por acidente de trabalho, com
fundamento em agravamento superveniente das lesões sofridas, nos casos em que
desde a fixação inicial da pensão e o termo desse prazo de 10 anos tenham
ocorrido actualizações da pensão, por se ter dado como provado o agravamento das
lesões sofridas pelo sinistrado” –, depois de referenciar o decidido no Acórdão
n.º 155/2003, desenvolveu a seguinte fundamentação:
“12 – Da leitura do Acórdão n.º 155/2003, de 19 de Março, acabado de
transcrever, resulta claramente que o Tribunal Constitucional apreciou, porque
tal correspondia ao suscitado pelo então recorrente, as seguintes questões de
constitucionalidade:
– a eventual desigualdade de tratamento entre um sinistrado por
acidente laboral que tenha requerido a revisão da pensão no período de dez anos
após a sua fixação e outro que o não tenha feito – pois que o primeiro poderia
(pelo menos, na perspectiva do então recorrente) requerer nova revisão passados
esses dez anos e o segundo não o poderia fazer;
– a eventual desigualdade de tratamento entre um sinistrado por
acidente laboral cuja pensão tivesse sido fixada na sua maioridade e outro cuja
pensão tivesse sido fixada na sua menoridade – pois que, em relação ao segundo,
a circunstância de a respectiva formação corporal ainda não estar completa
tornaria mais plausíveis alterações no grau de incapacidade, justificando, como
tal, um regime de revisão da pensão mais permissivo.
O Tribunal afastou a violação do princípio da igualdade por entender
que, no caso então em apreciação, «não se reveste de flagrante desrazoabilidade
o entendimento do legislador ordinário de que, dez anos decorridos sobre a data
da fixação da pensão (que pressupõe a prévia determinação do grau de
incapacidade permanente que afecta o sinistrado), sem que se tenha registado
qualquer evolução justificadora de pedido de revisão, a situação se deva ter por
consolidada» (itálico no original).
Todavia, o Tribunal não deixou de considerar que «diferente seria a
situação de, nesse lapso de tempo, terem ocorrido pedidos de revisão, que
determinaram o reconhecimento judicial da efectiva alteração da capacidade de
ganho da vítima, com a consequente modificação da primitiva determinação do grau
de incapacidade, o que indiciaria que a situação não se poderia ter por
consolidada».
Coloca‑se portanto a questão de saber se no presente processo é de
reiterar a conclusão no sentido da inexistência de inconstitucionalidade da
norma do n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965,
designadamente com a fundamentação transcrita.
13 – Importa começar por sublinhar que, na averiguação da
conformidade constitucional da solução limitativa, actualmente consagrada na
interpretação normativa em apreço, o que está em questão não é qualquer
imposição constitucional de uma ilimitada possibilidade de revisão das pensões
devidas por acidente de trabalho. Por outras palavras, não está em causa a
apreciação de uma eventual tese segundo a qual qualquer regime de caducidade ou
de prescritibilidade do direito de pedir a revisão das pensões devidas por
acidente de trabalho seria inconstitucional.
Não constitui, assim, objecto do presente processo apurar se a não
caducidade ou a imprescritibilidade do direito de pedir a revisão das pensões
devidas por acidente de trabalho corresponde à única solução
constitucionalmente conforme.
No presente recurso está apenas em questão o concreto limite
temporal que resulta da interpretação perfilhada na decisão recorrida – isto é,
nos termos da qual o n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965,
consagra um prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a partir da data
da fixação inicial da pensão, para a revisão da pensão devida ao sinistrado por
acidente de trabalho, com fundamento em agravamento superveniente das lesões
sofridas.
Mais concretamente ainda – e porque se trata de um recurso de
fiscalização concreta de constitucionalidade –, no presente processo está
apenas em apreciação o prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a
partir da data da fixação inicial da pensão, para a revisão da pensão devida ao
sinistrado por acidente de trabalho, com fundamento em agravamento
superveniente das lesões sofridas, num caso em que desde a fixação inicial da
pensão e o termo desse prazo de 10 anos ocorreram diversas actualizações da
pensão, por se ter dado como provado o agravamento das lesões sofridas pelo
sinistrado.
14 – Ora, assim equacionada a questão, importa, desde logo, começar
por apreciá‑la, no quadro do instituto da «revisão das pensões», perante o
direito consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição.
O instituto da revisão das pensões «é o resultado da verificação
prática de muitas situações em que o estado de saúde do sinistrado, como
consequência directa do acidente, evolui, quer no sentido do agravamento, quer
no da melhoria, modificando‑se, por isso, a sua capacidade de ganho», como
assinala Carlos Alegre (Acidentes de trabalho: notas e comentários à Lei n.º
2127, Coimbra, Almedina, 1995, p. 101).
Esta observação, aparentemente feita apenas a propósito da revisão
das pensões por acidentes de trabalho, parece igualmente extensível à revisão
das pensões por doenças profissionais, não só porque em relação a estas também
pode naturalmente verificar‑se a referida evolução, como também porque,
determinando o n.º 2 da Base I da Lei n.º 2127 a aplicação, às doenças
profissionais, das normas relativas aos acidentes de trabalho, sem prejuízo das
que só a elas especificamente respeitem, o instituto da revisão das pensões é,
em princípio, comum às pensões por acidente de trabalho e às pensões por doença
profissional.
Em suma, o instituto da revisão das pensões justifica‑se, quer nos
casos de pensões por acidentes de trabalho, quer nos casos de pensões por
doenças profissionais, pela necessidade de adaptar tais pensões à evolução do
estado de saúde do titular da pensão, quando este se repercuta na sua capacidade
de ganho.
Assegura‑se assim o direito constitucional do trabalhador à justa
reparação – direito previsto no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição
–, pois que a revisão da pensão permite ressarcir danos futuros não considerados
no momento da fixação da pensão ou, no caso de não produção dos danos que se
anteciparam, reduzir o montante da indemnização aos danos que a final se
produziram.
Justificando‑se a revisão, quanto a ambas as categorias de pensões,
em atenção à referida necessidade de adaptação à evolução do estado de saúde do
seu titular, o prazo preclusivo de dez anos ora em análise só poderia encontrar
algum fundamento se, em relação às pensões por acidentes de trabalho, não fosse
concebível que o estado de saúde do sinistrado pudesse evoluir passados esses
dez anos.
Tal fundamento não é, porém, minimamente plausível. É evidente –
como, aliás, realça o Ministério Público nas alegações – que nada impede a
progressão da lesão ou da doença uma vez decorrido o prazo de dez anos após a
fixação da pensão, quer a respectiva causa seja um acidente de trabalho quer
seja uma doença profissional.
Sendo possível essa progressão em ambos os casos, só uma concepção
que considerasse a vítima de doença profissional digna de maior tutela do que o
sinistrado por acidente de trabalho permitiria entender a existência de um prazo
preclusivo apenas no caso da revisão da pensão deste último.
Esta concepção é, porém, de rejeitar liminarmente. Para além de não
assentar, tal com aquela a que anteriormente se fez referência, em qualquer
fundamento racional, ela sempre esqueceria que a norma constitucional que prevê
o direito dos trabalhadores à assistência e justa reparação, quando vítimas de
acidente de trabalho ou de doença profissional (o referido artigo 59.º, n.º 1,
alínea f), da Constituição), não distingue a vítima de acidente de trabalho face
à vítima de doença profissional, no que se refere à reparação.
Poderia porventura aventar‑se a hipótese de à norma ora em análise
estar subjacente um critério de contenção de custos, atendendo a que o sistema
português de responsabilidade por acidentes de trabalho assenta – ou, pelo
menos, assentava durante a vigência dessa norma – «numa óptica de
responsabilidade privada polarizada nas entidades patronais e suas seguradoras»
(sobre esse sistema e sobre o sistema de responsabilidade no caso das doenças
profissionais, veja‑se Vítor Ribeiro, Acidentes de trabalho: reflexões e notas
práticas, Lisboa, Rei dos Livros, 1984, p. 157‑160).
Mas tal critério, como é óbvio, não consubstancia também qualquer
fundamento racional. Desde logo, não se alcançaria por que motivo a tutela do
direito do trabalhador à justa reparação deve ficar condicionada a um critério
de contenção de custos apenas no caso de acidente de trabalho.
Alguma doutrina que se pronunciou a propósito do prazo preclusivo
ora em análise chegou a sustentar que «seria de todo justo e vantajoso que, em
futura alteração da lei, se eliminasse qualquer prazo limite para a
possibilidade de revisão» (Carlos Alegre, ob. cit., p. 105). Também a propósito
de preceito similar da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, actualmente em vigor,
se defendeu não existirem «razões para limitar o prazo de revisão nos acidentes
de trabalho» (Paulo Morgado de Carvalho, «Um olhar sobre o actual regime
jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais: Benefícios e
Desvantagens», in Questões Laborais, ano X, n.º 21, 2003, p. 74 e ss, p. 89).
Impõe‑se, assim, a conclusão de que a interpretação normativa em
apreço – ao considerar a existência de um prazo absolutamente preclusivo de 10
anos, contados a partir da data da fixação inicial da pensão, para a revisão da
pensão devida ao sinistrado por acidente de trabalho, com fundamento em
agravamento superveniente das lesões sofridas, e ao não permitir, em caso algum,
a revisão de tal pensão, num caso em que desde a fixação inicial da pensão e o
termo desse prazo de 10 anos ocorreram diversas actualizações da pensão, por se
ter dado como provado o agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado – não
tem subjacente qualquer fundamento racional e contraria o disposto no artigo
59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição.
Estabelecendo a Constituição, neste preceito, um direito fundamental
dos trabalhadores à «assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente
de trabalho ou de doença profissional», não é constitucionalmente aceitável,
como refere o Ministério Público, que o direito infraconstitucional venha
«fragilizar a posição jurídica do sinistrado em acidente laboral,
inviabilizando‑lhe a obtenção do ressarcimento justo e adequado por danos
futuros que – causalmente ligados ao sinistro – sejam supervenientes em relação
à data fixada na norma objecto do presente recurso», desde que, naturalmente,
não se mostre excedido o prazo de prescrição da obrigação de indemnizar por
acidente de trabalho ou doença profissional.
Tanto basta para concluir que o presente recurso merece provimento.”
Juízos de inconstitucionalidade idênticos ao formulado
no Acórdão n.º 147/2006, e com adesão à fundamentação neste desenvolvida, foram
proferidos no Acórdão n.º 59/2007 e na Decisão Sumária n.º 390/2008, em casos em
que, no decurso do prazo de 10 anos após a fixação da pensão inicial, também
tinham ocorrido actualizações da pensão inicialmente fixada, na sequência de
revisões que demonstraram o agravamento da incapacidade dos sinistrados seus
titulares.
2.3. Como precedentemente se explicitou, o poder de
cognição do Tribunal Constitucional está limitado, no presente recurso, à
questão da inconstitucionalidade, com fundamento em violação do princípio da
igualdade, do critério normativo, que as instâncias extraíram da Base XXII, n.º
2, da Lei n.º 2127, segundo o qual o pedido, formulado pela entidade
responsável pelo seu pagamento, de revisão de pensão atribuída a familiar de
vítima mortal de acidente de trabalho, para cuja alimentação este contribuía
regularmente e que se encontrava afectado de doença mental que o incapacitava
sensivelmente para o trabalho, só pode ser formulado nos dez anos posteriores à
data da fixação da pensão, em confronto com o critério normativo, decorrente dos
juízos de inconstitucionalidade emitidos nos Acórdãos n.ºs 147/2006 e 59/2007 do
Tribunal Constitucional, segundo o qual o pedido, formulado pelo sinistrado, de
revisão da pensão com fundamento em agravamento superveniente das lesões
sofridas, não está sujeito ao prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contado
a partir da data da fixação inicial da pensão, nos casos em que, no decurso
desse prazo, tenham ocorrido actualizações da pensão, por se ter dado como
provado o agravamento das lesões.
Assim delineada, a questão de inconstitucionalidade não
pode deixar de se considerar improcedente.
Na verdade, só se poderia considerar violado o princípio
da igualdade, enquanto dirigido ao “legislador”, na dimensão de proibição do
arbítrio – que torna “inadmissíveis, quer diferenciações de tratamento sem
qualquer justificação razoável, de acordo com critérios de valor objectivos,
constitucionalmente relevantes, quer a identidade de tratamento para situações
manifestamente desiguais” – se as duas situações em confronto fossem
essencialmente idênticas, ou, dito de outro modo, se numa e noutra estivessem
presentes os mesmos elementos, constitucionalmente relevantes, que reclamassem
igualdade de tratamento.
Não é esse, manifestamente, o caso em análise, ocorrendo
diferenciações relevantes, desde logo, na qualidade dos requerentes da revisão
da incapacidade, visando a revisão da pensão: nos casos sobre que recaíram os
Acórdãos n.ºs 147/2006 e 59/2007, estava em causa o direito, objecto de expressa
e específica protecção constitucional, à “justa reparação” das vítimas de
acidente de trabalho (artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da CRP), protecção
constitucional esta que o Tribunal Constitucional tem considerado extensível
aos familiares das vítimas mortais de acidentes de trabalho [cf. Acórdãos n.ºs
438/2006 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 65.º vol., p. 573), 457/2006,
491/2006, 492/2006, 493/2006, 516/2006, 519/2006, 520/2006, 533/2006, 577/2006,
578/2006, 611/2006 e 268/2007, que julgaram inconstitucionais, por violação do
referido preceito constitucional, normas do Decreto‑Lei n.º 143/99, de 30 de
Abril, que impunham a remição obrigatória total de pensões vitalícias de
reduzido montante, atribuídas, por morte do trabalhador sinistrado, a familiares
seus]; no presente caso, está em causa o interesse patrimonial da seguradora,
sem dúvida juridicamente relevante, mas sem a protecção constitucional directa
de que beneficiam os sinistrados. Depois, um dos fundamentos determinantes dos
juízos de inconstitucionalidade emitidos nos referidos Acórdão radicou na
consideração de que a verificação de revisões da pensão inicial, no período de
dez anos posterior à sua fixação, por se ter provado o agravamento das lesões,
era um seguro indício de que a situação não se podia ter por consolidada, pelo
que surgia como desrazoável, sem fundamento racional e contrária ao disposto no
artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da CRP, a atribuição de efeito irremediavelmente
preclusivo do direito do sinistrado à revisão da incapacidade e da pensão ao
mero decurso do aludido prazo de dez anos, considerações que são manifestamente
intransponíveis para a situação em causa no presente recurso, em que, no aludido
período, nenhuma alteração da doença incapacitante do beneficiário da pensão foi
judicialmente verificada.
Conclui‑se, assim, sem necessidade de mais
considerações, que, atenta a distinta natureza das situações em confronto, não
se pode dar por verificada a violação do princípio constitucional da igualdade,
em que o acórdão recorrido se fundamentou para recusar a aplicação da norma que
considerou extraível do n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, pelo que se impõe a
revogação da decisão recorrida, na parte impugnada, com determinação da sua
reformulação em conformidade com o juízo de não inconstitucionalidade [sem
prejuízo, obviamente, de, se as instâncias assim o entenderem, a pretensão da
seguradora ser reapreciada à luz de outros fundamentos, designadamente da
alínea e) (d), na redacção da Lei n.º 22/92) do n.º 1 da Base XIX da Lei n.º
2127 e do artigo 55.º do Decreto n.º 360/71 (a que correspondem a alínea d) do
n.º 1 do artigo 20.º e os n.ºs 4, 5 e 6 do artigo 49.º da Lei n.º 143/99) e do
direito de acesso aos tribunais].
3. Decisão
Em face do exposto, decide‑se:
a) Não julgar inconstitucional, por violação do
princípio da igualdade, o critério normativo, que as instâncias extraíram da
Base XXII, n.º 2, da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, segundo o qual o
pedido, formulado pela entidade responsável pelo seu pagamento, de revisão de
pensão atribuída a familiar de vítima mortal de acidente de trabalho, para cuja
alimentação este contribuía regularmente e que se encontrava afectado de doença
mental que o incapacitava sensivelmente para o trabalho, só pode ser formulado
nos dez anos posteriores à data da fixação da pensão, em confronto com o
critério normativo segundo o qual o pedido, formulado pelo sinistrado, de
revisão da pensão com fundamento em agravamento superveniente das lesões
sofridas, não está sujeito ao prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contado
a partir da data da fixação inicial da pensão, nos casos em que, no decurso
desse prazo, tenham ocorrido actualizações da pensão, por se ter dado como
provado o agravamento das lesões; e, consequentemente,
b) Conceder provimento ao recurso, determinando‑se a
reformulação da decisão recorrida em conformidade com o precedente juízo de
constitucionalidade.
Sem custas.
Lisboa, 7 de Outubro de 2008.
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Silva Rodrigues
João Cura Mariano
Joaquim de Sousa Ribeiro
Rui Manuel Moura Ramos