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Processo nº 417/2007
3ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I
Relatório
1. Nos presentes autos, emergentes de uma acção de reivindicação intentada por
Herança de A., representada pelo então cabeça de casal B., contra C., Lda., foi,
em 15 de Junho de 2005, proferida a Decisão Sumária n.º 232/2005, por este
Tribunal Constitucional não poder conhecer do recurso que aquela interpusera do
acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Março de 2005.
Notificada desta decisão, Herança de A. veio, “ao abrigo e para os fins do
disposto nos artigos 269.° e 325.° e seguintes do CPC, chamar a intervir nesta
acção todos os demais herdeiros da referida herança, para integração do
litisconsórcio necessário em que se fundamentou a decidida absolvição da
instância da Ré C., Lda., que pôs termo ao processo”.
Tal pretensão foi indeferida por despacho proferido pelo Tribunal Judicial da
Comarca de Mesão Frio em 16 de Dezembro de 2005, com a seguinte fundamentação,
na parte que ora releva:
(…) a Herança Indivisa de A., tem personalidade judiciária, como património
autónomo, conferida pelo art.° 6.° do CPC, mas é destituída de personalidade
jurídica. Assim, só poderia estar em juízo representada, nos termos do disposto
no art.° 22.° do CPC, ou pelo cabeça de casal, nos casos previstos nos art.°s
2087.° e 2088.° e 2089.° do CC, ou por todos os herdeiros, nos demais casos
(cfr. art.° 2091.°).
Carece assim, a Herança Indivisa, de capacidade judiciária para, de per si,
formular pretensões em juízo.
Por outro lado, o incidente de intervenção principal visa permitir a
participação na lide de um terceiro que é titular de uma situação subjectiva
própria, mas paralela à alegada pelo autor ou pelo réu.
Tal intervenção pode ser suscitada por uma das partes na acção, ao abrigo do
disposto no art. 325° do C.P.C.
Nos termos do referido normativo, a intervenção principal provocada é admissível
quando qualquer das partes pretenda fazer intervir na causa um terceiro como seu
associado ou como associado da parte contrária, ou seja, quando qualquer das
partes pretenda chamar um litisconsorte voluntário ou necessário (cfr. Teixeira
de Sousa, “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, Lisboa, 1997, pág. 182).
Ora, no caso decidendo, não se verifica, dada a decisão proferida, a presença de
uma das partes na relação material controvertida, pelo que não estamos perante
um simples chamar outros interessados a intervir na demanda.
Vejamos, por decisão proferida nestes autos, transitada em julgado decidiu-se
que a legitimidade activa para intentar a acção de reivindicação cabia a todos
os herdeiros de A., nos termos do disposto nos art.°s 2091.º do Código Civil e
28.° do CPC.
E, a herança, não é parte, na presente demanda, pois sendo a legitimidade um
pressuposto processual, que consiste na susceptibilidade de ser parte, e estando
decidido, que in casu, essa susceptibilidade cabe a todos os herdeiros, carece
desde logo também a herança indivisa de legitimidade para formular tal
pretensão, pois não é parte nos presentes autos.
Todavia, tal pretensão poderia ser exercida por um dos herdeiros, que ainda
permanecesse na lide, visando assim chamar os demais para suprir uma situação de
litisconsórcio necessário, garantindo assim a legitimidade plural do lado
activo, como acontece no caso da acção, sob pena de legitimidade ad causum dever
ser intentada por uma pluralidade de interessados, e algum deles recusa o
accionamento, e o outro ou outros accionam e chamam o ou os recusantes para a
intervenção principal (vd. Salvador da Costa, in Incidentes de Instância, 2.ª
edição, pág. 103).
Mas na verdade, actualmente, atento o óbito do cabeça de casal, também
co‑herdeiro, B., cujos sucessores não foram habilitados, constata-se que nenhum
dos herdeiros está presente na lide, pretendendo assim, a herança, que não é
parte, nem tem de per si, capacidade judiciária, provocar nos autos, um
chamamento, a fim de assumirem a qualidade de Autores, todos os titulares da
relação material controvertida, ou seja, todos os herdeiros que representam a
Herança de A., que são afinal partes legítimas nesta causa.
Ora, este não é escopo do incidente da intervenção provocada previsto no art.°
325.° do CPC, pois esta figura pressupõe que esteja na lide pelo menos um dos
titulares da relação material controvertida, que não é como vimos, o caso dos
autos.
A intervenção litisconsorcial provocada pressupõe que entre a parte que suscita
o incidente e o terceiro chamado a intervir existe um interesse litisconsorcial
desencadeando consequentemente uma situação de litisconsórcio necessário ou
voluntário sucessivo.
Havendo interesse litisconsorcial entre uma das partes e o terceiro
interveniente quanto ao objecto da acção, ou seja, sendo ambos contitulares da
relação material controvertida, pode o A chamar o(s) outro(s) autores.
E é essa relação e esse interesse que faltam à A, Herança no caso sub judice.
Efectivamente o interesse e relação litisconsorcial necessária verifica-se, in
casu, em relação aos herdeiros da herança, mas não se verifica entre
Herança/herdeiros, como se viu.
Por todo o exposto, não se encontrando reunidos os pressupostos de
admissibilidade da intervenção principal provocada previstos no art.° 325.° do
CPC, uma vez que se pretende a intervenção nos autos de todos os titulares da
relação jurídica controvertida, já que nos autos não se encontra agora, nenhum
desses titulares, indeferem-se os requeridos chamamentos de todos os herdeiros
da referida herança.
Consequentemente, indefere-se a pretensão de renovação da Instância Extinta
formulada pela Herança Indivisa de A. ao abrigo do disposto no art.° 269.° n.° 2
do CPC, uma vez que este depende da admissibilidade da intervenção provocada,
nos termos do art.° 325.° do CPC.
Notificada deste despacho, a requerente veio pedir a aclaração do mesmo, tendo,
em 9 de Fevereiro de 2006, sido proferido despacho a indeferir o pedido de
aclaração formulado, afirmando-se na respectiva fundamentação, entre o mais, que
“não é pelo simples facto de ser considerada parte ilegítima, como aí é já
explanado, que a parte pode lançar mão da figura de renovação da instância, como
pretende fazer crer a reclamante, pelo que neste tocante carece de fundamento o
requerido.”
Inconformada, Herança de A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação do
Porto, concluindo nas alegações de recurso que apresentou, no que ora releva:
(…)
(6) É, de resto, inconstitucional, por violar o princípio da igualdade,
consignado no artigo 13°, n° 1, da CRP, bem como o direito de tutela
jurisdicional efectiva, consignado no artigo 20°, n° 1, da CRP, a aplicação do
n° 2 do artigo 269° do CPC interpretado no sentido de, no caso, a Autora não
poder fazer uso da faculdade nesse normativo prevenida.
(7) Com efeito, não ocorre, no caso, qualquer razão que justifique o não
reconhecimento à Autora, enquanto herança indivisa, da plenitude desse seu
estatuto processual, como Autora, o qual, aliás, durante cerca de 15 anos, foi
mais do que consolidado, nos presentes autos.
(8) Nada justifica, efectivamente, que a Autora seja sujeita a um tratamento
diferente daquele que se contém no n° 2 do artigo 269° do CPC, aplicável à
generalidade dos autores, em qualquer acção, em que o réu tenha sido absolvido
da instância, por decisão que, pondo termo ao processo, declarou a ilegitimidade
da Autora, por não estarem em juízo todas as pessoas de quem dependia a
legitimidade activa.
(9) Além de que, desse modo, também fica ofendido o direito consagrado no
citado artigo 20º, n° 1, da CRP, nenhuma razão existindo para não reconhecer à
Autora o direito de continuar a promover – como vem fazendo, neste processo,
desde há cerca de 15 anos, incessantemente – a defesa dos interesses da herança
indivisa, e, bem assim, naturalmente, os interesses de todos os herdeiros,
quanto à pretensão, que constitui o objecto da acção, do reconhecimento do
direito de propriedade da de cujus, sobre os imóveis reivindicados contra a Ré,
com o efeito de tais imóveis deverem ser considerados parte integrante do
património hereditário e, ainda, consequentemente, dever a Ré entregar tais
imóveis à administração da Herança Indivisa.
(10) De notar, aliás, que no douto saneador/sentença o Tribunal “a quo” teceu
considerações sobre o seu afirmado receio de poder haver conluio entre a Autora,
representada pelo cabeça-de-casal, e a Ré, com possibilidade de prejuízo para os
herdeiros.
(11) Ora, salvo o devido respeito, essas afirmadas preocupações do Tribunal “a
quo” compreendem-se agora com alguma dificuldade, quando o mesmo Tribunal
interpreta o n° 2 do artigo 269° do CPC em termos que inibem a Autora de
produzir o resultado que o Tribunal “a quo” afirmou dever estar produzido nos
autos, a saber, o da presença de todos os herdeiros, para além da da Herança
Indivisa representada pelo cabeça-de-casal.
(12) Na verdade, sempre com todo o respeito, o direito à tutela jurisdicional
efectiva dos interesses de todos os herdeiros, que tanto preocupou o Tribunal “a
quo”, objectivamente, esbarra agora, inesperadamente, na própria douta decisão
recorrida.
(13) Além de que não pode deixar de se reconhecer um direito à tutela
jurisdicional efectiva na titularidade da própria Autora, enquanto herança
indivisa, património autónomo, dotado de personalidade judiciária, susceptível
de ser parte, representada pelo cabeça-de-casal e pelos mandatários forenses
pelo mesmo cabeça-de-casal, nessa qualidade, constituídos, nos termos do
disposto no artigo 5°, n° 1, e na alínea a) do artigo 6°, ambos do CPC.
(14) Na verdade, o cabeça-de-casal da Herança Autora, órgão de administração do
património hereditário autónomo, detém, pelo menos, o indiscutível direito de,
nos presentes autos, agir no sentido de os imóveis reivindicados contra a Ré
serem efectivamente entregues, pela Ré, à administração da Herança, como
necessária decorrência do reconhecimento jurisdicional de que fazem parte do
acervo hereditário.
(15) O que implica, também necessariamente, que se reconheça à Autora o direito
de promover a renovação da presente instância, através do chamamento de todos os
herdeiros, como dispõe o n° 2 do artigo 269° do CPC, numa leitura conforme com a
garantia consignada no n° 1 do artigo 20º da CRP.
Por acórdão de 14 de Setembro de 2006, a Relação do Porto decidiu negar
provimento ao agravo, confirmando a decisão recorrida, podendo, entre o mais,
ler-se na respectiva fundamentação:
(…)
Sustenta ainda a Agravante que a interpretação e aplicação do art. 269° n° 2 do
CPC no sentido de a autora não poder fazer uso da faculdade contida nessa norma,
viola o princípio da igualdade e o direito de tutela jurisdicional efectiva,
consignados nos arts. 13° n° 1 e 20° n° 1 da Constituição.
Não tem razão, como parece evidente.
Desde logo, a faculdade prevista no n° 2 do art. 269° depende da verificação do
condicionalismo previsto no n° 1 da mesma disposição, ou seja, a situação de
ilegitimidade tem de resultar do facto de não estar em juízo determinada pessoa;
a intervenção desta pessoa deve ser feita nos termos do art. 325°.
Já vimos que, no caso, não se verifica aquela situação de ilegitimidade, nem a
intervenção dos herdeiros pode operar nestes termos.
Assim, o fundamento do indeferimento assenta no disposto no n° 1 do art. 269°;
não no n° 2 deste preceito.
Daí que se nos afigure que a questão agora suscitada não é pertinente.
De qualquer modo, importa considerar que a decisão proferida não coarcta o
direito dos herdeiros, os verdadeiros interessados no litígio, de instaurarem a
competente acção, para fazerem valer os seus interesses.
A autora não é titular do direito que vem exercitar; não pode beneficiar de
tutela jurisdicional efectiva de um direito que não é seu (cfr. art. 2° do CPC).
Por outro lado, a inviabilidade da pretensão da autora decorre da sua
ilegitimidade, já reconhecida por decisão transitada em julgado. E deriva do
disposto no art. 2091° do CC, cujo regime não foi posto em causa pela
Recorrente.
Ora, se a autora é parte ilegítima, não sendo titular de interesse relevante
(não tendo interesse directo em demandar – art. 26° n°s 1 e 3 do CPC), nada
justificava que beneficiasse do regime especial previsto no art. 269°, que visa
situações diferentes, como seja a de assegurar a legitimidade de parte com
interesse na causa.
Daí que a interpretação e aplicação da norma, nos termos apontados, não viole
também o princípio da igualdade que, no seu sentido positivo, implica
justamente, no essencial, o tratamento igual de situações iguais e o tratamento
desigual de situações desiguais.
Improcedem, por conseguinte, as conclusões do recurso.
Inconformada, Herança de A. interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça,
reiterando, no essencial, as conclusões que tirara nas alegações de recurso
apresentadas perante o Tribunal da Relação do Porto.
Por acórdão de 1 de Março de 2007, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu negar
provimento ao agravo e confirmar o acórdão recorrido, tendo por base a seguinte
fundamentação:
(…)
A Herança de A. foi julgada parte ilegítima na acção, decidindo-se que a
legitimidade activa para exercer o respectivo direito cabia aos herdeiros.
Não se decidiu que a legitimidade cabia à A. e aos herdeiros, em litisconsórcio
necessário activo, mas antes que ela não cabia à A. e sim aos herdeiros.
A A. poderia requerer a renovação da instância, provocando a intervenção dos
herdeiros da A., caso se tivesse decidido que era necessária para assegurar a
legitimidade activa a intervenção da Herança e dos respectivos herdeiros (art°.
28° do CPC).
Só pode regularizar a instância com o chamamento de novos sujeitos quem continua
a ser sujeito processual.
Quem foi julgado parte ilegítima, independentemente de estar ou não acompanhado
de outros sujeitos, não pode requerer a renovação da instância, porque já foi
decidido que não faz parte dela. Não pode pedir a intervenção de outros para a
ela se associar, pois não pode continuar na acção, pelo que não haveria uma
associação, mas antes uma substituição, não prevista no art°. 269° do CPC.
Só é possível lançar mão da faculdade prevista no art° 269° n° 2 do CPC para
assegurar a própria legitimidade, de quem requer, o que não é o caso da A.
Concordamos com a interpretação do referido preceito legal feita pelo Tribunal
da Relação, não merecendo censura a decisão recorrida.
Esta interpretação não viola o princípio da igualdade, pois qualquer sujeito que
seja declarado parte ilegítima, independentemente de estar ou não acompanhado de
outras pessoas, também não pode provocar a intervenção de novos sujeitos, a quem
seja reconhecida legitimidade para prosseguir com a acção.
Não há qualquer discriminação da Herança de A..
Também não há violação do princípio do acesso ao direito e à tutela
jurisdicional efectiva, o que permitiu à A., na mesma acção, litigar pela 2ª vez
até este STJ.
O acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva não implica que seja dada
razão à A. e sejam acolhidas as suas pretensões.
É deste acórdão que vem interposto o presente recurso de constitucionalidade, ao
abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15
de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional), indicando a recorrente no inerente
requerimento de interposição:
II
Normas cuja inconstitucionalidade se submete à apreciação do Tribunal. Normas e
princípios constitucionais ofendidos.
As questões de constitucionalidade têm por objecto a aplicação, pelo Supremo
Tribunal de Justiça, confirmando as decisões das instâncias, do n° 2 do artigo
269° do CPC, interpretado no sentido de, no caso, a Autora, ora recorrente, não
poder fazer uso da faculdade nesse normativo prevenida.
Aplicado, nas específicas circunstâncias do caso, com o referido sentido, de
modo a produzir o efeito jurídico de a Herança Indivisa Autora não poder estar
em juízo, nem mesmo acompanhada de todos os herdeiros, o n° 2 do artigo 269° do
CPC ofende, designadamente, o n° 1 do artigo 13° e o n° 1 do artigo 20°, ambos
da CRP, violando, aliás, clamorosamente, o fim do processo civil e todos os seus
princípios estruturantes, assentes no citado artigo 20°, n°1, por força de um
raciocínio judiciário estritamente formal – ele próprio, aliás, salvo o devido
respeito, incompreensível – cuja bondade substancial de modo algum parece poder
surpreender-se, sendo que por via dele se faz tábua rasa de mais de 15 anos de
pendência processual, relativamente a um pleito cujas particulares
características o Supremo Tribunal de Justiça e as instâncias, pura e
simplesmente, ignoraram, de resto, à revelia dos propósitos da reforma do
processo civil de 1995, contra a nova cultura judiciária que há anos urge e que,
sempre com o devido respeito, tanto tarda a radicar-se entre nós.
Admitido o recurso, foi determinada a produção de alegações, que a recorrente
concluiu dizendo, entre o mais:
( (…)
(9) Nos 30 dias subsequentes ao trânsito em julgado do acórdão do Supremo
Tribunal, que confirmou o acórdão da Relação, sobre a questão da ilegitimidade
da autora, esta pretendeu exercer a faculdade a que se refere o n° 2, 1ª parte,
do artigo 269° do Código de Processo Civil, por referência ao disposto na 2ª
parte do n° 1 dessa disposição processual, tendo requerido o chamamento de todos
os herdeiros, a fim de obter a renovação da instância, a que se refere a 2ª
parte do n° 2 do citado artigo 269°.
(10) Porém, a 1ª instância entendeu que a autora não beneficiava dessa faculdade
e indeferiu o requerido, decisão que veio a ser confirmada, pela Relação do
Porto e pelo Supremo Tribunal de Justiça, tendo-se discutido a questão da
inconstitucionalidade do n° 2, 1ª parte, do artigo 269º do CPC, em conexão com o
disposto na 2ª parte do n° 1, suscitada pela autora, enquanto aplicado aquele
normativo com o sentido de, no caso concreto, a autora não poder beneficiar da
faculdade aí prevenida, o que a autora entende ofender o princípio da igualdade,
bem como o direito à tutela jurisdicional efectiva, previstos nos artigos 13º,
n° 1, e 20°, n° 1, ambos da Constituição.
(11) Entende a autora que a sua específica natureza, de herança indivisa, a sua
concreta posição processual, o estatuto da sua representação pelo
cabeça-de-casal, aliás, herdeiro, bem como a causa de pedir, o pedido e o
objecto da acção, não legitimam, em relação a si própria, um tratamento
processual diferenciado, em relação a qualquer parte declarada ilegítima por não
estarem em juízo determinadas pessoas, em termos tais que, apesar das
especificidades do presente caso concreto, se lhe não reconheça a faculdade
prevenida no n° 2, 1ª parte, do citado artigo 269° do CPC.
(12) Não legitima aquele não reconhecimento o facto de se ter decidido que a sua
legitimidade, para estar em juízo, representada pelo cabeça-de-casal, só
existiria se estivesse acompanhada de todos os demais herdeiros.
(13) Ainda que a decisão sobre a questão da legitimidade da autora tenha
exigido, como exigiu, a intervenção de todos os herdeiros em litisconsórcio
necessário, a autora tem interesse em agir e legitimidade para intervir na
acção, porquanto, desde logo, vista a causa de pedir e o pedido, constata-se,
afinal, além do mais, que o cabeça-de-casal detém o direito de demandar a ré,
nos precisos termos em que o fez, e de contra a ré deduzir o pedido que, em nome
da herança, deduziu, relativo à entrega dos prédios à herança.
(14) Na verdade, ao invés do que parece pretender-se no douto Acórdão recorrido,
a decisão sobre a questão da legitimidade da autora declarou que só asseguraria
a legitimidade desta a intervenção de todos os herdeiros, mas não declarou que a
autora não pode estar em juízo, nem mesmo com a intervenção de todos os
herdeiros.
(15) Essa decisão, que é definitiva, tem de ser entendida no quadro da realidade
objectiva dos autos, tendo em conta aquilo que na acção está, efectivamente, em
causa e os direitos e os interesses concretos que estão nela em discussão: e,
face à causa de pedir e ao pedido, vê-se bem que a intervenção de todos os
herdeiros na acção não é susceptível de inutilizar a intervenção da autora,
representada pelo cabeça-de-casal, nem a torna juridicamente impossível, nem
sequer inconveniente.
(16) Antes, no caso, dados os próprios termos, objectivamente considerados, da
decisão sobre a ilegitimidade da autora, ocorrem, substancialmente, os
pressupostos da coligação de autores – os herdeiros em conjunto e o
cabeça-de-casal por si –, previstos no artigo 30º, n° 1, do CPC, atento o
disposto no nº 2 do artigo 2078° do CC, que admite o direito de o
cabeça-de-casal pedir contra a ré a entrega dos bens à herança, sem que existam
os obstáculos à coligação prevenidos no artigo 31° do CPC;
(17) E sem que a referida decisão permita afastar a aplicabilidade do disposto
nos artigos 2078º, nº 2, e 2088º, do CC, ou altere a causa de pedir e o pedido,
mantendo-se, pois, o direito de o cabeça-de-casal, representando a herança
indivisa, pedir contra a ré a entrega dos bens em causa.
(18) Em tais circunstâncias, nenhuma razão relevante existe para considerar que
a autora, no caso, está numa situação processual substancialmente diferente
daquela que corresponde à de qualquer parte declarada ilegítima por não estarem
em juízo determinadas pessoas, para os fins do disposto no normativo
questionado, em termos tais que, como se decidiu no douto acórdão recorrido, ela
não possa exercer a faculdade prevista no n° 2, 1ª parte, do artigo 269° do CPC.
(19) É, de facto, incompatível com o princípio da igualdade a aplicação do
referido normativo processual operada, no caso, pelo Tribunal a quo, com o
sentido segundo o qual a autora – herança indivisa, representada pelo
cabeça-de-casal, numa acção em que pediu, contra um terceiro, a entrega de bens,
alegadamente integrantes do acervo hereditário, por se tratar de bens de que a
autora da herança (e não a herança autora) era proprietária, à data do óbito,
depois de ter sido declarado que a sua legitimidade só ficava assegurada se
interviessem na acção todos os herdeiros – não pode requerer o chamamento de
todos os herdeiros, a fim de assegurar a sua legitimidade, para discutir e pedir
a entrega dos bens à herança, e obter a renovação da instância.
(20) Sucede, aliás, que, na douta decisão recorrida, o Supremo Tribunal, não só
não considerou a referida realidade do caso, nem a objectividade dos termos da
decisão sobre a ilegitimidade – aos quais erroneamente se refere, afirmando
contra os seus termos –, como, na fundamentação da mesma decisão recorrida, o
Tribunal a quo entendeu que o nº 2 do artigo 269º do CPC só conferiria à autora
a faculdade de requerer a intervenção de todos os herdeiros se tivesse sido
decidido “que a legitimidade cabia à A. e aos herdeiros, em litisconsórcio
necessário activo” (sublinhado nosso).
(21) Adoptou, assim, o Supremo Tribunal uma interpretação do nº 1, 2ª parte, do
artigo 269°, do CPC, implícita na aplicação do n° 2, 1ª parte, segundo a qual,
havendo litisconsórcio necessário, que não abranja o autor declarado parte
ilegítima, o autor, em caso algum, pode prevalecer-se da faculdade prevenida
nesse normativo, a menos que se decida que a legitimidade “cabe ao autor em
conjunto com as demais pessoas que devem estar em juízo”.
(22) Ora, salvo o devido respeito, uma tal interpretação, no caso, não só não
encontra apoio na decisão sobre a questão da legitimidade, na qual expressamente
se afirmou que, “para assegurar a legitimidade” do cabeça-de-casal,
desacompanhado dos restantes herdeiros, “necessário se tornava a intervenção de
todos os herdeiros”,
(23) como nega, sem justificação atendível, a faculdade prevenida no normativo
citado ao autor declarado parte ilegítima, em caso de litisconsórcio necessário
activo, se o autor, como sucede no caso concreto, embora não sendo sujeito
interno desse litisconsórcio, ainda assim, tiver um interesse autónomo em agir,
bem como legitimidade para estar em juízo, com aquele conjunto de sujeitos.
(24) E o certo é que, insiste-se, no caso, esse interesse directo do
cabeça‑de‑casal, mede-se pela relação material controvertida, tal como está
configurada na acção, cujos sujeitos são, afinal, a própria herança indivisa e a
demandada, o que confere indiscutível legitimidade à demandante, representada
pelo cabeça-de-casal, nos termos do disposto no artigo 26°, nºs 1 e 2, do CPC.
(25) Legitimidade essa, todavia, que, no caso concreto, mercê do decidido
(definitivamente, embora mal, no entender da recorrente), está dependente da
intervenção de todos os herdeiros, com o fundamento de que o cabeça-de-casal não
podia reivindicar os bens para a herança desacompanhado de todos os herdeiros,
por se ter entendido que “a acção de reivindicação nos termos do artigo 1311°”
(do CC) não está dentro das atribuições do cabeça-de-casal.
(26) Mas, insiste-se, ainda, se a acção de reivindicação não está dentro das
atribuições do cabeça-de-casal, a respeito do que se decidiu ser necessária a
intervenção de todos os herdeiros, já o cabeça-de-casal pode pedir a entrega dos
bens que, alegadamente, eram do de cujos, como efectivamente se pede nesta
accão, a qual, afinal, continua a ser a mesma acção em que se declarou a
necessidade do litisconsórcio dos herdeiros.
(27) A remissão, feita no n° 1 do artigo 269° do CPC, para os artigos 325° e
seguintes, não afasta esse entendimento, antes o reforça, visto que se, nos
termos do n° 1 do artigo 325º, “qualquer das partes pode chamar a juízo o
interessado com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como
associado da parte contrária”, verifica-se que não é exigido que a parte
declarada ilegítima, por deverem estar em juízo determinadas pessoas, em
litisconsórcio necessário, seja ela mesma sujeito interno do litisconsórcio.
(28) De notar, de resto, que, se a acção tivesse sido movida, originariamente,
por todos os herdeiros, nos precisos termos em que a presente acção o foi, os
herdeiros poderiam requerer a intervenção do cabeça-de-casal, como seu
associado, nos termos do n° 1 do artigo 325º do CPC, visto que o mesmo tem
interesse e direito a nela intervir, tratando-se, como se trata, de um pedido de
entrega de prédios do acervo hereditário à herança indivisa, que o
cabeça-de-casal administra e representa.
(29) Por último, deve notar-se que o cabeça-de-casal – B. – também era herdeiro,
tendo falecido na pendência da acção, como se vê dos autos, por isso o
requerimento de chamamento abrangendo, naturalmente, os herdeiros de B., o que
também não será despiciendo, no conjunto das especificidades da acção,
caracterizadoras da concreta situação processual da autora, a sublinhar o óbvio
interesse da mesma autora no chamamento dos herdeiros, para renovação da
instância, depois de, há cerca de 3 longos lustres, ter intentado a acção
representada pelo referido herdeiro investido no cargo de cabeça-de-casal.
(30) Efectivamente, se não se quiser transformar a discussão num mero jogo de
palavras, num semântico exercício esotérico, completamente contrário aos valores
civilizacionais do Estado social de direito, ter-se-á de entender a substância
do que está em causa, ter em conta os fins da justiça, o princípio da
prevalência da substância sobre a forma e os direitos fundamentais, e considerar
que o decidido, quanto à ilegitimidade da autora, não pode, para os fins da
aplicação do n° 2 do artigo 269º do CPC, conduzir a uma interpretação desse
normativo que o torne inaplicável à situação processual da autora.
(31) Assim, no caso, ter-se-á de entender que a intervenção de todos os
herdeiros, em litisconsórcio necessário activo, não é incompatível com a
concomitante presença em juízo da herança indivisa, representada pelo
cabeça-de-casal, bem pelo contrário, visto que a procedência do pedido de
entrega dos bens à herança, tal como está formulado, é, também, aliás,
manifestamente, do interesse do cabeça-de-casal, que há-de ser, de resto, em
caso de procedência, quem receberá os bens e quem os administrará, assumindo
agora o cargo, como é evidente, quem para ele vier a ser designado.
(32) Na verdade, o n° 2, 1ª parte, em conexão necessária com o nº 1, 2ª parte,
do artigo 269° do CPC, não comporta um sentido interpretativo diferente desse,
sob pena de violação do princípio da igualdade e do direito de tutela
jurisdicional efectiva.
(33) Sendo que um tal normativo, aplicado com o sentido acolhido no douto
acórdão recorrido, onde se rejeita à autora, ora recorrente, o exercício da
referida faculdade, sem que a autora esteja numa situação processual que torne
justo, adequado e proporcionado, um tratamento diferenciado, em relação a outras
partes declaradas ilegítimas por não estarem em juízo certas pessoas, mas
mantendo essas mesmas partes, de algum modo, ainda que com autonomia, interesse
directo no resultado da demanda, contraria os mais salutares princípios
estruturantes do moderno Estado de Direito, é, designadamente, incompatível com
os princípios da justiça material, aberta, democrática, próxima dos cidadãos e
socialmente responsável, claramente emergentes do artigo 2° da Constituição, não
respeita os princípios da clareza, da segurança e da certeza jurídicas, e ofende
o princípio da igualdade e o direito à tutela jurisdicional efectiva,
consignados no nº 1 do artigo 13º e no n° 1 do artigo 20º, ambos da
Constituição.
A recorrida C., Lda., contra-alegou, considerando, a final:
(…) nos termos em que a Recorrente coloca a questão, o que esta verdadeiramente
vem dizer é que o acórdão recorrido em si é que causa uma situação de
desigualdade.
Entenda-se: ao verberar contra a interpretação que foi feita do art. 269° do
CPC, e uma vez que, segundo ela, os tribunais superiores “interpretaram mal” o
decidido quanto à ilegitimidade da A., não está a dizer mais do que isto – a
interpretação da lei e das circunstâncias dos autos feita pelo tribunal a quo é
violadora do princípio da igualdade na medida em que afasta a Recorrente de uma
possibilidade que a lei prevê; não é o sentido normativo do art. 269º, se
interpretado como no acórdão recorrido, que viola o princípio da igualdade e o
direito à tutela jurisdicional efectiva, mas sim a concreta decisão recorrida;
E como todos sabemos – até porque o Tribunal Constitucional já o fez constar
nestes mesmos autos –, as decisões judicias, em si mesmas, não são objecto de
sindicância pelo Tribunal Constitucional – só normas, por mais lata que seja a
noção de norma para este efeito, e não decisões, podem ser submetidas ao crivo
do Tribunal Constitucional.
E o que a Recorrente pretende, embora sem sucesso, é dar uma “roupagem
normativa” à alegação de inconstitucionalidade para tentar escamotear o facto de
ser a decisão em si mesma que é atacada.
Notificada para responder, querendo, à questão prévia suscitada pela recorrida
nas suas contra-alegações, a recorrente veio dizer o seguinte:
1. O “recurso de amparo”, como todos sabemos – incluindo, obviamente, a
recorrida –, não existe na nossa ordem jurídica.
2. Só por isso, vir a recorrida afirmar que o “recurso de amparo” é
inadmissível, é afirmar uma verdade de La Palisse e invocar, ela sim, num
Tribunal Português, uma figura processual inexistente em Portugal.
3. A recorrida cria uma falácia: de uma figura inexistente, parte para a
conclusão da inadmissibilidade dessa figura, num caso concreto: como poderia
admitir-se aquilo que não existe? É essa a falácia da recorrente.
4. Só que essa falácia pode prosseguir: como rejeitar aquilo que não existe?
5. Lamenta-se, com efeito, que a recorrida tenha sido tão precipitada.
6. Como a recorrida bem saberá, o “recurso de amparo” existe nos direitos
espanhol e alemão, como recurso especial para defesa de direitos fundamentais,
contra decisões violadoras desses direitos.
7. Só que a recorrida não pode ignorar que o presente recurso é um recurso de
constitucionalidade, não um “recurso de amparo”.
8. A recorrida consegue ver um “recurso de amparo” onde apenas existe um recurso
de constitucionalidade, tendo por objecto um certo normativo legal, tal como foi
interpretado e aplicado no caso concreto.
9. A recorrida fechou os olhos à cristalina evidência de que a interpretação
normativa cuja constitucionalidade está questionada foi acolhida decisoriamente
no contexto do presente caso concreto.
10. Naturalmente, o caso concreto não pode ser ignorado, antes tem de ser tido
em conta na apreciação da existência ou não da inconstitucionalidade do
normativo interpretado e aplicado nos autos.
11. Faz, pois, a recorrida de conta que não vê aquilo que está bem visível, a
saber, que o objecto do presente recurso de constitucionalidade não é uma
decisão jurisdicional, mas sim uma norma jurídica, tal como foi interpretada e
aplicada, para decidir, neste caso concreto, e não noutro caso concreto.
12. E o certo é que bastava que a recorrida tivesse tido a paciência de, com
serenidade, ler todas as conclusões da alegação de recurso, na íntegra, e, já
agora, os termos da declaração de inconstitucionalidade do n° 2, 1” parte, do
artigo 269° do CPC, que a recorrente formula, a págs. 30 da alegação.
Cumpre decidir.
II
Fundamentação
3. Não se encontrando o Tribunal Constitucional vinculado pela decisão que
admitiu o recurso, nos termos do n.º 3 do artigo 76.º da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro (Lei do Tribunal Constitucional), nem sendo exacto que, após a
apresentação de alegações, fique precludida a possibilidade de não se conhecer
do objecto do recurso, verifica-se que o Tribunal Constitucional não pode
conhecer do objecto do presente recurso.
Com efeito, no nosso sistema de fiscalização concreta da constitucionalidade, os
recursos têm inquestionavelmente um objecto e dimensão normativos, incidindo
necessariamente sobre a apreciação da (in)constitucionalidade de norma(s)
identificada(s) e especificada(s), em termos tempestivos e processualmente
adequados, pelo recorrente – não assumindo nunca a configuração de um
(inexistente) recurso de amparo, destinado a propiciar uma global reapreciação
do mérito da causa por este Tribunal, na perspectiva de uma pretensa violação de
direitos fundamentais, constitucionalmente tutelados, pelas decisões
jurisdicionais proferidas acerca da composição do litígio.
Como se depreende das transcrições supra e não é posto em causa pela visão
exposta pela recorrente na resposta de fls. 1544 e 1555, ao invocar, perante o
tribunal a quo, a desconformidade com a Constituição, a recorrente não chega a
colocar qualquer questão de (in)constitucionalidade de norma ou interpretação
normativa susceptível de servir de base ao recurso de fiscalização concreta que
interpôs, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal
Constitucional.
A “interpretação normativa” que foi impugnada pela recorrente durante o processo
– “a norma do n.º 2 do artigo 269.º do CPC, interpretada no sentido de que, numa
acção de reivindicação de imóveis, intentada por Herança Indivisa, representada
pelo cabeça-de-casal, transitada em julgado decisão, pondo termo ao processo,
absolvendo o Réu, por não estarem em juízo todos os herdeiros, a Autora deixa de
ter capacidade judiciária e, bem assim, de legitimidade para exercer a
faculdade, a que se refere esse normativo, de, no prazo de trinta dias, requerer
o chamamento de todos os herdeiros, para os fins vertidos no segundo segmento
dessa disposição legal, isto é, de renovação da instância” (fl. 1441) – foi-o
imputando o vício de inconstitucionalidade à conclusão a que chegou o Tribunal
de que na situação dos autos não é admissível a renovação da instância requerida
ao abrigo do disposto nos artigos 269.º e 325.º e segs. do Código de Processo
Civil. Quer isto dizer que o critério normativo que conduziu o tribunal a quo a
indeferir a renovação da instância requerida - critério esse que há-de ser
identificado e enunciado sem necessidade de referência às circunstâncias únicas
e irrepetíveis do caso concreto -, não foi, ele mesmo, acusado de
desconformidade constitucional, antes era tido por desconforme com a
Constituição esse resultado decisório.
Tal modo de identificação da “interpretação normativa” acusada de
inconstitucionalidade não é, ao contrário do que defende a recorrente,
suficiente para se poder considerar suscitada uma inconstitucionalidade
normativa “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a
decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer”, como exige
o artigo 72.º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional, que implicaria imputar
a esse tribunal uma interpretação de certa norma que implicasse contradição com
a Lei Fundamental, de modo a obter do tribunal recorrido um juízo de
conformidade ou desconformidade dessa norma com a Constituição.
Trata-se de uma exigência razoável e proporcionada tendo em conta o objecto
estritamente normativo do recurso de constitucionalidade em fiscalização
concreta, não podendo, nesta sede, os recorrentes pretender que o Tribunal
Constitucional repondere a solução dada ao litígio jurídico concreto.
Resta acrescentar que não pode vir agora, em sede de alegações de recurso para o
Tribunal Constitucional, a recorrente considerar que
(…) o sentido interpretativo objectivamente acolhido pelo Supremo Tribunal, a
aplicar, para decidir, o 1° segmento da norma do n° 2 do artigo 269’ do CPC, é o
de que, no caso, a herança autora, tendo sido, como foi, declarada parte
ilegítima, por não estarem, em litisconsórcio necessário, todos os herdeiros do
lado activo de uma acção em que a herança, representada pelo cabeça-de-casal,
pede, contra a possuidora dos imóveis, que os mesmos lhe sejam entregues, por
integrarem o acervo hereditário, é o de que, numa tal situação, a autora não
beneficia da faculdade de requerer a renovação da instância, chamando à acção
todos os herdeiros, porque a referida norma apenas conferiria à autora tal
faculdade se tivesse sido decidido que a legitimidade activa dependia de estarem
em juízo todos os herdeiros e, ainda, a autora.
Ora, uma tal interpretação, não só não encontra apoio na letra da norma, como é
incompatível com a unidade do sistema jurídico e o fim dessa norma, como,
aplicada com um tal sentido, a norma é inconstitucional, visto que a concreta
situação em que a autora está, na acção, não se distingue, relevantemente, da
situação prevista em abstracto, em que podem estar outras partes, declaradas
ilegítimas por não estarem em juízo determinadas pessoas.
Verdadeiramente, do que a recorrente discorda é do entendimento que vingou nas
decisões proferidas nos autos segundo o qual “não se verifica, dada a decisão
proferida, a presença de uma das partes na relação material controvertida, pelo
que não estamos perante um simples chamar outros interessados a intervir na
demanda” (fl. 1267), o que não tem que ver com a “interpretação normativa” do
artigo 269.º, n.º 2, do Código de Processo Civil que impugna em sede de
requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade - peça processual
que fixa o respectivo objecto -, “de modo a produzir o efeito jurídico de a
Herança Indivisa Autora não poder estar em juízo, nem mesmo acompanhada de todos
os herdeiros” (fl. 1486). [Itálico aditado].
Não tendo a recorrente colocado ao Tribunal qualquer questão de
(in)constitucionalidade normativa, não pode tomar-se conhecimento do recurso.
III
Decisão
Com estes fundamentos, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento
do objecto do recurso, e condenar a recorrente em custas, fixando a taxa de
justiça em 12 (doze) unidades de conta.
Lisboa, 2 de Julho de 2008
Maria Lúcia Amaral
Vítor Gomes
Ana Maria Guerra Martins
Carlos Fernandes Cadilha
Gil Galvão