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Processo n.º 485/08
3ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é
recorrente A. e recorrido o B., C. e D., a Relatora proferiu a seguinte decisão
sumária:
«I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, em que é recorrente A. e recorridos o B. e outros, foi
interposto recurso, ao abrigo do artigo 280º, n.º 1, alínea b) da CRP e do
artigo 70º, n.º 1, alínea b) da LTC, do acórdão pelo Supremo Tribunal
Administrativo, em 02 de Abril de 2008 (fls. 683 a 702), para que seja apreciada
a “inconstitucionalidade decorrente da interpretação dada ao art. 6º do ETAF,
por violação dos artºs 20º e 268º, nº 4. da CRP, no sentido de que, tramitando
os autos como recurso contencioso de anulação, não podia conhecer-se dos efeitos
de facto do acto declarado nulo, nos termos e para os efeitos do art. 134º do
CPA” (fls. 719).
Cumpre, então, apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo” (cfr.
fls. 721), com fundamento no n.º 1 do artigo 76º da LTC, essa decisão não
vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito
legal, pelo que se deve começar por apreciar se estão preenchidos todos os
pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, nº
2, da LTC.
Se o Relator constatar que não foram preenchidos os pressupostos de interposição
de recurso, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta
do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC.
3. Ora, do confronto entre a interpretação normativa que o recorrente reputa de
inconstitucional e aquela que foi efectivamente aplicada pela decisão recorrida,
resulta não ser admissível o conhecimento do objecto do presente recurso, por
força do artigo 79º-C da LTC.
É que, ao contrário daquilo que o recorrente pretende ver apreciado nos
presentes autos de recurso, a decisão recorrida não aplicou o artigo 6º do ETAF,
na versão decorrente da Lei n.º 129/84, de 27 de Abril, presentemente revogada
pela Lei n.º 13/2002, no sentido de que não fosse possível conhecer-se dos
efeitos de facto do acto declarado nulo. Pelo contrário, o que tanto a decisão
de primeira instância como a decisão recorrida entenderam expressamente foi que
o (então) recurso contencioso de anulação não constituía o único meio processual
apto à apreciação dos referidos efeitos de facto do acto nulo. Neste sentido,
veja-se o seguinte excerto da decisão recorrida:
“A sentença, para recusar o conhecimento dos efeitos putativos decorrentes do
acto nulo, entendeu, em síntese, que essa questão não cabe no âmbito do presente
recurso contencioso de anulação, por se tratar de um recurso de mera legalidade,
de acordo com o artº 6º do ETAF/84, sendo que o contencioso administrativo
oferece outros meios mais adequados ao reconhecimento da legitimação jurídica
destas situações de facto, como é o caso da acção de reconhecimento, em que o
reconhecimento desses efeitos pode configurar causa legítima de inexecução,
total ou parcial.” (fls. 698)
“Mas já na vigência da LPTA, sobretudo a partir da revisão constitucional de
1997 e não obstante o recurso contencioso de anulação ser limitado no seu
objecto, por ser um «recurso feito a um acto», se previam outros meios, de
jurisdição plena, no contencioso administrativo, que permitiam acautelar outros
direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados, que o recurso
contencioso, só por si, não podia satisfazer.
Isso mesmo é referido na sentença recorrida, em concordância com a
jurisprudência deste STA, atrás citada, a maioria dela tirada ainda na vigência
da LPTA, pelo que, assim sendo, o artº 6º do ETAF/84, na apontada interpretação,
não deixa os ora recorrentes desprovidos de tutela jurisdicional, desde que
exerçam a sua pretensão nos termos da lei e a mesma se dirija à tutela de
direitos ou interesses legalmente protegidos.” (fls. 701)
Daqui decorre que uma leitura simplista, segundo a qual a interpretação
normativa adoptada, quanto ao artigo 6º do ETAF, na versão do Decreto-Lei n.º
129/84, se limitou a considerar não ser possível conhecer-se acerca dos efeitos
de facto decorrentes do acto nulo, não corresponde à que foi efectivamente
adoptada pela decisão ora colocada em crise. Ora, na medida em que este Tribunal
apenas pode conhecer da inconstitucionalidade de normas ou de interpretações
normativas que tenham sido efectivamente aplicadas pelos tribunais recorridos,
ex vi artigo 79º-C da LTC, apresenta-se como processualmente vedado o
conhecimento do objecto do presente recurso.
III – DECISÃO
Nestes termos, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82,
de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de
Fevereiro, decide-se não conhecer do objecto do presente recurso.
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7
UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de
Outubro.»
2. Alegando ter dúvidas quanto ao sentido decisório constante da referida
decisão sumária, o recorrente veio solicitar a sua aclaração nos seguintes
termos:
“(…)
1. Segundo o douto despacho, a sentença recorra não teria aplicado o artº
6º do ETAF e, como tal, este Venerando Tribunal não podia conhecer da
inconstitucionalidade suscitada.
2. Ora, com o devido respeito, não é isso que acontece, pois, a própria
sentença reconhece que aplicou aquela disposição, interpretando-a, a nosso ver,
de forma que a inconstitucionaliza.
3. A questão está em saber se a interpretação dada na aplicação do citado
artº 6º da ETAF no sentido de, tramitando os autos como recurso contencioso de
anulação, não pode conhecer-se dos efeitos de facto do acto declarado nulo, nos
termos do artº 134º do CPA, e se isso atentaria, ou não, com os artºs 20º e
268º, nº 4. da CRP.
4. Daqui decorre que a disposição em causa foi aplicada pela sentença
recorrida.
5. Questão diversa é saber se a interpretação dada àquela disposição a
inconstitucionaliza, ou não.
6. O Tribunal recorrido não diz, pois, que não aplicou a norma em questão.
Bem pelo contrário afirma que a aplicou, mas que a interpretação que lhe deu não
a inconstitucionaliza.
7. Ora, isso é o que se pretende que o Tribunal Constitucional conheça e
decida, pois discorda-se do entendimento do Tribunal recorrido de que aplicou
(sic) aquela norma (artº 6º do ETAF) interpretando em conformidade com a
Constituição.
8. Vejamos, pois, o que refere a sentença recorrida, que não é só o que o
despacho sob aclaramento refere.
Conclui-se mesmo:
“Improcede, pois, também a arguida inconstitucionalidade”.
9. Ora, o Acórdão recorrido assume que aplicou a disposição em causa,
entendendo que, ao abrigo dela, lhe é autorizado não conhecer acerca dos efeitos
de facto decorrentes do acto nulo.
10. Ora, é este entendimento que inconstitucionaliza, em nosso entender, por
violação do artº 20º e do artº 268º da C.R.P., o artº 6º do ETAF.
11. Questão diversa é, porventura, o Tribunal Constitucional concordar com o
Acórdão recorrido quanto à não ocorrência de inconstitucionalidade, mas essa é
questão que implica o conhecimento do recurso.
12. Requer-se, pois, o necessário aclaramento quanto a considerar-se ter ou não
sido aplicada a norma em causa, pelo Acórdão recorrido.”
3. Notificados do requerimento, os recorrentes deixaram esgotar o prazo de
resposta sem que se tivessem pronunciado:
Cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
4. Apesar de o requerimento de fls. 735 e 736 ter sido dirigido à Relatora dos
presentes autos, constata-se que a coberto de um alegado pedido de aclaração, o
que o recorrente pretende é questionar o próprio sentido da decisão sumária,
mediante reclamação para a conferência.
Ora, em primeiro lugar, conforme resulta inequivocamente, para qualquer
destinatário medianamente informado, o acórdão é claro, perceptível e exaustivo.
Ao contrário do que pretende fazer crer o recorrente, qualquer destinatário
médio constata que a decisão sumária nunca afirmou que “a sentença recorrida não
teria aplicado o artº 6º do ETAF” (cfr. § 1. do requerimento, a fls. 735), antes
tendo entendido que “uma leitura simplista, segundo a qual a interpretação
normativa adoptada, quanto ao artigo 6º do ETAF, na versão do Decreto-Lei n.º
129/84, se limitou a considerar não ser possível conhecer-se acerca dos efeitos
de facto decorrentes do acto nulo, não corresponde à que foi efectivamente
adoptada pela decisão ora colocada em crise” (fls. 730). Ou seja, o que a
decisão sumária considera é que a interpretação normativa que o recorrente
imputa à decisão alvo de recurso não foi efectivamente aplicada.
Face à clareza do acórdão alvo de pedido de aclaração, forçoso é concluir que
não resta nada por esclarecer.
Quanto ao mais, o recorrente limita-se a reproduzir argumentos já aduzidos nas
suas alegações de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, que não são
susceptíveis de alterar a decisão que aquele pretende colocar em crise.
Conforme dela consta, a decisão sumária não toma posição quanto à questão da
inconstitucionalidade, limitando-se a considerar ser inadmissível conhecer do
objecto do recurso porque a decisão recorrida nunca interpretou o artigo 6º do
ETAF no sentido de que seria possível sindicar as consequências de facto
produzidas pelo acto nulo, conforme pretendia o recorrente no requerimento de
interposição de recurso. Pelo contrário, a decisão recorrida interpretou aquela
norma no sentido de que o (então) recurso de anulação não se apresentava como o
único meio processual adequado a tal intento.
III – DECISÃO
Pelos fundamentos supra expostos, e ao abrigo do disposto no do n.º 3 do artigo
78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei
n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC’s, nos
termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 22 de Setembro de 2008
Ana Maria Guerra Martins
Vítor Gomes
Gil Galvão