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Processo n.º 399/08
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. O Exmo. Representante do Ministério Público junto do Supremo Tribunal
Administrativo interpôs recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional, da
decisão que recusou a aplicação das normas do artigo 8.º, n.º 1, alíneas a) e
b), do Regime Geral das Infracções Tributárias (Lei n.º 15/2001, de 5 de
Junho)), por as considerar inconstitucionais, na medida em que “violam o
princípio da intransmissibilidade das penas, previsto no artigo 30.º, n.º 3 da
Constituição da República, e também o princípio da presunção de inocência que,
por força do artigo 32.º, n.º 2 da Constituição da República, vigora em matéria
sancionatória.”
2. Notificado para alegar, veio o Exmo. Representante do Ministério Público,
junto do Tribunal Constitucional, concluir o seguinte:
1. Não tendo o Acórdão do STA invocado o artigo 8° do RGIT como fundamento da
decisão, isto é, não sendo aquela norma “ratio decidendi”, tem-se por duvidosa a
admissibilidade do presente recurso.
2. A declaração de falência de uma sociedade não tem por efeito extinguir
definitiva e totalmente a mesma sociedade, considerando-se esta apenas extinta
pelo encerramento da liquidação.
3. Mantendo-se a (personalidade jurídica falência – como concluído em 2 –
mantém-se, consequentemente, a responsabilidade contra-ordenacional bem como a
responsabilidade pelo pagamento das coimas aplicadas, não se extinguindo estas
por mero efeito daquela declaração de falência.
4. Não são inconstitucionais as normas das alíneas a) e b) do artigo 8° do RGIT
(Lei n° 15/2001, de 5 de Junho) quando interpretadas no sentido de admitir a
responsabilidade subsidiária de administradores, gerentes ou outras pessoas, que
exerçam funções de administração, pelo pagamento de coimas aplicadas à sociedade
– ainda que declarada falida após a aplicação das coimas – porquanto se não
viola o principio da intransmissibilidade das penas (artigo 30.º, n° 3, da CRP)
nem o principio da presunção da inocência (artigo 29°, n.º 2 da CRP).
A decisão recorrida apresenta a seguinte fundamentação:
“4- A sentença recorrida, resultando provado da matéria de facto que a executada
originária fora declarada falida por sentença transitada em julgado em
23-10-2000, julgou procedente a oposição deduzida e, em consequência, extinta a
execução.
Para tanto, com apelo ao disposto nos artigos 193.°, alínea a), 194.° do CPT,
61.°, alínea a) e 62.° do RGIT, ponderou-se na decisão que a declaração de
falência de uma sociedade equivale á morte física das pessoas singulares e daí
que com declaração de falência se extinguiu “-o procedimento contraordenacional
bem como a obrigação de pagamento das coimas e consequentemente as execuções
instauradas tendentes á sua cobrança coerciva contra a executada originária e
ora revertidas contra o oponente – “.
Inconformado com a decisão proferida, o Exmo. Magistrado do Ministério Público
recorrente argumenta, no essencial, que a questão deve ser configurada como um
problema de responsabilidade por dívidas, no caso derivado de coimas, bem como
com o facto da aplicação da sanção contraordenacional ter ocorrido em momento
anterior ao da sentença falimentar, culminando por afirmar que, pese embora a
declaração de falência acarrete a dissolução da sociedade (artigo 141.°, n.°1,
alínea e) do Código das Sociedades Comerciais), o certo é manteria a sua
virtualidade de actuação e responsabilização judiciárias.
Diga-se, desde já, que a sentença sob recurso não suscita qualquer censura.
Com efeito, resulta do probatório que o trânsito em julgado da coima ocorreu em
22-02-99, o oponente foi citado em 27-10-04 e a executada originária declarada
falida, com sentença transitada em julgado em 23-10-00 (4., 5., e 6.da matéria
de facto).
Neste contexto factual bem se andou na sentença ao concluir que a dissolução da
sociedade arguida, por declaração de falência (artigos 141.° e 146.° do CSC e
147.° e seguintes do CPEREF), equivale á morte do infractor, atento o disposto
nos artigos 61.° e 62.° do RGIT, 193.°, 194.° e 260.°, n.°, 2, al. a) do CPT e
176.°, n.º 2 al: a) do CPPT, daí decorrendo a extinção do procedimento
contra-ordenacional, da obrigação do pagamento de coimas e da execução fiscal
instaurada tendente à sua cobrança coerciva.
Aliás, nesse sentido se tem vindo a pronunciar de forma pacífica e reiterada
este Supremo Tribunal – cfr. acórdãos de 3-11-99,21-01-03,26-02-03,
12-01-05,6-10-05 e 16-11-05, nos recursos n.°s 24.046, 1985/02,1981/02,1569/03,
715/05 e 524/05, respectivamente.
De igual modo se pronunciaram Alfredo José de Sousa e Silva Paixão in Código de
Processo Tributário, 4.° edição, a fls. 425 e Jorge Lopes de Sousa que no seu
Código de Procedimento e Processo Tributário, Anotado e Comentado, a fls. 216,
considerou que “...é essa a única solução que se harmoniza com os fins
específicos que justificam a aplicação de sanções, que são de repressão e
prevenção e não de obtenção de receitas para a administração tributária “.
No que tange ás questões que o recorrente suscita quanto ao acerto do
entendimento jurídico acima perfilhado, importará desde logo salientar que da
circunstância da coima ter sido aplicada em momento anterior ao da declaração da
falência nada resulta que permita alterar de forma relevante os dados da solução
jurídica encontrada, a propósito do que o recorrente também pouco adianta.
Na verdade, é de todo indiferente para a aludida equiparação á morte do
infractor o facto da coima ter sido aplicada ou não em momento anterior ao da
respectiva declaração de falência.
Relativamente ao obstáculo à extinção da execução que o recorrente encontra no
facto da responsabilidade do oponente dever ser qualificada como sendo uma
responsabilidade por dívidas, no caso derivada de coimas, a resposta a essa
questão entronca na admissibilidade constitucional da responsabilidade
subsidiária dos administradores, gerentes ou outra pessoas que tenham exercido a
administração das pessoas colectivas extintas, nos termos do artigo 8.° do RGIT.
Nesta matéria se acompanha o que deixou expresso Jorge Lopes de Sousa in CPPT,
já acima citado, a fls. 217, anotação (2), em que defende a
inconstitucionalidade dessa disposição normativa, a saber: “No entanto, esta
responsabilidade subsidiária será materialmente inconstitucional, por violação
do princípio da intransmissibilidade das penas, previsto no artigo 30. °, n.° 3
da CRP, que deverá aplicar-se a qualquer tipo de sanções, por ser essa a única
solução que se harmoniza com os fins específicos que justificam a aplicação de
sanções.
Para além disso, no que concerne às dívidas de multas e coima vencidas no
exercício do mandato do administrador ou gerente existe mesmo uma presunção de
que a falta de pagamento foi imputável àqueles, o que parece inconciliável com a
presunção de inocência que, por força do artigo 32. °, n.° 2 da CRP, vigora em
matéria sancionatória “.
Por último, no tocante á persistência da responsabilidade judiciária uma vez
declarada falida a sociedade, sendo embora certo que uma vez dissolvida mantém,
na fase de liquidação, a sua personalidade jurídica – artigo 146.°, n.° 2 do
CSC, a verdade é que não tal em nada interfere com o facto da consequência
objectiva da respectiva dissolução decorrente da declaração de falência,
enquanto realidade jurídica societária, dever ser equiparada á morte á morte do
infractor, como acima se viu.”
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
Questão Prévia
Funda-se o recurso, de interposição obrigatória, numa alegada “recusa de
aplicação” do artigo 8.º, n.º 1, alíneas a), e b), do Regime Geral das
Infracções Tributárias (RGIT).
Sucede no entanto que a decisão recorrida – Acórdão do Supremo Tribunal
Administrativo – fundamentou a improcedência do recurso invocando, para tanto, a
justeza do decidido em 1.ª instância, quanto aos efeitos da declaração de
falência, procedendo, neste particular, a uma analogia com a morte da pessoa
singular e concluindo pela bondade do juízo de extinção do procedimento
contra-ordenacional, da obrigação do pagamento de coimas e da execução fiscal
instaurada tendente à sua cobrança coerciva.
Depois desta afirmação, em que se reitera o bem fundado julgamento a que se
procedeu em 1.ª instância, o Acórdão recorrido exarou determinadas considerações
atinentes à questão da “responsabilidade por dívidas” e à temática da
responsabilidade subsidiária preconizada na invocada disposição legal.
No entanto, estas reflexões são já estranhas ao thema decidendi.
Com efeito, a ratio decidendi do aresto partiu da ponderação dos efeitos da
declaração de falência de uma pessoa colectiva, equiparando-os à morte de uma
pessoa singular, tal como tinha sido decidido na sentença de 1.ª instância, para
concluir pela extinção do procedimento contra-ordenacional.
Consequentemente, o Supremo Tribunal Administrativo não decidiu não aplicar o
artigo 8.º do RGIT, já que a constatação supra referenciada, tornou
desnecessária a abordagem sobre a constitucionalidade do mencionado preceito
legal.
As considerações encetadas a propósito da transmissibilidade das dívidas não
são, assim, mais do que um obiter dictum ou como refere o Ilustre
Procurador-Geral-Adjunto, nas suas alegações, “um mero ‘plus’ intelectual”.
Não é assim de conhecer do recurso.
III – Decisão
4. Nestes termos, decide-se em não conhecer do objecto do recurso.
Sem custas.
Lisboa, 8 de Outubro de 2008
José Borges Soeiro
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão
Rui Manuel Moura Ramos