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Processo n.º 207/08
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. O Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82,
de 15 de Novembro (LTC), do despacho de 28 de Janeiro de 2008, do juiz da 8.ª
Vara Criminal do Círculo de Lisboa que recusou, com fundamento em violação do
princípio constitucional do respeito pelo caso julgado, ínsito nos artigos 2.º,
111.º, n.º 1, 205.º, n.º 2 e 282.º, n.º 3, da Constituição, a aplicação do
disposto no artigo 446.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na sua redacção
actual (emergente da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto), na medida em que permite
a interposição de recurso de decisão transitada em julgado
Nas alegações de recurso apresentadas neste Tribunal (artigo 79.º da
LTC), o Exmo. Procurador-Geral Adjunto conclui nos termos seguintes:
“1. Atenta a função instrumental reconhecida ao recurso de constitucionalidade,
o Tribunal Constitucional só deve conhecer das questões de constitucionalidade
normativa quando a decisão a proferir possa influir utilmente no julgamento de
questão de mérito discutido no processo.
2. Esta reporta-se à prescrição do procedimento criminal que foi decidida no
processo em termos coincidentes à que resulta do Acórdão n° 183/2008 do Plenário
do Tribunal Constitucional, com força obrigatória geral, e que já não poderá
sofrer alteração.
3. Não deverá, assim, conhecer-se do objecto do recurso.
4. A entender-se, diferentemente, não deverá ser confirmado o juízo formulado na
decisão recorrida, que recusou a aplicação da norma do artigo 446º, nº 1 do
Código de Processo Penal, com fundamento em inconstitucionalidade.”
O arguido A. (ora recorrido) não alegou.
2. O Ministério Público suscita a questão da inutilidade
superveniente da resolução da questão de constitucionalidade suscitada no
recurso, por virtude da declaração da inconstitucionalidade, com força
obrigatória geral, constante do acórdão n.º 183/2008 do Tribunal Constitucional.
Para apreciação desta “questão prévia”, importa ter presente as
seguintes ocorrências processuais:
a) Por despacho de 12 de Novembro de 2007, foi declarado extinto o procedimento
criminal, com fundamento em terem decorrido mais de 10 anos desde a (alegada)
prática dos factos objecto da acusação e não ter ocorrido qualquer causa de
interrupção ou de suspensão de prazo prescricional, visto não ser de aceitar que
a declaração de contumácia tenha como efeito a suspensão do prazo de prescrição
(nos termos do regime jurídico em vigor, à data dos factos).
b) Transitada em julgado esta decisão ( fls 303), o Ministério Público interpôs
recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do disposto no artigo 446º
do Código de Processo Penal, com fundamento em que essa decisão está em oposição
com o entendimento fixado pelo Assento do Supremo Tribunal de Justiça nº
10/2000, de 29 de Outubro de 2000, segundo o qual, no domínio da vigência do
Código de Processo Penal de 1987, a declaração de contumácia constituía causa de
suspensão da prescrição do procedimento criminal.
c) Por despacho de 28 de Janeiro de 2008, foi recusada a aplicação do disposto
no artigo 446º, nº 1, do Código de Processo Penal por violação do princípio
constitucional de respeito pelo caso julgado, ínsito nos artigos 20, 111º, nº 1,
205º, nº 2 e 282º, nº 3 da Constituição da República Portuguesa e,
consequentemente, não foi admitido o recurso interposto pelo Ministério Público
para o Supremo Tribunal de Justiça.
3. É deste último despacho, que desaplicou o n.º 1 do artigo 446.º
do Código de Processo Penal com fundamento em inconstitucionalidade, que vem
interposto o presente recurso. Se este viesse a ser provido, o tribunal a quo
deveria reformar o despacho recorrido e, se outra causa a tanto não obstasse,
admitir o recurso obrigatório que o Ministério Público interpôs do despacho
anteriormente proferido contra a jurisprudência fixada pelo assento n.º 10/2000,
ao abrigo do artigo 466.º do Código de Processo Penal.
Sucede que, entretanto foi proferido o acórdão n.º 183/2008,
publicado no Diário da República, I Série, de 22 de Abril de 2008, em que o
Tribunal Constitucional declarou, com força obrigatória geral, a
inconstitucionalidade, por violação do disposto no artigo 29.º, n.ºs 1 e 3, da
Constituição, da norma extraída das disposições conjugadas do artigo 119.º, n.º
1, alínea a), do Código Penal e do artigo 336.º, n.º 1, do Código de Processo
Penal, ambos na redacção originária, na interpretação segundo a qual a
prescrição do procedimento criminal se suspende com a declaração de contumácia.
Consequentemente, respeitando os efeitos da declaração de
inconstitucionalidade com força obrigatória geral, o Supremo Tribunal de Justiça
sempre teria de confirmar o despacho de 12 de Novembro de 2007 no aspecto que
motivava o recurso, isto é, na parte em que ele divergira da anterior
jurisprudência fixada e não considerara o prazo de prescrição suspenso pela
declaração de contumácia.
Aliás, já após a prolação do acórdão n.º 183/2008 do Tribunal
Constitucional, mas antes da respectiva publicação, por acórdão de 9 de Abril de
2008, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj, o Supremo Tribunal de Justiça veio
a inverter a sua anterior jurisprudência, fixando o entendimento de que no
domínio da vigência do Código Penal de 1982 e do Código de Processo Penal de
1987, nas suas versões originárias, a declaração de contumácia não constituía
causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal.
Deste modo, qualquer que fosse o sentido da decisão do Tribunal
Constitucional quanto à norma do artigo 446.º do Código de Processo Penal que é
objecto do presente recurso, a solução da questão de fundo relativa aos efeitos
da declaração de contumácia no prazo de prescrição do procedimento criminal
permaneceria intocável.
Assim, tendo o conhecimento da questão de constitucionalidade que no presente
recurso se coloca perdido utilidade para a decisão da causa em que, em último
termo, se enxerta, não deve dele conhecer-se (no mesmo sentido, acórdão n.º
322/2008, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
4. Decisão
Pelo exposto, decide-se não conhecer do presente recurso, por
inutilidade superveniente.
Sem custas.
Lisboa, 1 de Julho de 2008
Vítor Gomes
Ana Maria Guerra Martins
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
Gil Galvão