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Processo n.º 492/08
3ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que são
recorrentes A., B. e C. e recorridos o Ministério Público, D. e E., a Relatora
proferiu a seguinte decisão sumária:
«I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, em que são recorrentes A., B. e C. e recorridos o
Ministério Público, D. e E., foi interposto recurso de acórdão proferido pelo
Supremo Tribunal de Justiça, em 07 de Fevereiro de 2008 (fls. 976 a 997), para
que fosse apreciada a constitucionalidade
i) Da “interpretação dada ao art. 690º-A do CPC de
que, em recurso deficientemente redigido, o tribunal pode desencadear o recurso
sem que seja efectuado um convite ao aperfeiçoamento do articulado, não se
aplicando o disposto no art. 690º, n.º 4 do CPC (…)” (fls. 1041);
ii) Da “interpretação dada ao art. 1978º, n.º 1 e 4,
no sentido de julgar que, numa situação de orfandade brusca, com falecimento
simultâneo do pai e da mãe, os menores não sejam confiados à sua família
natural, que se apresenta imediatamente disponível para os acolher, e afastados
do irmão mais velho com quem viviam, porque esta não tem a guarda efectiva
daqueles menores, tendo como causa o facto de a guarda lhes ter sido negada por
decisões judiciais que não se fundam na falta de condições para educar e criar
as crianças (…)” (fls. 1041).
Cumpre, então, apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo” (cfr.
fls. 1049), com fundamento no n.º 1 do artigo 76º da LTC, essa decisão não
vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito
legal, pelo que se deve começar por apreciar se estão preenchidos todos os
pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, nº
2, da LTC.
3. Começando pela questão relativa ao artigo 690º-A do CPC, deve notar-se que os
próprios recorrentes admitem só ter suscitado a questão de inconstitucionalidade
normativa em sede de “requerimento de Aclaração apresentado ao STJ, de 25 de
Fevereiro de 2008, tendo sido o primeiro momento em que era possível suscitar
essa inconstitucionalidade” (fls. 1042).
Desde logo, importa notar que o pedido de aclaração [artigo 669º, n.º 1, alínea
a) do CPC] não constitui meio processual idóneo para suscitar uma questão de
inconstitucionalidade, na medida em que o tribunal já esgotou o respectivo poder
jurisdicional, apenas podendo clarificar o sentido da decisão já anteriormente
tomada. Assim, os recorrentes não cumpriram o ónus processual que lhes é
imposto, por força do n.º 2 do artigo 72º da LTC, quanto ao sentido
interpretativo dado ao artigo 690º-A do CPC, na medida em que não suscitaram de
modo prévio e processualmente adequado a referida questão de
inconstitucionalidade.
E tal nem sequer pode ser alvo de dispensa, por se entender que a interpretação
normativa adoptada se reveste de natureza surpreendente ou insólita. Conforme
bem nota o acórdão proferido em 22 de Abril de 2008, em sede de apreciação de
pedido de aclaração, não é rigoroso afirmar-se que existe jurisprudência unânime
– ou sequer maioritária – junto dos tribunais portugueses e, em especial, no
Supremo Tribunal de Justiça, sobre a necessidade de convite ao aperfeiçoamento
de alegações de recurso em que não se cumpram os requisitos legalmente fixados
pelo artigo 690º-A do CPC. Exemplo disso são, precisamente, os Acórdãos
proferidos pelas 1ª e 6ª secções do Supremo Tribunal de Justiça,
respectivamente, em 12 de Junho de 2007 (Proc. n.º 1530/07) e em 11 de Setembro
de 2007. Daqui resulta haver controvérsia jurisprudencial quanto à necessidade
de convite do recorrente a aperfeiçoar as alegações de recurso, quando aquelas
omitam os requisitos fixados pelo artigo 690º-A do CPC.
Acresce que o mero confronto entre o n.º 4 do artigo 690º do CPC – que prevê
expressamente o dever de formular convite para aperfeiçoamento das conclusões de
recurso – com a ausência de qualquer menção a tal convite no artigo 690º-A do
CPC já se presta – por si só – à ocorrência de divergentes interpretações
daquele mesmo preceito.
Assim, os recorrentes não poderiam ter deixado de antecipar a interpretação
normativa adoptada pela decisão recorrida, suscitando, em sede de alegações de
recurso e “ad cautelam”, a referida inconstitucionalidade.
Em suma, encontra-se vedado a este Tribunal conhecer do objecto do recurso
quanto à interpretação normativa adoptada, relativamente ao artigo 690º-A do
CPC, por força da falta de suscitação de modo processualmente adequado da
questão de inconstitucionalidade (artigo 72º, n.º 2 da LTC).
4. Quanto à alegada inconstitucionalidade da interpretação normativa referente
aos nºs 1 e 4 do artigo 1978º do Código Civil, deve igualmente notar-se que os
recorrentes também não suscitaram de modo processualmente adequado qualquer
questão de inconstitucionalidade normativa, tendo antes limitado as suas
alegações de recurso para o tribunal “a quo” a invocar em proveito da sua tese
diversos preceitos constitucionais. Além disso, em bom rigor, em sede de
alegações de recurso, os recorrentes apenas questionaram a constitucionalidade
da própria decisão jurisdicional e nunca qualquer específica dimensão normativa.
Acresce ainda que os recorrentes acabaram por nunca reputar de inconstitucional
a norma extraída dos n.ºs 1 e 4 do artigo 1978º do Código Civil, tendo chegado
mesmo a afirmar que houve, ao invés, uma inadequada aplicação daquela norma:
“OOO - Termos em que a presente decisão recorrida é inconstitucional.
(…)
RRR – Termos em que se deve considerar que a decisão recorrida
enferma de erro na aplicação e interpretação da norma constante do artigo 1978º,
nº 4 do CC (…)” (fls, 1923 e 1924)
Em conclusão, decorre do modo como os recorrentes configuraram as suas alegações
de recurso que aqueles até consideraram conforme à Constituição a norma extraída
dos n.ºs 1 e 4 do artigo 1978º do Código Civil, tendo apenas entendido que o
tribunal “a quo” havia aplicado erroneamente aquela mesma norma. Sucede, porém,
que este Tribunal não pode apreciar a rectidão das interpretações normativas dos
tribunais recorridos, salvo quando aquelas assentem na inconstitucionalidade de
uma concreta dimensão normativa.
Assim, por nunca ter suscitado de modo processualmente adequado qualquer questão
de inconstitucionalidade normativa e antes ter atacado a constitucionalidade da
própria decisão jurisdicional, torna-se legalmente impossível para este Tribunal
proceder ao conhecimento do objecto do presente recurso, também quanto à norma
resultante dos n.ºs 1 e 4 do artigo 1978º do Código Civil, por força do n.º 2 do
artigo 72º da LTC.
III – DECISÃO
Nestes termos, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei
n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98,
de 26 de Fevereiro, decide-se não conhecer do objecto do presente recurso.
Custas devidas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 7
UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de
Outubro.»
2. Inconformado com esta decisão, vem o recorrente reclamar, para a conferência,
contra a não admissão do recurso, nestes precisos termos:
«
1º. O decisão sumária de não admissão do presente recurso parte de
um entendimento com o qual os recorrentes não podem concordar.
2º. Efectivamente, já nas alegações de recurso para o Tribunal da
Relação de Lisboa manifestaram a sua discordância e acentuaram a
inconstitucionalidade da interpretação do referido art. 1978º, n.º 1, al. a) do
CC, conjugado com o n.º 2 (actual n.º 4), por violação do art. 67º e 20º da CRP.
3º. Sendo que, o alvo da sindicância solicitada, desde o primeiro
momento, foi o entendimento interpretativo do segmento da norma objectivado na
decisão que se constituiu em aplicação desse entendimento.
4º. E, apesar de expressamente suscitada esta questão da
inconstitucionalidade do entendimento interpretativo do tribunal de 1ª
instância, o TRL não se pronunciou, nem sequer aflorou, no seu Acórdão de uma
brevidade de fundamentação que roçou a total ausência esta questão de
inconstitucionalidade da interpretação que lhe foi levantada, pelo que, nas suas
alegações para o STJ, os recorrentes levantaram, novamente, a questão da
inconstitucionalidade da interpretação do art. 1978º, n.º 1, al. a) e n.º 4 do
CC, tendo-o feito, de forma clara, expressa e no sentido que a decisão de
rejeição consideraria necessário e que, estranhamente, considera não ter sido o
utilizado.
5º. Em resumo, alegaram os recorrentes que
“Como atrás já oportunamente referido, de acordo com o art. 1978º, nº 4 do CC, a
confiança com fundamento na situação do menor ser filho de pais falecidos não
pode ser decidida se o menor se encontrar a viver com ascendente colateral do 3º
grau ou tutor e a seu cargo.
Ora, esta norma, no caso vertente, não pode, como foi na decisão recorrida e na
decisão da primeira instância, INTERPRETADA LITERALMENTE, dela se retirando que
uma vez que os tios e irmão dos menores não viviam com eles nem os tinham a seu
cargo efectivamente, podia ser decretada a confiança judicial destas crianças.”
“De facto, INTERPRETANDO este artigo à luz do artigo 67º da CRP, 16º, nº3 da
Declaração Universal dos direitos do Homem e 8º, nº1 da Convenção dos direitos
da Criança, e nos termos atrás explanados, verificamos que o conceito jurídico
de estar a viver com e ter os menores a cargo, representa a consagração do
interesse sério e objectivável por parte dos familiares dos menores em os ter
consigo, bem como a manifestação de uma vontade de deles tratar e cuidar, sendo
que, PARA NÃO DETURPAR O SENTIDO ÚTIL E ÚLTIMO DA NORMA, se têm que analisar as
circunstâncias concretas do caso em apreço.”
6º. Alegaram ainda os recorrentes que “A verdade é que A TELEOLOGIA
DA NORMA CONSTANTE DO ART. 1978º, Nº4 DO CC, que determina que não pode ser
decretada a confiança judicial se os menores se encontrarem a viver e a cargo
dos seus parentes, pretende – NUMA INTERPRETAÇÃO CONSENTÂNEA COM O ART. 67º DA
CRP E COM A PRÓPRIA SISTEMÁTICA decorrente do processo estabelecido para a
protecção de crianças em risco, de que se salientam, do art. 4º da LPCJP, o da
prevalência da família e da subsidiariedade, aplicável aos processos tutelares
cíveis, por remissão do artigo 147º da OTM – garantir que, caso, e só nesta
eventualidade, os familiares próximos dos menores não se responsabilizem por
estes, através de um acto de vontade expresso, então sim, se encontrem soluções
alternativas para o futuro destes menores, que podem passar pela confiança
judicial.”
7º. E, finalmente, afirmaram nas alegações que “Aliás, O
ENTENDIMENTO que parece resultar do acórdão recorrido de que existe situação de
abandono relevante para justificar uma medida de confiança a terceira pessoa, no
caso de crianças órfãs, independentemente da disponibilidade da família alargada
para assumir a responsabilidade da respectiva guarda e cuidado e mesmo contra
essa disponibilidade manifestada reiterada e objectivamente É INCONSTITUCIONAL
POR VIOLAÇÃO DO ARTIGO 67º DA CRP, e ilegal por violação dos artºs 16º, nº3 da
Declaração Universal dos direitos do Homem e 8º, nº1 da Convenção dos direitos
da Criança.”
8º. Destas sucessivas alegações feitas pelos recorrentes decorre,
de uma forma cristalina, que o que se impugna não é a decisão de entrega de duas
crianças a uma família, mas outrossim, a específica interpretação de um segmento
normativo que abre, em genérico, uma possibilidade de aplicação para todos os
casos idênticos que viola frontal e objectivamente comandos constitucionais.
9º. E este é o fundamento teleológico da fiscalização concreta de
constitucionalidade, e sendo que o que se pretende com a fiscalização concreta é
impedir interpretações de normas que conduzam a resultados, válidos para todos
os casos idênticos, que contrariem o preceituado na Constituição.
10º. Não se ignora que, quando se trata de fiscalização concreta, as
dificuldades de distinção entre o ataque à decisão e a sindicância da
interpretação se avolumam, já que a decisão é, no essencial, a aplicação que
decorre de uma interpretação, mas é inquestionável que, nesta sede, se deve
questionar a interpretação e não o conteúdo formal da norma, esse sujeito a um
diferente controlo de constitucionalidade. E a própria destrinça entre a
invocação de inconstitucionalidade de uma interpretação e de uma decisão passará
sempre pelo carácter geral e abstracto da invocação por contraposição ao seu
carácter concreto e casuístico.
11º. O que se pretende ver apreciado é uma interpretação do segmento da
norma do artº1978º do C. Civil produzida pelos tribunais de instância que
permite o decretamento de uma medida de confiança judicial nos casos de
orfandade mesmo existindo família biológica com condições e disponível para
cuidar das crianças órfãs.
12º. Entendem os recorrentes que essa interpretação, assente
exclusivamente no critério literal e atida apenas à expressão “se encontrar a
viver com…” (artº1978º nº4 do C. Civil) é manifesta e frontalmente
inconstitucional por violação do artigo 67º da CRP, e ilegal por violação dos
artºs 16º, nº3 da Declaração Universal dos direitos do Homem e 8º, nº1 da
Convenção dos direitos da Criança.
13º. Para os recorrentes o princípio da prevalência da família natural
consagrado no artº67º da C.R.P. obriga a uma interpretação do artº 1978º do C.
Civil que exclua a mera possibilidade do decretamento de uma medida de confiança
judicial em todos os casos de orfandade em que exista uma família alargada com
condições e disponibilidade para que as crianças órfãs passem a viver com ela.
14º. E os recorrentes, para além de delimitarem o entendimento do art.
1978º do CC que consideram inconstitucional e que retiram das decisões judiciais
recorridas (mas sempre se reportando à interpretação das normas atendida pelos
tribunais), com a respectiva indicação das normas constitucionais violadas,
também explicitam, seguidamente, o entendimento que consideram mais consentâneo
com a Constituição.
15º. Aliás, este douto Tribunal Constitucional segue uma orientação que
permite proceder-se a uma fiscalização concreta de interpretações de normas
contrárias à Constituição e tomadas pelos órgãos judiciais.
16º. Ora, os recorrentes sempre imputaram esta interpretação do art.
1978º, n.º 1 e 4 do CC inconstitucional, por violação do art. 67º da CRP e do
art. 16º, n.º 3 da Declaração Universal dos Direitos do Homem e art. 8º, n.º 1
da Convenção dos Direitos das Crianças, aplicáveis ao direito português segundo
o disposto no art. 8º, n.º 1 da CRP, por considerarem que, em caso de morte
simultânea dos progenitores, vivendo os menores com colateral, e havendo
interesse da restante família alargada em cuidar e viver com os menores, apesar
de não viver anteriormente com eles até à data da morte dos pais por,
logicamente, as crianças viverem com os seus pais, deve dar-se prevalência à
família para acolher os menores e ser-lhe concedida a confiança judicial dos
mesmos, excepto se, dentro da família alargada, não houver interesse em acolher
os menores ou, então, puserem em perigo, de forma grave, a segurança, a saúde, a
formação moral ou a educação dos menores, e só esta interpretação pode ser
consentânea com a Constituição e consentânea com as disposições de legislação
internacional supra mencionadas.
17º. A interpretação seguida pelos tribunais de instância, incorrecta
para a generalidade dos casos idênticos assume neste caso concreto uma dimensão
trágica e profundamente reprovável.
18º. O entendimento sufragado pelas decisões, que se pretende seja
sindicado, já esteva na origem de anterior decisão que impediu a respectiva
intervenção durante o processo de confiança.
19º. E esse concreto entendimento, de que é necessário que as crianças
vivam com a família natural, para que seja aplicável o nº4 do artº 1978º foi já
declarado inconstitucional por esse alto Tribunal no Acórdão n.º 282/2004.
20º. Efectivamente, esse Tribunal Constitucional já analisou e decidiu
a inconstitucionalidade de um entendimento que afaste a aplicação do artº1978º
nº4 do C. Civil nos casos em que existindo orfandade simultânea, existam
familiares dos menores disponíveis para deles cuidar e que só não exercem a
guarda de facto por motivos estranhos à sua vontade.
21º. No caso já decidido pretendia-se, como resultado da revogação da
interpretação, que os recorrentes fossem admitidos a intervir no processo de
confiança apesar de não viverem com as crianças.
22º. Por sua vez, no caso vertente, pretende-se a revogação de uma
interpretação que afastou a aplicação do artº1978º nº4 por as crianças não
viverem com a família natural, sendo que não vivem porque foram afastadas, desde
o início por causa não imputável aos recorrentes, facto que as várias decisões
ao longo deste processo reconhecem, chegando mesmo a dizer expressamente que os
recorrentes sempre quiseram e diligenciaram pelo exercício da tarefa de
acolhimento logo após a morte dos pais.
23º. A não admissão deste recurso, por razões meramente formais, sem
apreciação da inconstitucionalidade do entendimento permitirá que se consolide
definitivamente mal uma situação que só ainda se verifica por uma sucessão de
erróneos entendimentos e interpretações que, para além de violarem a
Constituição, violam os mais profundos sentimentos de qualquer ser humano e as
mais elementares regras de bom senso.
24º. Para que em situações semelhantes, falecimento simultâneo de ambos
os progenitores, estranhos com interesses inconfessáveis ou até mesmo
altruísticos não afastem ilegalmente familiares próximos (irmão, tios, avós) que
tudo fazem para exercer um dever de honrar a memória de familiares perdidos, e
de garantirem protecção aos familiares mais vulneráveis que ficam tragicamente
desprotegidos, é imperioso que se aprecie o presente recurso e que se declare
urbi et orbi que é inconstitucional o entendimento que permita o decretamento de
uma medida de confiança judicial por aplicação do artº1978º nº1 do C. Civil,
sempre que, nos termos do Nº4 do mesmo artigo, exista família próxima (irmão,
tios) que mostrem vontade e tenham capacidade de cuidar dos menores e que só não
os tenham a viver consigo por motivo estranho à sua vontade.» (fls. 1067 a 1082)
3. Notificado da reclamação, o Representante do Ministério Público junto deste
Tribunal pronunciou-se no seguinte sentido:
«1º
A presente reclamação é, a nosso ver, improcedente.
2º
Na verdade, a argumentação dos reclamantes em nada abala os fundamentos da douta
decisão reclamada, no que respeita à inverificação dos pressupostos do recurso
interposto, em consequência de não, terem suscitado, durante o processo e em
termos processualmente adequados, a questão de inconstitucionalidade normativa
que pretendem submeter a este Tribunal.
3º
Acresce que, em rigor, os recorrentes não controvertem qualquer critério
normativo, efectivamente aplicado pelo STJ à dirimição do caso, mas a decisão,
prudencial e casuística, alcançada pelos tribunais judiciais em função da
concreta ponderação do interesse do menor, segundo critérios de conveniência e
oportunidade, ligados à especificidade da matéria de facto tida pelas instâncias
como provada e insindicável pelo STJ, como se afirmou expressamente no douto
acórdão recorrido (cf. p. 989 e 993).
4º
Importando ainda salientar que o acórdão nº 282/04 não se pronunciou sobre
qualquer questão de constitucionalidade de normas substantivas, mas sobre
questão estritamente adjectiva, relativa à definição do pressuposto processual
legitimidade nos processos de confiança judicial.» (fls. 1090 e 1090-verso)
4. Notificados da reclamação, os restantes recorridos deixaram
expirar o prazo para resposta, sem que viessem aos juntos pronunciar-se.
Cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
5. Através da presente reclamação vem o recorrente colocar apenas em crise a
parte da decisão sumária que rejeitou conhecer do objecto do pedido quanto a uma
alegada inconstitucionalidade da norma constante do artigo 1978º, n.º 4, do
Código Civil, tendo-se, portanto, conformado quanto ao demais.
Alega o ora reclamante (ainda que não as identifique expressamente) que
verbalizou, designadamente, nas alíneas LLL) e PPP) das conclusões do recurso
interposto para o Supremo Tribunal de Justiça uma suscitação de
inconstitucionalidade processualmente adequada.
Sucede, porém, que, nessa sede, o ora reclamante limitou-se a expor o seu
entendimento quanto àquela que entende ser uma interpretação conforme à
Constituição da norma constante do n.º 4 do artigo 1978º, do Código Civil, nunca
reputando de inconstitucional uma possível interpretação normativa a adoptar
pelo (agora) tribunal recorrido. Essa defesa de uma interpretação conforme à
Constituição, segundo o entendimento que formou acerca da norma que agora
pretende colocar em crise, não se coaduna como uma suscitação processualmente
adequada de inconstitucionalidade, para os efeitos previstos no n.º 2 do artigo
72º da LTC.
Para além disso, conforme, aliás, já notado pela decisão sumária, qualquer
tentativa de demonstrar o contrário esbarra contra a expressa referência a uma
alegada inconstitucionalidade da decisão jurisdicional, constante das alíneas
OOO) e RRR) das referidas conclusões. A forma como o recorrente imputou a
inconstitucionalidade à própria decisão jurisdicional afigura-se, pois,
contraditória com agora alegado em sede de reclamação.
No fundo, o que este Tribunal crê retirar da estratégia processual do recorrente
é que aquele tem sempre vindo a discordar dos juízos formulados pelos tribunais
recorridos quanto à aferição do superior interesse dos menores, em função da
aplicação de critérios de conveniência e de garantia do são desenvolvimento dos
menores. Não se encontra, porém, este Tribunal constitucionalmente habilitado
para deles conhecer, em sede de recurso.
Daqui decorre que não foi suscitada, de modo a que aquele dela estivesse
obrigado a conhecer, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa perante
o tribunal recorrido. Assim, não subsiste fundamento para alteração da decisão
reclamada.
III – DECISÃO
Pelos fundamentos supra expostos, e ao abrigo do disposto no do n.º 3 do artigo
78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei
n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se indeferir a presente reclamação;
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC’s, nos
termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 07 de Outubro de 2008
Ana Maria Guerra Martins
Vítor Gomes
Gil Galvão